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SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Sumário
A pendência, nos tribunais administrativos, de providência cautelar, visando a suspensão da eficácia da DUP, não encerra o requisito de suspensão da instância no processo expropriativo relativo a um bem que não pertence a qualquer dos requerentes daquela providência, ainda que este tenha sido abrangido pela mesma DUP.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – Este processo de expropriação por utilidade pública em que é expropriante Viana Polis, Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo e expropriada AA, sendo objecto da expropriação a parcela n.º133, fracção UA, que faz parte do prédio constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior, Viana do Castelo, sob o n.º 535/19881004-UA, foi remetido a tribunal por força do artigo 51.º do Código das Expropriações.
II - Nele, a Sr.ª Juíza suspendeu a instância, nos termos do artigo 279.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
III – Agravou a expropriante, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Guimarães manteve o decidido.
IV – Ainda inconformada, agrava para este Supremo Tribunal.
Conclui as alegações do seguinte modo:
1.ª) É manifesta a contradição existente entre o acórdão sob censura e o acórdão fundamento proferido pela mesma Relação nos autos de expropriação n.º 2671/07-1, já transitado em julgado;
2.ª) De facto, os arestos em causa pronunciaram-se sobre a mesma questão jurídica, atendendo a enquadramento factual idêntico, ou seja, ambos os expropriados não figuravam como requerentes/autores nos processos judicias que correm termos pelos Tribunais Administrativos tendo em vista a suspensão e impugnação da DUP que preside à expropriação da parcela 133 (Edifício Jardim), onde se incluem as fracções autónomas de que são proprietários;
3.ª) Sendo que, o acórdão em crise e o acórdão fundamento alcançaram soluções jurídicas divergentes;
4.ª) Enquanto o acórdão sob censura confirmou o despacho que havia ordenado a suspensão da instância por força dos processos pendentes nos Tribunais Administrativos, o acórdão fundamento adoptando entendimento oposto, revogou o referido despacho na medida em que considerou que os aludidos processos judiciais não consubstanciavam causa prejudicial face ao processo de expropriação, em virtude de os seus efeitos não serem oponíveis ao expropriado por neles não figurar como parte activa;
5.ª) A questão controversa que se coloca à consideração deste Venerando Supremo Tribunal consiste em saber se os processos que correm termos pelos Tribunais Administrativos tendentes à suspensão da DUP que preside ao procedimento expropriatório em apreço consubstanciam ou não causa prejudicial para efeitos de suspensão da instância, nas situações em que os expropriados não figuram como partes activas nos referidos processos judiciais;
6.ª) Sendo que, o acórdão em crise está em desconformidade com a mais recente jurisprudência proferida sobre esta matéria (v. acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito dos autos de expropriação n.ºs 2270/07-2 e 653/08-1 - ainda não transitados em julgado - e 97/08-1 o qual transitou em julgado na pendência do presente recurso), designadamente com o Acórdão emanado pela mesma Relação, já transitado em julgado, nos autos de expropriação n.º 2671/07-1;
7.ª) Com efeito, estando em causa um acto administrativo plural e divisível, a eventual sentença de suspensão dos efeitos da DUP só estará dotada de eficácia inter-partes/ sendo, como tal, inoponível à expropriada nos presentes autos que não é parte em nenhuma das providências cautelares que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga com vista à suspensão de eficácia da DUP;
8.ª) Na verdade, as providências cautelares requeridas em relação a cada uma das fracções da parcela 133 (Edifício Jardim) apenas são eficazes relativamente aos respectivos requerentes, não sendo susceptíveis de vir a afectar a validade e eficácia da DUP quanto aos demais e, por isso, a pendência do respectivo processo não constitui causa prejudicial face ao de expropriação relativo a outras fracções;
9.ª) Aliás, o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido implica um extravasar inadmissível do princípio do inquisitório plasmado no artigo 265.°, do Código de Processo Civil porquanto, o Tribunal por despacho como que decreta uma providência cautelar de suspensão de eficácia da DUP relativamente à fracção autónoma UA pertencente à parcela 133, à revelia da própria expropriada e sem audição da expropriante;
10.ª) Pelo que, mal andou o acórdão em crise ao proceder à manutenção do despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Viana do Castelo, por via do qual havia sido ordenada a suspensão da instância dos autos de expropriação.
