COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
CONVENÇÃO EUROPEIA DE EXTRADIÇÃO
EXTRADIÇÃO
RECUSA
Sumário

I - É pressuposto da recusa obrigatória de cooperação internacional prevista na al. a) do n.º 1 do art. 6.º do DL 144/99, de 31-08, o desrespeito pelas exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e da Liberdades Fundamentais, de 04-11-1950, ou de outros instrumentos relevantes na matéria ratificados por Portugal que, pela Lei 65/78, de 13-10, aprovou para ratificação aquela Convenção assinada em Roma, a que opôs algumas reservas.

II - As reservas, sejam elas de soberania, culturais, de ordem conjuntural ou da maior protecção, designam uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua denominação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado.

III - Essas reservas são inaceitáveis em tratados bilaterais, dado o tipo de vinculação, sem restrições, a que se obrigam os contraentes, de cumprimento pontual e irrestrito na base do acordo.

IV - O respeito pelo Estado requerente da extradição às exigências supracitadas prende-se com o princípio fundamental inscrito no art. 3.º da Convenção, segundo o qual ninguém poderá ser submetido a torturas, penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, em obediência – como se escreveu no seu preâmbulo – a «um profundo apego a (…) liberdades fundamentais, que constituem as verdadeiras bases da justiça e da paz no mundo e cuja preservação repousa essencialmente, por um lado, num regime político verdadeiramente democrático e, por outro lado, numa concepção comum e no comum respeito pelos direitos do homem», tudo com o fito de realizar uma mais profunda união entre os Estados membros do Conselho da Europa.

V - A violação da al. c) do n.º 1 do predito art. 6.º atine ao risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na al. b), ou seja, por existirem fundadas razões para crer que a extradição é solicitada para perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, condições políticas ou ideológicas ou da pertença a partido político.

VI - E, nos termos da al. e) do art. 6.º do DL 144/99, de 31-08, é igualmente fundamento de recusa a circunstância de o facto ser punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível para a integridade física da pessoa procurada.

VII - Por outro lado, a extradição pode ser negada se a reduzida importância da infracção a não justificar – art. 10.º do DL 144/99, de 31-08 –, e sempre que, nos termos do art. 18.º, n.º 2, do mesmo diploma, daí derivem, vistas as circunstâncias do caso concreto, consequências graves para a pessoa do visado em razão da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal.

VIII - O Estado português aprovou para ratificação a Convenção Europeia de Extradição, assinada em Estrasburgo em 27-04-1977, e os seus dois Protocolos Adicionais, assinados em Estrasburgo em 27-04-1977 e 27-04-1978, pela Resolução da AR n.º 23/89, de 08-11-1989 (in DR Série I, n.º 191, de 21-11-1989), formulando, no art. 1.º ao texto da Convenção, conforme facultado no seu art. 26.º, três reservas, das quais deriva não poder a extradição ser decretada para julgamento ou cumprimento de pena por tribunal de excepção (al. a)); quando se prove que as pessoas serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de que respeite as condições internacionais reconhecidas como imprescindíveis à salvaguarda dos direitos do homem ou que o cumprimento da pena seja em condições desumanas (al. b)); ou quando seja reclamada para cumprimento de pena ou medida de segurança de carácter perpétuo (al. c)).

