I – A revogação pelo Código do Trabalho do regime especial constante da Lei dos Salários em Atraso (Lei n.º 17/86, de 14 de Junho) pôs fim à coexistência de regimes aplicáveis, passando a cessação do contrato pelo trabalhador com fundamento em não pagamento da retribuição a reger-se, em qualquer caso, pelo disposto no artigo 441º do Código do Trabalho.
II – Não obstante a genérica enunciação da exemplificada situação de justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador (artigo 364º do Código do Trabalho), não se pode sustentar, sem mais, que um não pagamento pontual da retribuição (imputável, ou não, a título de culpa ao empregador) vai criar no trabalhador o direito (recte a faculdade) de cessar imediatamente o contrato de trabalho, com a corte consequencial que decorre, nomeadamente, do nº 1 do artigo 443º, do mesmo diploma legal.
III – A mora do empregador quanto ao pagamento da retribuição, desde que lhe seja culposamente imputável, desencadeia, ex vi do nº 1, do artigo 364º, a obrigação de pagar juros de mora.
IV – Se decorrerem quinze dias sobre a data em que deveria ocorrer o pagamento da retribuição, ao trabalhador assiste a faculdade de suspender a execução das obrigações que para ele advinham do negócio jurídico-laboral celebrado, mediante comunicação ao empregador (e também à Inspecção-Geral do Trabalho), com a antecedência mínima de oito dias em relação a data do início da suspensão (nº 2 do artigo 364º).
V – Ocorrendo falta de pagamento da retribuição, quer seja ela imputável, ou não, a título de culpa ao empregador, e se essa falta se prolongar por período de sessenta dias sobre a data do vencimento, pode o trabalhador resolver o contrato de trabalho com base em justa causa, tendo, inter alia, direito à indemnização a que alude o artigo 443º do Código do Trabalho.
VI – Não é literalmente exigido pelo nº 2 do artigo 308º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, que a declaração a emitir pelo empregador no sentido de se prever o não pagamento do montante da retribuição em falta até ao prazo de sessenta dias sobre a data do respectivo vencimento o seja, no caso de esse empregador ser uma pessoa colectiva, por quem tem, juridicamente, poderes para o vincular.
VII – A conjugação do nº 1 do artigo 441º com o nº 1 do artigo 442º, ambos do Código do Trabalho, apontam no sentido de, ocorrendo um facto instantâneo subsumível a uma das situações de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, poderá este, na declaração de resolução, transmitir que a sua eficácia se produza até final do prazo consagrado na segunda parte daqueles normativos legais, caso essa declaração seja formulada antes de esgotado esse prazo.
VIII – Em conformidade com as duas proposições anteriores, não impede a validade da resolução do contrato pelo trabalhador, antes de terem decorrido sessenta dias desde a data do vencimento da retribuição não paga, o facto de ao trabalhador ter sido emitido e entregue um escrito, declarando o salário em dívida e que não era previsível o seu pagamento, por um membro do Réu que, por si só, não tinha poderes para o vincular, ou de o trabalhador transmitir na carta de resolução do contrato de trabalho, que a resolução operaria no prazo de dez dias a contar da remessa daquela.
IX – O não cumprimento da obrigação do pagamento da retribuição ao trabalhador, mesmo que, objectivamente, não censurável de modo acentuado, representa uma das formas mais graves de incumprimento, ou de não pontual cumprimento do negócio jurídico aprazado entre o empregador e o trabalhador, do mesmo passo que representa um gravame situacional para este último.
X – Justifica-se uma indemnização computada em trinta dias de vencimento por cada ano completo de antiguidade a uma trabalhadora com mais de 29 anos ao serviço do empregador, que progrediu no seio da sua organização, vencendo, ultimamente, a quantia mensal de € 706,14, acrescidos de € 74,15, a título de diuturnidades, € 3,50, a título de subsídio de refeição por cada dia efectivo de trabalho e € 20,99, a título de abono para falhas.
XI – A obrigação de registo do trabalho suplementar que impende sobre o empregador visa permitir às autoridades competentes a fiscalização da sua prestação e da admissibilidade ao seu recurso pelo empregador, e não permitir ao trabalhador a prova do número de horas de trabalho suplementar prestado, prova esta que pode ser feita por qualquer outro meio de prova que legalmente seja admissível.
XII – Daí que a falta de registo do trabalho suplementar prestado pelo trabalhador não determine a inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado, cumprindo, por isso, ao trabalhador a prova deste facto.
