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CONTRATO DE AGÊNCIA
Sumário
I—A comunicação transmitida por um potencial cliente, por via telefónica, recebida pelo autor, agente, manifestando interesse em comprar malha à ré, e a transmissão desse interesse por aquele a esta, durante a vigência de uma relação de agência, no âmbito da qual foram desenvolvidas acções de promoção comercial pelo agente, legitima o recebimento da comissão acordada entre as partes. II—A circunstância desse cliente não ter sido visitado pelo agente, não obsta ao direito à comissão, uma vez que a visita constitui uma das formas (tradicional) de promoção dos produtos no mercado. III—Se o agente se compromete verbalmente a desenvolver, em favor exclusivamente do principal, a actividade promocional do seu produto, é devido o seu direito à comissão, mesmo no caso do principal encetar directamente as negociações com o cliente, cujo interesse no negócio lhe foi transmitido pelo agente, sob pena de beneficiar dos resultados da actividade promocional do intermediário sem cumprir a sua contraprestação, o que constitui violação do acordo e do princípio da boa fé.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I—RELATÓRIO
André F, residente na Avenida J, n.º 314, 5° Dt., Barcelos, intentou a presente acção contra “M - Fábrica de Malhas, Ld.”, com sede na Rua C, n° 453, Barcelos, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a percentagem de 3% sobre o valor da malha em cru que forneceu à “A, Ld”, entre Dezembro de 2010 e Novembro de 2011, conforme vier a liquidar-se em execução de sentença.
Para tanto, e em resumo, alegou que, no desenvolvimento da relação comercial estabelecida entre as partes, angariou como cliente da ré a firma “A, Ld”, não tendo a ré pago o montante da retribuição acordada para a venda de malha em cru (3%) calculado sobre o valor das vendas realizadas e facturadas pela ré à “A, Lda”,
Contestou a Ré, reconhecendo a relação contratual existente entre as partes e seus termos, negando, porém, que tivesse sido o Autor a angariar a sociedade “A, Lda." como cliente da ré.
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Com base nas facturas juntas aos autos pela Ré, o Autor liquidou o pedido, tendo sido fixado pelo tribunal na quantia de € 93.647,73—cfr. fls. 293.
Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
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Inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso, terminando com as seguintes conclusões:
1.Face aos factos dados como provados e ainda tendo em conta a fundamentação de facto expendida pelo tribunal recorrido, deviam ter sido dados como provados os dois factos não provados.
2.Existe uma manifesta contradição entre o facto dado como não provado sob o n.º 1 e o facto provado n.º 10.
3.A circunstância de ter sido o Autor a receber um telefonema do representante da ATS demonstra, desde logo, que foi estabelecido contacto entre o Autor e o gerente da A.
4. Daí que, sob pena de contradição, o Tribunal não pudesse formular nenhuma resposta completamente negativa ao facto 1 da matéria dada como não provada.
5.Tendo existido este contacto e tendo o Recorrente transmitido à Recorrida o interesse da A na aquisição de bens por si comercializados, é evidente que o objectivo do Recorrente, no exercício das suas funções, era o de angariar mais um cliente para a Recorrida.
6. Deste modo, existe contradição entre o facto dado como provado sob o n.º 10 e o facto dado como não provado sob o n.º 1, devendo este, para além do que infra se dirá, ser dado como provado.
II.
7. Ainda assim, os factos dados como provados são suficientes para ter sido proferida decisão de condenação da Recorrida no pedido formulado pelo Recorrente e a fundamentação exposta na douta decisão recorrida é suficiente para ter dado como provados os factos constantes na matéria de facto dada como não provada.
8.Da matéria dada como provada e da sua fundamentação não subsiste dúvida alguma de que a empresa A passou a ser cliente da Recorrida após um contacto telefónico estabelecido entre o Recorrente e o gerente da A - cfr. factos 10 e 11 dos factos provados.
9.O representante da Ré confessou que foi o Recorrente que lhe comunicou que a ATS "estava interessada em encomendar malha à ré”.
