CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO APARENTE
CONSUMPÇÃO
SEQUESTRO
ROUBO
VIOLAÇÃO
CO-AUTORIA
FINS DAS PENAS
MEDIDA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
CULPA
Sumário


I - O concurso efectivo entre o crime de sequestro do art. 158.º, n.º 1, do CP e o de roubo (ou de violação), surge sempre que a privação da liberdade ambulatória da vítima está para além do estritamente necessário à subtracção (ou prática do outro crime em concurso). Ocorre concurso aparente, sob a forma de consumpção, quando o crime de sequestro aparece como crime meio, ao serviço da prática de outro, designadamente de roubo, desde que o agente não vá para além do que era necessário para levar a cabo o crime fim.
II - Na actuação em co-autoria os vários agentes não têm todos que praticar os mesmos factos, podendo caber-lhes a prática de tarefas distintas, de acordo com o plano traçado, ou, na falta de plano, com a consciência recíproca de colaboração; o facto de não ter sido o recorrente a empunhar qualquer arma, na acção conjunta em que participou, não impede que se lhe comunique tal circunstância agravante qualificativa: o recorrente verificou o emprego de uma pistola por parte de um dos co-arguidos e de uma faca por parte de um outro, e concordou com tal emprego.
III - Importa, também, que o agente – cada um deles –, tenha o domínio funcional do facto durante toda a execução do crime, ou durante um estádio ou estádios da respectiva execução. De tal modo que, até o crime estar consumado, os contributos ainda que parciais, de cada um dos co-autores, sejam de considerar decisivos, e sem eles o[s] crime[s] não teria[m] ocorrido, pelo menos de acordo com o plano traçado.
IV - O ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40.º do CP, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o n.º 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
V - Com este preceito, fica a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição qua tale da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, quando tiver lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido.
VI - A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229).
VII - Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológiconormativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

Texto Integral


a) No processo comum n° 218/03.4JASTB das Varas de Competência Mista do Tribunal da Comarca de Setúbal, e em Tribunal Colectivo, AA, nascido a 23.04.74, e BB, nascido a 18.11.58, foram julgados, conjuntamente com outros arguidos, e condenados por acórdão de 21/4/2006 (fls. 1219 e seg.), entre o mais, nas seguintes penas: 3 anos e 6 meses de prisão por cada um dos dois crimes de roubo do artº 210º nº 1 e 2 com referência ao artº 204º nº 2 al. g), ambos do C. P., em que os dois arguidos foram condenados, e 6 anos de prisão o Artur, e 8 anos de prisão o Carlos, pelo crime de violação do artº 164º do C.P., imputado também a cada um deles. Em cúmulo, foram condenados nas penas únicas, o AA de 8 anos de prisão e o BB de 10 anos de prisão.

b) Desta decisão, recorreu para o S.T.J., o Mº Pº (fls. 1295 e seg.), por considerar que os arguidos deveriam ter sido condenados, ainda, pela prática, em concurso efectivo, do crime de sequestro do artº 158º nº 1 do C.P.. O arguido AA ofereceu a sua resposta (fls. 1502 e seg.).
Recorreu também este mesmo arguido AA para o Tribunal da Relação de Évora (fls. 1317 e seg.), tanto de facto como de direito, e ainda o arguido Carlos (fls. 1407 e seg.), que porém limitou o seu recurso à medida da pena que lhe fora aplicada. O Mº Pº formulou a pertinente resposta (fls. 1461 e seg.) aos recursos interpostos pelos arguidos.
Os três recursos foram admitidos a fls. 1444, considerando-se o Tribunal da Relação de Évora o competente para conhecer de todos eles.

c) Por acórdão de 12/12/2006, o tribunal da Relação de Évora conheceu de todas as questões colocadas, e decidiu:
- Proceder a uma correcção, de erro na qualificação dos factos referentes aos crimes de roubo imputados, que atribuiu a mero lapso, [onde se escreveu “artº 204º nº 2 al. g)” deveria ter-se escrito “artº 204º nº 2 al. f)”].
- Considerou improcedentes os recursos dos arguidos.
- Deu parcial provimento ao recurso do Mº Pº, e, consequentemente, revogou o acórdão recorrido na parte em que absolvera ao arguidos do crime de sequestro que lhes era imputado na acusação.

d) Deste acórdão do Tribunal da Relação de Évora interpôs recurso para o S.T.J. o arguido Artur (fls. 1666 e seg.) e o arguido BB (fls. 1707 e seg.), os quais foram admitidos, mas com subida diferida, conjuntamente com a do recurso que se viesse a interpor da decisão final, “uma vez que foi julgado procedente o recurso do Ministério Público”.
O Mº Pº respondeu (fls. 1728 e seg.).

e) Os autos baixaram à 1ª instância, foi dado cumprimento ao artº 358º nº 3 do C.P.P., reabrindo-se a audiência, e proferido novo acórdão (fls. 1935 e seg.) a 25/5/2007. Foi alterada a qualificação dos factos por via da imputação de mais um crime de sequestro (fls. 1961 a 1963) e bem assim, consequentemente, as penas aplicadas (fls. 1969 e seg.). O arguido AA ficou condenado na pena única, em cúmulo, de 9 anos de prisão, e o arguido BB na de 11 anos de prisão.

f) O arguido AA interpôs mais uma vez recurso (fls. 1993 e seg.), desta feita da última decisão referida, recurso que pretendeu que fosse acompanhado do recurso que havia interposto do acórdão da Relação de 12/12/2006.
O mesmo fez o arguido BB (fls. 2021 e seg.).
O Mº Pº respondeu (fls. 2044 e seg.).

Cumpre portanto conhecer dos recursos interpostos por ambos os arguidos do acórdão de 12/12/2006, do tribunal da Relação de Évora, bem como do segundo acórdão da 1ª instância, de 25/5/2007.



A – FACTOS DADOS POR PROVADOS NOS ACÓRDÃOS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA RELATIVOS À MATÉRIA CRIME (transcrição).

“1) Na madrugada de 20 de Abril de 2003, a horas não concretamente apuradas, CC e DD encontravam-se no interior da viatura automóvel de marca Ford, modelo Fiesta, com a matrícula ...-...-..., propriedade do primeiro.

2) Esse veículo encontrava-se estacionado na serra da Arrábida, junto ao convento, onde os dois procuravam desfrutar da paisagem que os envolvia, após terem mantido relações sexuais.

3) A dado momento, foram ambos surpreendidos por um indivíduo que -munido de um objecto não apurado - partiu o vidro da janela dianteira do lado direito do veículo.

4) Os estragos infligidos no veículo automóvel importaram num prejuízo aproximado de € 90,00 + IVA (custo do vidro quebrado).

5) Sem que tivessem tempo de reagir foram cercados por 3 indivíduos que desde logo os ameaçaram; um deles (BB) empunhando uma arma de fogo e outro (EE) uma arma branca.

6) Esses indivíduos gritaram para abrirem as portas imediatamente e não se mexerem.

7) Os arguidos entraram, então, no interior da viatura, sendo que um dos indivíduos, de tez morena (FF) ocupou o lugar do condutor, um outro, que aparentava ser o mais velho, (BB) empunhando uma arma de fogo, sentou-se no lugar do pendura e um terceiro (EE) sentou-se junto das vítimas, no branco traseiro, fazendo gestos ameaçadores com uma faca.

8) FF conduziu a viatura do CC para um local ermo, levando o CC e a DD contrariados na sua vontade, e parando a marcha junto das antenas.

9) FF não possui carta de condução nacional nem é portador de outra habilitação legal para conduzir veículos automóveis.

10) Sabia esse arguido que para conduzir na via pública ou equiparada um veículo automóvel com as características daquele que dirigia, necessitava de documento próprio que lhe permitisse desenvolver essa actividade.

11) Durante todo o percurso BB, que ia sentado no lugar do pendura, ia proferindo diversas ameaças, empunhando sempre a arma de fogo.

12) Uma vez chegados à zona das antenas, na serra da Arrábida, surge um outro indivíduo (AA) até então desconhecido das vítimas, e que conduziu uma outra viatura de marca Honda, modelo Civic, matrícula ...-...-..., seguindo-os até aquele local.

13) Nesta sequência os arguidos exigiram ao CC e à DD, a entrega dos cartões de débito e de crédito que possuíssem, bem como os respectivos códigos PIN.

14) Desse modo obtiveram o cartão de débito de CC - referente a uma conta do banco Totta & Açores, de dependência de Palmela, com o n° .... e o código que forçaram a entregar-lhes.

15) Após, AA e BB afastam-se do local na viatura Honda, tendo os outros dois co-arguidos amarrado o CC.

16) Dirigiram-se à Av. ...... (Setúbal) e, no terminal de ATM aí existente levantaram primeiro 150 Euros, depois mais 40 Euros e, por fim, mais 10 Euros. Encaminharam-se seguidamente para a Av. das..... e do terminal de ATM disponível lograram levantar, ainda, mais 100 Euros.

17) Decorrida cerca de uma hora, regressam então esses dois indivíduos com a quantia de 300 Euros que haviam retirado da conta do CC, mas referindo que só haviam conseguido levantar 150 Euros.

18) O BB e o AA exigiram então à DD que saísse do carro, levando-a contra a sua vontade e apesar dos seus veementes protestos, para um local mais afastado onde permaneceram cerca de 30 minutos.

