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RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PROCEDIMENTO CRIMINAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
ABUSO DE LIBERDADE DE IMPRENSA
DIREITO A HONRA
MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
I - Para demandar civilmente os responsáveis com base no ilícito penal - no caso, ofensa da memória de pessoa falecida - impunha-se o recurso à lide criminal, só sendo possível fazê-lo em separado, e noutro foro, nos casos excepcionais elencados no art. 71.º do CPP.
II - Por isso, enquanto se mantiver pendente essa lide - ainda que em sede de inquérito - não pode correr a contagem do prazo prescricional do n.º 1 do art. 498.º do CC.
III - As normas conjugadas dos arts. 70.º e 71.º do CC não conferem aos filhos qualquer direito a serem indemnizados, por ofensas aos direitos de personalidade de pessoas falecidas.
IV - É, pois, inviável o pedido indemnizatório formulado pelos Autores, tendo como causa de pedir a ofensa do bom nome de sua mãe, que não se confunde com a violação de um direito de personalidade próprio (ofensa da sua integridade moral e do seu bom nome, pela imputação de factos desonrosos à sua mãe).
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. No Tribunal Judicial de Évora vieram AA e BB, intentar contra (Empresa do Jornal de N..., SA., agora) G... N..., Publicações, S.A., CC, DD, EE, FF, GG, e HH, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia de 25.000,00 euros, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efectivo pagamento e a publicarem, no “Jornal de N...”, com chamadas na capa, a sentença que os condenar.
Alegam, em resumo e no essencial, que, quando do falecimento da mãe das autoras foi publicada uma notícia naquele jornal diário, afirmando que a sua ascendente “vivia da pornografia”, o que é falso e lhes ocasionou profunda revolta e angústia, sentindo-se ofendidas com a mesma.
Devidamente citados, contestaram conjuntamente todos os réus, excepcionando a incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, a ilegitimidade dos réus FF e GG por, à data dos factos, não exercerem quaisquer cargos editoriais no “Jornal de N...” e a prescrição do direito invocado pelas autoras, em consequência do decurso do prazo de três anos do art. 498.º do Código Civil.
Replicando, as autoras impugnaram as excepções dilatórias e peremptórias ali invocadas e mantiveram quanto disseram na sua petição inicial.
Por decisão de fls. 112-113, que transitou em julgado, foi julgado incompetente o Tribunal Judicial de Évora e competente o Tribunal da Comarca do Porto, para onde os autos foram remetidos.
Depois de efectuada e gorada uma tentativa de conciliação, foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da questão da ilegitimidade e da prescrição e elaborada a base instrutória e factos assentes, que não sofreram reclamações, mas a que, posteriormente, foram ordenadas rectificações.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, com recurso à gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto seleccionada, com indicação da respectiva fundamentação, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.
De seguida, foi proferida a sentença na qual se decidiu julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se os RR. do pedido.
Inconformadas com a sentença, dela interpuseram recurso as AA., recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo.
A Relação do Porto veio a julgar procedente a apelação e, consequentemente, a revogar a sentença recorrida, anulando-se a decisão quanto às alíneas e) e f) dos factos assentes, ordenando-se a inclusão desses factos na base instrutória e a realização de novo julgamento sobre tais factos controvertidos.
Procedeu-se a novo julgamento, observando-se o legal formalismo, tendo, a final, sido proferida sentença, a julgar improcedente a excepção de ilegitimidade alegada pelos réus FF e GG, considerando-os partes legítimas para a acção e a julgar procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelos réus G... N... Publicações SA., CC, DD, EE, FF, GG e HH, e, em consequência, a absolvê-los do pedido contra si formulado pelas autoras AA e BB.
Desta decisão recorrem, de novo, as AA., de apelação, para a Relação, recurso que foi admitido.
A Relação do Porto veio a julgar procedente a apelação e, consequentemente, a alterar a sentença recorrida, no sentido da condenação solidária dos RR. G... N..., Publicações, SA., CC e HH, no pagamento às AA. de uma indemnização conjunta de € 25.000,00, com juros de mora à taxa da lei, contados a partir da data da publicação da notícia.
Desta feita são os RR. que, não se conformando, vêm recorrer, ora de revista, para este STJ.