10.As funções do Autor eram essas mesmas: "angariar clientes e junto deles promover, em exclusividade, a compra e venda de produtos comercializados por esta (Ré) (facto provado n.º 2) que foram cumpridas e resultaram no facto de a A ter procurado os produtos da Recorrida.
11.Esta procura surge, naturalmente, em consequência do trabalho de promoção e acções desenvolvidas pelo Recorrente tendentes ao conhecimento e divulgação dos bens da Recorrida, tendo isto mesmo sido confessado pela Recorrida quando "afirmou que o autor lhe comunicou que a A estava interessada em encomendar malha à ré" facto que foi confirmado pelas testemunhas - cfr. fundamentação.
12.A sociedade A, dada a conhecer à Recorrida por via do Recorrente, passou a constar da clientela desta, na medida em que o Recorrente cumpriu as suas funções de promover os bens que aquela vende, tanto assim que esses produtos foram objecto de procura por parte da A, que se mostrou interessada em adquiri-los.
13.O trabalho do Recorrente era um trabalho de difusão do produto, preparatório e antecedente à concretização da venda dos bens.
14.Deste modo, resulta claro que o Recorrente demonstrou todos os elementos constitutivos do direito que invoca ao recebimento das referidas comissões.
15.Contra esta visão das coisas não se argumente- como o representante da recorrida argumentou em audiência e o tribunal acolheu em sede de fundamentação - que "o autor não receberia a habitual comissão, pois não só o contrato seria efectuado directamente entre a M e a A, como, por forma a segurar tão importante cliente, o preço seria a mais competitivo possível não havendo margem para a comissão"
16.A ser verdadeiro este facto, mas não é, estaríamos perante um facto impeditivo ou extintivo do indiscutivel direito do Autor às comissões que tem de ser considerado como completamente irrelevante porque não foi alegado pela Ré na sua contestação, que se limitou a uma impugnação directa (sua cliente A não ter sido angariada pelo Autor) e não deduziu qualquer excepção dilatória ou peremptória.
17.Em processo civil vigora o princípio da concentração da defesa na contestação e o regime da preclusão dos meios de defesa (art.º 573 CPC).
18. Na medida em que a excepção—facto impeditivo do direito do Autor—veio a ser invocada somente em sede de depoimento de parte, não pode nem deve ser, como foi, tida em consideração na fundamentação dos faetos.
19.A confissão da Recorrida na parte em que alega factos que não foram invocados na contestação deve ser tida corno irrelevante.
20.Pelo exposto, o Recorrente alegou e fez prova de todos os elementos constitutivos do seu direito às comissões e os factos dados como provados são suficientes para condenar a Recorrida a pagar-lhe o valor de 93.647,73€, resultante da aplicação de 3% sobre o valor facturado pela Recorrrida à A, calculado até Novembro de 2011.
21.Em concomitância, os factos dados como não provados devem, face à fundamentação de facto expendida na douta decisâo recorrida (sem o recurso à parte das declarações do representante da Ré em que invoca novos meios de defesa) e ao ora alegado, ser dados como provados e ser revogada a decisão impugnada.
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A Ré apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
A) A sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Braga, Instância Central Cível, aqui posta em crise, não enferma de qualquer vício que inquine a sua valia e validade.
B) Não existe qualquer contradição entre os factos dados como provados e aqueles que o não foram.
C) O autor/recorrente no que à empresa A, Lda, diz respeito, nas relações comerciais com a ré / recorrida, não desempenhou as suas funções de agente conforme o desempenhou até Novembro de 2011 em relação a outras empresas.
D) Sendo disso sinais mais que evidentes os factos de o autor / recorrente não ter tido qualquer tipo de intervenção em qualquer um dos muitos negócios celebrados entre a ré / recorrida e a mencionada A.
E) O facto de a A, Lda, ser, ainda hoje, cliente da ré / Recorrida.
F) O facto de que todos os clientes que foram angariados e trabalhados pelo autor/recorrente enquanto agente da ré/recorrida terem seguido o autor quando este deixou de prestar serviços à ré.