19) Durante o tempo em que a DD esteve com tais indivíduos, estes forçaram-na a praticar sexo oral com o arguido BB e sexo vaginal com ambos os arguidos.

20) Um dos arguidos, o mais baixo, BB, contra a sua vontade, levou a cabo cópula completa sem uso de preservativo, penetrando o pénis na vagina da DD e aí ejaculando (facto aditado em conformidade com o disposto no artigo 358°, n° 1 do C.P.P), não sem antes a ter forçado a manipular-lhe o pénis e a praticar-lhe sexo oral, introduzindo-lhe igualmente o pénis na sua boca (facto aditado em conformidade com o disposto no artigo 358°, n° 1 do C.P.P.).

21) O outro, mais alto e entroncado, o AA, manteve com ela, sem o seu consentimento ou desejo, cópula vaginal, mediante a introdução do seu pénis na respectiva vagina (facto aditado em conformidade com o disposto no artigo 358°, n° 1 do C.P.P.), com o uso de preservativo.

22) Por fim regressaram com a DD até ao local onde estavam os outros dois arguidos com o CC.

23) Reunidos os quatro arguidos exigiram todos os bens das vítimas, designadamente: três telemóveis (cartões com os n°s ......, ..... e ....., sendo dois do CC, no valor de 150 Euros e um da DD, de valor não apurado), todo o dinheiro que tinham consigo (numa soma que não foi possível precisar), diversos CD's musicais, equipamento de mergulho (barbatanas) e um par de ténis, do CC, tudo no valor de 165 Euros e um par de botas da DD, no valor de cento e tal euros, bem como um relógio no valor de 50/70 euros e uma pulseira em ouro cujo valor não foi possível determinar (factos aditado em conformidade com o disposto no artigo 358°, n° 1 do C.P.P.).

24) Os ofendidos ficaram privados da sua liberdade ambulatória durante todo este lapso de tempo até à fuga dos arguidos que os abandonaram nesse local.

25) Os arguidos usaram, como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, violência física e psíquica contra os ofendidos por forma a obstar a qualquer tipo de resistência por parte destes, tendo-os perturbado de tal forma que ficaram intimidados e não ofereceram qualquer tipo de resistência, sendo coagidos a abrir mão dos objectos e valores supra referidos.

26) Ao assenhorearem-se desses bens e valores, levando-os em seu poder, os arguidos tiveram o propósito de os integrar no seu património, fazendo-os coisa sua, bem sabendo que estes não lhe pertenciam e que actuavam, sem qualquer autorização, contra a vontade e em prejuízo dos seus legítimos donos.

27) AA e BB tinham conhecimento da circunstância de não poderem utilizar o cartão multibanco do ofendido CC, e que a realização de levantamentos de quantias monetárias a seu favor e contra a vontade do CC, mediante a utilização (digitação) do seu código numérico de acesso à respectiva conta bancária implicava a utilização desses dados sem autorização.

28) AA e BB tinham conhecimento que ao manterem práticas sexuais com a ofendida, contra a sua vontade, desrespeitavam de forma grave, a sua liberdade sexual.

29) Os arguidos agiram, sempre, de forma livre, voluntária e deliberada, não desconhecendo a reprovabilidade dos seus comportamentos.

30) Os arguidos, quanto aos factos descritos sob os n°s 5 a 8; 11 a 17 e 24 agiram em comunhão de esforços e executando plano que traçaram, (facto aditado em conformidade com o disposto no artigo 358°, n° 1 do C.P.P.).

31) A DD, à data dos factos tinha 19 anos de idade, (facto aditado em conformidade com o disposto no artigo 358°, n° 1 do C.P.P.).”

(…)

Mais se provou:

1. Arguido EE:
(…)
2. Arguido AA:
Do seu CRC consta a prática das seguintes infracções: - em 04.09.1998 um crime de detenção de arma de defesa proibida, por que foi condenado em pena de multa.
Os progenitores separaram-se quando tinha dois anos de idade. O arguido ficou entregue aos cuidados da mãe que, em determinada altura enveredou pela prostituição, ficando o arguido entregue a uma ama em casa de quem permanecia a tempo inteiro. Quando tinha 5 anos o pai veio buscá-lo, tendo então vivido em ambientes de prostituição, violência e consumo de droga. Foi institucionalizado em Espanha, na sequência de detenção do pai.
Completou aí a 3ª classe e regressou a Portugal com 11/12 anos, situação em que integrou o agregado familiar da mãe.
Iniciou a actividade laboral com 14/15 anos de idade, por imposição da progenitora e aos 18 anos contraiu casamento do qual existe um filho, que tem neste momento 10 anos de idade e que vive com a mãe.
Actualmente vive com uma companheira, de quem tem mais dois filhos, de 11 meses e 6 anos.
Exerce actividade laboral pela qual aufere cerca de 350 euros/mês. Vive em casa alugada por que paga renda de 175 euros. A companheira está a tirar um curso de apoio à terceira idade, por que é remunerada, em quantia que desconhece.
O Relatório médico a que sujeito conclui que o arguido « tem tido ao longo da sua vida, episódios de depressão reactiva.
Apresenta, também, características anormais de personalidade, que não preenchem, contudo, os critérios para nenhuma perturbação da personalidade bem caracterizada.
Deve ser considerado imputável penalmente nos crimes de que é arguido nos autos.
As características anormais de personalidade poderão ser tidas em conta como atenuantes.

3. Arguido BB:
Do seu CRC consta a prática das seguintes infracções:
- em 25.01.1992, um crime de condução sem habilitação legal, por que foi condenado em pena de multa;
- em 10.10.1995 um crime de injúrias à autoridade, por que foi condenado em sessenta dias de prisão;
- em Setembro de 1994, um crime de tráfico e armas, por que foi condenado na pena única de 9 anos e seis meses de prisão, sendo que lhe foi concedida a liberdade definitiva a partir de 21.02.2004.
É natural de Lisboa, sendo oriundo de uma família de estrato sócio-económico carenciado, marcada pelo alcoolismo do progenitor e maus tratos que este infligia à mãe. Abandonou a escola quando tinha 12 anos de idade, durante a frequência da 4ª classe. Iniciou o percurso laboral aos 13 anos de idade, como aprendiz de estofador. Com 16 anos saiu de casa e foi viver com a avó materna, altura em que tem o primeiro contacto com a justiça. Aos 21 anos estabelece uma relação com a mãe dos seus dois filhos, a qual perdurou por 14 anos e terminou em 1994, altura em que é de novo preso. Durante o período de reclusão contraiu matrimónio com a actual cônjuge. Desta união tem um filho com 4 anos de idade.
Vive em casa da Câmara e não exerce qualquer actividade remunerada. A mulher é empregada de limpeza no Hospital Garcia da Horta, auferindo o salário mínimo.”



B – IMPUTAÇÃO DO CRIME DE SEQUESTRO, NO SEGUNDO ACÓRDÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA, NA SEQUÊNCIA DO DECIDIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA (transcrição).

“3.1.2. Do crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158°, n° 1 do CP. ., imputado aos quatro arguidos:
Dispõe o mencionado preceito legal que:
« Quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar de liberdade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
O bem jurídico protegido neste artigo é a liberdade de locomoção, cuja restrição se reconduz, no fundo, a uma forma de violência.
A violência é prevista como meio típico da realização de uma multiplicidade de crimes, designadamente o crime de roubo e o crime de violação. Esta consideração é decisiva para a consideração do concurso, ou seja, para resolver se face a tais crimes, estamos perante uma unidade ou pluralidade de crimes.
Como refere Américo Taipa de Carvalho no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 415 « sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime - fim (p. ex., o roubo, a ofensa corporal grave, a violação) e como tal já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro ("crime-meio") e o crime-fim: roubo, violação, etc, respondendo o agente somente por um destes crimes...».
No caso em apreço, reproduzindo o que o douto Tribunal da Relação expendeu a fls. 1 653 e ss.:
«"1. Tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a violência empregue na subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado subtracção; se ela for excessiva o agente cometerá, para além do crime de roubo e, e, acumulação com este, o crime correspondente ao enquadramento penal do excesso da violência utilizada.
2. E que p crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a vítima apenas durante os momentos em que procederam à apropriação das coisas móveis. O crime de sequestro, pelo tempo que demorou a prática do roubo, é consumido por este.
3. Podem, pois, existir em concurso real os crimes de roubo e de sequestro, quando o tipo qualificado de roubo não tutela todos os bens jurídicos em causa, como sucede quando os arguidos, para subtraírem bens ao lesado, para além da agressão física, se socorrem da violenta privação da sua liberdade que constitui uso de violência desnecessária e exagerada para a efectivação do roubo. Tem o STJ tido oportunidade de afirmar esta doutrina quando a privação de liberdade de locomoção dos ofendidos no crime de roubo se estende para além da subtracção, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando se segue ou antecede ao roubo.
4. A privação da liberdade de movimentos de qualquer pessoa só pode, pois, ser consumida pelo crime de roubo quando se mostra absolutamente necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido ...." (acórdão do STJ de 18.04.2002, sumariado in acórdão do mesmo tribunal de 28.04.2004, Col. Jur., Ano XII, t.2, 177).
No caso em apreço há uma manifesta desproporcionalidade entre o tempo de privação de liberdade dos ofendidos e o momento da subtracção dos bens móveis que lhes foram subtraídos, ou seja, a privação de liberdade imposta aos arguidos ultrapassou em muito a medida necessária à prática dos crimes de roubo e violação que praticaram.
De facto:
- os arguidos poderiam ter-se apoderado dos bens que as vítimas tinham em seu poder logo que foram abordadas, nas circunstâncias descritas, sem necessidade de os levar, à força, para um local diferente daquele;
- Depois e mesmo que assim não se entendesse, pelo menos a partir do momento em que retiraram o cartão de débito ao ofendido CC, poderiam ter- lhes retirado todos os bens que lhes retiraram posteriormente (cerca de hora e meia depois), como poderiam os arguidos AA e BB ter praticado as relações sexuais que vieram a praticar cerca de uma hora depois de retirarem ao ofendido o seu cartão de débito.
Em suma, os arguidos forçaram as vítimas a deslocar-se de um local para o outro e aí as mantiveram durante cerca de uma hora, uma delas amarrada, sem que tais factos fossem necessários para a subtracção dos bens de que vieram a apoderar-se ou para a prática da violação que dois dos arguidos vieram a consumar.
Temos de concluir, pois, que existe um concurso efectivo entre os crimes de roubo e de violação, por um lado, com o crime de sequestro, por outro».
E quanto ao número de crimes praticado, foram dois, já que foram duas as pessoa privadas de liberdade de locomoção, bem jurídico que a incriminação visa proteger, e que assume uma feição eminentemente pessoal.
A participação dos quatro arguidos nestes factos, reconduz-se, como no caso dos crime de roubo acima referidos, à figura da comparticipação, na feição de co-autoria, feita a conjugação dos seus postulados, acima explicitados, com a circunstância de os factos que traduzem o preenchimento do tipo de ilícito em apreço evidenciarem a participação de todos os arguidos em actos de execução dos mesmos e a existência de um acordo, ainda que tácito, tendente à respectiva execução.”