O RR. concluem as suas alegações do seguinte modo:
1. AS RECORRIDAS JUNTARAM ÀS SUAS ALEGAÇÕES DE APELAÇÃO DOCUMENTO COM O QUAL PRETENDEM PROVAR FACTO QUE NUNCA TINHAM ARTICULADO, PARA DELE SE APROVEITAREM NO SENTIDO DE TER OCORRIDO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL;
2. FACTO ESSE QUE SERIA O DE AOS RECORRENTES TER SIDO NOTIFICADA A ACUSAÇÃO PARTICULAR E O PEDIDO CÍVEL QUE FORMULARAM NO PROCESSO CRIME QUE TINHAM INSTAURADO, E QUE COM ESSA NOTIFICAÇÃO TERIA AQUELE EFEITO INTERRUPTIVO.
3. A JUNÇÃO DAQUELE DOCUMENTO VIOLA AS NORMAS DOS ARTIGOS 706.º E 524.º DO CPC;
4. E A FORMA COMO FOI EFECTUADA, SEM OBSERVÂNCIA DO PRESCRITO NAS NORMAS DOS ARTIGOS 542.º E 543.º DO MESMO CÓDIGO, VIOLA ESTAS NORMAS,
5. O QUE, TUDO, CONSTITUI NULIDADES PROCESSUAIS QUE DEVEM SER CONHECIDAS E JULGADAS PROCEDENTES, DETERMINANDO-SE QUE TAL DOCUMENTO SEJA DESENTRANHADO DOS AUTOS.
6. ACRESCE QUE O CONTEÚDO DAQUELE DOCUMENTO FOI ELEMENTO DECISIVO PARA A DECISÃO PROFERIDA E AGORA RECORRIDA, COMO RESULTA DA SIMPLES LEITURA DESTA;
7. MAS PORQUE ASSIM É, NA PROLAÇÃO DO ACÓRDÃO DE QUE AGORA SE RECORRE O TRIBUNAL PRONUNCIOU-SE SOBRE QUESTÃO DE QUE NÃO PODIA TOMAR CONHECIMENTO, O QUE O TORNA NULO, NOS TERMOS DO PREVISTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 668.º DO CPC;
8. SÓ PRODUZ EFEITO INTERRUPTIVO DO PRAZO PRESCRICIONAL A INTERPELAÇÃO JUDICIAL NO SENTIDO DE QUE QUER EXERCER O DIREITO;
9. AS RECORRIDAS NÃO ALEGARAM NEM PROVARAM A PRÁTICA DE CRIME PELOS ORA RECORRENTES E IGUALMENTE NÃO ALEGARAM NEM PROVARAM PENDÊNCIA DE PROCESSO CRIME,
10. E TAMBÉM NÃO ALEGARAM NEM PROVARAM A EXISTÊNCIA DE QUALQUER INTERPELAÇÃO JUDICIAL FEITA NOS TERMOS DO ARTIGO 323.º DO CÓDIGO CIVIL.
11. NOMEADAMENTE NÃO ALEGARAM NEM PROVARAM QUE A ACUSAÇÃO PARTICULAR E O PEDIDO CIVIL QUE DEDUZIRAM NO PROCESSO CRIME EM QUE OS RECORRENTES FORAM DESPRONUNCIADOS LHES FOI NOTIFICADA E QUANDO.
12. E NÃO O TENDO ALEGADO NEM PROVADO NÃO PODEM PREVALECER-SE DE FACTO QUE NOS AUTOS NÃO EXISTE PARA CONSIDERAREM INTERROMPIDA A PRESCRIÇÃO.
13. NEM PODE O TRIBUNAL DA RELAÇÃO NA DECISÃO DE QUE AGORA SE RECORRE CONSIDERAR COMO PROVADO, E ATRIBUIR RELEVÂNCIA JURIDICA, A UM FACTO QUE AS PARTES NÃO ALEGARAM
14. AO DECIDIR COMO DECIDIU NESSA MATÉRIA, O ACÓRDÃO RECORRIDO VIOLOU A PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO E A NORMA DO ARTIGO 264.º DO CPC QUE O CONSAGRA, PELO QUE DEVE SER REVOGADO E SUBSTITUIDO POR OUTRO QUE, CONFIRMANDO A DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA JULGUE PRESCRITO O DIREITO DAS RECORRIDAS.