Não houve contra-alegações.
V – Constatada já pelo relator a verificação do requisito da admissibilidade do recurso, previsto no n.º2 do artigo 754.º do Código de Processo Civil, consistente contradição entre acórdãos – no caso da Relação – no domínio da mesma legislação, resta a questão de saber se:
A pendência, nos tribunais administrativos, de providência cautelar, visando a suspensão da eficácia da DUP, instaurada por outrem que não a agora recorrida, encerra o requisito de suspensão do presente processo expropriativo, por pendência de causa prejudicial, previsto no n.º1 do artigo 279.º do Código de Processo Civil.
VI – A Relação considerou o seguinte: (1)
Por despacho n.º 17461/2005, de 25 de Julho, do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, publicado no DR. 11 Série n.º 156 de 16 de Agosto de 2005, e o número 164 de 26 de Agosto de 2005 ( despacho n.º 1858/2005) foi declarada a utilidade pública da expropriação, com carácter de urgência, de duas parcelas necessárias à execução do Plano de Pormenor do Centro Histórico, entre elas a denominada parcela 133, de que é parte a fracção autónoma DA. Esta fracção faz parte do prédio constituído em propriedade horizontal, situado na freguesia de Santa Maria Maior, concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, sob o n.º 535/19881004, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2277. E é proprietária desta fracção a AA. Tendo sido realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a posse administrativa, a arbitragem, e efectuado o respectivo depósito do valor atribuído à respectiva fracção, a Viana Polis enviou o processo expropriativo para o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo a requerer que lhe seja adjudicada a propriedade da fracção autónoma UA, do edifício edificado na parcela 133 expropriada.
O juiz, antes de se pronunciar, ordenou a notificação da Diana Polis para informar o tribunal se a providência cautelar pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga diz respeito à fracção em causa, e, no caso afirmativo, se já foi proferida decisão com trânsito em julgado.
Em cumprimento do ordenado, a Viana Polis veio informar o tribunal de que a expropriada AA não é parte activa de quaisquer autos de providência cautelar que se encontram a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga com vista à suspensão da eficácia da Declaração de Utilidade Pública conferida pelos despachos n.º 17461/2005 e 18586/2005, publicados no DR. 11 Série, n.º 156 de 16 de Agosto de 2005 e 164 de 25/08, do mesmo ano. E informa ainda que a expropriada foi indicada como contra-interessada nos autos de providência cautelar que correm termos sob o n.º 1312/05.2BEBRG, pela 2.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, com vista à suspensão de eficácia do acto acima identificado, que aguardam a decisão final.
Em face desta informação, o Tribunal Judicial de Viana do Castelo solicitou ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a informação sobre o estado dos autos 1312/05.2BEBRG e no caso de existir decisão que lhe fosse enviada certidão. Este tribunal enviou a informação que consta de fls. 153, em que indica a pendência de vários processos, sem que tenha ainda havido decisão final.
Em face disto, proferiu o despacho de fls. 154 em que decide: "... A adjudicação da propriedade da parcela a expropriar depende da validade da DUP. A eventual anulação da DUP terá efeitos retroactivos, ficando sem efeito os actos praticados no processo de expropriação, extinguindo-se a sujeição à expropriação que pendia sobre o bem atingido (Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2.ª edição, pago 231). Entendemos, assim, que nos termos do artigo 279.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a instância deve ser suspensa até que se conheça a decisão a proferir nos autos de providência cautelar que correm termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga com vista à suspensão da eficácia da DUP em causa, que os expropriados sejam, ou não, parte activa nessas mesmas acções (pois que pertencendo a fracção em causa ao edifício construído sobre a parcela n.º 133, a expropriar, a decisão cautelar de suspensão da eficácia da DUP abrangerá todas as fracções que o edifício integra).”
VII – Nos termos do artigo 279.º, n.º1 do Código de Processo Civil, o juiz pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer motivo justificado.
Este preceito tem duas partes distintas:
Uma, reportada à pendência de causa prejudicial;
Outra, à ocorrência de motivo justificado.