C – RECURSOS DE ARTUR MANUEL MARQUES DUARTE

O arguido insurge-se contra o decidido pelo Tribunal da Relação de Évora a 12/12/2006, e concluiu a sua motivação dizendo (transcrição):
“1ª - A decisão da Relação violou o disposto no artigo 158° do CP ao interpretar essa norma no sentido de que o recorrente cometeu o crime de sequestro em concurso efectivo com o crime de roubo e de violação, quando deveria tê-la interpretado no sentido de que ocorreu uma situação de concurso aparente entre o crime de sequestro e os crimes de roubo e violação.
2ª - A decisão da Relação violou o artigo 30° do CP ao considerar que os factos integravam, em concurso real com os crimes de roubo e violação, o crime de sequestro.
3ª - A decisão da Relação, violou ainda o artigo 13° da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, decidiu-se por igual para todos os arguidos. Contudo, claramente se conclui da descrição dos factos, que o recorrente não teve o mesmo comportamento dos restantes co – arguidos.
4ª - O acórdão, violou o disposto no artigo 359º do CPP. Efectivamente, a douta acusação refere apenas um crime de sequestro. O recurso do Mº Pº fala em dois e o acórdão decidiu pela existência de dois, o que não representa uma alteração de pormenor. Não estamos em presença de apenas a uma alteração da qualificação jurídica, é uma alteração substancial dos factos.
5ª - Da leitura do acórdão da 1ª instância e do acórdão da Relação, conjugada com as regras da experiência, verifíca-se erro notório na apreciação da prova.
6ª – Face às declarações de CC, DD e do co-arguido BB deveria o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação ter dado como assente que o arguido não teve qualquer participação no crime de roubo,
7ª - Porquanto não lhe foi imputado um objecto concreto de que se tenha apropriado,
8ª - Nunca esteve dentro do carro onde hipoteticamente estariam os objectos pertencentes aos ofendidos,
9ª - O recorrente não usou qualquer violência física contra os ofendidos de forma a que os mesmos ficassem incapazes de oferecer qualquer tipo de resistência.
10ª - Não se provou o facto da acusação: "Reunidos os quatro arguidos (incluindo-se o recorrente) exigiram todos os bens das vitimas designadamente: três telemóveis (...), sendo dois do CC, no valor de € 150,00 e um da DD (de valor não apurado), todo o dinheiro que tinham consigo (numa soma que não foi possível precisar) diversos CDS musicais, equipamento de mergulho (barbatanas) e um par de ténis, do Bruno, tudo no valor de € 165,00 e um par de botas da DD, no valor de cento e tal euros, bem como um relógio no valor de 50/70 euros e uma pulseira em ouro cujo valor não foi possível apurar"
11ª - Não se provou, relativamente ao recorrente, o facto da douta acusação: "Os arguidos (incluindo o recorrente) usaram, como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, violência física e psíquica contra os ofendidos por forma a obstar a qualquer tipo de resistência por parte destes, tendo-os perturbado de tal forma que ficaram intimidados e não ofereceram qualquer tipo de resistência, sendo coagidos a abrir mão dos valores supra referidos".
12ª - Há também contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, no que ao crime de roubo diz respeito.
13ª - É o próprio Acórdão da Ia instância que refere:
"Depois perguntaram-lhe (ao CC) pelos objectos, pela carteira, em tom ameaçador, sendo que os três (diga-se EE, F... P... C..., BB e FF) procuram dentro do carro o que houvesse para levar."
14ª - Por outro lado, não pode o recorrente ser condenado por dois crimes de roubo mas apenas por um. A considerar-se que participou no roubo a sua intenção criminosa era apenas uma.
15ª - Face às declarações do co - arguido BB, aos relatórios da Policia Cientifica, ao parecer médico do ginecologista e obstetra e às declarações das peritas Dra. A... M... S... e S... C...,
16ª - O Tribunal de Ia instância e da Relação deveriam ter concluído que não se provou, sem qualquer espécie de dúvida, que o recorrente penetrou com o seu pénis na vagina da DD.
17ª - Com efeito, antes da hipotética penetração do recorrente, provou-se que antes houve penetração, sem preservativo e com ejaculação, do BB e do namorado CC.
18ª - No preservativo encontraram-se vestígios biológicos do recorrente e da DD. Mas não foram encontrados vestígios biológicos do BB e do CC. Não se provou também a que parte do corpo correspondem as células da DD encontradas no preservativo.
19ª - No preservativo só foram encontrados vestígios de sémen do AA.
20ª - O co - arguido BB afirmou que o AA nunca se aproximou do local onde esteve com a DD.
21º - As peritas do LPC vieram dizer, primeiro que era possível não existirem no preservativo vestígios de sémen nem da DD, nem do BB, nem do CC. Depois vieram dizer que era possível não existirem vestígios biológicos do BB e do CC.
22ª - Estas conclusões foram linearmente refutadas por ginecologista e obstetra que afirma que a ter havido penetração do recorrente forçoso seria encontrar no preservativo vestígios de sémen da DD, CC e BB e vestígios biológicos também dos três.
23º - Considera ainda o ginecologista obstetra que a existência de vestígios da DD no preservativo, não prova que tivesse havido penetração uma vez que as peritas não identificaram o tipo de células encontradas, pelo que não se pode presumir que parte do corpo da DD esteve em causa.
24ª - E a haver dúvidas sobre a penetração do recorrente funciona o principio geral do direito "in dúbio pró reo", com consagração no artigo 32° da CRP, que foi violado pelos acórdãos.
25ª - Assim, não se provou e foi incorrectamente julgado, o facto da acusação: "O outro, mais alto e entroncado, o AA, manteve com ela (DD), sem o seu consentimento ou desejo, cópula vaginal, mediante introdução do seu pénis na respectiva vagina".
A não entender-se conforme as conclusões anteriores,
26ª – Não pode o recorrente ser condenado por dois crimes de roubo, porquanto o seu comportamento não preencheu os requisitos desse crime, uma vez que não usou de violência contra os ofendidos por forma a obstar a qualquer tipo de resistência por parte destes nem os coagiu a abrirem mão dos valores descritos no acórdão.
27ª – Desta forma houve erro na aplicação ao recorrente do artigo 210º,1 e 2 do CP, por referência ao artº 204º nº 2,
28ª – Sendo que no limite só poderia ser condenado pelo crime de cumplicidade, sendo-lhe aplicada a sanção prevista no nº 2 do artigo 27º.
29ª – Mas mesmo que se considere que o recorrente foi co-autor no crime de roubo, nunca lhe poderia ser aplicado o nº 2 do artº 210º, uma vez que o arguido não teve comportamentos que se enquadrassem nessa previsão legal.
30º - E mesmo que assim não se considere, sempre se teria que ter em conta o nº 4 do artigo 204º do CP, atendendo ao diminuto valor doa bens que estão em causa.
31ª - No que respeita ao crime de violação, e tendo em conta o que foi considerado provado relativamente aos dois arguidos, mal se percebe que o recorrente tenha tido uma condenação tão próxima do co - arguido BB e tão afastada do limite mínimo da pena prevista para esse crime.
32ª - Verificou-se a violação do artigo 71° do Código Penal e do artº 13º da CRP.
33ª - De facto, na medida das penas não foram suficientemente tidas em conta as condições pessoais do recorrente, a sua situação económica e o seu comportamento anterior e posterior aos acontecimentos.
34ª - Com efeito, o recorrente desenvolveu a sua personalidade em ambiente de grande hostilidade e ausência de valores, tendo um agregado familiar que tem graves carências económicas.
35ª - Cumpriu/cumpre as regras da medida de coacção que lhe foi imposta,
36ª - Considerando o douto acórdão que as necessidades de prevenção, no que respeita ao recorrente, são de nível médio baixo.
37ª - Verifica-se assim que o Tribunal de Ia instância e da Relação foram manifestamente pouco generoso na medida das penas.
38ª - Acresce que o recorrente teve um tratamento desigual, em clara violação do artigo 13° da CRP, na valoração dos seus antecedentes criminais, por comparação com os restantes arguidos.
39ª - De facto, o arguido apenas foi condenado em multa por detenção de arma de defesa proibida em 1998, enquanto todos os outros já foram condenados e estiveram/estão presos. Choca assim a circunstância de nos crimes de roubo e sequestro ter sido condenado exactamente na mesma pena dos restantes arguidos, quando o que deverá acontecer é ser condenado em pena menor.
40ª - Choca também que quanto ao crime de violação tenha sido condenado em pena tão afastada do limite mínimo e tão próxima da pena do co-arguido BB, porquanto o recorrente usou preservativo, fez apenas penetração vaginal e não foi o primeiro, pelo que o que deverá acontecer é ser condenado em pena mais próxima do limite menor.
Termos em que,
41ª - Deverá ser modificada a decisão da Relação, considerando-se que o sequestro foi consumido pelo roubo e violação, tendo-se verificado concurso aparente de crimes e não concurso real como concluiu a Relação.
42ª - Se assim não se entender, alterar a decisão da Relação de reenvio para a Ia instância da discussão da existência de dois crimes de sequestro Efectivamente, a douta acusação refere apenas um crime de sequestro. O recurso do M°P° fala em dois e o Acórdão decidiu pela existência de dois, o que não representa uma alteração de pormenor. Não estamos em presença de apenas uma alteração da qualificação jurídica, é uma alteração substancial dos factos, e a haver discussão sobre o crime de sequestro trata-se apenas de 1.
43ª - Deverá ser modificada a decisão da Ia instância e da Relação dando-se como não provada a participação do recorrente nos crimes de roubo, por não ter tido comportamentos que preencham os requisitos desse crime, havendo erro notório na apreciação da prova.
44ª - Dando-se igualmente por não provado, que o arguido cometeu o crime de violação, beneficiando do princípio do "in dúbio pró reo".
Não se considerando desta forma
45ª - Deve ser aplicada ao arguido a norma referente à cumplicidade no que respeita aos bens que foram subtraídos ao CC e à DD, ou ser aplicada uma pena menor ao recorrente,
46ª - E serem mais atenuadas para próximo do limite mínimo a penas que respeita aos crime de violação. “

