I - O art.º 210.º do CP actual prevê o crime de violência depois da subtracção, também chamado de roubo impróprio, ao indicar que as penas previstas no artigo anterior (roubo) são, conforme os casos, aplicáveis a quem utilizar os meios previstos no mesmo artigo para, quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas subtraídas.
II - Contudo, a situação dos autos não cabe nessa previsão. É certo que o recorrente e os seus comparsas ainda estavam a finalizar o furto qualificado que praticaram no estabelecimento comercial, quando um dos arguidos disparou contra o ofendido, pois tinham acabado de colocar os objectos furtados no veículo onde se transportavam, ainda estacionado junto do estabelecimento e, nessa altura, o ofendido assomou à janela. Os disparos foram feitos, portanto, para melhor poderem fugir do local e, assim, conservarem os objectos furtados, numa evidente situação de flagrante delito, que é um dos requisitos da previsão legal do roubo impróprio.
III - Todavia, os arguidos não utilizaram com essa acção violenta (os disparos contra o ofendido) quaisquer dos meios que são constitutivos do crime de roubo (próprio). Com efeito, como se refere no Comentário Conimbricense (pág. 191), “Não cabe neste preceito [o do roubo] o latrocínio – roubo doloso com homicídio doloso (figura prevista no CP de 1886, art.º 433.º). Para caber tal situação, o legislador teria de se referir expressamente ao homicídio doloso (cfr. Damião Cunha, cit., 576 ss.); assim, uma situação em que ocorra um roubo doloso e um homicídio doloso originará um concurso de crimes...»
Do acórdão condenatório recorreu esse arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde, por acórdão de 5 de Março de 2008, foi rejeitado o recurso por manifesta improcedência.
2. Deste último acórdão recorre agora aquele arguido para o Supremo Tribunal de Justiça e, da sua motivação, formula as seguintes conclusões:
I. Os disparos efectuados contra o assistente B surgiram como parte integrante da realidade complexa global constituída pelo "assalto", mas as Instâncias entenderam retalhar esse «facto global» e em consequência fraccionaram a sua qualificação jurídica, concluindo pela comissão de três crimes, um de furto qualificado, outro de homicídio tentado e um último de detenção de arma proibida.
II. Sucede que existe previsão legal expressa e específica para o tipo de situações como aquelas dadas aqui como provadas, designadamente, o tipo legal de crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.°, n.ºs 1 e 2, a) e b), do Código Penal.
III. Com efeito, na primeira parte da alínea a) do n.º 2 do art. 210.° do CP deverão integrar-se as hipóteses, como a dos autos, em que um dos agentes do roubo pratica, com conhecimento e vontade, determinado acto adequado a matar a vítima, sem que porém chegue a consumar-se a sua morte.
IV. Pois não se vê como possa existir uma situação em que o agente actua com o propósito de criar perigo para a vida alheia, pondo em marcha uma acção efectivamente idónea a causar esse perigo para a vida, sem que simultaneamente, caso se verifique tão-só um resultado de perigo e não chegue a produzir-se a morte, se constitua autor de um homicídio doloso na forma tentada.
V. Deve, nessa medida, concluir-se que cabe na circunstância agravante incluída na alínea a) do n.º 2 do art. 210.° do CP a conduta daquele que, na comissão do roubo, realiza dolosamente uma acção apta a retirar a vida da pessoa que sofre a violência necessária à subtracção da coisa móvel, sem que todavia ocorra a morte.
VI. Em suma, na perspectiva do recorrente houve erro das Instâncias na qualificação jurídica da factualidade provada, pois em face dela e atenta a regra da especialidade em matéria de concurso de infracções (lex specialis derogat legi generali), o aqui arguido deveria ter sido condenado não por furto qualificado em concurso efectivo com homicídio doloso tentado, mas sim por um único crime de roubo agravado, previsto e punido pelas normas legais assinaladas.
Mais,
VII. Verifica-se existir ainda erro na autonomização do crime de detenção de arma proibida e na sua punição em concurso efectivo com as demais infracções imputadas.
VIII. Tanto no roubo (art. 204.°-2, f), ex vi art. 210.°-2, b), ambos do CP) como no furto (art. 204.°-2, f), do CP) existe disposição legal expressa agravante ou qualificadora dos respectivos tipos-de-ilícito referente ao uso de arma: "trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta".