De seu lado, o recurso subordinado da autora tem por escopo a alteração do acórdão impugnado no sentido de o quantum indemnizatório nele fixado pela rescisão do contrato de trabalho se dever postar em quarenta e cinco dias de retribuição por cada ano de antiguidade e de deverem à mesma autora ser reconhecidas as diferenças salariais relativas ao período compreendido entre Junho de 1989 e Dezembro de 1998, bem como a compensação pelo trabalho suplementar prestado e o pagamento do aumento salarial emergente da Ordem de Serviço nº 1/94.
Estas, pois, as questões a enfrentar.
3. O acórdão em sindicância – após discorrer no sentido de, ponderando a temporalidade de efectivação da carta da autora manifestando a sua vontade de rescisão do negócio jurídico laboral firmado entre ela e o réu, dever ser aplicável à situação a disciplina jurídica decorrente do Código do Trabalho, e após também discretear sobre os termos em que se deve perspectivar a justa causa de cessação do contrato de trabalho por banda do trabalhador, sublinhando que o conflito existente entre este e a sua entidade empregadora deve ser imputável a culpa desta e ser de tal modo grave que justifique a ruptura, de modo imediato, da relação laboral, por inexigibilidade de permanência por mais tempo ao serviço do empregador, impondo-se ao trabalhador o ónus de prova de que a conduta da sua entidade patronal tornou impossível a subsistência do contrato – veio a considerar que: –
– muito embora na situação em apreço, ainda se não tivessem esgotado os sessenta dias (a que se reporta o nº 1 do artº 308º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho) sobre o atraso no pagamento da retribuição do mês de Agosto de 2005, o que era certo era que à autora tinha sido emitida uma declaração na qual, além de atestar o atraso no pagamento daquela retribuição, indicava que não era previsível ocorrer ele no prazo de sessenta dias, bem como não era previsível o pagamento das retribuições posteriormente vencidas;
– na carta comunicadora da vontade de rescisão, a autora invocou expressamente essa situação, pelo que ficava ela dispensada de esperar pelo decurso do aludido prazo, nos termos do nº 2 daquele artº 308º;
– não procedia o argumento de que a declaração entregue à autora pela dirigente do Sindicato réu, Júlia Maria Tavares de Sousa, porque não assinada por qualquer outro membro da direcção, nomeadamente pelo respectivo secretário-geral, não obrigava o mesmo réu, nos termos do nº 1 do artº 29º, dos seus Estatutos, já que se não provou que aquela autora era conhecedora desta disposição regulamentar, sendo que o ónus dessa demonstração impendia pelo réu, uma vez que seria a parte que tirava benefício desse facto, para além de que a “questão da regularidade formal da declaração emitida pelo R” seria “sempre um questão meramente interna e a que a trabalhadora era alheia, não sendo por isso invocável perante terceiros”;
– como a autora invocou na indicada carta a não previsibilidade do pagamento da sua retribuição de Agosto de 2005 no prazo de sessenta dias, impunha a boa fé que o réu, quando a recebeu, alertasse a autora para a irregularidade formal da declaração que lhe fora passada;
– de todo o modo, estava provado que a sobrevivência (financeira) do réu “estava absolutamente comprometida na data em que fora emitida a declaração”, pelo que era “portanto verdadeira a realidade plasmada na declaração emitida pelo R, tanto mais que ainda não pagou à trabalhadora o salário de Agosto que na altura já estava em dívida”, e “seria absolutamente chocante que tendo sido entregue à apelante uma declaração, que lhe cria a expectativa de não vir a receber no prazo de 60 dias o ordenado que tinha em atraso, bem como os salários que se vencessem posteriormente, não se atribuísse valor a este documento, apenas porque não tinha sido assinado por mais outro representante do R”, motivo pelo qual a aceitação da defesa deste “redundaria num verdadeiro abuso de direito na modalidade de ‘venire contra factum proprium”.
3.1. Anui-se à consideração do acórdão recorrido no passo em que é afirmado que à situação em apreço é aplicável o regime jurídico ínsito no Código do Trabalho, dado que, quer a carta enviada pela autora, consubstanciadora da sua vontade de resolução do contrato com base em justa causa, quer as situações nela invocadas que a tanto teriam conduzido, tiveram ocorrência já no domínio da vigência daquele corpo normativo.