G) O facto de o autor nem sequer saber que negócios foram celebrados entre a ré/recorrida e a tal de A, Lda.
H) O facto de o autor, ele próprio, reconhecer que simplesmente recebeu um telefonema da tal A e encaminhou, de seguida, este potencial cliente para a ré, na pessoa do seu legal representante e " ... que era melhor ser ele a tratar de tudo directamente pois era um cliente importante e o negócio era volumoso .. " (corpo da sentença)
I) O facto de o próprio autor dizer ao legal representante da A, Lda, a testemunha Mário M, que " ... lhe disse que era melhor tratar directamente com o gerente desta empresa .. "a ré M” (corpo da sentença)
J) O facto, ainda, de ser o próprio autor a informar este mesmo legal representante da A que ": não recebia qualquer comissão pelas encomendas da A por assim haver acertado com a M .. " (corpo da sentença)
K) Não tendo sido posto em crise, em lado algum dos autos, nem sequer no presente recurso, o antes afirmado e constante da douta sentença recorrida.
L) Que, desta forma, se deve manter.
M) Mostrando-se a douta sentença aqui posta em crise correcta na análise dos factos e correcta na aplicação do direito aos mesmos.
N) E não estando a mesma eivada de qualquer vício ou defeito.
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Face ao disposto no artigo 640.º, n.º 1, al. b) do C.P.Civil, as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a eventual existência desse vício no recurso.
O Autor recorrente, em resumo, afirmou que no recurso apresentado indica os concretos meios probatórios constantes do processo por referência à síntese que o tribunal recorrido efectuou dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, transcritas na motivação, não tendo por objecto a reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento. Entende que, com base no resumo do teor dos depoimentos feito pelo tribunal, e na motivação da matéria de facto é suficiente para dar como provados os factos que foram dados como não provados e apurar a contradição apontada entre o facto provado sob o n.º 10 e o facto dado como não provado sob o n.º 1.
Por seu turno, a Ré veio dizer que está fixada a matéria de facto porque o recorrente não quer a sua reapreciação, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes :
--Da Admissibilidade do Recurso quanto à alteração da matéria de facto;
--Da Contradição entre o facto provado sob o n.º 10 e o facto dado como não provado sob o n.º 1;
--Do Direito à Comissão ao abrigo de um Contrato de Agência.
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Da Admissibilidade do Recurso quanto à alteração da matéria de facto
Com o esclarecimento prestado pelo Autor resulta agora, com evidência, que pretende efectivamente a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto uma vez que, na sua opinião, os factos que mereceram do tribunal resposta negativa, estão provados.
Por outro lado, ficou também esclarecido que não pretende a reapreciação da prova gravada em audiência de julgamento porque aceita o resumo do teor dos depoimentos feito pelo tribunal, para obter o efeito que pretende.
Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. (negrito nosso)
Quando seja impugnada a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al.a)); os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al.b)) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al.c))—v. art. 640.º, n.º 1 do C.P.Civil.
E quando os meios probatórios invocados com fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes—cfr. n.º 2, al. b) do art. 640.º do C.P.Civil.
A lei impõe, no caso de impugnação da matéria de facto, com fundamento em depoimentos gravados, que o recorrente, indique as passagens da gravação por forma a possibilitar a sua localização no registo áudio efectuado em julgamento.
O recorrente afirmou não querer a reapreciação da prova gravada em audiência pois entende que o tribunal resumiu, de forma correcta, as declarações das testemunhas e das partes.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto dada como não provada pelo tribunal, com base em depoimentos gravados, implica a reapreciação desses depoimentos prestados oralmente pelas testemunhas ou/e partes indicadas pelo recorrente, determinando a lei a forma de o fazer: através da audição dos registos de gravação e não com base na motivação do tribunal, que pode até merecer a concordância do recorrente, como neste caso, quanto à fiabilidade da síntese dos depoimentos.