IX - Tendo em consideração que:
- não resultou minimamente comprovada a constatação por ONGs independentes de que o sistema prisional ucraniano se posicione fora do controle estadual, entregue a gangs ou “máfias” e às suas leis, pondo em risco a integridade física e até a própria vida do recorrente, pela exposição a toda a sorte de violências físicas, psíquicas e emocionais;
- não está demonstrado que a República da Ucrânia não assegure através do seu poder judiciário o direito a um processo justo, rodeado de garantias de defesa do requerido, que a pena – se for de lhe impor, pois a extradição se destina, desde já, a fins de procedimento criminal – seja a cumprir em condições desumanas e, por maioria de razão, com risco para a sua integridade física ou perigo de vida; e, menos ainda, que a sua situação processual possa sofrer agravamento por virtude do concurso de quaisquer circunstâncias dentre as elencadas no n.º 1, al. b), do art. 6.º do DL 144/99, que as recebeu por incorporação do art. 3.º, n.º 2, da Convenção Europeia de Extradição;
- tendo a República da Ucrânia ratificado esta última Convenção, imbuída esta como está do respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana, é de crer que a justiça daquele país e o seu sistema penitenciário se conformem a princípios estruturantes dos modernos Estados democráticos, entre os quais se contam o respeito por aqueles direitos fundamentais, que terão sido sopesados, em termos de capacidade de cumprimento e credibilidade, na valoração do pedido de adesão por parte do Estado ora requerente, que a ratificou – DR Série I, n.º 181, de 07-08-1997;
- esse cumprimento foi certamente sopesado por parte do Sr. Ministro da Justiça, que teve por inadmissível, na fase preliminar, a extradição quanto ao crime de falsificação, por prescrição, e quanto ao de falsa empresa, por não satisfação do princípio da dupla incriminação – art. 2.º da Convenção Europeia de Extradição –, e não por quaisquer outras razões;
- o recorrente ausentou-se do seu país natal depois de contra ele ser movido procedimento criminal por factos que assumem contornos de lesão patrimonial grave, e não se demonstrou que do facto de ser decretada a extradição resultem sérios inconvenientes à pessoa daquele, considerando a sua idade (45 anos) ou saúde, que não se comprovou ser periclitante;
- apesar de a extradição causar visíveis incómodos ao requerido, por ter a sua vida organizada em Portugal, aqui tendo emprego e habitação própria, que comprou com a actual mulher, eles não são imprevisíveis, porque o recorrente conscientemente se furtou à acção da justiça do seu país, prejudicando a investigação, fixando-se em Portugal, violando a medida coactiva imposta de se não ausentar da Ucrânia – estando descoberto o processo, a relevar aquele condicionalismo, de se assegurar a impunidade do agente do crime, afrontando-se os princípios de confiança, respeito mútuo e reciprocidade que presidem ao processo de cooperação;
- a circunstância de a mulher do requerido não ter, por si só, capacidade para satisfazer as prestações do empréstimo do apartamento onde vive, tratando-se de facto atinente a terceiro, de natureza patrimonial, não pessoal do recorrente, não tem virtualidade impeditiva ou condicionante da extradição;
mostram-se reunidos os pressupostos legais da extradição, previstos nos arts. 1.º, n.º 1, al. a), 6.º, 8.º, 23.º, 31.º, n.º 2, 44.º, 49.º, 50.º, 54.º, 55.º e 56.º, todos do DL 144/99, de 31-08, sendo a mesma de autorizar.

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

A República da Ucrânia , após emissão de mandados de detenção em 28.3.2003 , contra o seu cidadão AA, também conhecido por S... V... , nascido a 3.10.63 , na cidade de Kharkiv, região de Kharkiv , Ucrânia , filho de V... S... e A... P... residente , actualmente , na Urbanização Olho d, Água , A... -4..., Esgueira , Aveiro ,Portugal , veio apresentar pedido formal de extradição ao Estado português , para sujeição a procedimento criminal por , contra ele , pender o processo crime n.º 63001334 , no Tribunal de Dnipropetrovsk , Distrito de Indoustrialnyi-Ucrânia , onde se acha acusado da prática de :

Um crime de falsa empresa , p . e p . pelo art.º 148.º 4 n.º2 , do CP ucraniano , na redacção de 1960 , a que corresponde uma pena de prisão até 3 anos ;

Um crime de burla , p . e p . no art.º 190 .º n.º 4 , do CP ucraniano , na redacção de 2001 , a que corresponde a pena de prisão de 5 a 12 anos ; e

Um crime de uso e falsificação de documento , p . e p .pelo CP ucraniano , no art.º 358.º n.ºs 2 e 3 , na redacção de 2001 , a que corresponde prisão até 5 anos .

I . Admitido o pedido de extradição pelo Exm.º Sr. Ministro da Justiça –decisão não vinculativa para os tribunais –art.º 24.º , do Dec.º -Lei n.º 144/99 , de 31/8 - ,mas apenas , conforme pertinente despacho , pela prática do crime de fraude , por, quanto ao crime de falsa empresa se perfilhar o entendimento de que não ocorre o princípio da dupla incriminação e que prescreveu o procedimento criminal quanto ao crime de uso e falsificação de documento , correspondendo àquele o crime de burla no nosso ordenamento jurídico , mediante requerimento do Exm.º Magistrado do M.º P.º no Tribunal da Relação , prosseguiu o processo seus regulares termos , opondo-se o requerido àquele medida de cooperação judiciária internacional .