Dispõe o seu artº 441º, nº 1, que ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato, prescrevendo-se, a título exemplificativo, no nº 2, alínea a), que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a falta culposa de pagamento pontual da retribuição e, na alínea c) do nº 3, que constitui ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
De outro lado comanda-se, nos termos do nº 4 daquele artigo, que a justa causa é apreciada nos termos do n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações.
Como é assinalado por Joana Vasconcelos na anotação que ao indicado artigo 441º faz na obra colectiva Código do Trabalho Anotado, 3ª edição, de que também são autores Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, José Manuel Vilalonga, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Drey e Luís Gonçalves da Silva, “a revogação pelo Código do Trabalho do regime especial constante da LSA pôs fim à coexistência de regimes aplicáveis, e, bem assim, às dúvidas que suscitava a respectiva articulação, passando a cessação do contrato pelo trabalhador com fundamento em não pagamento da retribuição a reger-se, em qualquer caso, pela presente disposição”.
Desde logo se suscita neste particular da falta de pagamento pontual da retribuição um problema, ao menos de adequação, e que consiste, justamente, na consideração segundo a qual o novo regime instituído pelo Código do Trabalho vir a introduzir um preceito que não se descortinava expressamente na legislação de pretérito e que se reporta à mora do empregador.
Na verdade, de harmonia com o nº 1 do artº 364º, se o empregador faltar culposamente ao cumprimento de prestações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar os correspondentes juros de mora.
Já no nº 2 desse mesmo artigo se estabelece que o trabalhador tem a faculdade de suspender a prestação de trabalho ou de resolver o contrato decorridos, respectivamente, quinze ou sessenta dias após o não pagamento da retribuição, nos termos previstos na legislação especial.
Este último preceito, como resulta do que nele é indicado, somente cobraria aplicação com a vigência da legislação especial (cfr. nº 2 do artº 3º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto) a qual, como se sabe, veio a lume com a Lei nº 35/2004 (cfr. seus artigos 300º a 315º).
Temos, assim, que, não obstante a genérica enunciação da exemplificada situação de justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador, não se poderá sustentar, sem mais, que um não pagamento pontual da retribuição (imputável, ou não, a título de culpa ao empregador) vai criar no trabalhador o direito (recte a faculdade) de cessar imediatamente o contrato de trabalho, com a corte consequencial que decorre, nomeadamente, do nº 1 do artº 443º.
Na verdade, a mora do empregador quanto ao pagamento da retribuição [e será esta prestação pecuniária que agora releva, pois que as de outra natureza não cairiam no âmbito aplicativo da alínea a) do nº 2 do artº 441, embora, porventura, pudessem caber noutras exemplificadas situações de justa causa de resolução do contrato], desde que lhe seja culposamente imputável, desencadeia, ex vi do nº 1 do citado artº 364º, a obrigação de pagar juros de mora.
Mas, por força do nº 2, se decorrerem quinze dias sobre a data em que deveria ocorrer o pagamento da retribuição, ao trabalhador assiste a faculdade de, ao jeito de exceptio non adimpleti contractus, suspender a execução das obrigações que para ele advinham do negócio jurídico-laboral celebrado que, patentemente, tem natureza bilateral, mediante comunicação ao empregador (e também à Inspecção-Geral do Trabalho – cfr. nº 1 do artº 303º da Lei nº 35/2004) com a antecedência mínima de oito dias em relação à data do início da suspensão (note-se que no nº 2 do aludido artº 303º, a faculdade de suspender o contrato pode exercer-se antes de esgotado o prazo de quinze dias, se o empregador declarar, por escrito, a previsão de não pagamento da retribuição até final desse prazo).
Todavia, o ordenamento jurídico ainda gizou a faculdade de o trabalhador resolver o contrato se foram decorridos sessenta dias sobre o não pagamento da retribuição.
O exercício desta faculdade não está dependente da culpa do empregador, como facilmente se alcançará da previsão legal constante da já indicada alínea c) do nº 3 do artº 441º, o que, aliás, até poderia decorrer do próprio artº 428º, nº 1, do Código Civil, que, precisamente, não exige a culpa do contraente que não efectuou a sua prestação ou não ofereceu o seu cumprimento simultâneo para que o outro contraente lhe possa opor a excepção de não cumprimento (cfr. João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato, 1986, 87); não deve passar-se em claro que, no regime de pretérito, houve, designadamente na jurisprudência, quem entendesse que a excepção de não cumprimento do contrato não era aplicável ao contrato de trabalho, dado que, em realidade, se não poderia asseverar pela existência dos mesmos prazos para o cumprimento das obrigações das partes (com o regime vigente, ainda que, pelos motivos descortináveis naquele entendimento, não fosse directamente convocável o artº 428º, nº 1, o que é certo é que o comando constante do artº 364º, nº 2, do Código do Trabalho, em consonância com os artigos 303º e seguintes da Lei nº 35/2004, não deixa de ser desenhada uma figura que, como se disse acima, de certo jeito, se aproxima da exceptio non adimpleti contractus).