Quanto à primeira – a única que aqui nos interessa – há que aproximar o preceito do artigo 97.º, n.º1 que dispõe que se o conhecimento do objecto da acção depender de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
Este “sobrestar” corresponde a suspensão do processo, de sorte que os preceitos caminham paredes-meias ou até com manifestos campos de interpenetração.
É certo que, num caso, parte-se da pendência de causa prejudicial e no outro da incompetência do tribunal, como acentua A. dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, I, 287 e III, 267), mas o que aqui nos importa situa-se dentro do que de comum encerram os preceitos, mais concretamente na ideia de que não deve deixar de ser suspensa a instância – ou deixar de se sobrestar na decisão, se quisermos dizer assim – pelo facto de o outro processo estar pendente nos tribunais administrativos. Como diz A. dos Reis, a páginas 268 do III volume referido, no caso do artigo 97.º, a questão prejudicial é somente de natureza criminal ou administrativa e o, então, artigo 284.º abrange “todas as questões prejudiciais, seja de que natureza forem”.
VIII – Quer num, quer noutro dos preceitos, a lei nada impõe ao juiz. Ele pode ou não ir para a suspensão (ou sobrestar na decisão). Deste regime legal resulta uma limitação quanto a recorribilidade. Só podemos alcançar, em recurso, a verificação dos pressupostos da prejudicialidade. Se verificados estes, já não podemos tecer considerações sobre a conveniência da decisão de suspensão (cfr-se, Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, 1.º174).
É, pois, na verificação de tais pressupostos que nos vamos fixar.
IX – A Declaração de Utilidade Pública é um acto administrativo. De acordo com o referido supra, em VI, reportou-se a duas parcelas que incluíam a fracção autónoma da aqui expropriada.
Esta não é parte em quaisquer providência cautelar que se encontre a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga com vista à suspensão da eficácia da dita DUP.
A decisão recorrida estribou-se, pois, em providência cautelar requerida por outrem, ainda que reportada à mesma DUP.
X – Esta providência cautelar requerida por outrem tem em vista a suspensão da eficácia da DUP.
Conforme se decidiu no Ac. do TCA do Norte de 16.11.2006 e que se pode ver em www.dgsi.pt – que, curiosamente, se reportou precisamente a esta DUP – “nas acções administrativas especiais impugnatórias não há lugar ao litisconsórcio activo, independentemente da natureza singular ou plural da relação jurídica subjacente e ainda que o acto seja indivisível. No mesmo sentido, reportado ao contencioso de anulação, tem decidido – como em tal aresto se refere – o STA, podendo apontar-se, como exemplo, o Ac. de 7.10.2004, cujo sumário se pode ver no mesmo sítio.
Pode, então, no nosso caso, mover a providência apenas um dos proprietários de fracção autónoma que integre o prédio.
XI – Seguida a tramitação legal, a providência é objecto de decisão.
Os efeitos desta, no que aqui nos importa, não se afastam dos do regime geral relativo às sentenças. Ou seja, estamos perante a figura dos limites subjectivos do caso julgado no contencioso de anulação.
Sobre esta, releva o artigo 161.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Nos termos nele previstos, pode ter lugar a extensão dos efeitos da sentença a outras pessoas que se encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial. Esta admissibilidade, como resulta claro da inserção do preceito, tem lugar já em processo executivo. O que significa que, em na fase declarativa, a eficácia de uma declaração de anulação produz efeito apenas efeito entre as partes que litigaram.
Já perante a lei anterior, Vasco Pereira da Silva (Para Um Contencioso Administrativo dos Particulares, 248) defendia a eficácia apenas inter-partes, entendendo a ela não obstar a unificação formal do acto atingido. “A circunstância de esses actos se encontrarem formalmente unificados não impede a possibilidade da sua separação em termos lógicos, pelo que é perfeitamente correcto considerar que, numa sentença de anulação resultante dum processo em que só participaram algum ou alguns dos destinatários (mas não todos), o acto possa vir a ser anulado em relação àqueles destinatários que participaram no processo, sem o ser relativamente aos demais.”
A concepção subjectivista é, por sua vez, objecto de crítica por Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, 2.ª edição, 280), mas este autor não deixa de reconhecer que “o conteúdo dos deveres de conformação e de reconstituição há-de ser naturalmente variável conforme o vício dado como provado, o tipo de acto anulado e o regime legal da actividade, nos termos que constituem os pressupostos lógco-normativos da sentença.”