IX. Por isso mesmo, sob pena de dupla valoração do mesmo substrato real para efeitos de condenação penal, em interpretação ilegal (por violadora do art. 30.°-1 do CP) e materialmente inconstitucional do art. 204.°-2, f), do CP e do art.ºs 2.°-1, s); 3.°-2, l); 4.°-1; e 86.°-1, c), da Lei n.º 5/2006, de 23/2, por infracção ao princípio constitucional do ne bis in idem (art. 29.°-5 da Constituição), será de entender que entre aqueles preceitos incriminadores existe uma relação de unidade criminosa por especialidade, a qualificar como unidade de norma ou de lei (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal. Parte Geral, I, 42.° Cap., § 1 e ss.).
X. Aliás, será pelo menos de reconhecer que entre a posse da arma proibida e o roubo existe uma relação de instrumentalidade que gera uma inequívoca dominância do ilícito-típico de roubo e esbate o relevo do ilícito-típico da detenção de arma proibida, o que aponta para um quadro de unidade criminosa por concurso aparente.
Isto posto,
XI. Deverá consequentemente reponderar-se a medida e a espécie de pena a aplicar ao recorrente, sem prejuízo do princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 409.°-1 do CPP e art. 32.°-1 da CRP).
XII. Deverá a pena pelo crime de roubo agravado ser fixada em medida concreta próxima do limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico apontado, 4 anos de prisão (vd. supra, n.º 47 e ss.), não devendo exceder os 4 anos e seis meses de prisão, que se revela perfeitamente compatível com a carência de socialização revelada pela prática do crime.
XIII. Nessa medida, se assim se decidir, a pena única conjunta a formar com a pena aplicada ao crime de furto simples (6 meses de prisão) será sempre não superior a 5 anos (cf. art. 77.°-2 do CP), o que desde já se requer.
XIV. Considerações todas elas que valerão, mutatis mutandis, para a determinação de uma pena única conjunta caso se decida manter a qualificação jurídica dos factos adoptada pelas Instâncias.
XV. Aliás, quanto à pena de prisão de 6 meses aplicada ao crime de furto simples, quando a lei prevê a multa em alternativa, houve infracção ao disposto nos art.ºs 70.° e 77.°-1 e -2 do CP, pois a escolha da pena não foi realizada avulsamente, independentemente da circunstância de existir um concurso de crimes.
XVI. Fixada uma pena única conjunta de medida não superior a 5 anos, nos termos peticionados, requer-se igualmente a aplicação retroactiva do art. 50.°-1 do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/9, porque concretamente mais favorável, e a substituição dessa pena única de prisão por pena de suspensão de execução da pena de prisão.
XVII. Pois tomando aqui igualmente em conta as condições pessoais do arguido, a ausência de quaisquer antecedentes criminais, a manutenção de uma actividade profissional regular e a continuidade da relação com a sua companheira mesmo após o deflagrar do presente processo, não pode senão concluir-se que a simples ameaça da prisão, necessariamente acompanhada de regime de prova (art. 53.°-3 do CP, na nova redacção), constituirão factores a suficientemente fortes para o dissuadir da prática futura de crimes.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. proficientemente suprirão, requer-se a V. Exas.:
a) na parte respeitante ao assalto ao estabelecimento comercial, a condenação em um único crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.°, n.ºs 1 e 2, a) e b), do Código Penal, esta última alínea por referência às alíneas e) e f) do n.º 2 do art. 204.° do mesmo diploma, e consequentemente a fixação de uma pena de prisão, para esse crime de roubo agravado, de medida concreta não superior a 4 anos e seis meses;
b) a revogação da pena de prisão de 6 meses aplicada ao crime de furto simples (art. 203.°-1 do Código Penal) e a aplicação, em vez dela, de uma pena de multa; e
c) por fim, a determinação de uma pena única conjunta de medida concreta não superior a 5 anos e a sua substituição por pena de suspensão de execução da pena de prisão (art. 50.°-1 do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4/9), tanto no caso de provimento do peticionado em a), como, subsidiariamente, no caso de manutenção da condenação pelos crimes de detenção de arma proibida, de furto simples, de furto qualificado e de homicídio tentado, imposta pelas Instâncias.
3. O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao recurso e pronunciou-se pela irrecorribilidade da decisão e, caso assim não se entendesse, pela rejeição do recurso, por nele serem abordadas questões que não foram suscitadas perante o tribunal recorrido.
O Excm.º PGA neste Supremo Tribunal, no seu Parecer, disse, em suma, o seguinte:
«...se é certo que nada obsta ao conhecimento do recurso sob o prisma da determinação da medida da pena, também é certo que este Supremo Tribunal não está obrigado à qualificação jurídica das instâncias e, ressalvados sempre os princípios da "reformatio in pejus" e da alteração substancial, poderia sempre chegar à qualificação proposta, ou a outra, o que significa que apesar da "novidade" da questão e da patente menor lealdade processual ao sonegar ao tribunal recorrido o seu conhecimento, a questão da qualificação jurídica possa ser aqui ser analisada.
