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CHEQUE DE GARANTIA
EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Sumário
1 – O cheque é um título cambiário e de um título cambiário nasce uma obrigação cambiária – quem assina um cheque assume, de “motu proprio”, uma obrigação própria, autónoma e abstracta, desligada da sua causa. 2 – Falar-se de “cheque de garantia” é, de algum modo, desvirtuar a função normal do cheque – com o cheque paga-se, não se garante o pagamento. 3 – O chamado “cheque de garantia” terá a natureza de uma “datio prosolvendo”. 4 – Ao executado que quer opor-se proficientemente à execução não basta alegar e provar que o cheque, título executivo, é um cheque de garantia – competir-lhe-á alegar e provar que a relação fundamental que se pretendeu garantir não tem causa ou fundamento ou se extinguiu ou se modificou.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA instaurou, em 12 de Janeiro de 2006, contra BB execução comum para pagamento da quantia de 35 810,28 euros ( e juros à taxa legal de 4% ) com base em cheque que o executado emitiu e lhe entregou, cheque que veio a ser devolvido por duas vezes, uma por extravio outra por falta de provisão.
Citado, o executado BB veio ( fls.9 ) deduzir oposição à execução dizendo, no essencial:
não é do punho do oponente a assinatura aposta no local do cheque destinado a assinatura;
nunca assinou o cheque nem sabe quem o fez;
“esteve iminente a assinatura entre o FC de Felgueiras e a CM Felgueiras um contrato de publicidade, pelo qual o clube receberia 300 000,00 euros;
nesse pressuposto era necessário levantar a penhora das prestações desse contrato efectuada pelo ora exequente, para viabilizar a outorga do mesmo por banda da autarquia;
por exigência do exequente e ante o sufoco financeiro do clube, aceitou o executado/embargante emitir a declaração que manuscreveu e que o exequente identificou como de justificação do cheque;
o contrato com a Câmara Municipal, como o exequente bem sabe, jamais se consumou;
o exequente jamais retirou e mantém a penhora que efectuou ao crédito do clube sobre a Câmara;
quem deve ao exequente é o FC de Felgueiras e não o oponente;
a declaração dita de justificação da emissão do cheque é clara no sentido de o preenchimento do cheque ter sido efectuado para garantia de que o FC de Felgueiras cumprirá o acordado relativamente ao contrato de cessão de créditos outorgado em 16/08/2005 com a CM;
não se tendo outorgado este contrato, não se verificou a condição de que o oponente fez depender tal declaração bem como a emissão do cheque.
Contestou o exequente/embargado ( fls.43 ) alegando, em suma, que
o cheque foi assinado pelo recorrido, conforme declaração por ele próprio assinada e que está junta aos autos e que foi emitido para garantia do cumprimento da segunda prestação do acordo estabelecido no processo executivo nº5589/04.2 que corre termos no 2° Juízo da Secretaria Geral de Execuções de Lisboa;
na medida em que esta 2ª prestação não foi cumprida, é devida a quantia peticionada.
Foi elaborado, a fls.91, o despacho saneador, fixando-se a matéria de facto assente e redigindo-se a base instrutória, que se fixou após reclamação indeferida por despacho de fls.120.
Efectuado o julgamento, com a resposta de não provado ao único ponto da base instrutória – foi o BB quem, pelo seu próprio punho, apôs a assinatura constante do cheque a que se alude na alínea A dos factos assentes? – foi proferida a sentença de fls.184 a 186 que julgou procedente a oposição à execução e, consequentemente, declarou extinta a execução.
Inconformado, interpôs o exequente/embargado recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães que, todavia, por acórdão de fls.256 a 272, e apesar de ter alterado a resposta ao quesito único de não provado para provado, embora por fundamentos diversos julgou improcedente a apelação, mantendo.. a sentença recorrida.
De novo inconformado, o exequente/embargado AA pede agora revista para este Supremo Tribunal.
E, alegando a fls.298, apresenta as seguintes CONCLUSÕES:
1.
A factualidade provada não é susceptível de ilidir a presunção prevista no art.458°, nº1 do Código Civil.
Ao caso deve aplicar-se o disposto no art.458°, nº1 do Código Civil, considerando-se que o recorrente beneficia da presunção ali prevista.
2.
Os documentos constantes dos autos sempre impunham concluir-se que há matéria nos autos que permite concluir pela ocorrência de uma "assunção de dívida" prevista no art.595º do Código Civil.
Tais documentos demonstram, sem margem para dúvida, que o executado/recorrido, assumiu, em conjunto com o Futebol Clube de Felgueiras, o pagamento da dívida exequenda ao aqui recorrente.
