Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PROCESSO EXECUTIVO
TRANSACÇÃO
CLÁUSULA PENAL
Sumário
I - As cláusulas penais destinadas a fixar antecipadamente o montante indemnizatório pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, distinguem-se das cláusulas penais em sentido estrito e das cláusulas penais puramente compulsórias. II - As primeiras correspondem aos acordos negociais que intentam, tão só, liquidar antecipadamente, sem variação, o eventual e futuro dano, incumbindo ao devedor que pretende eximir-se ao quantum indemnizatur estipulado provar, quer que não ocorreu o incumprimento, quer que não foi provocado qualquer dano, quer, ainda, que o incumprimento se não deveu a culpa sua. III - É escopo das cláusulas penais ditas “em sentido estrito”o de obrigar o devedor a efectuar esse cumprimento e, do mesmo passo, a estabelecer um modo alternativo de cumprimento da inicial obrigação, justamente aquele que consiste na prestação da sanção, cumprimento esse com o qual o credor vê satisfeito o seu interesse, não podendo vir, em caso de recusa do cumprimento pelo devedor, a pedir o cumprimento da obrigação inicial. IV - As cláusulas do terceiro tipo - cláusulas penais puramente compulsórias ou compulsivo-sancionatórias - visam obrigar o devedor ao cumprimento da prestação negocial, sendo que o pagamento da sanção estipulada não é obstativo, quer da indemnização a processar em termos gerais, quer da execução específica da obrigação incumprida. V - Perante o teor do art. 811.º do Código Civil, só deve atender-se às cláusulas de fixação antecipada da indemnização, repousando a legitimidade na estipulação dos outros tipos no princípio da liberdade contratual, podendo os abusos decorrentes da sua fixação ser combatidos pelo recurso aos princípios gerais ou, analogicamente, convocando-se o próprio art. 812.º do Código Civil. VI - Nesta parametrização, releva a intenção das partes no estabelecimento da concreta cláusula, devendo o intérprete socorrer-se do disposto nos arts. 236.º a 239.º do Código Civil. VII - Não se insere no comando do art. 810.º do Código Civil, nem consubstancia o tipo de cláusula penal em sentido estrito, devendo qualificar-se como exclusivamente compulsivo-sancionatória, a cláusula estipulada num acordo judicialmente homologado, que prevê a obrigação do pagamento de € 100.000 para o caso de incumprimento da obrigação de cancelar uma hipoteca sobre um bem imóvel (cuja aquisição para habitação conduziu à concessão de um mútuo) e de saldar todos os encargos inerentes ao mútuo contraído (cuja liquidação integral foi reconhecida no mesmo acordo). VIII - Esta cláusula visa compelir o obrigado a proceder ao cancelamento da hipoteca e a saldar os demais encargos e não configura uma forma alternativa de cumprimento satisfatório do interesse inicial do exequente - o de lograr aqueles cancelamento e saldo. IX - Perante a impossibilidade de o credor exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e a cláusula penal (art. 811.º, nº 1 do Código Civil), não pode cumular-se no processo executivo a execução específica da obrigação de cancelamento da hipoteca e de saldar os demais encargos (consubstanciada no pedido de prestação de facto), com a exigência da sanção pecuniária estabelecida.
Texto Integral
I
1. À execução contra si instaurada por AA no Tribunal do Trabalho de Aveiro veio a Caixa de Crédito Agrícola de ...., CRL, deduzir oposição, solicitando que fosse declarada inexigível a obrigação cuja execução foi peticionada, com a consequente extinção da execução.
Para tanto, em síntese, invocou que: –
– a obrigação que a executada assumiu – qual fosse a de cancelar uma hipoteca incidente sobre um determinado prédio e que actuava como garantia de um mútuo que celebrou – já se encontra cumprida;
– estipulando as cláusulas penais acordadas entre a oponente e a exequente que, no caso de incumprimento do cancelamento da hipoteca, isso acarretava o pagamento de € 100.000, e que, ocorrendo incumprimento do demais acordado, isso implicava o pagamento de € 25.000, devem tais cláusulas ser perspectivadas como cláusulas penais compensatórias e não como cláusulas penais moratórias;
– o cancelamento da hipoteca, embora ocorresse tardiamente relativamente ao acordado, deveu-se a um circunstancialismo exterior à vontade da oponente, que veio a cumprir taxativamente o acordo firmado;
– devendo as cláusulas em apreço serem consideradas cláusulas penais compensatórias, não serão elas exigíveis perante uma mera mora no cumprimento;
– ainda que fosse entendido que haveria lugar ao cumprimento das cláusulas em causa, o que somente por cautela de patrocínio se configurava, o respectivo montante sempre haveria de ser reduzido, de acordo com a equidade.
Contestou a exequente, em súmula impugnando o aduzido pela oponente e sustentando que foi taxativamente estabelecido entre as partes um prazo de quarenta e cinco dias para cumprimento da obrigação de cancelamento da hipoteca, pelo que a cláusula penal se deveria configurar como representando uma cláusula penal moratória, o mesmo se aplicando à outra cláusula, rematando a sua peça contestatória pedindo que a oponente procedesse à anulação de uma conta de depósito à ordem que ilicitamente teria aberto.