Posteriormente, no recurso interposto do segundo acórdão da 1ª instância de 25/7/2007, o arguido começa por dizer, na 1ª conclusão, que mantém interesse no recurso retido. Retomou a mesma argumentação e copiou as conclusões do seu anterior recurso, que nos escusamos de reproduzir, com excepção do modo como abordou a questão da alteração da qualificação dos factos detectada pela Relação, (conclusões 5ª a 9ª incl. e 47ª), a incriminação pelo crime de roubo (conclusões 32ª a 34ª incl.), e a pena pelo crime de sequestro (conclusão 36ª), porque usou uma redacção nem sempre coincidente com a que empregara, no anterior recurso, embora para defender os mesmos pontos de vista.
Transcrevem-se, pois, do segundo recurso por si interposto, só mais estas conclusões:

“5ª - A douta acusação refere apenas um crime de sequestro. O acórdão da relação decidiu pela existência de dois, o que não representa uma alteração de pormenor. Não estamos em presença de apenas a uma alteração da qualificação jurídica, é uma alteração substancial dos factos.
6ª - Não poderia, assim, a Relação determinar a reabertura da audiência, muito menos para a discussão de dois crimes de sequestro.
7ª - A interpretação da Relação no sentido de que a situação dos autos configura uma alteração da qualificação jurídica, a reabertura da audiência em conformidade e a condenação do recorrente em dois crimes de sequestro, viola o conteúdo dos artigos 358° e 359° do CPP.
8ª - E uma interpretação inconstitucional. O julgamento do arguido como co-autor de dois crimes de sequestro, quando era acusado por apenas um, agravou a sua situação. Foi condenado em duas penas de um ano e seis meses, e não apenas numa de um ano e seis meses.
9ª - Sendo o arguido condenado por dois crimes de sequestro, quando foi acusado apenas por um, verifica-se a violação do artigo 2º da CRP, nomeadamente os princípios que dele derivam da protecção da confiança, da protecção das expectativas, e da segurança.
De facto não é uma questão de pormenor iniciar um processo acusado por um crime de sequestro e terminar o processo condenado em dois. O arguido comportou-se na sua defesa dentro de um determinado quadro e acabou condenado em extensão que extravasa os lados do mesmo.”
(…)
“47ª - Se assim não se entender, alterar a decisão da Relação de reenvio para a Iª instância da discussão da existência de dois crimes de sequestro. Efectivamente, a douta acusação refere apenas um crime de sequestro. O recurso do M°P° fala em dois e o Acórdão decidiu pela existência de dois, o que não representa uma alteração de pormenor. Não estamos em presença de apenas uma alteração da qualificação jurídica, é uma alteração substancial dos factos, e a haver discussão sobre o crime de sequestro trata-se apenas de um, sob pena de estarmos perante uma violação e interpretação inconstitucional dos artigos 358 e 359° do CPP. A não se revogar a decisão da Relação e a condenação do recorrente em dois crimes de sequestro há uma clara violação dos princípios contidos no artigo 2º da CRP: princípios da protecção da confiança, da protecção das expectativas do cidadão e da segurança.”
(…)
“ 32ª - Houve erro na aplicação ao recorrente do artigo 210°, 1 e 2 do CP, por referência ao 204° N° 2, alínea f). Além do já dito, o recorrente não trazia qualquer arma aparente ou oculta.
33ª - Sendo que no limite, só poderia ser condenado pelo crime de cumplicidade, sendo-lhe aplicada a sanção prevista no n° 2 do artigo 27°.
34ª - Mas mesmo que se considere que o recorrente foi co-autor no crime de roubo, nunca lhe poderia ser aplicado o n° 2 do Art° 210°, uma vez que o arguido não teve comportamentos que se enquadrem nessa previsão legal.”
(…)
36ª - No que respeita aos crimes de sequestro, o grau de culpa do recorrente e a intensidade da sua participação, não têm a mesma dimensão dos restantes arguidos. E ao ser condenado por igual, há uma clara violação do artigo 13° da CRP.”



D – RECURSOS DE CARLOS ALBERTO REIS ALVES

Também este recorrente aborda, nos dois recursos, a questão da condenação pelos crimes de sequestro em concurso efectivo, tanto numa dimensão adjectiva como substantiva, e a da medida das penas.
No recurso interposto do acórdão da Relação o arguido pretendeu que a pena aplicada pelo crime de violação não devia ser superior a 6 anos de prisão (conclusão11ª). Tudo o mais que aí refere é retomado à letra no recurso da decisão da 1ª instância de 25/7/2007, pelo que se considera suficientemente elucidativa a transcrição daquela conclusão, bem como das conclusões do segundo recurso interposto.
Pelo que toca àquela:

“11ª - É que face aos critérios legais estipulados pelo artº 71º nºs 1 e 2 do Código Penal, o recorrente, deveria ser punido pelo crime de violação numa pena não superior a seis anos de prisão. Em cúmulo jurídico numa pena unitária de sete anos e seis meses de prisão.”

No que diz respeito a estas:

“1 - 0 recorrente mantém interesse no recurso retido, oportunamente apresentado e que põe em crise o douto acórdão da Relação de 06/12/2006, devendo o mesmo subir com o presente recurso.
2 - Repetindo-se o que é dito no recurso do acórdão da Relação, a decisão da Relação violou o disposto no artigo 158° do CP ao interpretar essa norma no sentido de que o recorrente cometeu o crime de sequestro em concurso real com o crime de roubo e de violação, quando deveria tê-la interpretado no sentido de que ocorreu uma situação de concurso aparente entre o crime de sequestro e os crimes de roubo e violação.
3 - A decisão violou também o artigo 30° do Código Penal, ao considerar que os factos integravam concurso real com os crimes de roubo e violação, o crime de sequestro.
4 - Ao considerar-se que houve dois crimes de sequestro, estamos perante uma situação de agravação das sanções aplicadas ao recorrente.
5 - A douta acusação refere apenas um crime de sequestro. O acórdão da relação decidiu pela existência de dois crimes, assim, não estamos apenas na presença de uma alteração da qualificação jurídica, mas de uma alteração substancial dos factos.
6 - Não deveria o Tribunal da Relação determinar a reabertura da audiência, muito menos para a discussão de dois crimes de sequestro.
7- 0 Tribunal da Relação ao fazer uma interpretação no sentido que os factos constantes dos autos configuraram uma alteração da qualificação jurídica, e determinar a reabertura da audiência e a condenação do ora recorrente em dois crimes de sequestro, violou os artigos 358° e 359° do Código Processo Penal.
8 - A decisão da Relação violou ainda o artigo 13° da Constituição da República Portuguesa. Ao decidir por igual para todos os arguidos. O recorrente não teve o mesmo comportamento dos restantes co - arguidos.
9 - Verifícou-se ainda a violação do artigo 71° do Código Penal.
10 - Não foram devidamente sopesadas as circunstâncias que depõem a favor do recorrente, a sua situação económica e social e o seu comportamento posterior aos acontecimentos.
11 - Cumpriu e cumpre escrupulosamente a medida de coacção que lhe foi aplicada.
12 - A pena para além de fazer face ás exigências de prevenção geral de revalidação contra-fáctica da norma violada, terá que ter em conta as exigências individuais e concretas da socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta com a necessidade de evitar a dessocialização do agente.
13 - Deverá ser modificada a decisão do Tribunal da Relação, considerando-se que crime de sequestro, foi consumido pelo crime de roubo e violação tendo-se verificado concurso aparente de crimes e não concurso real como decidiu o Tribunal da Relação.
14 - Se assim não entender, alterar a decisão do Tribunal da Relação de reenvio para a 1ª instância da existência de dois crimes de sequestro. A douta acusação refere apenas um crime de sequestro. O recurso do Ministério Público refere dois e o Acórdão decidiu pela existência de dois, o que não representa uma alteração de pormenor. Não estamos em presença de apenas a uma alteração da qualificação jurídica, é uma alteração substancial dos factos.”