O mesmo não se passará seguramente em relação à questão levantada a propósito do crime de furto simples, de recorribilidade mais do que duvidosa em face do disposto no art. 400.°, n.º 1, e) do CPP na sua redacção anterior às alterações introduzidas em Agosto de 2007 e, ainda à jurisprudência consistente deste STJ sobre o mesmo tema, como, também, enquanto questão verdadeiramente nova que é, e portanto subtraída ao conhecimento deste Alto Tribunal.
2. O reconhecer-se que a questão da qualificação jurídica tal como suscitada pelo recorrente pode ser apreciada não significa, no entanto, que se lhe atribui alguma viabilidade.
Desde logo e em relação à detenção de arma proibida o recorrente reconhece a existência de jurisprudência pacifica e constante deste Supremo Tribunal no sentido contrário à da sua pretensão.
E também é óbvio que a matéria de facto assente é bem significativa de que os arguidos já no furto anterior se fizeram acompanhar da arma de fogo de caça de canos serrados, pertença do arguido A, o que só por si já seria suficiente para a sua condenação autónoma.
Quanto à questão do concurso do furto qualificado e homicídio tentado que o recorrente pretende, agora, transformar em roubo agravado é manifesta a sua improcedência.
É que independentemente do roubo consumir ou não a tentativa de homicídio como pretende o recorrente e que seria ideia para seriamente discutir noutras circunstância, a verdade é que na base dessa hipótese estaria antes de mais a verificação dos elementos que permitissem qualificar a conduta do arguido como roubo. E isso, salvo o devido respeito, não se verifica.
É que, mais uma vez nos termos da matéria de facto assente, é depois de consumado o furto, sem qualquer violência ou ameaças para com outrem, que surge o ofendido que é então atingido pelos dois disparos efectuados por um dos arguidos na direcção da parte superior do corpo daquele, sendo certo que provado ficou que houve intenção de tirar a vida ao ofendido.
Ou seja, tudo em moldes diferentes da situação prevista no art. 210.° invocada pelo recorrente.
3. Resta a questão da medida da pena.
E nesta matéria não se vê que a argumentação do recorrente possua virtualidade para afastar as considerações a esse propósito formuladas pelas instâncias.
As circunstâncias da falta de antecedentes criminais e o seu enquadramento pessoal, social e familiar, no contexto dos factos praticados reveladores claramente de uma personalidade excessiva e violenta, não permitirá certamente concluir por um prognóstico mais favorável ao arguido tanto no mais que as considerações de prevenção geral, de defesa do ordenamento jurídico que no caso se fazem sentir, a tal se opõem.
Não será de mais relembrar que estamos perante uma situação em que o sentimento de reprovação social do crime é elevado, não sendo suficiente uma pena de prisão como a pedida pelo recorrente para se atingir a finalidade das penas que consiste na prevenção geral de integração, entendida como o reforço do sentimento de segurança da comunidade face à ocorrência da violação da norma.
De resto, mesmo com o enquadramento jurídico pretendido pelo recorrente, não se vê que uma pena como a pretendida e, ainda por cima, suspensa na sua execução cumpra as mesmas finalidade.
4. Termos em que se emite parecer no sentido da improcedência do presente recurso».
O recorrente, em resposta ao Parecer do M.º P.º no STJ, reafirmou a validade da sua tese.
4. Colhidos os vistos, foi realizada conferência (pois o recorrente não requereu alegações orais) com o formalismo legal.
Cumpre decidir.
As principais questões a decidir são:
1ª- Recorribilidade de toda a decisão ou só de parte dela.
2ª- Qualificação jurídica dos factos quanto aos crimes recorríveis para o STJ.
3ª- Medida da(s) pena(s) e sua eventual suspensão.
FACTOS PROVADOS
No dia 19 de Outubro de 2006, pelas 23 horas, os três arguidos encontraram-se num estabelecimento de bar denominado "Subsolo", sito na localidade de Nespereira, concelho de Cinfães, tendo decidido apropriar-se de gasóleo que nessa noite pudessem encontrar em viatura (s) de terceiro (s) a fim de abastecer os veículos dos arguidos C e A,
Mais acordaram entre si utilizar o veículo automóvel de marca Hyundai, retratado nas fotografias de fls. 148 a 150 dos autos, sem número de matrícula conhecido, para se fazerem transportar.
Os três arguidos acordaram também entre si levar a arma de fogo de caça, cujos canos se encontravam serrados, de marca Verney-Canon, fabricada em Saint-Etienne, França, com o número de série A 85688, carregada com dois cartuchos de calibre 12, da marca Melior, do tipo zagalote, arma pertença do arguido A, para com ela efectuarem disparos na direcção do corpo de qualquer pessoa que se opusesse à prática daqueles factos.