15. A TEREM OS RECORRIDOS COMETIDO QUALQUE CRIME, SERIA O DE OFENSA À MEMÓRIA DE PESSOA FALECIDA, CUJO PRAZO DE PRESCRIÇÃO É DE DOIS ANOS E NÃO DE CINCO,
16. PELO QUE MESMO QUE NÃO DEVESSEM VINGAR AS CONCLUSÕES ANTERIORES, SEMPRE O DIREITO DAS RECORRIDAS ESTARIA PRESCRITO NO MOMENTO EM QUE OS RECORRENTES FORAM CITADOS PARA ESTA ACÇÃO, PELO QUE A DECISÃO RECORRIDA VIOLOU A NORMA DO N.º 3 DO ARTIGO 49.º DO COD. CIVIL, DEVENDO SER REVOGADA.
17. QUANDO ASSIM SE NÃO ENTENDA, DEVE CONSIDERAR-SE SER O MONTANTE INDEMNIZATORIO FIXADO MANIFESTAMENTE EXCESSIVO DADOS OS POUCOS DANOS ALEGADOS PELAS RECORRIDAS E PROVADOS, E
18. CONSEQUENTEMENTE, REDUZIR-SE SUBSTANCIALMENTE AQUELE MONTANTE.
As AA. não contralegaram.
II. Fundamentação
De Facto
II.A. São os seguintes os factos dados como provados, face ao oportunamente especificado e ao resultado do julgamento:
a) No dia 31.01.2001, num local próximo da Estrada Nacional n.º 380, que liga Évora a Alcáçovas, freguesia da Malagueira, concelho de Évora, faleceu II, natural da freguesia de Tomar (São J... B...), concelho de Tomar, que teve a sua última residência habitual no B... C... da P..., Lote ..., ... Esq., em Évora, no estado de divorciada;
b) Tendo deixado quatro filhos, seus herdeiros, entre os quais se contam as ora autoras;
c) Estas tomaram conhecimento que, no dia 02.02.2001 foi publicado no denominado “Jornal de N...”, concretamente na p. 30, uma notícia com o título “Mulher encontrada esfaqueada” (cf. doc. n.º 3 junto com a petição inicial);
d) Sendo que, a dada altura, é referido o seguinte: “algumas pessoas afirmaram ainda ao JN que II vivia da pornografia e que tinha casas e outros bens”;
e) No dia 28.06.2001, foi remetida uma carta a CC, director do “Jornal de N...”, onde a totalidade dos herdeiros da falecida se insurgiram contra o teor da notícia e solicitavam o pagamento de uma indemnização (doc. de fls. 89 a 91, que se dá por reproduzido);
f) Como a tentativa de resolução extrajudicial se gorou, foi apresentada contra os réus uma queixa-crime junto do DIAP de Évora, pelos referidos herdeiros, em 09.07.2001;
g) Ao director (2.º réu) compete, nomeadamente, a orientação, superintendência e determinação do conteúdo das matérias a publicar, o que implica necessariamente o seu conhecimento prévio;
h) O qual é coadjuvado pelo director de redacção (3.º réu) e ainda pelo subdirector (4.º réu);
i) A sociedade primeira ré é proprietária do jornal;
j) A notícia publicada no “Jornal de N...” e acima referida foi objecto de chacota por parte de diversas pessoas que leram a notícia;
l) As autoras, na qualidade de filhas sentiram-se revoltadas, angustiadas, ofendidas e tristes.
II.B. De Direito
II.B.1. São as seguintes as questões objecto dos recursos:
A. Junção às alegações de documento em violação do disposto nos artigos 524.º, 526.º, 542.º, 543.º e 706.º do CPC;
B. Nulidade do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), (excesso de pronúncia) do Código de Processo Civil;
C. Violação do comando do artigo 264.º do Código de Processo Civil.
D. Prescrição do direito;
D. Montante excessivo da indemnização arbitrada.
II.B.2. Primeira, segunda e terceiras questões.
É um facto que, atenta a junção de um documento com as alegações, deveriam ter sido respeitadas as normas processuais referidas e deveria ter-se determinado o desentranhamento do documento em causa, por não se verificar qualquer situação a justificar a sua junção tardia.