E – RESPOSTAS DO Mº Pº

1) O Mº Pº junto da Relação de Évora respondeu ao primeiro recurso interposto pelo arguido Artur, considerando que o mesmo era totalmente improcedente, porquanto pretendia rediscutir a matéria de facto, o que, para além do conhecimento oficioso dos vícios do artº 410º nº 2 do C.P.P., não cabia na competência do S.T.J., sendo certo que as qualificações feitas estavam correctas, não tendo sido violado, segundo o mesmo, nenhum preceito de natureza substantiva ou objectiva.

2) Também respondeu ao recurso do arguido BB, interposto do acórdão da Relação de Évora, e considerou que o recorrente em causa, “na essência”, só pretendia discutir a medida da pena. O recurso teria assim por único objecto algo já apreciado pela Relação, e era, nessa medida, um recurso da decisão da 1ª instância. Deveria ser rejeitado por manifestamente improcedente.
Diga-se desde já que, para além da questão da medida da pena, o recorrente também alude, no seu recurso, àqueloutra do concurso efectivo com o crime de sequestro (conclusão 5ª, 6ª, e 7ª, a fls. 1721).

3) O Mº Pº junto do Tribunal da Comarca de Setúbal respondeu aos recursos interpostos pelos dois arguidos AA e BB, da segunda decisão de primeira instância, numa única peça, e concluiu:

“1ª - Por douto acórdão do Tribunal da Relação (TR) de Évora proferido em 12-12-06 foram conhecidos os recursos interpostos pelos arguidos e pelo Ministério Público do douto acórdão proferido por este Tribunal em 21-4-06;
2ª - Nesse douto acórdão, foram julgados improcedentes os recursos dos arguidos e procedente o do Ministério Público, em consequência do que, se determinou que os autos baixassem à 1ª instância para, ser reaberta a audiência e ser dado cumprimento no disposto no art 358°, n° 3 do Código de Processo Penal, com referência ao n° 1, relativamente à qualificação jurídica dos factos, em virtude de se ter decidido que existiam dois crimes de sequestro;
3ª - Foi cumprido o determinado pelo douto acórdão do TR de Évora, tendo este Tribunal reaberto a audiência - nada aí tendo requerido os arguidos - e proferido novo acórdão onde os arguidos foram também condenados pelos dois crimes de sequestro em questão;
4ª - Deste novo acórdão vieram dois dos arguidos - os recorrentes AA e BB - interpor recursos onde voltam a suscitar questões (entre outras) já antes decididas no mencionado douto acórdão do TR de Évora;
5ª - Não obstante, este douto acórdão do TR não ter transitado em julgado, pois os mesmos recorrentes haviam recorrido, recursos já admitidos para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), considera-se que a decisão da Relação formou caso julgado em relação a várias das questões agora suscitadas, a saber: vícios previstos no art. 410°, n° 2 do Código de Processo Penal e eventual violação do princípio do in dúbio pro reo;
6ª - Na verdade, como tem sido considerado uniformemente, os poderes de cognição do STJ restringem-se ao reexame da matéria de direito, questões que os recorrentes resumem à questão da medida das penas;
7ª - Na verdade, conforme entendimento desse STJ, os vícios do art. 410°, n° 2 só podem ser conhecidos de forma oficiosa e a eventual violação do princípio do "in dúbio pro reo" só poderá ser apreciada se resultar, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto;
8ª - Em face do texto do douto acórdão e ponderando a forma como os recorrentes atacam a decisão quanto à matéria de facto é manifesto que esse STJ não poderá vir a sindicar esta matéria, por via do que se refere nas alegações dos recorrentes, a qual se tem de considerar como definitivamente fixada;
9ª - Termos em que se entende que os poderes de cognição do STJ estão limitados à questão da medida das penas que foram aplicadas;
10ª - No que tange às medidas das penas não há nenhum reparo a fazer quanto ao decidido no douto acórdão, face ao conjunto de crimes praticados, molduras penais aplicáveis, gravidade das condutas e grau de culpa dos recorrentes;
11ª - Não há também qualquer fundamento para que o recorrente AA possa ser condenado como cúmplice no que respeita ao crime de roubo, atendendo à factualidade provada e ponderando a argumentação do douto Ac. do TR de Évora sobre a questão, já que a co-autoria se contenta com a existência de acordo tácito e intervenção durante o processo executivo
12ª - O douto acórdão, na parte impugnada pelos recorrentes que possa ser conhecida por esse STJ, não violou qualquer norma legal, tendo apreciado correctamente toda a prova produzida e examinada na audiência, devendo ser mantidas as penas de prisão aplicadas, por respeitarem os critérios legais de determinação das penas em concreto;
13ª - O douto acórdão recorrido também não violou qualquer norma constitucional, nomeadamente os arts. 2º e 13° da CRP como alegam os recorrentes, por não ser aplicável a primeira norma a um processo criminal e face à interpretação do princípio da igualdade estabelecida pelo Tribunal Constitucional, não se exigindo que se trate por igual situações substancialmente iguais e que situações substancialmente dissemelhantes sofram diverso tratamento;”


Colhidos os vistos os autos foram presentes a conferência.



F – APRECIAÇÃO

1) Recursos de AA

Como se viu, transcrevemos atrás as conclusões do primeiro recurso deste arguido e aquelas que, dizendo respeito ao segundo recurso, não tinham seguido exactamente a mesma redacção, se bem que o conteúdo respectivo fosse, também, uma repetição do já alegado.
Assim sendo, para além da questão da condenação em penas pelos crimes de sequestro, e da pena única aplicada a final, no segundo acórdão da 1ª instância, levando em conta o concurso efectivo com aqueles dois crimes de sequestro, todos os outros pontos abordados coincidem nos dois recursos.
Vejamos então.