Para o exercício da faculdade a que nos referimos (a de resolução do contrato por parte do trabalhador), o qual é independente de anterior exercício da faculdade de suspensão do contrato de trabalho, em princípio, exige-se que a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por um período de sessenta dias sobre a data em que ela se vence (cfr. nº 2 do artº 364º do Código do Trabalho e artigo 308º, nº 1, da Lei nº 35/2004).
De acordo com a alínea a) do nº 3 deste artº 308º, o trabalhador que opte pela resolução do contrato tem direito a indemnização nos termos previstos no artº 443º do Código do Trabalho.
Ora, se bem se atentar, no nº 1 deste último preceito estipula-se que a resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º 2 do artº 441.º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
Considerando que a falta de pagamento pontual da retribuição pode desencadear a resolução do contrato pelo trabalhador, ancorada, seja numa falta culposa [alínea a) do nº 2 do artº 441º], seja numa falta não culposa [alínea c) do nº 3], a questão que se coloca residiria em saber se o direito a indemnização consagrado na alínea a) do nº 3 do artº 308º da Lei nº 35/2004, o qual remete para aquele artº 441º, somente nasce nos casos em que a falta de pagamento assumiu a natureza culposa.
Neste particular, perfilha este Supremo o entendimento de que não foi esse o desiderato do legislador.
Efectivamente, como diz a anotadora a que já nos referimos (ob. cit., 800), “registe-se a tendência para fazer ressurgir a ‘justa causa objectiva’ prevista na revogada LSA, e traduzida no reconhecimento, ao lado das situações previstas no n.º 2, alínea a), e no n.º 3, alínea c), do artigo 441.º, de um ‘regime especial’, radicado no artigo 308.º da LECT e em face do qual, verificada a falta de pagamento, observado o prazo nele previsto e feita a comunicação por escrito de tais factos, a resolução operaria, conferindo ao trabalhador direito à indemnização prevista no artigo 443.º, n.º 1. A especialidade deste regime resultaria da desnecessidade, tanto de imputação subjectiva da falta de pagamento da retribuição ao empregador, como da invocação e prova pelo trabalhador do nexo de causalidade entre tal falta de pagamento e a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral, e, sobretudo, da atribuição, neste contexto, da indemnização que o artigo 443.º, n.º 1, limita às hipóteses de justa causa fundadas no n.º 2 do artigo 441.º” (cfr., no sentido que agora se defende, o Acórdão deste Supremo de 2 de Maio de 2007, proferido na Revista nº 532/2007, disponível em www.dgsi.pt sob o documento nº SJ20070502005324 e indicações doutrinárias aí referidas).
Conclui-se, assim, que ocorrendo falta de pagamento da retribuição, quer seja ele imputável, ou não, a título de culpa ao empregador, e se essa falta se prolongar por um período de sessenta dias sobre a data do vencimento, pode o trabalhador resolver o contrato de trabalho com base em justa causa, tendo, inter alia, direito à indemnização a que alude o artº 443º do Código do Trabalho.
Adite-se aqui que, consoante comanda o nº 2 do artº 308º da Lei nº 35/2004, uma tal faculdade de resolução pode ser exercida antes de esgotados os sessenta dias, nos casos em que o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento, até ao termo daquele prazo, do montante da retribuição em falta.
4. Expostos estes parâmetros, e volvendo ao concreto dos autos, viu-se já que o Sindicato ora impugnante vem esgrimir com um argumentário de acordo com o qual a declaração que foi passada à autora não tinha a virtualidade de servir, nos termos do nº 2 do artº 308º da Lei nº 35/2005, para o exercício, pela autora, do direito de resolução do contrato que àquela a vinculava e, consequentemente, porque a carta manifestando a sua vontade rescisória foi remetida antes de terem decorrido sessenta dias desde a data do vencimento da retribuição não paga, não poderia ser considerado que houve, por parte da autora, justa causa na resolução, antes se configurando uma denúncia do contrato.