Acontece que o documento em causa foi junto com as alegações das AA. recorrentes, dele tendo tido conhecimento os RR. recorridos (o que significa o cumprimento do disposto no artigo 526.º do Código de Processo Civil) que não arguiram a intempestiva junção nem, posteriormente, a omissão de pronúncia do desembargador relator, nos termos do citado artigo 543.º
Trata-se, no entanto, de nulidade sem qualquer reflexo nos autos, uma vez que o referido documento não foi tido em consideração e uma vez que, não sendo de conhecimento oficioso, não foi tempestivamente arguida, mostra-se sanada (artigos 201.º. n.º 1, 202.º, 205.º, todas do Código de Processo Civil.
Tão pouco a Relação incorreu em excesso de pronúncia, porquanto não conheceu de qualquer facto não alegado pelas partes. Com efeito, na réplica as AA. sustentaram ter ocorrido interrupção da prescrição, por efeito da apresentação de queixa-crime, só arquivada, por não pronúncia, em 2004.
O princípio do dispositivo não se mostra igualmente violado, sendo certo que na decisão de recurso se considerou, fundamentalmente, não prescrito o procedimento criminal, por o respectivo prazo ser de cinco anos.
É certo que se acrescentou que a instauração da queixa-crime vale como interrupção da prescrição, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil.
Se esta afirmação é correcta vê-lo-emos adiante ao tratar especificamente da prescrição.
II.B.3. Prescrição
Alegaram os RR. que, no caso concreto se verificava a prescrição do direito a peticionar uma indemnização pela ofensa da memória de pessoa falecida.
Importa frisar que estamos no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos (arts. 71º e 483.º e ss. do Código de Processo Civil).
No que se refere a este tipo de responsabilidade civil, preceitua o art. 498.º, n.º 1, do Código Civil que o direito à respectiva indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mesmo com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Ora, como vemos, a notícia em causa foi publicada 2 de Fevereiro de 2001 e a respectiva acção, para efectivação da responsabilidade pelo mesmo, deu entrada em tribunal no dia 28.06.2005, ou seja, muito para lá do limite de três anos acima referido.
É certo que, prevendo o art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, um prazo de três anos de prescrição do direito à indemnização, acrescenta no seu n.º 3 que, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, será este o prazo aplicável.
No caso em apreço as AA. fundam o seu pedido no facto ilícito tipificado no artigo 185.º do CP.
Sem embargo de a queixa-crime não ter dado origem a uma pronúncia e posterior acusação é o prazo de prescrição correspondente ao crime o relevante para efeito da prescrição cível.
Ora, ao crime do artigo 185.º do Código penal corresponde o prazo prescricional de 5 anos (artigos 185.º, 183.º e 118, n.º 1, alínea c) do CP).
Mesmo que assim se não entenda, por não terem as AA. logrado pronunciar os RR. e não podendo, consequentemente, defender-se que o facto ilícito constitua crime, sempre se deverá considerar como não prescrito o direito.
Com efeito, a lei processual penal consagra o princípio da adesão obrigatória. Em regra o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é sempre deduzido em processo penal, só excepcionalmente podendo ser pedido, ou arbitrado, fora dele.
Os casos de dedução do pedido cível em separado constam taxativamente do artigo 71.º do Código de Processo Penal.
Passamos a citar o acórdão deste Tribunal de 31-01-2007, processo n.º06A4620, inserto em www.dgsi.pt:
“O Prof. Figueiredo Dias explica o sistema da adesão (ou da interdependência) como consagrando «a possibilidade – ou mesmo a obrigatoriedade – de juntar a acção civil à acção penal, permitindo que a jurisdição penal se pronuncie, ao menos em certa medida, sobre o objecto da acção civil. A razão de ser de tal sistema estará na “natureza tendencialmente absorvente do facto que dá causa às duas acções», em atenção aos «efeitos úteis que, do ponto de vista pessoal, se ligam à indemnização civil».
Daí que se fale também, nestes casos, em um processo de adesão da acção civil à acção penal”. (apud «Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em Processo Penal», 1963, separata da BFDC, 8º; cit. ainda o Prof. Eduardo Correia, «Processo Criminal», 1955, 215).