1. 1. O recorrente levanta uma questão processual (conclusão 4ª atrás transcrita), que é logicamente anterior à da existência de concurso efectivo, ou aparente, entre os crimes de roubo e sequestro, a qual respeita á possibilidade de o acórdão recorrido, da Relação, considerar que os factos dados por provados integravam uma diferente qualificação jurídico-penal, ordenando a baixa dos autos à 1ª instância.
A questão não é nova e reporta-se à distinção entre alteração não substancial ou substancial dos factos.
Quando a alínea f) do artigo 1º do C.P.P. nos diz que alteração substancial dos factos é aquela que «tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”, e deixando de lado esta última hipótese, pensada antes do mais, para situações em que os factos novos representam agravantes qualificativas especiais, somos confrontados com a necessidade de estabelecer um sentido para o conceito de “crime diverso”. Só assim poderemos constatar se houve ou não alteração substancial dos factos, o mesmo é dizer, se ocorreu ou não, por essa via, uma modificação intolerável do objecto do processo.
Só que, antes de se atribuir um conteúdo à expressão “crime diverso”, como decorrência da alteração, importa ver que alteração dos factos é que deve ter-se em conta. E, numa primeira abordagem, entendeu-se, sem mais, que os factos aqui em apreço eram os factos históricos, ou, se se quiser, os factos naturalísticos, porque a mudança do significado jurídico-penal do acontecido, já estava contemplada na consequência da alteração, a saber, o ter-se chegado a um “crime diverso”. Daí ser entendido que, só poderia haver alteração substancial dos factos, se a factualidade a dar por provada tivesse mudado.
Podia haver mudança de factos sem haver alteração substancial, mas não podia haver alteração substancial sem mudança do facto histórico.
Assim, sem mais requisitos, a posição do Assento 2/93 deste S.T.J., de 27/1/1993 (D.R. I Série – A de 10/3/1993).
Aconteceu porém que, do acórdão de jurisprudência obrigatória, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, o qual viria a considerar, com força obrigatória geral, que efectivamente não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas com a condição de, no caso da diferente qualificação jurídica dos factos conduzir a uma condenação em pena mais grave, o arguido ser prevenido da nova qualificação, e lhe ser dada, quanto a ela, oportunidade de defesa (Ac. Trib. Constit. 445/97 de 25/6/1997, D.R. I Série – A, de 5/8/1997). O Assento 3/2000 deste S.T.J., de 15/12/1999 (D.R. I Série – A, de 11/2/2000), veio a adoptar esta posição, e, além disso, entendeu que o arguido deveria ser ouvido em primeira instância sobre a alteração, na linha, aliás, da jurisprudência constitucional já então vinda a lume.
Hoje, a questão da alteração da qualificação jurídico-penal dos factos, está contemplada, por via legislativa, nos artº 358º nº 3 e 424º nº 3, ambos do C.P.P..
Se atentarmos agora no caso dos autos, verificamos que o Mº Pº, na acusação de fls. 348 e seg. imputou a este recorrente, tal como aliás ao recorrente Carlos, um só crime de sequestro do artº 158º nº 1 do C.P.. No primeiro julgamento em 1ª instância, não houve condenações no crime de sequestro. O acórdão da Relação recorrido, entendeu que ambos os arguidos AA e BB haviam cometido dois crimes de sequestro, em concurso efectivo, entre si, e com os demais crimes. Assim foi o recorrente condenado, no segundo acórdão recorrido, proferido em 1ª instância.
Só que, por um lado, a factualidade que se manteve como provada desde a primeira condenação em 1ª instância, em nada se afastou dos factos da acusação, na parte respeitante ao crime de sequestro.
Não houve alteração dos factos numa perspectiva naturalística, porque, designadamente, os factos provados 7º, 8º, 11º, e 24º, reproduzem textualmente passagens da acusação.
Mas, por outro lado, o recorrente AA foi notificado do acórdão recorrido da Relação, onde se afirma o cometimento por si, dos crimes de sequestro, em concurso efectivo.
Acresce que, aí se ordena, ainda, “que os autos baixem à 1ª instância a fim de, reaberta a audiência, ser dado cumprimento ao disposto no artº 358º nº 3 do CPP, com referência ao nº 1 do mesmo preceito, relativamente à alteração da qualificação jurídica acima mencionada, decidindo-se depois em conformidade”.
Procedeu-se a nova audiência de julgamento em primeira instância onde foi dada oportunidade ao recorrente para se pronunciar sobre a concreta questão da nova qualificação dos factos, com a menção expressa, da Mma Juiz que presidiu à audiência, de que “o bem jurídico que a incriminação visa proteger assume uma feição eminentemente pessoal. (…) No caso em apreço foram duas as vítimas do crime de sequestro (…) pelo que será com referência a dois crimes de sequestro que o Tribunal fará a deliberação subsequente e não um, como se faz menção na acusação”. (cf. acta de fls. 1982 e seg. e sobretudo despacho de fls. 1983).

Ainda relacionada com este ponto está a invocação da violação do artº 2º da C.R.P. (conclusão 47ª do recurso da 2ª decisão de 1ª instância, atrás transcrita), por supostamente se ter postergado o princípio da protecção da confiança, da protecção das expectativas do cidadão e da segurança.
Não se atinge o que é que o recorrente pretende com esta alusão ao dispositivo constitucional. Mesmo que se entendesse que, em sede constitucional, aqueles princípios encontram principal arrimo no dito artº 2º da C.R.P., para se concluir pela sem razão do recorrente bastaria pensar, que a confiança, as expectativas e a segurança de um determinado cidadão, são valores que se têm que conjugar com outros, em que avulta a segurança da comunidade, no sentido de protecção sua contra o crime. O que reclama a efectivação da justiça penal, que por sua vez se tem que socorrer de normas processuais dotadas de um mínimo de flexibilidade, em matéria de fixação do objecto do processo. A Constituição, como é por demais evidente, através da jurisprudência que tem formado, não exige em nenhum dos seus preceitos que o objecto do processo penal se tenha que manter rígido, de modo absoluto, entre a acusação e o trânsito em julgado da decisão.
Por todo o exposto, a sem razão do recorrente é clara, improcedendo nesta parte o recurso.

1. 2. Abordemos de seguida a questão do concurso efectivo entre os crimes de sequestro e os crimes de roubo (conclusões 1ª, 2ª e 41ª).
No acórdão do Tribunal da Relação de Évora considerou-se, na sequência do recurso interposto pelo MºPº, que ocorrera concurso efectivo entre aqueles crime e os outros, e quanto nós bem (cf. fls. 1649 a 1665). O segundo acórdão da 1ª instância seguiu essa orientação da Relação através da passagem que atrás se transcreveu. Revemo-nos nas considerações tecidas, o que nos dispensa de grandes desenvolvimentos.
Faz-se ali referência à jurisprudência que se tem elaborado, neste S.T.J., sobre a questão, e que se poderia sintetizar na ideia, segundo a qual, o concurso efectivo entre o crime de sequestro do artº 158º nº 1 do C.P. e o de roubo (ou de violação), surge sempre que a privação da liberdade ambulatória da vítima está para além do estritamente necessário à subtracção (ou prática do outro crime em concurso). Ocorre concurso aparente, sob a forma de consumpção, quando o crime de sequestro aparece como crime meio, ao serviço da prática de outro, designadamente de roubo, desde que o agente não vá para além do que era necessário para levar a cabo o crime fim.
No caso dos autos, a participação do recorrente AA surge logo, antes de os arguidos se terem encontrado todos, no sítio das antenas, porque seguiu no seu carro “Honda” o do CC. Este estava obrigado, com a DD, a deslocar-se para aquele local das antenas da Serra da Arrábida (ponto 12 da matéria de facto provada). Aliás, deu-se por provado que “Os arguidos, quanto aos factos descritos sob os n°s 5 a 8; 11 a 17 e 24 agiram em comunhão de esforços e executando plano que traçaram” (facto 30).
Por outro lado, como se aponta nos acórdãos recorridos, as subtracções podiam ter ocorrido logo no local da primeira abordagem, sem obrigarem as vítimas a irem para o dito local das antenas, e, mesmo depois de aí estarem, os arguidos não precisavam de ter mantido as vítimas presas, estando o CC mesmo amarrado, durante todo o tempo decorrido (bem mais de uma hora), até à sua libertação. Ao tirarem os cartões podiam ter subtraído tudo o resto.

Quanto a este ponto, mais uma vez o recorrente traz à colação um preceito constitucional, concretamente o artº 13º da C.R.P. (conclusão 3ª), para defender que fora violado o princípio da igualdade, porque o recorrente AA mereceu um tratamento igual ao dos outros arguidos, quando a sua participação nos factos fora diferente. Basta dizer, a tal propósito que, se se chegou à conclusão de que o recorrente cometera o crime de sequestro em concurso efectivo, tal como os restantes co-arguidos, não se podia deixar de os tratar todos, da mesma forma, ou seja, condenando-os, no que concerne especificamente a esse ponto.
Por tudo o que fica dito, também improcede nesta parte o recurso.

1. 3. 1. Se nos reportarmos agora aos crimes de roubo imputados ao recorrente, verificamos que este invoca, a tal propósito, erro notório na apreciação da prova, com o que quererá aludir ao vício da al. c) do nº 2 do artº 410º do C.P.P. (conclusões 5ª a 11ª incl. e 26ª a 29ª incl.).
Quando o artº 434º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito.
O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é-nos revelado pela al. c), hoje al. d) do nº 1 do artº 432º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito.
E refira-se que as alterações do C.P.P., operadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do artº 432º e artº 434º), de modo a justificar-se uma inflexão da orientação seguida neste S.T.J..
Isto dito, acrescentaremos porém que, ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o S.T.J. tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação, ou contradições, que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do acórdão para fixação de jurisprudência de 19/10/1995, do Pleno das Secções Criminais deste S.T.J. (Pº 46580-3ª, in D.R. Iª série – A, de 28/12/2005).
O erro notório na apreciação da prova, como tem sido repetido à saciedade, na jurisprudência deste S.T.J., tem que decorrer da decisão recorrida ela mesma. Por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.
Tem também que ser um erro patente, evidente, perceptível por um qualquer cidadão médio. E não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida, que é o que o caso dos autos revela.
Acontece que, do texto das decisões recorridas, tanto do acórdão da Relação de Évora como da segunda decisão da 1ª instância, que, neste particular, consideraram provados os mesmos factos, não resulta nenhum erro na apreciação da prova, e muito menos notório.
É sabido que na actuação em co-autoria os vários agentes não têm todos que praticar os mesmos factos, podendo caber-lhes a prática de tarefas distintas, de acordo com o plano traçado, ou, na falta de plano, com a consciência recíproca de colaboração. Vem a propósito referir que, ao contrário do que pretende o recorrente (conclusão 32ª do segundo recurso atrás transcrita), o facto de não ter sido ele a empunhar qualquer arma, na acção conjunta em que participou, não impede que se lhe comunique tal circunstância agravante qualificativa. O recorrente verificou o emprego de uma pistola por parte do co-arguido BB e de uma faca por parte do co-arguido EE, e concordou com tal emprego.
Também importa que o agente, cada um deles, tenha o domínio funcional do facto durante toda a execução do crime, ou durante um estádio ou estádios da respectiva execução. De tal modo que, até o crime estar consumado, os contributos ainda que parciais, de cada um dos co-autores, sejam de considerar decisivos, e sem eles o[s] crime[s] não teria[m] ocorrido, pelo menos de acordo com o plano traçado.
Retira-se dos factos provados, quanto ao recorrente AA, que este seguiu os outros até ao sítio das antenas, de madrugada e em plena Serra da Arrábida (ponto 12 da matéria de facto). Uma vez aí, exigiu, com os co-arguidos, os cartões de crédito e débito das vítimas (ponto 13). Com o cartão de débito do CC ausentou-se do local por cerca de uma hora, para levantar o dinheiro (ponto 15). Mais uma vez no sítio das antenas, passada a meia hora em que estivera, tal como o co-arguido BB, cometendo o crime de violação da vítima DD, exigiu a esta e ao Bruno “todos os bens das vítimas”. Isto, conjuntamente com os outros co-arguidos (ponto 23 da matéria de facto). Basta pensar no montante de dinheiro tirado com o cartão do CC, 300 euros (ponto 17), e ainda nos objectos de que os arguidos se apropriaram (ponto 23), para se ter por completamente despropositada a afirmação da conclusão 30ª, nos termos da qual, atento o diminuto valor dos bens subtraídos, operava a desqualificação prevista no artº 204º nº 4 do C.P.. Nos termos do artº 202º al. c) do C.P. “valor diminuto” é o que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto. De acordo com o artº 3º do D.L. 323/2001 de 17 de Dezembro (que alterou a redacção do D.L. 212/89 de 30/6/1989), “A partir de 1 de Janeiro de 2002 a unidade de conta processual tem o valor de €79,81”.
Ocorreram alterações posteriores, que não interessam ao valor, aferido pela data da prática dos factos dos autos, certo que, hoje, e até 31/12/2009, a unidade de conta será corresponde a 96 € (cf. D.L. 212/89 de 30/6/1989, artºs 5º e 6º).
É verosímil, é credível, a expensas da decisão recorrida, atribuir ao recorrente a actuação que implica a imputação que lhe foi feita dos crimes de roubo, e enquanto autor. Não como cúmplice, tal como alegado na conclusão 28ª.
Adianta-se aliás, desde já, que a pretensão do recorrente, de ter cometido nunca mais do que um crime de roubo, também é insustentável (conclusão14ª). O argumento usado é o de que o recorrente agiu com uma única intenção criminosa. Só que, parece o recorrente esquecer que, em primeiro lugar, houve subtracções espaçadas entre si de pelo menos uma hora. Depois, como é bem sabido, o crime de roubo tem uma natureza complexa, violando simultaneamente um bem jurídico patrimonial, e outro, ou outros, eminentemente pessoais. Por isso a lei fala em violência, ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, colocação na impossibilidade de resistir da vítima, tudo comportamentos que atingem cada pessoa individualizadamente.
Ofendidos com o crime de roubo foram, no caso dos autos, duas pessoas.