Para além disso, o réu vem aduzir que, como a autora transmitiu que a resolução operaria dez dias depois da remessa da carta, isso seria incompatível com a resolução do contrato com justa causa, pois que esta impunha a cessação imediata do contrato.
Comecemos pelo primeiro argumento.
4.1. Encontra-se assente que à autora AA foi entregue por uma dirigente do Sindicato réu –DD –, que desempenhava as funções de tesoureira, um escrito no qual se afirmava que a primeira se encontrava com o salário do mês de Agosto em atraso e que não era previsível o seu pagamento, bem como o dos que posteriormente se vencessem, no prazo de sessenta dias, sendo que tal escrito não foi assinado por qualquer outro membro do réu e a respectiva emitente não consultou os restantes membros da direcção ou os extractos bancários do réu, tendo, porém, conhecimento de que o Sindicato réu se encontrava numa grave situação económica, com uma acentuada redução de sócios – menos de duzentos –, existindo, inclusivamente, dificuldade em encontrar sócios em número bastante para completar os órgãos sociais [cfr. items 13), 14), 15), 16) e 17) de II 1.].
Como se viu, o Sindicato ora recorrente vem aduzir que a um tal escrito, passado por um membro da sua direcção e sem se encontrar assinado por quem, estatutariamente, tinha poderes para o vincular, não podia servir para os efeitos do nº 2 do artº 308º da Lei nº 35/2005, ou seja, conferir à autora a faculdade de, desde logo, resolver o seu contrato de trabalho.
Não pode este Supremo concordar com a postura do recorrente.
Na verdade, ela apresenta-se-nos como demasiadamente formal e não é literalmente exigido pelo nº 2 do artº 308º da Lei nº 35/2005 que a declaração a emitir pelo empregador no sentido de se prever o não pagamento do montante da retribuição em falta até ao prazo de sessenta dias sobre a data do respectivo vencimento o seja, no caso de esse empregador ser uma pessoa colectiva, por quem tem, juridicamente, poderes para a vincular.
É evidente que, tratando-se o empregador de uma pessoa colectiva, a sua representação, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por pela for designado (cfr. nº 1 do artº 163º do Código Civil). E, in casu, de harmonia com o artº 29º dos estatutos do Sindicato réu, para o obrigar são necessárias as assinaturas de dois membros do Secretariado (equivalente à direcção), sendo uma delas obrigatoriamente a do Secretário para os assuntos financeiros, se estiverem em causa documentos que envolvam responsabilidade financeira.
Todavia, perfilha-se a óptica segundo a qual a declaração a que se reporta o falado nº 2 do artº 308º não deve ser perspectivada, para os especiais efeitos previstos naquela disposição, como uma declaração com conteúdo negocial susceptível de, por si só, criar uma obrigação vinculante do seu emitente. Tratar-se-á, antes, de uma declaração assertiva de um afigurável estado económico-financeiro do réu que, plausivelmente, conduziria a não lhe ser possível proceder, num dado lapso de tempo, ao pagamento da remuneração de Agosto de 2005 e, também plausivelmente, não permitiria pagar atempadamente as posteriores remunerações.
Neste conspecto, não careceria a referida declaração de ser emitida ou assinada pelas pessoas singulares que os estatutos do Sindicato impugnante impõem como forma de vinculação dele.
O mesmo Sindicato era – e isso não é posto em dúvida – a entidade empregadora da autora, e uma sua dirigente que, aliás, desempenhava as funções de tesoureira, emitiu a indicada declaração que, perante a caracterização que agora se lhe conferiu, apontava no sentido de ele se confrontar com uma situação financeira que, previsivelmente, conduziria a que, nos sessenta dias sobre a data do vencimento da retribuição, não seria possível proceder ao respectivo pagamento.