Prosseguindo os autos seus termos, veio a ser proferido despacho saneador, no qual: –
- de um lado, foi decidido não se considerar os «novos» pedidos formulados pela exequente na resposta à contestação;
– de outro, foi considerada improcedente a oposição à execução.
Do assim decidido no tocante à improcedência da oposição apelou a oponente para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 17 de Janeiro de 2008, julgando parcialmente procedente a apelação, reduziu “a cláusula penal prevista na cláusula 8ª do acordo celebrado entre exequente e executada de € 100.000 para € 50.000”.
2. É desse acórdão que vem pedida revista, quer pela exequente, quer pela oponente.
A primeira finalizou a sua alegação e resposta à alegação da oponente com o seguinte quadro conclusivo: –
“1.Não existe razão ou fundamento válidos para a redução da cláusula penal prevista na cláusula oitava do acordo celebrado entre exequente e executada, de € 100.000,00 para € 50.000,00, porquanto o mesmo foi homologado judicialmente sem qualquer reserva e existem outros factores (despedimento ilícito da exequente que esteve subjacente à celebração do acordo, grande poder económico da executada – que é uma instituição bancária – por comparação com a exequente e para quem o montante da cláusula penal é relativamente insignificante, cumprimento escrupuloso e tempestivo por parte da exequente das obrigações assumidas no Acordo por contraponto com o modo como a executada se comportou a esse nível, etc.) que, por se verificarem no caso concreto, levam àquela conclusão. 2. Por isso, nesta parte o douto Acórdão ora sob recurso não aplicou adequadamente aos factos em presença o disposto no artº 812º do Código Civil, dispositivo esse que, nessa medida, foi violado. 3. A segunda parte da cláusula terceira do acordo inculca que a questão do prazo para cancelamento da hipoteca e liquidação dos demais encargos ‘decorrentes e inerentes’ ao empréstimo era aspecto essencial daquele acordo. 4. Por outro lado, a cláusula oitava não restringe ao mero cancelamento da hipoteca e liquidação dos demais encargos decorrentes e inerentes ao mútuo o cumprimento da obrigação para efeito de aplicação (exercitação) da cláusula penal, antes cobre o cumprimento do acordo na sua globalidade ao referir que ‘o incumprimento por qualquer dos outorgantes do anteriormente clausulado ( ... )’. 5. Desse modo, o que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário extrairia do texto acordado só pode ir no sentido de que a cláusula penal abrange incindivelmente as duas questões: cancelamento da hipoteca dentro do prazo estabelecido. 6. Por isso, como bem se refere nas decisões das instâncias, a interpretação do texto em causa que um declaratário normal faria seria a de que ‘se em 45 dias não for cancelada a hipoteca é paga a quantia de 100.000,00 €’. 7. Acresce que nada na lei impõe que, no caso de ser a moratória a qualificação pretendida para a cláusula penal, se tenha de usar uma técnica radicalmente diferente da utilizada na redacção do acordo, técnica essa que passaria pelo estabelecimento de um montante diário para os eventuais atrasos que viessem a verificar-se no cumprimento da obrigação. 8. Além disso, nada obsta a que as partes, no âmbito da sua liberdade e capacidade de autodeterminação, acordem e estabeleçam o que bem entenderem quanto ao montante e forma indemnizatória que deve revestir a cláusula penal. 9. O que resulta do acordo celebrado entre recorrente e recorrida é que o desrespeito por aquela do prazo de 45 dias para cancelamento da hipoteca sem qualquer razão justificada para esse efeito implica o pagamento da quantia estabelecida na aludida cláusula oitava. 10. Da cláusula terceira do Acordo decorre, mesmo para um declaratário normal colocado na posição de real declaratório, que cabia à executada o dever e obrigação de liquidar todos os encargos decorrentes e inerentes ao mútuo, designadamente seguros e encargos associados, não tendo qualquer fundamento ou razão de ser, à luz dos documentos de fls. 135 a 146 dos autos, a consideração de que não poderia imiscuir-se em relação contratual que não outorgou. 11. Devia por isso ter diligenciado naquele sentido, o que não fez, pelo que se constituiu na obrigação de indemnizar a exequente no montante previsto na cláusula oitava do aludido acordo. 12. Decorre do que fica dito que na decisão agora posta em crise pela Recorrente, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ...., se interpretou correctamente, face ao quadro factual em presença, os preceitos legais aplicáveis, designadamente os mencionados na douta alegação por aquela apresentada. Pelo exposto e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao recurso apresentado pela ora requerente e negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, mantendo-se integralmente a decisão proferida na primeira instância que julgou ‘a oposição à execução totalmente improcedente, mantendo a execução nos seus precisos termos’, com todas as consequências legais”