Em suma, a modificabilidade da decisão de facto depende de pressupostos formais, a cumprir pelo recorrente, sendo que, no caso de fundamentar as razões de discordância em depoimentos de testemunhas ou/e declarações das partes, a Relação está vinculada (1) a um procedimento específico consistente na audição das gravações relevantes.
Assim sendo, não é admissível a reapreciação pretendida pelo recorrente.
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III—FUNDAMENTAÇÃO (factos elencados na sentença)
1. A ré “M - Fábrica de Malhas, Lda." tem como actividade o fabrico e venda de malhas.
2. Em Outubro de 2008, o autor celebrou verbalmente com a ré, na pessoa do seu gerente, Manuel F, um acordo através do qual aquele se obrigou a angariar clientes e junto deles promover, em exclusividade, a compra e venda de produtos comercializados por esta.
3. Todo o negócio da ré com os clientes angariados pelo autor passava, obrigatoriamente, pelo autor.
4. Era o autor quem recebia desses clientes as encomendas e lhes apresentava os produtos da ré, assim como era o autor quem junto da ré apresentava os pedidos de fornecimento dos produtos da ré para serem fornecidos aos clientes que o autor havia conseguido arranjar.
5. A ré não tinha ligação directa com esses clientes: era o autor quem a fazia efectuando a ponte entre a ré e esses clientes.
6. A ré obrigou-se a pagar ao autor uma retribuição de 3%, calculada sobre o valor da venda de malha em cru e de 4%, calculada sobre o valor da venda de malha acabada.
7. Autor e réu acordaram ainda que o pagamento dessa retribuição seria efetuado após a cobrança do valor das vendas efectuadas pela ré aos clientes angariados pelo autor.
8. Todas as despesas inerentes à actividade desenvolvida pelo autor foram sempre por si suportadas, designadamente os custos com a viatura e o combustível.
9. O autor organizava o seu trabalho livremente e com autonomia, embora integrado, nos moldes do acordo celebrado, na estrutura da M - Fábrica de Malhas, Ld",
10. O autor recebeu um telefonema do legal representante da “A, Lda", que estava interessada em negociar malhas, e transmitiu esse interesse à ré.
11. Desde Dezembro de 2010 que a sociedade “A, Lda." é cliente da ré.
12. A relação contratual entre o autor e a ré terminou em Novembro de 2011.
Factos Não Provados:
1. No prosseguimento da sua actividade, e com o objectivo de angariar para a ré mais um cliente, o autor, em Dezembro de 2010, estabeleceu contacto com o gerente da sociedade “A, Ld",
2. Em consequência das suas acções de promoção e publicitação dos produtos da ré, o autor, no contacto que manteve com o gerente desta sociedade A, S.A., conseguiu cativá-lo e angariá-lo como cliente da ré.
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Da Contradição entre o facto provado sob o n.º 10 e o facto dado como não provado sob o n.º 1
O Autor defende a existência de contradição entre factos provados (ponto 10) e não provados (n.º 1).
O tribunal a quo considerou demonstrado, no n.º 10, que: O autor recebeu um telefonema do legal representante da “A, Ld", que estava interessada em negociar malhas, e transmitiu esse interesse à ré.
Mas, face à prova que foi produzida, entendeu não ter ficado provado que: No prosseguimento da sua actividade, e com o objectivo de angariar para a ré mais um cliente, o autor, em Dezembro de 2010, estabeleceu contacto com o gerente da sociedade A, Ld".
Sustenta o Recorrente que a circunstância de ter sido ele a receber um telefonema do representante da ATS demonstra, desde logo, que foi estabelecido contacto entre o Autor e o gerente da A.
Tendo existido este contacto e tendo o Recorrente transmitido à Recorrida o interesse da A na aquisição de bens por si comercializados, é evidente que o objectivo do Recorrente, no exercício das suas funções, era o de angariar mais um cliente para a Recorrida.
Vejamos se assiste razão ao Autor.
Os factos dados como não provados foram alegados pelo Autor no artigo 12.º como constitutivos do seu direito de receber uma comissão no âmbito da relação contratual celebrada com a Ré.