Exigir, para os termos do nº 2 do artº 308º, uma declaração por parte do empregador que seja uma pessoa colectiva, por forma a ser ela emitida em termos de observância estrita dos poderes dos respectivos representantes, afigura-se-nos um formalismo desproporcionado que não é exigido por aquele preceito e que poderia conduzir, numa dada prática, a acentuadamente dificultar o exercício da faculdade conferida por esse normativo. Basta hipotisar as situações em que o responsável financeiro de uma pessoa colectiva, perante os dados dela, emitisse essa declaração, vindo posteriormente os representantes dela, sem que o estado financeiro se alterasse minimamente, a argumentar que, mesmo perante esse estado, o trabalhador não podia exercer a faculdade prevista naquela disposição por não estar munido de declaração por eles subscrita; ou, ainda, hipotisarem-se situações em que, no momento em que, pelo trabalhador, foi requerida a declaração, não se encontravam completamente preenchidos os órgãos sociais da pessoa colectiva empregadora cujos estatutos reclamavam a assinatura conjunta.
4.1.1. De outro lado, a agora invocada suficiência financeira do réu Sindicato para proceder ao pagamento do vencimento de Agosto de 2005 da autora, na ocasião em que esta solicitou a declaração que veio a ser emitida pela tesoureira daquele, invocação essa que o impugnante pretende demonstrar com base nos extractos bancários juntos aos autos, mais não consubstancia que um desiderato de revisão da matéria fáctica por este Supremo, o que não é consentido, já que, no caso, se não coloca qualquer das situações enunciadas no nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil.
Na verdade, foi dado por provado que o réu se encontrava numa grave situação económica, existiam, na altura, menos de duzentos sócios, vários com quotas em atraso, não sendo as receitas bastantes para suportar as despesas correntes, nomeadamente os arrendamentos dos escritórios, os seguros de acidentes de trabalho e os vencimentos das três funcionárias ao seu serviço [cfr. items 17) e 18) de II 1.].
Esta factualidade, alcançada pela prova produzida em julgamento, não pode ser alterada por este Supremo com esteio nos extractos bancários referidos pelo réu, extractos esses emitidos pelas cabidas entidades bancárias, razão pela qual a sua força probatória se não pode considerar inultrapassável pela força das demais provas produzidas em julgamento e que conduziram à demonstração dos factos acima indicados.
Em vista do exposto, não procede, neste particular, embora pelas considerações agora avançadas, a revista do Sindicato recorrente.
4.2. A mais do que a questão tratada no antecedente ponto, o impugnante vem invocar, como acima se sintetizou, que seria incompatível com a vontade de resolução imediata do contrato por banda da autora a circunstância de ela transmitir, na carta em que deu a conhecer essa vontade, que a resolução operaria no prazo de dez dias a contar da sua remessa.
Vejamos.
É inquestionável que no nº 1 do artº 441º do Código do Trabalho, se dispõe que, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.
Significa, porém, essa prescrição legal que, ocorrendo qualquer uma das situações, nomeadamente as exemplificadas no nº 2 daquele artigo, ou as elencadas taxativamente o seu nº 3, o trabalhador que pretenda resolver o seu contrato de trabalho deve fazê-lo com efeitos imediatos a partir do momento em procede à declaração de resolução nos termos do nº 1 do artº 442º ou, ao menos, a partir do momento em que essa declaração for recebida pela entidade empregadora, não podendo «dilatar» os efeitos da resolução para uma data posterior?
Não obstante não se mostrar líquida a solução a conferir a este problema, é entendimento deste Supremo que a conjugação do nº 1 do artº 441º com o nº 1 do artº 442º aponta no sentido de, ocorrendo um facto instantâneo subsumível a uma das situações de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, poderá o trabalhador, na declaração de resolução, transmitir que a sua eficácia se produza até ao final do prazo consagrado na segunda das indicadas disposições, caso essa declaração seja formulada antes do esgotado esse prazo.
Este entendimento suporta-se na óptica segundo a qual não foi intento do legislador – nem tal se extrai do literalidade dos preceitos em apreço – que, tratando-se de um facto instantâneo ou do findar de uma situação continuada, os efeitos da resolução se produzissem a partir daqueles facto ou findar, não obstante o trabalhador dispor do prazo de trinta dias determinado pelo falado nº 1 do artº 442º para efectuar a declaração.
Neste contexto, como a carta dirigida pela autora ao réu, transmitindo a sua vontade de resolver o contrato com base no não pagamento da remuneração de Agosto de 2005, o foi em 12 de Setembro do mesmo ano, nela se afirmando que pretendia resolver o contrato de trabalho a partir de 22 desse mesmo mês, em face da perspectiva que se adoptou, não se vislumbra que a essa declaração tenha de ser conferida a interpretação, que o mesmo réu sustenta, de que consubstanciava uma denúncia unilateral e não uma resolução ancorada em justa causa.