Em certos casos, como de concursos públicos, o STA tem decidido que o “contencioso administrativo anulatório continua a ser um contencioso fortemente objectivo de modo que os efeitos do caso julgado podem abranger quem não foi parte no processo (Ac. de 4.10.2005, cujo sumário se pode ver no referido sítio). Mas reporta-se à “parte comum e objectiva do acto plural que interpretou uma norma”.
Ora, no nosso caso, ao tempo da prolação do despacho agora em crise não se sabia se a DUP era atacada relativamente à sua “parte comum e objectiva”, de sorte que, mesmo acolhendo a posição do STA, relativa aos concursos públicos, faleceria um dado necessário para se poder estender a eficácia da decisão que viesse a ser tomada, no sentido da suspensão da eficácia daquela, à aqui recorrida.
O que é reforçado pelo conteúdo da decisão sobre a providência cautelar, já tomada em 1.ª instância e constante de folhas 467 e seguintes, na qual se escreveu nomeadamente :
“Ora, no caso vertente, os interesses que cabe acautelar são os interesses dos requerentes, limitando-se estes ao pedido de suspensão de eficácia da declaração de utilidade pública da parcela n.º133.”
XII – Noutro campo, há a ter em conta que resulta “a contrario sensu” do n.º2 do artigo 50.º do CPTA que a impugnação judicial de um acto administrativo não suspende a eficácia desse acto.
A neutralidade da impugnação judicial sobre a eficácia do acto administrativo, como referem Maria Oliveira e Rodrigo Oliveira, a páginas 335, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, fun
da-se hoje na autoridade própria das decisões administrativas e no princípio da prossecução do interesse público.
É certo que, no presente caso, a providência cautelar visa precisamente suspender a eficácia do acto o que reduz manifestamente o peso deste argumento. Mas fica algum traduzido no que deve ser a eficácia do acto administrativo até ser, se o for, declarado ineficaz. Em marcha está o valor da autoridade própria dele, conjugado com a prossecução, que encerra, do interesse público.
XIII- Do que vimos expondo, emerge que acolhemos, sem reservas, os argumentos explanados no Acórdão deste Tribunal de 3.7.2008, cujo texto se pode ver em www.dgsi.pt e que se reporta, também, à DUP aqui referida. Representando, concomitantemente, um valor a atender - até face ao artigo 8.°, n.º3 do Código Civil - a constância da orientação jurisprudencial.
XIV - E contra o entendimento que vem sendo expendido não se poderá, procedentemente, argumentar que, como consta do despacho recorrido, a expropriada é contra-interessada na dita providência cautelar. A figura dos contra-interessados, desconhecida no processo civil, encontra a essência da sua estatuição no artigo 57.° do CPTA e, por natureza, reporta-se a quem tem um interesse contraposto ao dos autores ou requerentes. Não relativamente a quem está ao lado deles. Assim, a posição de contra-interessada relativamente à providência cautelar coloca a ora requerente em posição oposta à que resultaria dum litisconsórcio na vertente activa. Se se relevasse, para os nossos efeitos, a sua posição processual, poderia dar-se o caso de, pretendendo ela a produção dos efeitos da DUP, ver-se prolongadamente impedida de fazer valer os seus direitos – mormente indemnizatórios – se outros, com interesse antagónico, viessem sucessivamente impugnando a validade daquele acto administrativo ou pedindo a sua suspensão.
xv - Dá-se, pois, provimento ao agravo, determinando-se a revogação do despacho em crise em ordem a prosseguir o processo.
Sem custas, atento o n.º 1 g) do artigo 2.° do Código das Custas Judiciais.
Lisboa, 02 de Outubro de 2008
João Bernardo (relator)
Oliveira Rocha
Oliveira Vasconcelos
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(1) No relatório do acórdão recorrido fez-se uma enumeração e, depois, no momento de considerar os factos assentes, escreveu-se:
”Damos como assente a matéria fáctica acima relatada.”
Seguimos, então, aquela enumeração, pondo de parte o rigor – que irreleva, num plano de razoabilidade, para o presente caso – de se aludir, por vezes, não a factos provados, mas a comunicações sobre factos.