O Autor alegou que estabeleceu contacto com o gerente da sociedade “A, Lda.” com o objectivo de angariar para a Ré mais um cliente.
Mas foi dado apenas como provado que o Autor recebeu um telefonema do legal representante da “A, Ld", que estava interessada em negociar malhas, tendo aquele transmitido esse interesse à ré.
Não há, pois, qualquer contradição.
O Autor não conseguiu demonstrar que o contacto telefónico com a dita sociedade partiu de uma iniciativa sua, com o objectivo de angariar esse cliente para a Ré.
Diferente de ter a iniciativa de telefonar a uma empresa para a angariar como cliente é o facto de o Autor ter recebido o contacto telefónico do legal representante da empresa A, que se mostrou interessada em negociar com a Ré.
São factualidades diferentes, razão pela qual inexiste a apontada contradição factual.
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IV—DIREITO
O Autor, com fundamento na celebração de um contrato de agência com a Ré e na angariação do cliente “A, Lda." para aquela, exige o pagamento de uma percentagem de 3% sobre o valor da malha em cru que aquela forneceu a esta, entre Dezembro de 2010 e Novembro de 2011.
A sentença acolheu a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, proposta pelo Autor, inexistindo qualquer dissídio sobre este aspecto.
Nos termos do art. 1°, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinando círculo de clientes. (negrito nosso)
A exclusividade a favor do agente, com a alteração introduzida pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, passou a ser concedida pelo principal, exigindo-se a forma escrita—v. art. 4.º
Ou seja, o principal não está impedido de utilizar outros agentes para o exercício de actividades concorrentes, salvo se acordarem, por escrito, em conceder a favor do agente o direito de exclusivo.
Ficou provado que em Outubro de 2008, o Autor celebrou verbalmente com a Ré, na pessoa do seu gerente, Manuel F, um acordo através do qual aquele se obrigou a angariar clientes e junto deles promover, em exclusividade, a compra e venda de produtos comercializados por esta.
Durante a vigência do contrato celebrado entre as partes, era o Autor quem recebia desses clientes as encomendas e lhes apresentava os produtos da Ré, e apresentava os pedidos de fornecimento dos produtos da Ré para serem fornecidos aos clientes que o Autor havia conseguido arranjar.
Todo o negócio da Ré com os clientes angariados pelo Autor passava, obrigatoriamente, pelo Autor.
A Ré não tinha ligação directa com esses clientes: era o Autor quem fazia a ponte entre a Ré e esses clientes.
A Ré obrigou-se a pagar ao Autor uma retribuição de 3%, calculada sobre o valor da venda de malha em cru e de 4%, calculada sobre o valor da venda de malha acabada.
O acordo celebrado entre as partes contém os elementos essenciais do contrato de agência, a saber: actividade promocional e de angariação de clientes, por conta de outrem (principal), com autonomia, estabilidade e onerosidade.
No que concerne à actividade promocional que compete ao agente desenvolver, como obrigação fundamental, Pinto Monteiro (2) considera que envolve toda uma complexa e multifacetada actividade material, de prospecção do mercado, de angariação de clientes, de difusão dos produtos e serviços, de negociação, etc., que antecede e prepara a conclusão dos contratos, mas na qual o agente já não intervém.
E acrescenta este autor, com interesse, que “não se trata, assim, de modo algum, de uma simples actividade publicitária, antes a obrigação de promover a celebração de contratos compreende um vasto e diversificado leque de actos com o objectivo último de conquista e/ou de desenvolvimento do mercado. É um elemento decisivo para a qualificação do contrato de agência…”. (negrito nosso)
Ainda sobre esta temática, Carlos Lacerda Barata (3) concretiza que, nesta obrigação, se inscrevem actividades tão díspares como a promoção publicitária de produtos, fornecimento de catálogos, de listas de preços ou de amostras, prestação e obtenção de informações sobre o mercado, visitar clientes, encetar negociações, atender reclamações, “encaminhar para o principal propostas de clientes” (4), etc. (negrito nosso)
Do quadro factual provado resulta que o Autor recebeu um telefonema do legal representante da “A, Lda.”, que estava interessada em negociar malhas, e transmitiu esse interesse à Ré.