1. 3. 2. Ainda em matéria de vícios do artº 410º nº 2 do C.P.P., o recorrente invoca quanto ao crime de roubo uma contradição entre a fundamentação e a decisão (conclusões 12ª e 13ª). Para proceder esse vício, exige a al. b) do nº 2 do artº 410º que a contradição seja insanável, e, além disso, é esta mais um vício que só pode ser objecto de conhecimento, neste S.T.J., oficiosamente.
Ao que parece, o recorrente funda-se, com esta pretensão, na passagem da motivação da decisão de facto, da 1ª instância, em que, aludindo ao depoimento do Bruno, este diz que lhe perguntaram a certa altura, já depois da violação da DD, em tom ameaçador, pelos objectos, pela carteira, e que três procuraram dentro do carro o que houvesse para levar (cf. por exemplo fls. 199). Como se, pelo facto de o CC dizer que três arguidos procuraram dentro do carro, por um lado o AA não pudesse ser um desses três, e, sobretudo, fosse uma actuação a que o AA fosse completamente estranho, pelo simples facto de não ser ele mesmo a procurar as coisas dentro do carro.
Por isso é que também se não vê qualquer contradição ao nível da fundamentação, designadamente por o mesmo facto ter sido simultaneamente dado por provado e por não provado, ou por haver total incompatibilidade entre factos provados, ou entre estes e os não provados.
Fica ainda, sem qualquer reparo, a decisão recorrida, no tocante a uma possível insuficiência da matéria de facto dada por provada, para que a decisão de condenação pudesse ter sido proferida como foi.
Por todo o exposto, entende-se estar definitivamente adquirida a matéria de facto fixada no acórdão da Relação, a propósito dos crimes de roubo que foram imputados ao recorrente, mas não só.

1. 4. É que o recorrente invoca, mais uma vez, erro grosseiro na apreciação da prova, no tocante ao crime de violação por que foi condenado (conclusões 15ª a 25ª).
O arguido esgrime um conjunto de argumentos sem qualquer sustentabilidade, configurando situações estranhas (o sémen do AA, verificado no preservativo, podia ter resultado de este se ter masturbado, com o dito preservativo, em vez de violar a DD), e sobretudo ignorando o que, a propósito, disse a própria vítima (v.g. a fls. 1951, “Após ter acabado [o BB] afastou-se e chamou o outro [ora recorrente], que colocou preservativo e introduziu o pénis na sua vagina, na mesma posição”). Aliás, na conclusão 40ª, o recorrente aceita a colocação do preservativo e diz que houve “apenas penetração vaginal”, e que “não foi o primeiro”, tudo como circunstâncias atenuantes, para o caso de vir a ser condenado pelo crime de violação.
O recorrente pretende no fundo que, se o tribunal não teve dúvidas quanto ao cometimento deste crime de violação pelo recorrente, devia tê-las tido, e portanto ficou violado o princípio in dubio pro reo. Repete-se, mais uma vez, que a violação deste princípio arranca da constatação de uma situação de dúvida em que o tribunal tenha caído, de que o mesmo tribunal tenha minimamente dado conta.
Antes de se decidir pro reo o tribunal tem que ter estado in dubio.
Não é o caso.
Depois, ainda aqui o recorrente parece ignorar que este S.T.J. não conhece de facto, para além da verificação oficiosa dos vícios do artº 410º nº 2 do C.P.P., nos termos aludidos. Da sentença recorrida não resulta a ocorrência de nenhum desses vícios.
A matéria de facto pode pois dar-se toda por definitivamente fixada.

1. 5. 1. Decorreria já, em boa parte, do que dito fica, que a qualificação jurídico-penal do comportamento do recorrente, que foi feita na última decisão de 1ª instância, nos não merece qualquer reparo, o que se confirma agora. Acrescentaremos apenas que, quanto ao possível cometimento de mais um crime, desta feita o de burla informática do artº 221º nº 1 do C.P., não houve qualquer recurso da primeira decisão de 1ª instância, que absolveu o recorrente por tal crime, e dificilmente este S.T.J. a poderia rever agora, oficiosamente, sem ofensa do princípio da proibição da reformatio in pejus do artº 409º do C.P.P., mesmo que se discordasse da posição assumida nos arestos em apreço.

1. 5. 2. Importa contemplar agora a medida das penas parcelares, e, depois, da pena única aplicada em cúmulo, com o que estaremos a ter em conta as conclusões 31ª e seguintes, do recorrente, atrás transcritas.
O recorrente foi condenado, a final, por:
- Dois crimes de roubo dos artºs 210º nº 1 e 2, e 204 nº 2 al. f), ambos do C.P., nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão por cada um deles. A moldura abstracta ater em conta é de 3 a 15 anos de prisão.
- Dois crimes de sequestro do artº 158º nº 1 do C.P. nas penas de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um deles. A moldura abstracta é de prisão até 3 anos ou multa.
- Um crime de violação do artº 164º do C.P. na pena de 6 anos de prisão. A moldura abstracta é de 3 a 10 anos de prisão.
Qualquer uma das decisões condenatórias, de que se recorreu, foi proferida antes da entrada em vigor da Lei 48/2007 de 29 de Agosto. Segundo a orientação que se vem seguindo, importa pois ter em conta, em matéria de recorribilidade, a redacção dos artºs 400º e 432º do C.P.P., anterior à actual. Portanto, todas as penas parcelares acima referidas são ainda, nesta sede, sindicáveis.
É hoje entendimento uniforme deste S.T.J., bem como da doutrina, que a escolha e medida da pena constituem tarefas cuja sindicabilidade se tem que assegurar, o que reclama que o julgador tenha em conta nessas tarefas a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas, numa aplicação do direito autêntica, e não num exercício do que possa ser apelidado, simplesmente, de “arte de julgar”. Tal não impede que, em sede de recurso de revista para este S.T.J., a controlabilidade da determinação da pena deva sofrer limites.
Assim, podem ser apreciadas “a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais. (…) E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. Já tem considerado, por outro lado, este Supremo Tribunal de Justiça e a Doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada” (do Ac. deste S.T.J. e 5ª Secção, de 13/12/07, Pº 3292/07, relatado pelo Cons. Simas Santos. Cfr. também Figueiredo Dias in “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 197).
Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta.

Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no artº 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, quando tiver lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido.

Quando pois o artº 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele artº 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:

A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. Idem pág. 229).

Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir.

O nº 2 do artº 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

Regressando ao caso concreto, vemos que o tipo de actuação por que o recorrente foi condenado é infelizmente cada vez mais frequente. Trata-se de acções protagonizadas por grupos, geralmente de jovens, que escolhem para vítimas, casais, que se encontram dentro de carros, em locais mais ou menos ermos, e de noite. As necessidades de prevenção geral são fortes. Quanto à prevenção especial, não se fará sentir de forma muito premente em relação ao ora recorrente.