De seu lado, a oponente finalizou com as seguintes «conclusões» a sua alegação: –
“1ª A questão em apreço no presente recurso diz respeito à exequibilidade de duas cláusulas penais insertas num acordo de transacção judicialmente homologad[o]. 2ª) Ora uma das obrigações que a recorrente assumiu, distratar a hipoteca que impendia sobre o prédio propriedade da recorrida, encontra-se cumprida, já que a hipoteca foi cancelada. 3[ª]) A obrigação foi, pois, alvo de cumprimento, ainda que tardio, de acordo com o convencionado. 4[ª]) A cláusula penal é a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir nos termos devidos, será obrigado, a t[í]tulo de indemnização sancionatória, a pagar ao credor uma quantia pecuniária 5[ª]) revestindo duas modalidades; se estipulada para o caso de não cumprimento, designar-se-á como cláusula penal compensatória; se contemplada para o caso de atraso no cumprimento, merecerá o epíteto de cláusula penal moratória. 6[ª]) Atento o teor da mesma (‘o incumprimento por qualquer dos outorgantes do anteriormente clausulado implica para a parte incumpridora a obrigação de pagar (…)’) afigura-se inexorável a respectiva pertinência à categoria das Cláusulas penais Compensatórias; 7[ª]) Desde logo haverá que interpretar tal texto de acordo com o comando do artigo 236º, n.º 1, do Código Civil, i. é, efectuar uma interpretação iluminada por padrões de normalidade. 8[ª]) Ora, atenta a grandeza objectiva do quantitativo da cláusula fixada, os preditos critérios de normalidade impõem que a característica draconiana do efeito seja proporcional à exponencial gravidade da causa. 9[ª]) Efectivamente, a única causa indiscutivelmente gravosa para a recorrida era, de facto, o incumprimento do cancelamento da hipoteca, já que tal oneraria o bem em causa; 10[ª]) A mera ultrapassagem do prazo já se mostra incompatível com o prémio inscrito na aludida contratação. 11[ª]) Por outro lado se se pretendesse revestir tal claúsula com as roupagens de moratória sempre a técnica usada seria radicalmente outra; na verdade, ao invés de se eleger o já crismado de vultuoso único montante de € 100 000,00 (cem mil euros) – que poderia corresponder a um atraso de um dia, na mundividência perfilhada pelo Mmo. Juiz a quo! – encontrar-se-ia um montante diário para penalizar a mora da recorrente. 12[ª]) Assim, a cláusula exequenda pertence ao âmbito daquelas designadas de ressarcitórias e já não das moratórias, dado que emergiu para a hipótese de não cumprimento e já não para a hipótese alternativa da existência de mora no cumprimento. 13[ª]) Ora, dispõe o artigo art. 811º do Código Civil, no respectivo n.º 1, que: ‘O credor não pode exigir cumulativamente, com base num contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.’ 14[ª]) Ou seja, o legislador, imperativamente, permite o cúmulo do cumprimento da obrigação com a cláusula penal estabelecida para a hipótese de mora, já não alargando essa possibilidade ao cúmulo do cumprimento com a cláusula penal compensatória. 15[ª]) Face à tipologia da cláusula penal convocada pela recorrida compensatória – e à juridicidade aplicável evidente se torna a inexigibilidade da obrigação. Sem prescindir, 16[ª]) Mesmo que assim se não entenda, o que se admite pela sempre recorrente cautela de patrocínio, sempre o valor da cláusula em causa deverá ser reduzido de acordo com os ditames consubstanciados no artigo 812º do Código Civil. 17[ª]) Com efeito tal inciso legal ao estatuir que ‘A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário’ mostra-se violado. 18[ª]) Na verdade, a solução legal em apreço impõe o mecanismo da redução inspirada em razões de ordem pública conexas com as mesmas que levam à proibição dos negócios usurários. 19[ª]) Está-se, em crer, por outro lado, que o valor da cláusula é manifestamente excessiva, no sentido que assume contornos, evidentes e claros, de desmesura. 20[ª]) De facto, [ ] considerando uma violação do prazo de 55 dias e a quantia de € 500 000,00, temos um valor de recompensa de mais de € 900,00 euros por cada dia de atraso. 21[ª]) Assim deve a quantia ser reduzida nos termos do citado artigo 812 do Ccivil, aconselhando a equidade que o valor a [ ] liquidar pela recorrente se quede pelo montante de € 100,00 por cada dia de atraso. Do seguro 22[ª]) A recorrente, estando o empréstimo liquidado[,] deixou de cobrar qualquer prestação a ele atinente. 23[ª]) Não compaginando a obrigação de liquidar o seguro da recorrida e marido como um encargo do empréstimo. 23[ª]) Na verdade, se é indiscutível que a recorrente era parte interessada no seguro – era a beneficiária – não é menos certo que não era parte desse específico contrato. 24[ª]) Caberia à reco[r]rida, de facto, denunciar tal contrato; 25[ª]) se não o faz ‘sibi imputet’, não podendo pois querer responsabilizar terceiros pela sua inércia. 26[ª]) Circunstancialismo que volta a coenvolver uma inexorável ine[xi]gibilidade da obrigação.”