Desde Dezembro de 2010 que a sociedade “A, Ld" é cliente da Ré.
Portanto, a questão fulcral a dirimir prende-se com o enquadramento, na figura do contrato de agência, da intervenção do Autor limitada à recepção de um telefonema de um potencial cliente, interessado em negociar malha, e a subsequente comunicação desse interesse à Ré.
Na sentença sustentou-se (5) que a mera actividade de recepção passiva de pedidos de interessados não integra o acordo das partes legitimador da correspondente retribuição.
Será que a recepção, por parte do agente, de um pedido formulado por um interessado na compra do produto comercializado pela Ré, não pode ser enquadrado no âmbito do contrato celebrado com o principal?
A resposta correcta a esta questão implica uma averiguação rigorosa sobre as obrigações nucleares que impendem sobre o agente.
O agente tem direito a uma comissão pelos contratos que promoveu e, bem assim, pelos contratos concluídos com clientes por si angariados, desde que concluídos antes do termo da relação de agência—cfr. artigo 16.º, n.º 1 do referido diploma legal.
Reflectindo sobre as especificidades do caso que nos ocupa, afigura-se-nos que deverá ainda ser feita uma distinção entre dois conceitos utilizados pelo legislador : a promoção e a angariação.
A promoção com vista à celebração de contratos pelo principal, obrigação fundamental e distintiva desta figura negocial, tem como objectivo a angariação de clientes.
Com efeito, a actuação do agente no mercado é que permite ao principal a conclusão dos negócios decorrentes da sua actividade empresarial, favorecendo e potenciando o respectivo escopo económico.
Neste mesmo sentido, Pedro Romano Martinez (6) esclarece que é com base nesta actuação através de, por exemplo, da publicidade realizada a produtos, do fornecimento de catálogos, de amostras e de listas de preços ou da oferta de assistência pós-venda, que o agente angaria clientes para os produtos comercializados pelo principal.
É precisamente com referência a este resultado de angariação de clientes e subsequente celebração dos contratos pelo principal, mediante a sua intermediação, que é atribuída a compensação do agente consistente no direito à comissão (7).
Promover a celebração de contratos, entendida na sua dimensão normativa, como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 25.02.2008 (8), secundando a doutrina acima mencionada, consiste na prática de actos necessários à conquista e/ou desenvolvimento do mercado do principal.
A regulamentação do direito à comissão pelo agente prevista na Directiva 86/653/CEE do Conselho de 18.12.1986, transposta para a ordem jurídica interna pelo referido Dec.-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril, não é coincidente com o texto legal.
Assim, o artigo 7.º, n.º 1, al. a) da Directiva 86/653/CEE do Conselho de 18.12.1986 estabelece que “Pelas operações comerciais concluídas durante a vigência do contrato de agência, o agente comercial tem direito à comissão se a operação tiver sido concluída em consequência da sua intervenção” (itálico e negrito nossos)
A este respeito, devemos sublinhar que a Directiva estabelece um nível mínimo de protecção, podendo os Estados-Membros, nas respectivas ordens jurídicas, introduzir conceitos (amplos) destinados a oferecer maiores garantias a quem exerce este tipo de actividade, como foi o caso do legislador nacional.
Por conseguinte, a dúvida que se coloca é a de saber se o contacto telefónico, recebido pelo agente, efectuado por um potencial cliente, interessado em comprar malha à Ré, e a transmissão desse interesse por aquele a esta, durante a vigência de uma relação de agência, é enquadrável nos conceitos de promoção ou de angariação (legislador nacional) ou no conceito de intervenção do agente (legislador da UE) e ainda se aqueles conceitos, do legislador nacional, estão em conformidade com o objectivo prosseguido pela Directiva em causa.
O objectivo do legislador da União Europeia tem duas vertentes: harmonizar, no espaço europeu, as condições de concorrência nesta área de actividade e proteger o agente comercial.