Assim, o arguido D deslocou-se para um pavilhão sito na localidade de Nespereira, onde se encontrava estacionado o veículo automóvel de marca Hyundai, modelo H 100, retratado nas fotografias de fls. 148 a 150.
Uma vez chegado ao dito pavilhão, o arguido D abriu as portas do veículo de marca Hyundai que colocou em marcha, passando a circular com o mesmo até encontrar os arguidos C e A em local previamente acordado.
No trajecto entre aquele estabelecimento de bar e o local onde se encontrou com os arguidos De C, o arguido A transportou consigo a arma de fogo de caça, cujos canos se encontravam serrados, de marca Verney-Carron, fabricada em Saint-Etienne, França, com o número de série A 85688, carregada com dois cartuchos de calibre 12, da marca Melior, do tipo zagalote, arma esta que foi colocada no interior do veículo de marca Hyundai.
De seguida, o arguido C conduziu este veículo até próximo do posto de abastecimento de combustíveis da marca "Avia" (retratado na fotografia número 1 de fls. 489), sito na Estrada Municipal n.º 559, em Oliveira de Sul, tendo-o estacionado na berma dessa estrada, mais concretamente no local assinalado na fotografia número 3 de fls. 490 dos autos.
Uma vez aí os arguidos vislumbraram um veículo pesado de mercadorias, de marca Volvo, modelo F12, com a matrícula ...-...-KB, tendo acoplado um reboque, veículo e local retratados nas fotografias de fls. 69 e 70 dos autos, junto do qual se encontrava estacionado o veículo com a matrícula QC-...-..., de marca Nissan, modelo Patrol 4WD, retratado nas fotografias de fls. 57 e 61 a 64 dos autos, pertença de E.
Nessa altura, os três arguidos, em cumprimento do plano anteriormente traçado, retiraram o combustível que se encontrava no interior do depósito de combustível do veículo com a matrícula ...-...-KB, pertencente à sociedade "F", da qual é sócio G.
Assim, os três arguidos, utilizando para o efeito alguns bidões de plástico e uma mangueira que tinham trazido consigo na carrinha Hyundai, retiraram uma quantidade não concretamente apurada mas nunca inferior a 100 litros de gasóleo, que se encontrava no depósito de combustível do veículo com a matrícula ...-...-KB, num valor não concretamente apurado, que colocaram no interior do veículo de marca Hyundai.
Como soubessem da existência do estabelecimento comercial denominado "I", situado na rua M, retratado nas fotografias de fls. 57 a 60 dos autos, os arguidos acordaram entre si unir esforços para o assaltar.
Assim, acordaram em proceder ao arrombamento da porta de entrada deste estabelecimento sendo que o arguido A conduziria e projectaria o veículo QC-...-... de encontro à porta de entrada do estabelecimento, o arguido C conduziria a carrinha Hyundai, transportando o arguido D, até ao local do assalto, e munido da referida arma de fogo vigiaria as imediações do local enquanto o assalto decorresse, os arguidos A e D entrariam no estabelecimento e daí retirariam diversas moto-serras que colocariam dentro da carrinha, após o que o arguido C conduziria a carrinha Hyundai transportando as moto-serras e os restantes dois arguidos na fuga do local.
De seguida, o arguido A deslocou-se para o veículo QC-...-..., abriu a porta do lado esquerdo de forma não apurada, após o que colocou o respectivo motor em funcionamento, tendo-o de seguida conduzido na direcção do local onde se situa o estabelecimento comercial denominado "I".
Logo atrás deste veículo seguiu a carrinha Hyundai conduzida pelo arguido C, transportando como passageiro o arguido D.
Uma vez chegados às imediações do estabelecimento comercial "I", os três arguidos colocaram na cabeça um capuz e luvas nas mãos para assim não serem reconhecidos, nem deixarem vestígios no local do assalto.
De seguida, cerca das 3 horas, do dia 20 de Outubro de 2005, o arguido A conduziu, em aceleração, o veículo QC-...-... por forma a que a frente do veículo embatesse na porta de entrada daquele estabelecimento (retratada nas fotografias de fls. 57 dos autos), assim fazendo com que a porta se partisse e a frente do veículo penetrasse no interior do mencionado estabelecimento.
De imediato, o arguido C parou o veículo Hyundai defronte do estabelecimento e empunhou a referida arma de fogo de marca Verney-Carron, fabricada em Saint-Etienne, França, com o número de série A 85688, carregada com dois cartuchos de calibre 12, da marca Melior, do tipo zagalote.