A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» no qual propugnou pela procedência da revista da executada, procedência essa que prejudicaria o recurso da exequente ou, a entender-se que não decorreria essa prejudicialidade, que fosse este último recurso tido por improcedente.
Notificado esse «parecer» às partes, unicamente a ele respondeu a exequente, continuando a defender a manutenção do decidido em primeira instância.
Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II
1. Vem, pelo acórdão impugnado, dada por assente a seguinte factualidade, à qual, por aqui se não colocar qualquer das situações reportada no nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, este Supremo haverá de atender: –
– a) na acção com processo comum apensa, em que é autora AA e ré a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ...., CRL, foi, no dia 6 de Setembro de 2006, homologado acordo com o seguinte teor, (tal como consta da respectiva acta):
“Primeira
A ré reconhece a ilicitude do despedimento da autora e obriga-se a emitir no prazo de 1 dia a declaração para efeitos da concessão do subsídio de desemprego.
Segunda
A ré obriga-se a pagar à autora, no prazo de 10 dias, a quantia líquida de € 7.500,00, a título de compensação pela cessação do contrato, mediante cheque a enviar para o escritório do Ilustre mandatário da autora.
Terceira
A ré reconhece que o mútuo para efeitos de crédito à habitação com o nº 61002410080 que celebrou com a autora e com o seu maridoAA, se encontra integralmente liquidado, obrigando-se a no prazo de 45 dias cancelar a correspondente hipoteca e a saldar todos os demais encargos decorrentes e inerentes ao referido mútuo, designadamente seguros e encargos associados. O prazo referido de 45 dias poderá ser prorrogado pelo tempo estritamente necessário, desde que a ré demonstre que os motivos do desrespeito do clausulado ocorrem por razão alheia à respectiva actuação.
Quarta
A ré obriga-se a entregar à autora no prazo de 10 dias uma declaração onde conste o período de vigência do contrato de trabalho da autora (Junho de 2000 a 06/09/2006), bem como as funções por esta desempenhadas ao longo de todo o período de duração do contrato (administrativa – Junho de 2000 a Julho de 2002; responsável de balcão – Agosto de 2002 a Setembro de 2003 e responsável do departamento de auditoria interna – Outubro de 2003 a 06/09/2006), com indicação das respectivas promoções (três).
Quinta
No mesmo referido prazo de 10 dias a autora enviará à ré declaração a solicitar a respectiva exoneração como associada da CCAM de ...., pedindo concomitantemente o resgate ou endosso do título que consubstancia a associação.
Sexta
A ré obriga-se a pagar à autora as retribuições referentes a 6 dias do mês Setembro de 2006, bem como às férias vencidas em 01/01/2006, e às férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais dos dias de trabalho de 2006. Ao montante daí resultante será descontado o débito da autora atinente ao cartão de crédito associado a uma conta DO de que aquela é titular junto da ré.
Sétima
Ambas as partes assumem o compromisso de desistir e diligenciar junto do presidente da CCAM de .... a desistência nos processos-crime que se encontram pendentes no T.J. de ...., nos quais são queixosos quer a autora quer o presidente da direcção da ré, e em que são arguidos, respectivamente, os Drs P..., Pa..., R.... e AA. No prazo de 10 dias proceder-se-á à troca, entre mandatários, dos requerimentos das desistências respectivas.
Oitava
O incumprimento por qualquer dos outorgantes do anteriormente clausulado implica para a parte incumpridora a obrigação de pagar à parte contrária, a título da cláusula penal € 25.000,00, excepto no que tange à cláusula terceira que será de € 100.000,00, respeitante à liquidação e cancelamento da hipoteca.
Nona
Com o cumprimento integral do presente acordo as partes nada terão a haver uma da outra, seja a que título for.
Décima
Custas pela ré, prescindindo a autora de procuradoria na parte disponível.”
– b) a autora, AA, em 13 de Dezembro de 2006, instaurou execução contra a ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de ...., CRL, concluindo o requerimento executivo [dizendo que] “pretende assim a ora requerente dar à execução o referido acordo bem como ser indemnizada nos termos estabelecidos na cláusula oitava do mesmo”;
– c) pelas apresentações 14/22122006 e 17/12122006 foram canceladas as hipotecas inscritas no registo predial a favor da ré/executada sobre a fracção DD (terceiro andar direito) e fracção DP (garagem), respectivamente, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ...., freguesia de ...., sob o número 01612/240895 – cfr. fls. 112-118 e fls. 73 a 84;
– d) o contrato de seguro associado ao contrato de mútuo que fora celebrado entre exequente e executada encontra-se anulado por falta de pagamento de prémios, desde data não anterior a Dezembro de 2006 – fls. 135 e fls.86;
– e) no dia 6 de Setembro de 2006 foi emitida uma declaração negocial pela ré/executada, relativa à operação de contabilização da operação de liquidação do crédito, com o teor de fls. 55, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Por razões de ordem lógica, impõe-se curar em primeiro lugar do recurso interposto pela oponente.