II . Esclarecido , em momento ulterior , o incidente suscitado quanto ao desinteresse do Estado requerente na extradição , que levaria à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide , e obtida resposta no sentido da subsistência da perseguibilidade penal do extraditando da PGR da Ucrânia , como ressalta do ofício de fls . 271 e 272 e do doc. de fls . 290 , o Tribunal da Relação , por seu acórdão de 11de Novembro de 2008 , decretou a extradição do requerido , para procedimento criminal pela prática do crime de “ fraude “ ( a que corresponde o de burla agravada , no nosso CP ) , com previsão e punição no art.º 190.º n.º 4 , do CP da Ucrânia , na redacção de 2001 .

III .O requerido , que repetiu os moldes da oposição já antes deduzida , consentida pelo art.º 55.º n.º 2 , da Lei n.º 144/99 , de 31/8 , nas conclusões do recurso , de seguida tempestivamente interposto para este STJ , disse :

São de salientar as sérias reservas colocadas por Portugal à Convenção Europeia de Extradição , mais concretamente na al.a) , do seu art.º 1.º , plasmadas na Resolução da Assembleia da República n.º 23/89 e nos relatórios internacionais que a suportam .

O regime prisional da Ucrânia gera as mais profundas preocupações e inquietações .

Todas as organizações não governamentais independentes reconhecem que os mais elementares direitos humanos aos detidos ou reclusos nas prisões do requerente , quer pela actuação em “ roda livre “ de todo o género de “ gangs “ organizados , “ máfias “ e “ organizações similares “ , estando aqueles sujeitos às mais indescritíveis violências físicas , psíquicas e emocionais .

Sendo o extraditado para a Ucrânia , para as prisões daqueles país , será colocado na situação da mais profunda insegurança , não apenas quanto à sua integridade física e muito primordialmente quanto à sua vida .

Donde a sua oposição .

A oposição baseia-se , ainda , noutra ordem de razões :

O extraditando vive em Portugal há 7 anos ;

Em Portugal jamais foi indiciado ou julgado por qualquer crime ;

O extraditando e a mulher acham-se plenamente integrados na sociedade portuguesa , respeitando as suas leis , normas de conduta e costumes ;

Desde 1 de Março de 2002 que exerce as funções de “ montador de peças “ na empresa “ Tensai Indústria , S A , sociedade que , anteriormente , usava a firma “ Indústria e Comércio de Frio , S A , na situação de contrato de trabalho sem termo ;

Por escritura pública de 3 de Março 2005 o extraditando e mulher compraram o apartamento onde passaram a residir , honrando escrupulosa e tempestivamente o pagamento das prestações do empréstimo hipotecário contraído junto da CGD ;

A mulher do extraditando encontra-se a viver momentaneamente em situação de desempregada de um subsídio de desemprego no valor diário de 6, 11 € , por 750 dias , com início em 14.4.2008 .

Tem a correr na 1.ª Sec.do Tribunal de Trabalho de Aveiro um processo sob o n.º 362 /08 .1TTAVR , como consequência das lesões sofridas em acidente de trabalho, achando-se inscrita na lista para cirurgia nos Serviços de Neurocirurgia dos Hospitais da Universidade de Coimbra ;

Com os proventos da prestação do trabalho do extraditando e sua mulher vem suportando os encargos do casal e ainda de dois filhos , um de cada , de anteriores casamentos ;

O extraditando e sua mulher estão perfeitamente integrados na sociedade portuguesa , sendo profissionais muito reconhecidos e respeitados , tendo criado com os vizinhos da sua residência e colegas de trabalho fortes laços de amizade ;

É sua intenção continuarem a viverem em Portugal , na expectativa de vida melhor e de assegurarem um melhor futuro aos seus filhos , considerando-se cidadãos deste País .

Seria desbaratar todo o esforço feito por ele e mulher de integração na sociedade portuguesa , de criação de raízes e de construção de um melhor futuro aqui para os respectivos filhos a entrega às prisões ucranianas , colocando em seriíssimo risco a sua integridade física e a própria vida e ;

Até pela situação de limitação física que a mulher do extraditando actualmente atravessa , sendo absolutamente catastrófica a extradição , deixando –a em condições de não poder suportar os encargos com a prestação bancária e o sustento dos filhos .

A extradição provocará as mais gravosas consequências na vida e saúde do extraditando e terás mais penosas consequências no seu agregado familiar, consequências graves a que se faz menção no art.º 18.º n.º 2 , da Lei n.º 144/99 , de 31 de Agosto , a que os tribunais portugueses tem vindo a ser sensíveis , em razão do que não deverá ser decretada a extradição .