A pertinência na definição dos conceitos aplicáveis ao caso resulta do facto de não se ter provado que o Autor estabeleceu, por sua iniciativa, o contacto com a referida sociedade com vista a conseguir um novo cliente para a Ré.
Ou melhor dizendo, o Autor não cativou directamente este cliente em consequência de uma actuação dirigida especificamente ao mesmo, destinada a interessá-lo na compra do produto fabricado e vendido pela Ré.
Concorda-se com a sentença quando refere que a mera actividade de recepção passiva de pedidos de interessados não legitima a atribuição da correspondente retribuição mas apenas no sentido da citação, feita na sentença, de Gustavo Haical, ou seja, de que essa actividade, meramente passiva, não é suficiente para a qualificar como um contrato de agência.
Na verdade, como foi acima assinalado, exige-se uma actividade dinâmica do agente que consiste em provocar, estimular, com a sua própria intervenção, a comercialização dos bens ou serviços do principal (9).
No caso sub judice, o Autor, durante a relação contratual estabelecida com a Ré, não se limitou a receber, passivamente, pedidos de potenciais interessados.
Bem pelo contrário.
Como a própria Ré reconheceu, era o Autor quem apresentava os produtos da Ré, quem recebia dos clientes as encomendas e apresentava àquela os pedidos de fornecimento.
O Autor recebeu um telefonema do referido legal representante da “A, Ld”, que estava interessada em negociar malhas com a Ré e transmitiu-lhe essa informação.
Ora, o recebimento desse telefonema não foi por acaso, mas sim porque o Autor desenvolvia, em exclusividade para a Ré, a actividade inerente à sua qualidade de agente, nos termos acordados.
Portanto, independentemente de não ter existido uma iniciativa do Autor direccionada para aquele cliente, a verdade é que, em resultado do esforço comercial prosseguido pelo Autor no mercado, o legal representante da “A” revelou-lhe interesse nesse negócio e passou a ser cliente da Ré.
O Autor participou, como intermediário, transmitindo à Ré, como lhe competia, esse interesse e só não visitou o cliente, após esse contacto, por motivos não apurados.
Pedro Romano Martinez, a fim de explicar melhor de que modo o agente pode preparar o contrato, sem o celebrar, refere que o contrato também poderá ser celebrado mediante uma proposta negocial enviada pelo principal ao potencial cliente, com base em lista de pessoas contactadas fornecida pelo agente. (10) (sublinhado nosso)
Numa palavra, não é minimamente relevante, para efeitos de integração no contrato de agência, saber se a iniciativa do contacto partiu do agente ou do próprio cliente, pois haverá certamente numerosos casos em que se verifica esta última hipótese, justamente em consequência da intervenção do agente no mercado.
A interpretação da lei no sentido de que não tem direito à comissão o agente que é contactado pelo potencial cliente, e se limita a transmitir ao principal o interesse deste na aquisição dos bens ou produtos, desrespeita o objectivo proclamado pelas normas constantes da Directiva, por deixar desprotegido, na maioria dos casos, o agente comercial.
Quando o agente tem exclusividade numa zona ou em relação a um círculo de clientes, tem direito à comissão mesmo que o principal actue directamente, sem a sua prévia intervenção, e conclua o contrato com o cliente.
Nesta hipótese, em que se exige o acordo escrito, o agente tem direito à comissão, em relação a contrato celebrado pelo principal, mesmo que não tenha promovido o contrato ou angariado o cliente.
Segundo Augusto Baldassari, (11) esta solução legal tem em vista sancionar a conduta do principal que invade a zona do agente e adquire um cliente, fruto da actividade promocional do intermediário. (negrito nosso)
Este argumento vale, mutatis mutandis, para o caso em que não é delimitada uma zona geográfica de actuação ou um círculo de clientes, mas em que o agente se comprometeu verbalmente a exercer a sua actividade exclusivamente a favor de um único principal, em qualquer local ou perante um número indiferenciado de clientela.