Efectivamente, na eventualidade do seu provimento, na parte em que no mesmo se pugna pela não decorrência dos efeitos consagrados nas cláusulas penais, por isso que estas não assumiriam o cariz moratório, prejudicada ficaria a pretensão recursória da exequente, que se traduz em sustentar que o montante pecuniário previsto na cláusula não deveria ter sido objecto de redução.
Isto, porém, sem embargo de os formulandos argumentos e juízos que se vierem a efectivar quanto ao recurso da oponente poderem também ser convocados, na eventualidade da sua não procedência ou da sua não total procedência, quanto à impugnação deduzida por aquela última.
2.1. A oponente/executada vem esgrimir com o argumento segundo o qual as cláusulas penais insertas no acordo judicialmente homologado e que acima se encontra transcrito têm de ser visualizadas, não como cláusulas penais ditas moratórias, mas sim como cláusulas penais ditas compensatórias.
Vejamos, pois.
Depois de se estabelecer, no artº 809º do Código Civil, a nulidade de cláusulas pelas quais o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores, no caso de não cumprimento ou mora do devedor, do que se exceptua o disposto no nº 2 do artº 800º, comanda o sequente artº 810º, nº 1, sob a epígrafe Cláusula penal, que as partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível, epitetando uma estipulação desse jaez como cláusula penal.
Como tem sido sustentado pela doutrina, constituindo a cláusula penal uma verdadeira «cláusula sobre responsabilidade» (cfr. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, 1968, III vol., 345), é sua finalidade, em princípio, a de proceder a um reforço dos direitos do credor que lhe já são cometidos pelas disposições anteriores à Divisão IV da Secção II do Capítulo VII do Livro II do Código Civil, as mais das vezes estabelecendo, como se refere em Carlos Alberto Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, elaborada por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 590) “uma forma de liquidação prévia do dano, segundo as estimativas dos próprios contraentes”, assim se superando “dificuldades e incertezas várias, mormente a prova do dano e da sua extensão” – pois que, em circunstâncias normais, é sobre o credor que impende o ónus de alegar e provar a existência e quantificação do dano resultante do incumprimento ou do cumprimento defeituoso da obrigação –, ficando-se a conhecer “de antemão as consequências que advirão de um incumprimento do contrato e evitando-se litígios judiciais sobre o montante do dano”.
Mas, como se adverte na citada obra, para além dessa função, não pode passar em claro “uma outra, para que esta figura está especialmente vocacionada: uma função sancionatória ou compulsória, de pressão sobre o devedor em ordem à execução correcta do contrato, sobretudo quando a pena é de montante elevado”.
É aceite pela doutrina, no que tange às denominadas cláusulas penais – cuja formulação constante do nº 1 do artº 810º do Código Civil tem, aliás, sofrido contestação – que, tendo em vista a dupla função inerente ao seu conceito amplo, isso levará à necessidade de distinguir várias espécies ou «tipos».
Assim, v.g. Pinto Monteiro (Cláusula penal e indemnização, 1999, 497 e segs.) distingue as cláusulas destinadas a fixar antecipadamente o montante indemnizatório pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, as cláusulas penais em sentido estrito e as cláusulas penais puramente ou exclusivamente compulsórias.
Às primeiras corresponderiam os acordos negociais estipulados que intentavam, e tão-só, liquidar antecipadamente, sem variação, o eventual e futuro dano (cfr., especialmente, Pinto Monteiro, Sobre a cláusula penal, na Scientia Iuridica, 1993, 244 a 246, pág. 257).
No campo aplicativo deste «tipo» de cláusulas, e atenta a sua função já acima enunciada, decerto que o devedor, para se eximir ao pagamento do quantum indemnizatur estipulado – o qual não poderá ser fixado em montante superior, ainda que, pelas normas gerais regentes da indemnização, o dano comportasse quantitativo superior (cfr. a proibição de opção constante dos números 2 e 3 do artº 811º do Código Civil) – terá de provar, quer que não ocorreu o incumprimento (ou o não cumprimento pontual, se isso for abarcado pelo clausulado), quer que não foi provocado qualquer dano (o que não se deverá confundir com a prova de um dano muito inferior ao pré-determinado na cláusula), quer, ainda, que o incumprimento se não deveu a sua culpa.
Ao segundo «tipo» de cláusulas – as cláusulas penais, ditas «em sentido estrito» –, é seu escopo o de obrigar o devedor (recte, a parte a quem incumbe o cumprimento de obrigações advenientes do negócio jurídico firmado) a efectuar esse cumprimento e, do mesmo passo, a estabelecer, ousamo-lo dizer, um modo «alternativo» de cumprimento da inicial obrigação (ou, mais propriamente, uma obrigação com faculdade alternativa do credor advinda do acordo de consagração desse tipo de cláusula) justamente aquele que consiste na prestação da sanção (correntemente pecuniária e mais gravosa), cumprimento esse com o qual o credor vê satisfeito o seu interesse, não podendo este último vir, em caso de recusa do cumprimento pelo devedor, a pedir o cumprimento da obrigação inicial.