O Prof. Cavaleiro de Ferreira (in «Curso de Processo Penal», I, 137) refere a «confluência de processos, processo penal e civil, mais ou menos ajustados entre si». (…) «A conexão da responsabilidade civil com a responsabilidade penal tem efeitos na estrutura do processo penal, porquanto neste se integra, nos casos indicados pela lei, uma acção cível, pelo que parece dever admitir-se o caso julgado quanto ao conteúdo da indemnização fixada em processo penal.»
Já o Prof. Vaz Serra (BMJ 91-196) escreve que a fixação da indemnização «embora feita pelo tribunal criminal, é-o no exercício da competência civil reconhecida por lei a esse tribunal.» (cf., ainda, o Prof. Castanheira Neves, “Sumários de Processo Criminal”, 79; Cons. Manso Preto, «Pareceres do Ministério Público», 163; Prof. Gomes da Silva, «O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar», 1949, 109 ss).
O «adhäsionesprozess» é, na opinião do Dr. R... de F..., «antes, ou melhor, também se bem que sobretudo, uma forma de processo declaratório.» (apud «Indemnização de Perdas e Danos Arbitrada em Processo Penal – O chamado processo de adesão», 193).”
No acórdão que temos vindo a citar conclui-se, conclusão a que aderimos, que para demandar os responsáveis com base no ilícito penal – ainda que com responsabilidade meramente civil – o Autor tem de recorrer à lide criminal, só podendo fazê-lo em separado, e noutro foro, nos casos excepcionais elencados no artigo 71.º da lei adjectiva penal.
E enquanto se mantiver pendente essa lide – ainda que em sede de inquérito – não pode correr a contagem do prazo prescricional, do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil.
“«Admitir o contrário seria, em certos casos, negar, na prática, o exercício da acção cível ao lesado que visse o processo crime ser arquivado decorridos que fossem mais de três anos sobre a verificação dos factos danosos, apesar desse processo ter estado sempre em andamento «norma» durante aquele período de tempo». (Acórdão do STJ de 15 de Outubro de 1998 – Pº 988/97-2ª; cf., ainda, os Acórdãos do STJ de 6 de Julho de 1993 – CJ/STJ 2ª-180; de 14 de Janeiro de 1997 – CJ/STJ 1ª 59; de 8 de Junho de 1995 – BMJ 448-363; e de 22 de Fevereiro de 1994 – CJ/STJ-1ª, 126).
Ou como julgou o Acórdão do STJ de 22 de Janeiro de 2004 – 03B 4084 – «com a participação dos factos (em abstracto criminalmente relevantes) ao Ministério Público ou às entidades policiais competentes, se interromperá o prazo de prescrição contemplado no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, não começando, de resto, este a correr enquanto se encontrar pendente o processo penal impeditivo da propositura da acção cível em separado.”
Embora se entenda que não foi feita prova de ter sido deduzido o pedido cível no processo penal, a decorrência da regra da adesão obrigatória, a não instauração de pedido cível autónomo e a data em que foi proferido despacho de não pronúncia, apontam no sentido de que o direito não pôde ser exercido até 8 de Janeiro de 2004, configurando-se uma interrupção da prescrição e começando a correr novo prazo nessa data. (Embora não defenda exactamente a mesma orientação veja-se o acórdão deste Tribunal de 14.06.07, processo n.º 07B1731, em www.dgsi.pt).
Daí que na data da apresentação da presente acção o direito, a existir, não estaria prescrito.
Importa sublinhar que as AA. formulam o pedido indemnizatório, tendo como causa de pedir a ofensa do bom nome de sua mãe, atribuindo-se legitimidade para a acção, dada a sua qualidade de descendentes, ou seja, não invocam a violação de um direito de personalidade próprio.
Se a acção se fundasse num direito de personalidade próprio (ofensa da sua integridade moral e do seu bom nome, imputando factos desonrosos à sua mãe) a prescrição teria há muito ocorrido, porquanto a queixa-crime não poderia ser invocada como facto interruptivo e a prescrição teria ocorrido, três anos decorridos sobre a publicação da notícia. II.B.4. Feita esta precisão, importa que abordemos a questão da existência do direito em que as AA. fundam a causa de pedir.
Vamo-nos socorrer do teor do acórdão deste Tribunal de 18-10-2007, processo n.º 07B3555, inserto em www,dgsi.pt:
“A ofensa a pessoas falecidas, para além de integrar o tipo criminal do artigo 185.º do Código Penal, a que já se fez referência, também encontra tutela no artigo 71.º do Código Civil.