Neste caso, é devido o seu direito à comissão, mesmo se o principal encetar directamente as negociações com o cliente, cujo interesse no negócio lhe foi transmitido pelo agente, sob pena de beneficiar dos resultados da actividade promocional do intermediário sem cumprir a sua contraprestação, o que constitui violação do acordo e do princípio da boa fé (art. 12.º do diploma legal mencionado).
Por outras palavras, o Autor desenvolveu, com base no contrato celebrado com a Ré, acções específicas de apresentação dos respectivos produtos, e aproveitando os resultados desse labore, do qual resultou um cliente, a Ré concluiu o contrato com este cliente e não pagou a comissão devida.
Verifica-se, assim, nexo de causalidade entre a actividade promocional prosseguida pelo Autor e subsequente transmissão à Ré do interesse negocial do cliente e a conclusão do contrato entre a Ré e esse cliente.
Contrariamente ao que a Ré provavelmente perspectivou para não pagar a comissão ao Autor, não é absolutamente necessária a tradicional visita do cliente para que o agente possa ter direito à comissão.
A promoção das vendas com o objectivo de angariação de clientes a favor do principal, como refere Augusto Balassari (12), pode revestir variados modos distintos da visita por parte do agente. Pode conquistar a clientela no seu próprio domicílio, através da publicidade, telefone, rede telemática ou por um posto fixo de venda.
A circunstância do cliente “A” não ter sido visitado pelo agente, ora Autor, não obsta ao direito à comissão acordada entre as partes, uma vez que a visita constitui uma das formas (tradicional) de promoção dos produtos no mercado.
Aqui chegados, podemos concluir, secundando o entendimento de E. Chuliá Vicent e T. Beltrán Alandete (13), que o agente tem direito à comissão se o acto/operação se deve (nexo causal) à actividade desenvolvida pelo agente na vigência do contrato, como se verifica no presente caso.
Assiste ao Autor, por esse motivo, o direito à comissão acordada de 3% (14) sobre o valor dos fornecimentos e venda de malha em cru pela Ré, correspondente à importância de € 93.647,73.
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V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, e consequentemente, revogam a sentença, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 93.647,73 a título de comissão, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data em que a Ré recebeu cada um dos pagamentos que, no período de Dezembro de 2010 a Novembro de 2011 lhe foram efectuados pela “A, Lda.”.
Custas pela Ré em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Guimarães, 15 de Dezembro de 2016
Anabela Andrade Miranda Tenreiro
Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira
Fernando Fernandes Freitas
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1) Trata-se de um dever processual-cfr. Ac. STJ de 08.07.03, CJSTJ, tomo II, 151, citado por Geraldes, António Santos Abrantes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 131, nota 200.
2) Cfr. Contrato de Agência, 7.ª edição, Almedina, pág. 50.
3) Cfr. Sobre o Contrato de Agência, Almedina, pág. 35.
4) Citando M. Januário Gomes-“Apontamentos sobre o contrato de agência”, Tribuna da Justiça, 3, 1990, p.15.
5) Citando-se, na sentença, a afirmação de Gustavo Haical “A mera actividade de recepção de pedidos de clientes ou a mera entrega de uma lista de clientes potenciais ao agenciado, não configura um contrato de agência.”
6) Cfr. Contratos Comerciais, Principia, págs. 16 e 17.
7) Augusto Baldassari, (Cass. 22.06.90, n. 6291), Il Contratto di Agenzia, Cedam, 2000, p. 11.
8) Disponível no site www.dgsi.pt.
9) Cfr. Augusto Baldassari, ob. cit., p. 10, citando Ferrara.
10) Cfr. ob. cit.
11) Cfr. ob. cit., p. 175/176.
12) Ob. cit., (Cass. 12.03.98, n. 2722), p. 12.
13) Aspectos Jurídicos de Los Contratos Atípicos, pág. 386.
14) Salienta-se que o novo argumento do legal representante da Ré, em julgamento, de que as partes tinham combinado não ser devida comissão neste negócio não foi alegado na contestação, pelo que se mostra irrelevante.