O cheque dado à execução foi emitido pelo executado/recorrido para pagar a dívida do clube ao jogador/recorrente.
A garantia de cumprimento dada pelo recorrido significou assumir o pagamento da dívida se ela não fosse paga na data acordada, até porque se assim não fosse o cheque não teria qualquer interesse para o recorrente.
Ao presente caso sempre seria de aplicar o disposto no art.595º do Código Civil.
Contra – alegou o executado/recorrido a fls.319, concluindo por sua vez:
a) O recorrido assumiu em consciência e com verdade a autoria da declaração, mas nunca a do cheque, designadamente a sua assinatura e explicou os condicionalismos da emissão da primeira e as reservas na assinatura do segundo, o que a testemunha Carlos Mendes Pinto confirmou de forma segura como resulta da motivação à resposta ao quesito único da base instrutória.
b) O recorrente nada fez para provar a assinatura do cheque por banda do requerente, designadamente requerendo a competente perícia, pois bem sabe que não foi o recorrido quem o assinou.
c) Mesmo a declaração, foi subscrita em condicionalismos e circunstâncias que não permitem as conclusões de documento com força probatória plena que o recorrente lhe pretende atribuir.
d) Jamais o recorrido assinou o cheque e o recorrente não logrou provar o contrário.
e) Não pode o recorrente, portanto, servir-se da declaração para provar a autoria da assinatura do cheque, pois quando aquela se refere a "este cheque", apenas se pretendia referir ao cheque que lá havia de ser inserido, a entregar e assinar em simultâneo com a outorga do contrato de publicidade com a Câmara Municipal, coisa nunca concretizada.
f) Não pode também prevalecer a alegada ocorrência de uma "assunção de dívida", pois o Tribunal da Relação no seu acórdão se pronunciou no sentido de que a factualidade provada nos presentes autos não é bastante para se poder concluir pela ocorrência do contrato de assunção de dívida.
Estão corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir. FACTOS tais como estão fixados no acórdão recorrido: A - no processo comum nº25/06.2TBCPV que AA intentou contra BB deu o exequente á execução o cheque nº............., no valor de 35 652,76 euros, emitido a 12 de Dezembro de 2005, sacado na conta nº...............a favor de AA e onde consta como seu emitente BB; B - foi o BB quem, pelo seu próprio punho, apôs a assinatura constante do cheque a que se alude na alínea A ).
Resulta do estipulado nos arts.26º da Lei nº3/99, de 13 de Janeiro ( LOFTJ ) e 722º e 729º, nº1 do CPCivil que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, em regra só conhece da matéria de direito.
Em consequência está-lhe vedado, à partida, sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa por parte da Relação.
Só assim não acontecerá, podendo ser alterada pelo STJ a decisão quanto à matéria de facto, se houver “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” – art.722º, nº2, 2ª parte.
É o que desde logo está em causa no presente recurso.
Veja-se:
o facto da alínea B ) foi, em primeira instância, julgado não provado, apesar da declaração de fls.112, sendo fls.112 nem mais nem menos que a fotocópia do original de fls.12, o documento que incorpora a DECLARAÇÃO Declaro por preenchido e assinado este cheque para garantia de que o Futebol Clube Felgueiras cumprirá o acordado relativamente ao Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 16/8/2005 com o atleta AAseguida da assinatura do executado/embargante BB e da fotocópia do cheque que, no original, está junto a fls.8 dos autos, às quais por sua vez se segue o carimbo “ Futebol Clube de Felgueiras ... “.
Ora, no acórdão recorrido, foi exactamente este documento que permitiu à 2ª instância alterar a resposta de não provado para provado por ter reconhecido nele um documento particular com força probatória plena, nos termos do disposto no art.376º do CCivil.
E então pode e deve o STJ, como manda a parte final do nº2 do art.722º do CPCivil, conhecer se, assim decidindo, o tribunal recorrido ofendeu ou não disposição expressa da lei ... que fixe a força de determinado meio de prova.
Não ofendeu. Andou bem a Relação.
O executado/embargante reconheceu no documento de fls.12 , na declaração, mais até do que a sua letra e assinatura, a sua autoria material.
E assim quando ele diz que preencheu e assinou este cheque ele diz isso e não outra coisa, ele confessa ter sido ele quem, pelo seu próprio punho, apôs a assinatura constante do cheque a que se alude na alínea A ),como se perguntava no artigo único da base instrutória.
O documento, por força do que dispõem os arts.374º, nº1 e 376º do CCivil, faz força probatória plena quanto às declarações dele constantes fazendo com que – nº2 deste último artigo – os factos compreendidos na declaração se considerem provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante.