Não é, assim, procedente, neste ponto, a revista do réu.
5. Em primeira linha, a autora insurge-se contra o acórdão em crise sustentando que a indemnização que lhe foi conferida por aquele aresto – no montante correspondente a vinte e dois dias e meio por cada ano de antiguidade – deveria ser fixada no quantitativo máximo – quarenta e cinco dias –, dado que a conduta do réu foi altamente censurável.
Enfrentando esta concreta questão, há que anotar, num primeiro passo, que da matéria de facto apurada não resulta demonstrado que o não pagamento atempado da retribuição de Agosto devida à autora – e note-se que foi este o único motivo indicado para a resolução do contrato na carta que dirigiu ao réu – se deveu a uma actuação dolosa deste ou que a sua precária situação financeira resultou de uma menos cuidada gestão da sua actividade negocial.
Mas, a par disso, não se pode escamotear que a autora há mais de 29 anos era trabalhadora do réu tendo progredido no seio da sua organização, vencendo, ultimamente, a quantia mensal de € 706,14, acrescidos de € 74,15, a título de diuturnidades, € 3,50, a título de subsídio de refeição por cada dia efectivo de trabalho e € 20,99, a título de abono para falhas.
Porventura a mais importante obrigação decorrente do contrato de trabalho é o pagamento da contrapartida da força de trabalho prestada pelo trabalhador, a qual se destina a prover ao seu sustento. O não cumprimento dessa obrigação, mesmo que, objectivamente, não censurável de modo acentuado, representa, inequivocamente, uma das formas mais graves de incumprimento, ou de não pontual cumprimento do negócio jurídico aprazado entre a entidade patronal e o trabalhador, do mesmo passo que representa um gravame situacional para este último.
Nesta ponderação, entende este Supremo que a indemnização a fixar à autora deverá ser computada em trinta dias de vencimento por cada ano completo de antiguidade.
Procede, assim, em parte, este ponto da revista da autora.
5.1. A demandante, no seu recurso vem também, como acima se deixou consignado, exercer censura sobre o acórdão prolatado pela Relação de Évora quando o mesmo não condenou o réu no pagamento das diferenças salariais tocantes ao período de Junho de 1989 a Dezembro de 1998, com ressalva do período compreendido entre Junho de 1994 a Janeiro de 1996, e, bem assim, não condenou aquele a pagar o trabalho suplementar invocado pela autora e o aumento salarial que teria sido ditado pela ordem de serviço 1/94 emanada pelo réu.
A este respeito, o aresto sindicado discreteou assim: –
“(…)
4----
Quanto às diferenças salariais resultantes dos tickets refeição:
Alegou a A que o R tinha um acordo de actualização salarial resultante da ordem de serviço nº 1/94, pretendendo que tal consubstancia um aumento salarial encapotado para evitar encargos, para o empregador, acordo que deixou de vigorar em Janeiro de 2003.
No entanto alega que o R lhe ficou a dever até final de 2002 a quantia de 1979,73 euros a este título.
O tribunal recorrido desatendeu esta pretensão por a A não ter realizado prova suficiente sobre matéria de facto que alegara como seu suporte, julgando assim este pedido improcedente.
Argumenta agora a recorrente que tais créditos estão documentados competindo ao recorrido fazer prova de que os pagou, o que não fez, invocando para tanto o documento de fls. 22 da acção.
Ora, neste ponto não podemos reconhecer razão a trabalhadora, porque na verdade competia-lhe alegar e provar a matéria de facto donde resultasse esta dívida do R, o que não fez.
Efectivamente, aceita-se que a ordem de serviço tivesse estado em vigor at[é] finais de 2002, conforme apurou o tribunal recorrido.
Mas daí não pode concluir-se pela existência de qualquer dívida do R a este título, pois o documento de fls 23 nada prova, tratando-se dum documento que não está assinado, não vinculando por isso o recorrido.
Competia assim à A, alegar e provar os meses em que o R não pagou de acordo com a ordem de serviço em causa para desta forma podermos calcular os valores que tinha a seu favor.
Não o tendo feito, a questão improcede em virtude da matéria de facto apurada não permitir que se possa concluir pela existência de qualquer d[í]vida do R.
4.1 ----
Alegou ainda a recorrente que é credora de diferenças salariais relativas ao período de Junho de 1989 e até Dezembro de 1998, com excepção do período de Junho de 1994 a Janeiro 1996.