Nessa altura, o arguido D saiu do veículo Hyundai e dirigiu-se para o interior do estabelecimento no que foi acompanhado pelo arguido A que, entretanto, havia saído do veículo com a matrícula QC-...-....
De seguida, os arguidos A e D retiraram do interior do estabelecimento as seguintes moto-serras que colocaram no interior do veículo de marca Hyundai:
- moto-serra demarca Stihl, modelo 046 RHD, no valor de 1130,78€; - moto serra de marca Stihl, modelo MS 31045 ROLLO, no valor de 716,24€;
- moto-serra de marca Stihl, modelo MS 46045 ROLLO, no valor de 598€;
- moto-serra de marca Stihl, modelo MS 660 50CMROLLO, no valor de 653,25€;
- moto-serra de marca Stihl, modelo MS 26040CM ROLLOMACT1 t, no valor de 639 €.
Nessa altura, alertado pelo barulho proveniente do rebentamento da porta de entrada do estabelecimento, assomou à varanda do primeiro andar do respectivo edifício (retratada nas fotografias de fls. 64 a 66 dos autos), o assistente B, sócio da sociedade "I". Então, o arguido C, que se encontrava a uma distância não concretamente apurada da varanda mas inferior a cinco metros, empunhando a dita arma de fogo de marca Vemey-Carron, fabricada em Saint-Etienne, ao ver o assistente B a assomar à varanda, apontou os canos da arma na direcção da parte superior do corpo do assistente e efectuou dois disparos, fazendo deflagrar, por duas vezes, os cartuchos que se encontravam no seu interior. Em consequência dos mencionados disparos, os bagos de chumbo contidos nos cartuchos deflagrados atingiram o vidro e persiana da portada da varanda, partindo-os, e embateram no assistente B, atingindo-o no tronco, braço direito, face, coxa direita e tórax. Como consequência directa e necessária do embate dos bagos de chumbo, o assistente B sofreu feridas perfurantes múltiplas de configuração circular, localizadas na face, braço direito, perna direita e tórax, as quais lhe provocaram um período de internamento no serviço de cirurgia do Hospital de São Teotónio de Viseu de quatro dias e um período de doença fixável em trinta dias, sendo os primeiros quinze com afectação da capacidade para o trabalho em geral. Se os chumbos provenientes dos disparos efectuados pelo arguido C tivessem atingido o coração ou outro órgão vital do assistente B teriam provocado a morte deste último, o que apenas não aconteceu por motivos alheios à vontade dos arguidos.
Logo após, os arguidos D e A entraram para a carrinha Hyundai, afastando-se os três arguidos de imediato daquele local, levando consigo as ditas moto serras bem como aqueles litros de gasóleo, que tinham retirado do depósito de combustível do veículo ...-...-KB, para local incerto, assim os fazendo seus.
Em consequência dos estragos provocados na porta de entrada do estabelecimento bem como na persiana e no vidro da porta que dá para a varanda situada no primeiro andar daquele edifício sofreram os seus donos, a sociedade "I" e o assistente B, um prejuízo equivalente ao seu conserto, de montante não concretamente apurado, mas superior a 1.000 euros.
Os três arguidos quiseram fazer seus aqueles litros de gasóleo retirados do veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ...-...-KB, assim como as moto serras retiradas do estabelecimento comercial, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que ao apoderarem-se deles, tal como ao entrarem no estabelecimento comercial, provocando os referidos estragos, tudo nas circunstâncias atrás descritas, o faziam contra a vontade e no desconhecimento dos seus legítimos donos.
O arguido C ao efectuar os referidos disparos com a dita arma de encontro ao corpo do assistente B quis tirar-lhe a vida, o que só não conseguiu por motivos alheios à sua vontade.
Os arguidos A e D sabiam que o arguido C, durante o decurso daquele assalto, poderia efectuar disparos com aquela arma de encontro ao corpo de pessoas que assomassem naquela altura àquele local, assim podendo provocar a sua morte, e concordaram com tal conduta.
Os arguidos conheciam as características daquela arma de fogo de marca Vemey-Carron, fabricada em Saint-Etienne, França, com o número de série A 85688, não possuem qualquer licença de uso e porte de arma de fogo, de caça ou outra e sabiam que não podiam deter ou transportar a dita espingarda caçadeira.
Todos os arguidos agiram, nas circunstâncias descritas, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Em consequência das lesões sofridas o assistente B esteve de baixa no período compreendido entre 20110/05 e 6/11/05 durante o qual não recebeu a remuneração devida, o que lhe acarretou um prejuízo de 679,00 euros, posto que não recebeu nenhum subsídio de doença.