Neste «tipo» descortinam-se, assim, pontos de semelhança com as cláusulas do terceiro «tipo» – as denominadas cláusulas penais puramente compulsórias –, já que o seu desiderato é o de compelir o devedor a cumprir.
Na verdade, as cláusulas penais em sentido estrito, conquanto não tenham por escopo directo, contrariamente às cláusulas ditas de «fixação antecipada da indemnização», fixar, ex ante, o montante indemnizatório, com as vantagens a que acima nos reportámos, tendo por finalidade obrigar o devedor ao cumprimento da obrigação que sobre si impende, sob pena de, não o fazendo, «transmutar» esse cumprimento por intermédio da prestação da sanção estabelecida, a qual vai, «alternativamente» (nos termos acima expostos), «substituir» (perante aquele não cumprimento e perante, também, o acordado) a obrigação primitivamente devida, não deixam de possuir igualmente aquilo que Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil cit. supra, 594) descortina como uma aproximação às cláusulas penais de indemnização predeterminada. E, sequentemente, não sendo conferida à «pena» propriamente o cariz indemnizatório, não pode, por outro lado, solicitar o credor a execução específica da prestação.
Já as cláusulas do terceiro «tipo» – cláusulas penais puramente compulsórias – detêm uma razão de ser meramente compulsória, ou seja, visam obrigar o devedor ao cumprimento da prestação negocial a que se encontra obrigado, sendo que o «pagamento» da sanção estipulada não é obstativo, em tese e perante o seu desenho, quer da indemnização a processar em termos gerais, quer da execução específica da obrigação incumprida.
Nessa definição tripartida, está bem de ver que nos dois últimos «tipos» a «sanção» estabelecida ou vai poder «acrescer» ao débito indemnizatório pelo incumprimento (tomado este no seu sentido amplo) – caso das cláusulas penais exclusivamente compulsivo-sancionatórias – ou vai «substituir» a incumprida obrigação (mais propriamente, funcionando como «alternativa» à obrigação primitiva que não foi cumprida, legitimando, assim, o credor a reclamar o pagamento da «pena») – caso das cláusulas penais em sentido estrito.
Em face desta diferente «tipologia», tem-se sustentado que, perante o teor do artº 811º, só deve atender-se às cláusulas de fixação antecipada da indemnização, repousando a legitimidade na estipulação dos outros «tipos» no princípio da liberdade contratual, conquanto, na falta de específicos normativos que os contemplem, poderão os abusos decorrentes da sua fixação ser combatidos pelo recurso aos princípios gerais ou, analogicamente, convocando-se o próprio artº 812º.
Claro que, nesta parametrização, que acolhemos, releva a intenção das partes no estabelecimento da concreta cláusula, devendo o intérprete socorrer-se do que se encontra disposto nos artigos 236º a 239º do Código Civil.
2.2. Volvendo ao caso dos autos, relembra-se aqui que a execução cuja oposição deu origem aos presentes autos tratou-se de uma execução para prestação de facto, em que a exequente alegou que a executada e ora oponente não diligenciou no sentido de pôr termo ao contrato de seguro, nem cancelou ou diligenciou no sentido de cancelar a hipoteca no prazo de quarenta e cinco dias, com o que lhe foram causados prejuízos pelos quais pretende ser indemnizada nos termos da «cláusula» oitava do «acordo» que, na acção de processo comum, foi objecto de homologação.
Relembram-se, outrossim, os termos que foram clausulados nesse «acordo» e que acima constam na enunciação da matéria fáctica.
Não se vá sem dizer que, nos presentes autos de oposição, para além da materialidade constitutiva do acordo que se encontra transcrito na acta da acção de processo comum em que – ao que se supõe – se pretendia impugnar o despedimento de que a exequente fora alvo, não se surpreendem factos ou circunstâncias que sejam iluminantes da intenção das partes quanto às estipulações em presença.
Neste contexto, haverá de atender, em primeira linha, àquela materialidade.
E, perante ela, o que nos surge?
Em primeiro lugar uma corte de obrigações a cargo da ora oponente, as quais se cifram em: –
– reconhecer a ilicitude do despedimento da então autora – cfr. «cláusula» primeira, primeira parte;
– emitir, no prazo de um dia, a declaração para efeitos de concessão de subsídio de desemprego (à então autora) – cfr. «cláusula» primeira, segunda parte;
– o pagar à mesma então autora, e por intermédio de cheque a enviar para o escritório do seu mandatário, no prazo de dez dias, a quantia líquida de € 7.500,00, a título de compensação pela cessação do contrato – cfr. «cláusula» segunda;
– reconhecer que o mútuo celebrado entre a então autora e seu marido e a oponente, para efeitos de crédito à habitação, se encontrava integralmente liquidado – cfr. «cláusula» terceira, primeira parte;
– cancelar, no prazo de quarenta e cinco dias, a hipoteca (que, também ao que se supõe, serviria de garantia ao mútuo e seria incidente sobre o imóvel para o qual teria sido concedido o mútuo) e a saldar os demais encargos decorrentes e inerentes ao mútuo, nomeadamente seguros e encargos associados – cfr. «cláusula» terceira, segunda parte;
– entregar à então autora, no prazo de dez dias, uma declaração de onde constasse o período de vigência do contrato de trabalho desta, bem como das funções por ela desempenhadas durante esse período – cfr. «cláusula» quarta;
– pagar à então autora as retribuições referentes a seis dias do mês de Setembro de 2006, bem como as férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006 e férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais aos dias de trabalho de 2006, descontando-se o débito de um cartão de crédito associado a uma conta de depósito à ordem de que aquela era titular junto da oponente – cfr. «cláusula» sexta.