Sobre esta matéria temos de dizer que na verdade foi reconhecida [à] A a categoria de tesoureira por decisão judicial transitada em julgado, que al[é]m do mais lhe atribuiu diferenças salariais reportadas ao período Janeiro de 1994 a 1996.
Por outro lado, refere-se na sentença que lhe reconheceu tal categoria que a A vinha desempenhando estas funções desde 1989.
Ora, quanto a este ponto provou-se apenas que em 14.08.2001, o R. pagou à A. a quantia de 1.000.000$00, conforme recibo de fls. 26 que expressamente menciona tratar-se de ‘amortização da dívida’, nada mais se tendo provado.
Donde resulta que efectivamente a categoria profissional da A era de tesoureira e competia ao R pagar como tal.
No entanto, se havia diferenças salariais em d[í]vida por parte do R, competia a A provar a sua existência, alegando nomeadamente quanto ganhava e quanto deveria ganhar.
Assim sendo e como não alegou nem provou material f[á]ctico que permita concluir pela existência duma qualquer d[í]vida do R a este t[í]tulo, não podemos satisfazer esta pretensão da apelante.
Argumenta ainda a recorrente que tais créditos estão mencionados e aprovados no relatório de contas de 1999, e o Réu não fez prova do seu pagamento como lhe competia.
Ora, a A não apresentou em tempo atendível prova documental que permitisse o apuramento destes factos, pelo que tendo-o feito apenas agora, juntando documentos com a sua alegação, não se pode atender a esta prova documental, que como bem nota a Ex.mª Magistrada do MP no seu parecer, não poderá ser considerada, atento o disposto no artigo 524º do CPC.
Por isso improcede também esta questão.
4.2-----
Quanto ao trabalho suplementar:
Nos artigos 25.º a 27.º do seu petitório reclamou a A o pagamento de trabalho suplementar prestado no período de Setembro de 1999 a Julho de 2002, em montante que calculou num total de € 14.390,4 1.
No entanto e considerando que a prova da prestação de trabalho suplementar competia a trabalhadora, prova que não logrou efectuar, desatendeu-se esta pretensão da apelante.
Reage esta contra tal entendimento alegando que a recorrente realizou trabalho suplementar e que o recorrido não lho pagou, sendo prova disso os documentos de fls. 27 a 30.
Ora não tem qualquer razão, dado que estes documentos não estão assinados por quem quer que seja, pelo que não tem qualquer valor probatório.
Argumentou ainda a apelante que o recorrido não apresentou o livro de registo de horas extraordinárias como lhe competia, conforme resulta do artigo 204º do Código do Trabalho, incorrendo por isso, na presunção de incumprimento.
No entanto, não subscrevemos tal entendimento.
Efectivamente, o ónus de alegação e prova da realização do trabalho suplementar impende, como regra geral, sobre o trabalhador, conforme resulta do artigo 342º nº 1 do CC.
[É] certo que a lei impunha ao empregador o registo do trabalho suplementar, conforme resultava do artigo 10º nº 1 do DL 421/83, então em vigor, tendo por isso que possuir um registo do trabalho suplementar efectuado pelos seus trabalhadores e do qual deverá constar a anotação das horas de início e termo do mesmo.
Por outro lado é também inquestionável que esta obrigação do registo do trabalho suplementar visa permitir às autoridades competentes a fiscalização da sua prestação e da admissibilidade ao seu recurso pelas entidades patronais.
No entanto, daqui não se pode concluir que esta obrigação do registo do trabalho suplementar visa também permitir ao trabalhador a prova do número de horas de trabalho suplementar prestado, pois esta prova pode ser feita por qualquer outro meio de prova que seja legalmente admissível.
Por isso, não acompanhamos esta argumentação da trabalhadora quando advoga que desta falta do registo do trabalho suplementar prestado pelo trabalhador resultará uma inversão do ónus da prova quanto ao número de horas prestado.
Por outro lado este entendimento poderá conduzir a resultados absolutamente perversos, pois o trabalhador poderá ser tentado a alegar um número de horas de trabalho extraordinário absolutamente fantasista, cabendo então à entidade patronal provar que o mesmo é incorrecto só porque não procedeu a qualquer registo do mesmo.
(…)”
Subscrevem-se, na sua essencialidade, as considerações que se deixaram extractadas e, bem assim, o juízo decisório que delas foi retirado, pelo que, nos particulares em questão, se haverá de ter a revista da autora como improcedente.