Por causa dos ferimentos causados pelos chumbos, o assistente sofreu fortes dores, temendo pela sua vida quando viu o seu corpo cravado de vários chumbos, a perder muito sangue, pensando nas suas filhas e mulher.
Ainda hoje teme pelo seu bem-estar físico devido ao chumbo que mantém no interior do seu corpo (na região do mediastino) dado o receio que possa causar o rompimento dos tecidos.
Por causa do chumbo alojado no seu corpo e pelo receio que provoque o rompimento dos tecidos deixou de fazer desporto, actividade a que se dedicava desde criança e que praticava regulamente, designadamente canoagem, BTT e motociclismo (enduro).
Antes dos disparos, o assistente era uma pessoa feliz e despreocupada, sendo conhecido por ser uma pessoa calma e afável.
Após os disparos, passou a acordar durante a noite, sonha com os disparos de que foi vítima, e anda em constante sobressalto mesmo durante o dia.
Em consequência das descritas condutas o assistente B foi atendido, em 20/10/05, no Centro de Saúde de São Pedro de Sul e no Serviço de Urgência do Hospital São Teotónio, Viseu, aonde ficou internado até 24/10/05, importando os encargos decorrentes da assistência prestada nos montantes de € 51,80 e €1.713,83 respectivamente.
Em 24/10/05 o assistente B teve alta hospitalar com a recomendação de repouso no domicílio durante uma semana, após o que poderia retomar a actividade normal.
Durante o internamento não apresentou queixas significativas.
Da sua médica de família teve alta em 6/11/2005 por se sentir bem, apresentando ainda lesões a nível da pele dos projécteis que o atingiram.
Do evento não resultaram para o assistente quaisquer consequências permanentes, assim como não resultou, em concreto, perigo para a sua vida.
...À data dos factos o arguido A vivia com os pais. Exerce a actividade de chapeiro sendo considerado pessoa trabalhadora. Por força da situação resultante da medida de coacção que lhe foi imposta vive em casa de uma irmã sita na Rua H.
Continua a exercer a sua actividade na oficina de automóveis J, aonde já trabalhou durante cerca de 5/6 anos, até 2003, altura em que foi trabalhar por conta própria para a aldeia, e cujo proprietário manifestou disponibilidade para o arguido aí continuar a trabalhar caso seja restituído à liberdade.
Aufere o rendimento mensal de 400 euros. Tem uma filha com 5 anos de idade que vive com a mãe. Paga uma pensão mensal de alimentos no valor de 75 euros. Há cerca de sete anos que mantém um relacionamento afectivo com L, o qual não se modificou por força dos factos que lhe são imputados.
É pessoa estimada e considerada pelos seus familiares e amigos. Possui como habilitações escolares o 6° ano de escolaridade.
Não tem antecedentes criminais.
RECORRIBILIDADE
Como já foi dito nos autos, nomeadamente na decisão do Presidente do STJ sobre a reclamação da não admissão do recurso – deferida com base na aplicação da lei processual anterior – o acórdão recorrido não seria recorrível por aplicação das actuais regras processuais, decorrentes da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pois que se trata de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, que confirmou decisão de 1.ª instância e aplicou pena de prisão não superior a 8 anos (cfr. art.º 400.º-f, do CPP07).
A decisão recorrida é, na verdade, recorrível, mas só em parte, pois o STJ tem o entendimento, tal como foi expresso na decisão da reclamação, de que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido. E, assim, por ser mais favorável para o recorrente, aplica-se ao caso a versão original do art.º 400.º do CPP.
Dizemos que a decisão é, em parte, recorrível, pois o recorrente foi condenado por:
- um crime de detenção de arma proibida, previsto pelos artigos 2.°, n.º 1, s), 3° n.º 2, i), 4.°, n.º 1 e 86.°, n.º 1, c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23/2, punível com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
- um crime de furto previsto pelo artigo 203.°, n.º 1, do Código Penal, punível com prisão até três anos ou com pena de multa;
- um crime de furto qualificado previsto pelos artigos 203.°, n.º 1 e 204.°, n.º 2, alínea e), com referência à alínea d) do artigo 202.°, todos do Código Penal, punível com pena de 2 a 8 anos de prisão;
- um crime de homicídio, na forma tentada, previsto pelos artigos 22.°, n.º 1, b), 23.°, n.ºs 1 e 2, 73.°, n.º 1, a) e b) e 131.°, todos do Código Penal, punível com prisão de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses.
Ora, nos termos da lei processual anterior, não é admissível recurso quer de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quer de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções (art.º 400.º, n.º 1-e-f, do CPP).