Não se passará em claro que uma parte da obrigação a cargo da oponente consistente no cancelamento da hipoteca e em saldar os demais encargos decorrentes e inerentes ao mútuo, parte essa que precisamente residia no estabelecimento de um prazo de quarenta e cinco dias para o cumprimento daquela obrigação, foi, especificamente, alvo de estipulação no sentido de esse prazo poder ser prorrogado pelo prazo estritamente necessário, desde que a oponente demonstrasse que os motivos de desrespeito ocorreram por razões alheias à sua actuação.
Surge, igualmente, uma obrigação, impendente sobre a exequente, no sentido de ela, em dez dias, enviar à oponente uma declaração a solicitar a sua exoneração como associada da última e a pedir o resgate ou endosso do título consubstanciador da associação – cfr. «cláusula» quinta.
Por fim, surpreende-se a estatuição de um compromisso, tomado pela exequente e pela oponente, no sentido de diligenciarem para que viesse a ocorrer a desistência do procedimento criminal em processos-crime pendentes pelo Tribunal de comarca de ...., estipulando-se o prazo de dez dias para que os mandatários das partes procedessem «à troca» dos requerimentos em que se viessem a consubstanciar as vontades de desistência – cfr. «cláusula» sétima.
A consagração das cláusulas cuja caracterização é posta em sindicância neste recurso consta do item oitavo do falado acordo, rememorando-se agora o seu teor.
“(…)
Oitava
O incumprimento por qualquer dos outorgantes do anteriormente clausulado implica para a parte incumpridora a obrigação de pagar à parte contrária, a título da cláusula penal € 25.000,00, excepto no que tange à cláusula terceira que será de € 100.000,00, respeitante à liquidação e cancelamento da hipoteca.
(…)”
Entende este Supremo que, em face do teor negocial precipitado na extractada cláusula, nela se prevêem, especificamente, duas formas de cláusulas penais (e, no momento, não se entrará na respectiva qualificação).
Uma, atinente às variadas obrigações que ficaram consagradas no «acordo»; outra, especialmente reportada às obrigações que defluem do acordado na «cláusula» terceira.
Na verdade, não se vislumbra do texto da «cláusula» terceira que, dos vários «segmentos» obrigacionais que daí defluíam, o incumprimento de parte deles viesse a ser coberto pela estabelecida cláusula penal de € 25.000.
É que, naquele texto, faz-se alusão, sem excepção, à “cláusula terceira”, sendo que da menção “respeitante à liquidação e cancelamento da hipoteca” não se pode, sem qualquer outro subsídio que permita esclarecer a vontade das partes – e já anotámos que ele se não depara nos autos –, extrair que fosse seu desiderato o de não incluir o saldo de todos os demais encargos decorrentes e inerentes ao mútuo, designadamente seguros e encargos associados.
Na perspectiva deste Supremo, embora com diferentes «facetas» ou «particularidades», a obrigação inserta na «cláusula» terceira era a de a oponente proceder ao cancelamento da hipoteca e saldar todos os demais encargos decorrentes do mútuo por ela garantido ou a ele inerente.
Obrigação essa que, como se torna patente, decorria do reconhecimento de que o mútuo se encontrava liquidado. Ora, estando-o (ou seja, tendo sido cumprida a restituição do que fora mutuado), deixavam de ter razão de ser a garantia especial de que ele desfrutava e os encargos que esta implicava.
2.3. Esgrime a agora recorrente com o argumento de acordo com o qual o estabelecimento dos € 100.000 no caso de incumprimento da «cláusula» oitava configura, hermeneuticamente, uma verdadeira cláusula penal compensatória. E, sequentemente, sustenta que, tendo já cumprido a obrigação estatuída na «cláusula» terceira, não poderia vir a exequente solicitar o pagamento da «pena» fixada na «cláusula» oitava, em face do que se prescreve no nº 1 do artº 811º do Código Civil.
É inquestionável que as garantias reais que recaíram, ao que tudo leva a crer, sobre o bem imóvel (cuja aquisição para habitação própria conduziu à concessão do mútuo), se encontram já canceladas, o que sucedeu, sem que isso venha questionado pelas partes, cinquenta e cinco dias depois do prazo de quarenta e cinco dias estabelecido naquela «cláusula».
O aresto impugnado defendeu o ponto de vista segundo o qual a «cláusula» oitava, no que concerne ao cancelamento da hipoteca, assumia os contornos de uma cláusula de “natureza verdadeiramente moratória”.
Será assim?