Expressa o último dos referidos artigos, por um lado, que os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular (n.º 1).
E, por outro, terem legitimidade para requerer as providências previstas no nº 2 do artigo anterior o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido (n.º 2).
Recorde-se que o n.º 2 do artigo 70.º deste Código, para o qual o n.º 2 do artigo em análise remete, expressa que, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
A doutrina está dividida a propósito da interpretação dos n.os 1 e 2 do artigo 71.º do Código Civil, ou seja, quanto às questões de saber, por um lado, se a protecção que envolvem se reporta ainda a direitos de personalidade das pessoas falecidas ou das pessoas a que se refere o último dos mencionados normativos.
E, por outro, na segunda hipótese, se as referidas pessoas têm ou não direito a indemnização ou compensação no quadro da responsabilidade civil, ou apenas a faculdade de requererem em juízo as mencionadas providências no âmbito do processo de jurisdição voluntária a que se reportam os artigos 1474.º e 1475.º do Código de Processo Civil.
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, no “Código Civil Anotado”, volume I, Coimbra, 1987, página 105, e DIOGO LEITE DE CAMPOS, “Lições de Direitos de Personalidade”, Coimbra, 1995, páginas 44 e 45, entendem, os primeiros que em certa medida a protecção em causa constitui um desvio à regra do artigo 68º do Código Civil, e o último que a personalidade se prolonga para depois da morte, e defenderem os parentes e herdeiros do falecido um interesse deste, em nome dele, e não um interesse próprio.
Diverso é o entendimento de JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, “Direito Civil, Teoria Geral, volume I, Introdução, As Pessoas, Os Bens”, Coimbra, 1998, páginas 89 a 91, de LUIS A. CARVALHO FERNANDES, “Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1995, páginas 179 a 181, e de HEINRICH EWALD HÖRSTER. “A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 1992, páginas 259 a 263.
O primeiro entende que o prolongamento para além da morte apenas ocorre em relação ao valor pessoal e que a protecção da lei se reporta apenas à memória do falecido, e que não há direito a indemnização nem para o finado nem para as pessoas a que se reporta o n.º 2 do artigo 71.º do Código Civil.
O segundo, por seu turno, entende que a lei protege o interesse das pessoas previstas no artigo 71.º, n.º 2, do Código Civil, em função da dignidade do falecido, mas que não têm direito a indemnização, limitando-se a tutela às providências mencionadas naquele preceito, e o terceiro considera que as aludidas pessoas exercem um direito próprio no interesse de outrem, mas que não têm direito a indemnização.
De modo diverso dos últimos mencionados autores entendem RABINDRANATH VALENTINO ALEIXO CAPELO DE SOUSA, “Direito Geral de Personalidade”, Coimbra, 1995, páginas 10 a 19, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 2007, páginas 86 e 87 e “Direito de Personalidade”, Coimbra, 2006, páginas 118 a 123, CARLOS ALBERTO MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 2005, páginas 206 a 213, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, Coimbra, 2004, páginas 461 a 467, e JOÃO DE CASTRO MENDES, “Teoria Geral do Direito Civil”, volume I, Lisboa, 1978 páginas 109 a 111.
Estes últimos autores consideram que a personalidade cessa com a morte da pessoa; mas enquanto o primeiro considera que alguns dos bens nela integrados permanecem no mundo das relações jurídicas e são autonomamente protegidos em termos de tutela depois da morte, os restantes interpretam a lei no sentido de que a tutela legal se refere aos direitos das pessoas previstas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Civil, em cuja titularidade se inscrevem os direitos de personalidade.
Acresce que todos eles entendem que as mencionadas pessoas têm direito a indemnização ou compensação por virtude da ofensa à memória do falecido, verificados os respectivos pressupostos.
Ora, a solução para o caso há-de assentar, como é natural, na interpretação do disposto nos artigos 71.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, tendo em conta o que se prescreve no artigo 9.º daquele diploma, e na sua aplicação ao quadro de facto que as instâncias deram por assentes em sede de condensação e que não foi posto em causa no âmbito dos recursos.