O que foi subtraído nos crimes de roubo, sem ser de valor diminuto (na definição do artº 202º al. c) do C.P.), também não tem uma grande dimensão, sobretudo se se tiver em conta que as subtracções foram cometidas por quatro arguidos, e portanto, em princípio, delas beneficiaram todos. A ilicitude da conduta, pelo menos na vertente patrimonial, não é muito forte.

Do mesmo modo em relação ao crime de sequestro, tendo em conta o tempo em que as vítimas estiveram privadas da sua liberdade, e o papel neles desempenhado pelo recorrente.

Quanto ao crime de violação, como aliás foi assinalado, o desvalor da acção deverá ser avaliado tendo em conta, entre o mais, o facto de o recorrente não ter sido o primeiro a manter relações com a vítima, e usar preservativo.

Mas, por outro lado, é-nos dada conta das consequências muito traumatizantes que a violação teve sobre a vítima, do ponto de vista psicológico.

Não se perfilam circunstâncias agravantes ou atenuantes de monta, embora se tenha dado por provado que o recorrente “Apresenta, também, características anormais de personalidade, que não preenchem, contudo, os critérios para nenhuma perturbação da personalidade bem caracterizada. Deve ser considerado imputável penalmente nos crimes de que é arguido nos autos. As características anormais de personalidade poderão ser tidas em conta como atenuantes.”
As penas aplicadas situam-se próximas dos limites inferiores das molduras, no caso dos roubos, e perto do termo médio da moldura quanto aos outros crimes.
Entende-se que serão mais adequadas as penas de um ano de prisão por cada um dos crimes de sequestro, mantendo-se todas as outras.

Importa agora ver qual a pena a aplicar em cúmulo

O comando do artº 77º, nº 1, do C.P. manda considerar, na medida da pena única a aplicar, “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente ( exigências de prevenção especial de socialização).” (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 291).

O recorrente tinha, tanto quanto resulta da factualidade provada, emprego e família, com três filhos de tenra idade. Não tem passado criminal registado, para além da condenação pelo crime de detenção de arma proibida, há cerca de dez anos. Foi prejudicado desde muito novo por uma disfunção familiar acentuada, e apresenta características de personalidade anormais, que porém, nos dizem, devem funcionar com sentido atenuativo. Estes os elementos mais salientes a ter em conta, no momento de eleger a pena única.

Anote-se à margem que a invocação da violação do artº 13º da C.R.P., ainda aqui, para defender “que o recorrente teve um tratamento desigual (…) na valoração dos seus antecedentes criminais, por comparação com os restantes arguidos” (conclusão 38ª), não tem qualquer sentido. O passado criminal do recorrente é um elemento a ter em conta, sem dúvida, mas que se conjuga com muitos outros na ponderação a fazer. Ao não ter autonomia, não se vê como é que o valor que lhe foi dado, ou não lhe foi dado, pode ser comparado com o dos co-arguidos.

A pena parcelar mais alta em que o arguido fica condenado é de seis anos de prisão e fixa o limite mínimo da moldura agora a utilizar, sendo o limite máximo marcado pela soma das parcelares, ou seja, quinze anos (nº 2 do artº 77º do C.P.). Por tudo o que já se disse entende-se que a pena correcta a aplicar em cúmulo se situa nos oito anos de prisão.

2) Recursos de BB

Também este recorrente entende que o recurso interposto, da segunda decisão de 1ª instância, a última proferida, deverá ser acompanhado daquele que interpôs da decisão do Tribunal da Relação de Évora. Como atrás se viu, optou-se por transcrever as conclusões do segundo recurso interposto por este arguido, porque mais completas, embora aí se retome o que já fora alegado no primeiro recurso.
Os pontos contemplados têm que ver com a condenação em concurso efectivo com os crimes de sequestro (conclusões 2, 3, 4 e 13), com a suposta alteração substancial dos factos (conclusões 5, 6, 7 e 14) e com a s penas aplicadas (conclusões 9 a 12 incl.).
Quanto às duas primeiras questões, claramente comuns aos recursos interpostos pelo co-arguido Artur, dão–se aqui por reproduzidas as considerações tecidas a tal propósito, do que resulta que a qualificação jurídico-penal do comportamento do recorrente BB deve incluir a prática, em concurso efectivo com os outros crimes, de dois crimes de sequestro do artº 158º nº 1 do C.P., e, ainda, que não teve lugar nenhuma alteração substancial de factos, impeditiva da condenação, nestes autos, por aqueles crimes. Improcedem pois, nessa parte, os recursos.
Vejamos agora as penas aplicadas.
O recorrente foi condenado, a final, por:
- Dois crimes de roubo dos artºs 210º nº 1 e 2, e 204 nº 2 al. f), ambos do C.P., nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão por cada um deles. A moldura abstracta ater em conta é de 3 a 15 anos de prisão.
- Dois crimes de sequestro do artº 158º nº 1 do C.P. nas penas de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um deles. A moldura abstracta é de prisão até 3 anos ou multa.
- Um crime de violação do artº 164º do C.P. na pena de 8 anos de prisão. A moldura abstracta é de 3 a 10 anos de prisão.
Cobra a mesma pertinência em relação a este recorrente, a menção dos critérios gerais antes adiantados, para aferição da medida das penas parcelares e única aplicada em cúmulo, pelo que se dão por reproduzidas as passagens a eles respeitantes.
Debruçando-nos sobre o caso concreto, agora na perspectiva da responsabilidade deste recorrente, voltamos a afirmar que o tipo de actuação por que ele foi condenado, pela sua frequência e sentimento de insegurança que desperta, reclama medidas de prevenção geral fortes ao nível das penas a aplicar.

Depois, diferentemente do que acontecia com o recorrente AA, são também importantes as necessidades de prevenção especial. O recorrente tem passado criminal, em que avulta uma condenação em 9 anos e 6 meses de prisão por tráfico de armas, e terá praticado os factos ora em apreço quando beneficiava de liberdade condicional, no cumprimento de pena por esse crime. Conta agora com cinquenta anos de idade, e não tinha à data dos factos ocupação profissional remunerada.

A culpa do arguido é intensa na medida em que se traduz sempre em dolo directo.

Não fazemos qualquer reparo a que seja condenado nas mesmas penas que o co-arguido AA, tal como foi, no tocante aos crimes de roubo, não havendo que distinguir, relevantemente, em matéria de grau de ilicitude, pautado pelo que já se afirmou a esse propósito.

Quanto aos crimes de sequestro, importa ter em atenção que, desde o primeiro momento, é o recorrente que empunha a arma de fogo, se senta ao lado do condutor, no carro do CC, e vai durante o percurso proferindo ameaças (factos 5 3e 11 da matéria de facto). Devem manter-se as penas parciais que lhe foram aplicadas por tal crime, justificando-se a diferença, em relação à condenação pelos mesmos crimes, de que foi alvo o AA.

Em relação ao relacionamento sexual com a vítima, sobressai o facto de ter sido o recorrente o primeiro a violá-la, obrigá-la a praticar sexo oral antes da relação de coito vaginal, tendo ejaculado aí sem qualquer protecção. Significativa, como revelação da sua personalidade, é a versão dos factos que apresenta a fls. 1948, por exemplo, nos termos da qual teria sido a vítima DD que se lhe teria oferecido para o que se passou a seguir.

Não há circunstâncias atenuantes ou agravantes gerais que devam ser tidas especialmente em conta, designadamente qualquer espécie de confissão relevante a esse nível. Nenhum reparo fazemos às penas parciais aplicadas, que se mantêm.

Sobre a pena única a eleger, dir-se-á que a apreciação global dos factos aponta, claramente, para uma maior responsabilidade do recorrente por comparação com os seus companheiros. O seu papel sobressaía a ponto de parecer ser o “chefe” do grupo, foi ele que empunhou a arma de fogo desde o primeiro momento, foi um dos que foi levantar o dinheiro com o cartão do CC, e que violou a DD do modo descrito. Era muito mais velho do que todos os outros.

Quanto à personalidade que apresenta, ela estará ligada à infância e juventude que passou, mas não terá sido influenciada pelas penas já sofridas. Com a idade que tem, e sem modo de vida remunerado, nada permite afirmar que se esteja perante um episódio isolado, o dos autos, na vida do recorrente.

Numa moldura, para efeitos de pena única a aplicar, que vai de 8 anos de prisão a 18 anos de prisão, o arguido foi condenado em onze anos de prisão.

Mantém-se a pena aplicada em cúmulo.

G – DECISÃO

Por todo o exposto se delibera em conferência e neste Supremo Tribunal de Justiça:

- Conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelo recorrente AA, baixando a pena aplicada por cada um dos crimes de sequestro, do artº 158º nº 1 do C.P., em que foi condenado, de um ano e seis meses, para um ano de prisão, e, refazendo o cúmulo jurídico das penas aplicadas, condená-lo na pena única de oito anos de prisão.

- Negar provimento aos recursos interpostos pelo recorrente BB, mantendo-se as penas parcelares e a pena única aplicada em cúmulo, de onze anos de prisão, em que foi condenado, na decisão de 25/5/2007, do Tribunal da Comarca de Setúbal.

Taxa de justiça: oito U.C. a cargo do recorrente AA e dez U.C. a pagar pelo recorrente BB.

Lisboa, 20 de Novembro de 2008

Souto Moura (Relator)

Soares Ramos