Perante os estritos termos dessa específica declaração negocial, a sanção pecuniária estabelecida, indiscutivelmente, apontava para um não cumprimento da obrigação de cancelamento da(s) hipoteca(s) e de serem saldados os demais encargos.
Um normal declaratário postado na situação da exequente, como interveniente no negócio em causa, em face daqueles termos, entenderia, seguramente, que, com aquilo que se firmou na «cláusula» oitava, se visou compelir a oponente a proceder ao cancelamento da(s) hipoteca(s) e a saldar os demais encargos. E, assim sendo, não entenderia que o escopo da estatuição do quantitativo de € 100.000 era o de fixar, antecedentemente ou a fortfait, o montante dos prejuízos que, para ela, decorreriam de uma situação em que se encontrasse e fosse advinda do não cancelamento e saldo dos demais encargos.
Neste conspecto, não se poderá considerar que a cláusula em crise seja perspectivável como inserível no comando do artº 810º do Código Civil.
De outra banda, entende-se também que a falada cláusula não pode consubstanciar o «tipo» de cláusula penal em sentido estrito.
Na realidade, da «cláusula» terceira deflui que a ora oponente reconhecia que o mútuo que concedeu à exequente e seu marido se encontrava liquidado. De onde, como acima já houve ocasião de assinalar, deixar de ter razão de ser a subsistência da garantia especial que àquele negócio jurídico foi conferida, ou seja, a manutenção da(s) hipoteca(s), o que, decorrentemente, levaria a que fossem saldados os demais encargos.
Neste contexto, e porque muito dificilmente se poderiam almejar o cancelamento da(s) hipoteca(s) e o saldo dos demais encargos sem uma actuação concreta da oponente, tem-se por líquido que esta obrigação era a desejada pela exequente. Daí que se não lobrigue que a estipulação do quantitativo de € 100.000 pudesse figurar como uma forma alternativa de cumprimento satisfatória do interesse inicial da exequente – que era o de lograr aqueles cancelamento e saldo –que era, dessa arte, substituído pelo interesse na «prestação alternativa» da «pena» estabelecida.
Resta, assim, qualificar a cláusula de estipulação de € 100.000 como uma cláusula penal exclusivamente compulsivo-sancionatória.
E, por isso, nos afastamos do que, a este respeito, foi entendido pelo acórdão em revista.
2.3.1. Aqui chegados, e mesmo acolhendo a óptica de que o que se encontra-se consagrado no artº 811º do Código Civil é (ao menos de forma directa) direccionado para as cláusulas de fixação antecipada de indemnização, pois que é só a estas que se reporta o artº 810º, nº 1 (cfr. Mota Pinto, ob. cit., 597), o que é certo é que, não obstante o reporte deste último preceito, o legislador veio, a partir da nova redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 200-C/80, de 24 de Junho (o que se não alterou com a redacção sofrida pelo Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho) impor a impossibilidade de o credor poder exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal.
Ora, se, em tese, face às suas características, as cláusulas penais compulsivo-sancionatórias não seriam, como acima se discreteou, obstativas, quer do pedido de indemnização pelos prejuízos causados ao credor pelo incumprimento da obrigação ou da execução específica, não se poderá, porém, ultrapassar um comando tão imperativo como o que deflui do mencionado nº 1 do artº 811º.
Evidentemente que, como ressalta do ensinamento de Pinto Monteiro (referida obra Cláusula penal e indemnização, 424), se devem ter presentes os critérios tendentes a apurar se houve, ou não, a exigência cumulativa proibida pelo nº 1 do artº 811º.
E, nessa senda, não se olvida que a execução cuja oposição originou estes autos era uma execução para prestação de facto [obter da oponente actuação que conduzisse ao cancelamento da(s) hipoteca(s) e pôr termo ao contrato de seguro], «cumulando-se» nela o pedido de ser a exequente ressarcida pelos prejuízos causados nos termos estabelecidos na «cláusula» 8ª do «acordo» celebrado na acção com processo comum e que foi judicialmente homologado.
Perante esta realidade, entende-se que houve, efectivamente, uma «cumulação» entre a execução específica da obrigação de cancelamento da hipoteca e do encargo consistente em pôr fim ao seguro (veja-se, a este respeito, o que acima se deixou dito quanto à circunstância de se não dever separar uma e outra destas «facetas» obrigacionais para efeitos de cobrança de aplicação da cláusula penal fixada em € 25.000), execução específica essa consubstanciada no pedido de prestação de facto, e a exigência da sanção pecuniária estabelecida (mais propriamente, na visão da exequente, exigência das duas sanções estatuídas na «cláusula» oitava).
Essa «cumulação», porém, é vedada pelo já aludido nº 1 do artº 811º.
É, pois, pelas razões agora aduzidas que se entende que procede a revista da oponente, ficando totalmente prejudicada a apreciação da revista da exequente.
III
Termos em que, na procedência da revista da oponente, revogando-se o acórdão impugnado, se considera procedente a oposição à execução.
Custas nas instâncias e neste Supremo pela exequente.