Parece(ria) que se impunha a declaração de improcedência dos embargos, considerando que o essencial da oposição do executado BB passava exactamente pela negação da sua assinatura no cheque.
Mas o Tribunal da Relação chamou a atenção para o disposto na parte final do nº2 do art.376º para acentuar que, se é certo que a declaração ( confessória ) do executado tem como efeito a prova do artigo único da base instrutória – foi o BB quem, pelo seu próprio punho, apôs a assinatura constante do cheque – essa mesma declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
O que implica(ria) que o exequente, se quer aceitar a parte favorável da declaração, ou aceita ( também ) a parte que lhe é desfavorável ou prova que, nessa parte, a declaração não corresponde à verdade.
E o acórdão recorrido teve como assente que o cheque foi assinado para garantia de que o Futebol Clube Felgueiras cumprirá o acordado relativamente ao Contrato de Cessão de Créditos outorgado em 16/8/2005 com o atleta AA.
E daqui partiu para a asserção de que, se é certo que por força do que dispõe o art.458º, nº1 do CCivil o credor o exequente/embargado fica dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência de presume até prova em contrário, esta é uma simples presunção que, in casu, o executado/embargante ilidiu « pois está provado que o cheque exequendo é um cheque que visa somente garantir que o Futebol Clube de Felgueiras cumprirá o acordado relativamente ao contrato de cessão de créditos outorgado em 16/08/2005 com o atleta AA », o exequente/embargado.
O que há que dizer é que daqui não pode concluir-se, como concluiu o acórdão recorrido, que « não existe assim causa debendi ».
Na verdade, o cheque é um título cambiário e de um título cambiário nasce uma obrigação cambiária.
Alguém que subscreve, assina, um cheque dá ao seu banqueiro uma ordem incondicionada de pagamento ao tomador do cheque de uma determinada quantia.
Assume, de motu proprio, uma obrigação própria, autónoma e abstracta, desligada da sua causa,desligada da obrigação jurídica fundamental.
O cheque é um meio de pagamento.
Falar-se de cheque de garantia é de algum modo desvirtuar a função normal do cheque – com o cheque paga-se, não se garante o pagamento.
Com o cheque assume-se uma nova obrigação, uma verdadeira e própria obrigação, a obrigação cambiária.
Pode acontecer que se tenha em vista, ao assumir esta nova obrigação, facilitar a vida do credor, pôr ao seu dispor uma nova obrigação que lhe facilite a cobrança do seu ( fundamental ) crédito. Que haja, por parte do devedor ou mesmo de terceiro, uma chamada datio pro solvendo.
E aí se fala então de cheque de garantia. Garantia porque ao lado do crédito inicial está agora um novo crédito ... documentado, por vezes um crédito com ... garantia penal.
E é exactamente porque este novo crédito existe que se pode falar em garantia.
Se não existisse, a garantia seria pura ficção, um vazio.
E é aqui que o devedor bancário, se não pode como não pode pôr em causa a natureza do cheque como título executivo, pode opor –se à execução chamando em sua defesa a prova de que a obrigação fundamental para cuja garantia nasceu a obrigação cambiária ou não existe ou se extinguiu ou se modificou – arts.816º e 814º, al. g ) do CPCivil.
Ou seja:
a 2ª parte da declaração do executado BB, a parte que ao exequente é desfavorável, é apenas a prova de que a obrigação assumida por aquele o foi em solvendo da obrigação do Futebol Clube de Felgueiras para como o seu ex-trabalhador.
Não mais do que isso.
Ao devedor cambiário apenas poderia aproveitar a prova de que esse solvendo já não tinha causa porque a obrigação do Futebol Clube de Felgueiras tinha sido cumprida ou tinha sido parcialmente cumprida ou por qualquer razão já não podia ser exigida ao Clube devedor.
E essa prova o executado/embargante não a fez.
Ao contrário, é ele próprio a afirmar na sua oposição ( fls. 9 ) que tal não aconteceu porquanto, não tendo sido assinado o contrato publicitário entre a CM de Felgueiras e o FC de Felgueiras é óbvio que o FC de Felgueiras não pode ter cedido ao seu ex-trabalhador os créditos que lhe adviriam desse contrato perante a Câmara Municipal e com os quais saldaria a dívida perante o AA.
Porque é assim a oposição à execução é improcedente e a execução deve prosseguir os seus regulares termos. D E C I S Ã O Na procedência do recurso, concede-se a revista e, revogando-se o acórdão recorrido, julga-se improcedente a oposição do executado BBà execução contra ele movida pelo exequente AA, execução que deverá prosseguir os seus regulares termos. Custas aqui e nas instâncias a cargo do executado BB, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.