Resulta da lei que a personalidade se adquire com o nascimento completo e com vida e que cessa com a morte (artigos 66.º, n.º 1 e 68.º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, não obstante o primeiro dos referidos normativos expressar que a personalidade jurídica cessa com a morte, o terceiro artigo seguinte – o n.º 1 do artigo 71.º – expressa que os direitos de personalidade gozam de protecção depois da morte do respectivo titular.
Na fixação do sentido e do alcance da lei, deve o intérprete presumir ter o legislador consagrado as soluções mais acertadas e sabido exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).
A expressão igualmente que consta no n.º 1 do artigo 71.º do Código Civil decorre da circunstância de no n.º 1 do artigo anterior se estabelecer proteger a lei os indivíduos contra qualquer ofensa à sua personalidade física ou moral.
Ora, como o n.º 1 do artigo 70.º do Código Civil se reporta, naturalmente, às pessoas com personalidade jurídica, isto é aos vivos, salientando o desvio àquele preceito, foi inserido no n.º 1 do artigo 71.º do mesmo diploma a expressão igualmente.
Tendo em conta o elemento literal do n.º 1 do artigo 71.º do Código Civil, a par do seu escopo finalístico de protecção da memória das pessoas falecidas ou do respeito dos mortos, impõe-se a conclusão no sentido de que, embora a personalidade jurídica cesse com a morte, alguns dos direitos que a integravam continuam a ser protegidos depois do decesso da pessoa.
Nesta perspectiva, não se configura contraditória a cessação da personalidade jurídica com a morte das pessoas com a protecção de alguns dos direitos que a integravam, como valores pessoais que se destacam sob a motivação do respeito pela memória de quem terminou de viver.”
E diz-se, mais adiante, no acórdão que temos vindo a citar:
“O n.º 2 deste artigo 71.º do Código Civil, de alcance instrumental em relação ao que se prescreve no seu n.º 1, elenca as pessoas com legitimidade para requererem as providências previstas no n.º 2 do artigo anterior, ou seja, o cônjuge sobrevivo, os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os sobrinhos ou herdeiros do falecido.
Resulta deste normativo que a legitimidade a que se reporta abstrai da posição jurídica de herdeiro em relação à pessoa falecida à qual foi dirigida a ofensa, mas tem por relevante a proximidade familiar ou presumivelmente afectiva.
A referida legitimidade inscreve-se na titularidade das pessoas mencionadas naquele normativo, ou seja, trata-se de interesses em agir próprios funcionalmente dirigidos à protecção de vertentes da personalidade do defunto, que, por força da lei, se destacaram para além da morte.
O referido normativo circunscreve a mencionada legitimidade dos vivos para proteger a memória dos mortos às providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da que já esteja consumada.
É uma limitação que exclui o primeiro segmento normativo do n.º 2 do artigo 70.º do Código Civil, ou seja, o que se refere à salvaguarda da responsabilidade civil a que haja lugar.
Em consequência, da conjugação das normas dos n.os 2 do artigos 70.º e 71.º do Código Civil em análise, resulta a conclusão no sentido de que as pessoas legalmente legitimadas para requerer as aludidas providências não o são para formular algum pedido de indemnização ou de compensação no quadro da responsabilidade civil, seja com base na ofensa à pessoa falecida, seja por virtude de sofrimento próprio derivado dessa ofensa.
É uma solução legal que se conforma com a realidade das coisas, na medida em que o ofendido já não dispõe de personalidade jurídica e a ofensa não afecta directamente as pessoas a que se reporta o mencionado normativo.”
Acompanhamos o entendimento sufragado neste acórdão, nos limites que aqui são relevantes: as normas conjugadas dos artigos 70.º e 71.º do Código Civil não conferem aos filhos qualquer direito a serem indemnizados, por ofensas aos direitos de personalidade de pessoas falecidas.
Dir-se-á, em suma, que os recorrentes não têm direito a exigir dos recorridos a compensação por danos não patrimoniais que pretenderam fazer valer na acção em causa.
O seu pedido é, pois, manifestamente inviável pelo facto de a lei não caucionar a causa de pedir invocada.
O que implica a sua improcedência.
III. Pelo exposto, acordam em negar a revista, revogando-se a decisão recorrida.
Custas aqui e nas instâncias pelos AA. e Réus, na proporção do respectivo decaimento.