É o caso dos autos quanto a todos os crimes, menos o de homicídio tentado, pois aqueles outros, se julgados isoladamente, não haveria recurso do respectivo acórdão proferido, em recurso, pela Relação e não há razões substanciais - ou sequer, processuais - para que se adopte um regime diverso de recorribilidade em função da circunstância de, por razões de «conexão» («de processos» - art. 25.º), terem sido conhecidos simultaneamente os crimes «concorrentes».
De resto, é nesse sentido que certa doutrina (1) se vem pronunciando: «A expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” suscita algumas dificuldades de interpretação. A pena aplicável no concurso tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas aplicadas aos diversos crimes em concurso (art. 77.º do CP). Não parece que o legislador tenha aqui recorrido a um critério assente na pena efectivamente aplicada no concurso e, em abstracto, é impossível determinar qual a pena aplicável aos crimes em concurso antes da determinação da pena aplicada a qualquer deles. Parece que a expressão “mesmo em caso de concurso de infracções” significa aqui que não importa a pena aplicada no concurso, tomando-se em conta a pena abstracta aplicável a cada um dos crimes».
Em suma, a decisão da Relação, no caso dos autos, só é recorrível quanto ao crime de homicídio tentado e quanto à operação de formulação da pena única, pois esta última, em abstracto, varia entre um mínimo de 4 anos e um máximo de 9 anos e 2 meses de prisão e, portanto, trata-se de pena aplicável em medida superior a 8 anos de prisão.
Mas no mais não é recorrível, pelo que as penas aplicadas pelos crimes de detenção de arma proibida, furto simples e furto qualificado já transitaram em julgado, de acordo com o princípio da dupla conforme, tal com expresso no art.º 400.º, n.º 1-e-f, do CPP87.
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS
O art.º 211.º do CP, na versão aplicável ao tempo dos crimes, hoje 210.º, prevê o crime de violência depois da subtracção, ao indicar que as penas previstas no artigo anterior (roubo) são, conforme os casos, aplicáveis a quem utilizar os meios previstos no mesmo artigo para, quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas subtraídas.
”Protegem-se, com o presente tipo legal (denominado de roubo impróprio), os mesmos bens jurídicos tutelados no crime de roubo. De facto, entendeu-se que se deviam equiparar as situações em que a violência (em sentido amplo) é meio para subtrair ou constranger à entrega de uma coisa móvel alheia e aquelas em que constitui meio para conservar ou não restituir o objecto. Trata-se, assim, da defesa do bem furtado através dos meios do roubo. O presente tipo legal consome o furto praticado e a coacção (violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir para se conservar o objecto furtado), unindo o conteúdo do ilícito dos dois crimes (neste sentido S / S / Eser § 252 1); consome ainda as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, nos mesmos que o crime de roubo” (Comentário Conimbricense, II, p. 193).
Contudo, a situação dos autos não cabe na previsão do roubo impróprio.
É certo que o recorrente e os seus comparsas ainda estavam a finalizar o furto qualificado que praticaram no estabelecimento comercial "I" quando o arguido C disparou contra o ofendido, pois tinham acabado de colocar os objectos furtados no veículo onde se transportavam, ainda estacionado junto do estabelecimento e, nessa altura, o ofendido assomou à janela. Os disparos foram feitos, portanto, para melhor poderem fugir do local e, assim, conservarem os objectos furtados, numa evidente situação de flagrante delito, que é um dos requisitos da previsão legal do roubo impróprio.
Todavia, os arguidos não utilizaram com essa acção violenta (os disparos contra o ofendido) quaisquer dos meios que são constitutivos do crime de roubo (próprio). Com efeito, como se refere no referido Comentário Conimbricense (pág. 191), “Não cabe neste preceito [o do roubo] o latrocínio – roubo doloso com homicídio doloso (figura prevista no CP de 1886, art.º 433.º). Para caber tal situação, o legislador teria de se referir expressamente ao homicídio doloso (cfr. Damião Cunha, cit., 576 ss.); assim, uma situação em que ocorra um roubo doloso e um homicídio doloso originará um concurso de crimes...».
O perigo para a vida do ofendido, no roubo, há-de provir da circunstância do agente ter provocado dolosamente, pelos meios usados para roubar, uma situação em que haja a possibilidade imediata de morte, só dependendo do acaso a sua verificação ou não (mesma obra, pág. 184).
Mas, se a morte da vítima for intencionalmente desejada pelo agente (homicídio doloso) não estamos perante um crime de perigo efectivo (situação prevista no roubo qualificado), mas de um crime de resultado, ainda que a morte não tenha ocorrido por circunstância alheia à vontade deste último (homicídio doloso tentado). Daí que se diga no Comentário que o crime de roubo impróprio consome as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, sem referência ao homicídio doloso, mesmo que na forma tentada.
Assim, a lei não abarca, com a previsão do art.º 211.º do CP95, os factos ocorridos no assalto ao estabelecimento "I", mostrando-se correcta a qualificação como um crime de furto qualificado e outro de homicídio tentado, em concurso efectivo de infracções.
Quanto ao crime de detenção de arma proibida, a sua autonomia face ao furto qualificado provém da circunstância de neste crime a “arma” poder ser qualquer dos objectos definidos na lei como tal e não, necessariamente, uma arma proibida.
Acresce que o recorrente era o dono da arma e, portanto, detinha-a muito antes de ocorrer o furto. E sempre seria punido por essa detenção.
Em qualquer caso, a condenação pelos dois crimes (furto qualificado e detenção de arma proibida) mostra-se transitada em julgado.
MEDIDA DA PENA
As penas parcelares pelos crimes de detenção de arma proibida, furto simples e furto qualificado mostram-se definitivamente fixadas pelo trânsito parcial da decisão recorrida.
Em relação à pena pelo homicídio tentado, em rigor, o recorrente não a discute, pois pretendia obter uma diminuição de pena através de uma nova qualificação jurídica.
Sempre diremos que, numa moldura penal abstracta de 1 ano 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses, a fixação da pena parcelar em quatro anos mostra-se perfeitamente ajustada.
O grau de desvalor é intenso, pois os agentes do crime atentaram contra a vida de uma pessoa por motivo torpe, com uso de uma arma potente e perigosa e com dois disparos feitos a curta distância (menos de 5 metros).
As consequências do crime também assumem algum relevo, pois, apesar do ofendido ter tido curtos períodos de internamento hospitalar, de doença e de incapacidade para o trabalho, há chumbo que se mantém no interior do seu corpo (na região do mediastino), o que provoca risco de que possa causar rompimento dos tecidos.
Também há que realçar a enorme exigência de prevenção deste tipo de crime e o alarme social que provoca.
Se atentássemos apenas nestas circunstâncias, a pena pelo homicídio tentado haveria que ser fixada muito acima do que foi.
Mas sabe-se que o recorrente exercia e continua a exercer (depois de ter estado em prisão preventiva de 9/02/2006 a 9/02/2008) a actividade de chapeiro, agora numa oficina de automóveis em S. Pedro da Cova, Gondomar, cujo proprietário manifestou disponibilidade para o arguido aí continuar a trabalhar caso seja restituído à liberdade.
Aufere o rendimento mensal de 400 euros. Tem uma filha com 5 anos de idade que vive com a mãe. Paga uma pensão mensal de alimentos no valor de 75 euros. Há cerca de sete anos que mantém um relacionamento afectivo com outra senhora. É pessoa estimada e considerada pelos seus familiares e amigos. Possui como habilitações escolares o 6° ano de escolaridade. Não tem antecedentes criminais.
Estas circunstâncias pessoais justificam que a pena por este crime se mantenha nos quatro anos de prisão.
Conforme decorre do art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, para o qual remete o art.º 78.º, a pena aplicável ao concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
No caso, portanto, os limites abstractos da pena única variam entre o mínimo de 4 anos de prisão (pena parcelar mais grave) e o máximo de 9 anos e 2 meses de prisão (soma de todas as penas).
Para fixar a pena única dentro desses limites tem-se entendido que na «avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo, como no caso, a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» (Figueiredo Dias, in "Direito Processual Penal", § 521).
Obviamente, que estamos perante um caso isolado, pois os factos ocorreram na mesma noite.
Por outro lado, se é certo que os crimes de detenção de arma proibida, furto qualificado e homicídio tentado têm autonomia jurídica e merecem penas parcelares próprias, na sua avaliação conjunta descortina-se uma “unidade” de acção que se deve reflectir numa menor censura quanto à pena única. De resto, o recorrente apresenta sinais positivos de uma futura reintegração.
Assim, entende-se como mais adequado fixar a pena conjunta em 5 anos e 2 meses de prisão, mas não menos, pois não se podem «desvalorizar» factos graves que envolveram, não só danos patrimoniais, como danos pessoais de muito relevo.
Está fora de questão, assim, a possibilidade de suspender a pena, por impossibilidade legal (art.º 50.º do CP).
Termos em que o recurso merece provimento, ainda que parcial.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em manter a decisão recorrida, salvo quanto à pena conjunta que se fixa agora em 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
Pelo decaimento parcial, fixa-se a taxa de justiça a cargo do recorrente em 6 UC e em um quarto a procuradoria (art.ºs 87.º, n.ºs 1-a e 3, e 95.º, do CCJ).
Notifique.
Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Outubro de 2006
Santos Carvalho (Relator)
Rodrigues da Costa