IV. Em contramotivação o Exm.º Procurador Geral-Adjunto na Relação defendeu o acerto da decisão recorrida .

V. O Tribunal da Relação no acórdão recorrido teve por assente , no que releva , o seguinte factualismo :

No mês de Agosto de 1999 e até 2000 o requerido AA , juntamente com Y... R... , G...Y... e S... A . Y... , associaram-se com vista á obtenção de bens por meio de fraude .

De acordo com um plano por todos traçado o Y... e o G... dirigiram-se Dnipropetrovsk, e fazendo uso de um passaporte falso em nome de K... I... D... , com a fotografia aposta do G..., adquiriram a sociedade de responsabilidade limitada de nome “ Kolak” , sem intenção de exercerem a intenção de praticarem a actividade a que se dedicava .

Depois , apresentando-se como seus funcionários dessa fictícia sociedade , com os seus documentos e selo , arrendaram um espaço para funcionar como escritório com telefone e colocaram um anúncio para compra por grosso de produtos agrícolas e alimentares e , nessa linha os dois supracitados referidos lançavam-se em busca de sociedade e à compra daqueles produtos , celebrando contratos falsos , fornecendo informação fraudulenta , criando condições para apropriação de bens .

As mercadorias não eram pagas de imediato , mas num período entre 3 e 5 dias , dispondo dos produtos para os fins desejados .

O AA , de acordo com o plano gizado , dirigiu-se a Kharkiv , onde se põs em busca de sociedades e empresas com vista a vender a bens vindos de Dnipropetrovsk , ajudando o S... e G... no transporte de tais produtos para venda , coordenando todas as operações com o organizador do grupo Yevdokymov R. V . que se achava em Kharkiv.

E na sequência desse plano e através daqueles meios e para benefício da “ Kolak” causaram prejuízos às seguintes sociedades : empresas mista “ Dilové Oléchyé” , de responsabilidade limitada “ PromtekhKomplet “ , e de exploração agrícola Agrotekhnika” , “ Agropromkomplekt” e firma “ Potensial “ I , no montante global de 205.073 hrivnas , um valor avultado , correspondendo 1 hrivna e 81 copecks a um US dólar .

O requerido vive em Portugal com a mulher N... A... , há 7 anos .

O extraditando exerce funções de montador de peças desde 1 de Março de 2002 na firma “ Tensai Indústria , S A “ , que anteriormente usava a firma “ Indústria e Comércio de Frio , SA , na situação de trabalhador a termo .

Em 3 de Março de 2005 o extraditando comprou com a mulher , mediante empréstimo hipotecário , cujas prestações têm vindo a satisfazer , junto da CGD , um apartamento , onde continuam a viver .

A mulher do extraditando está desempregada , recebendo um subsídio diário de 6, 11€ , por 750 dias .

Corre no Tribunal de Trabalho de Aveiro um processo por acidente de trabalho em que a mulher do requerido é A. , enquanto sinistrada .

Esta acha-se inscrita para cirurgia no Serviço de Neurocirurgia dos HUC .

É através dos rendimentos do trabalho que são suportados os encargos da vida do casal .

O requerido é um trabalhador muito respeitado .

A mulher do requerido , somente ela , não consegue fazer face , por falta de condições económicas , aos encargos derivados do empréstimo garantido por hipoteca junto da CGD com a aquisição do apartamento .

Ordenando-se a extradição mostram-se violados os art.ºs 6.º n.º 1 a) e c) e 18.º n.º 2 , do Dec.º -Lei n.º 144/99 , de 31/8 .

**********************

VI:O Tribunal da Relação não teve por provado , além do mais , que :

- o requerido e mulher ocorram ao sustento de cada um dos filhos de um anterior casamento anterior;

- os reclusos nas prisões ucranianas sejam submetidos às mais indescritíveis violências físicas , psíquicas e emocionais ou que seja reconhecido por Organizações Internacionais não Governamentais que naquelas não sejam minimamente assegurados os mais elementares direitos de personalidade e cívicos , sendo colocado em condições da mais absoluta insegurança , não apenas quanto à sua integridade física , como também , e primordialmente , quanto à sua vida procedendo o pedido e ;

-em 25 de Maio de 2004 no Aeroporto de Lisboa um extraditando se suicidou , lançando-se de mais de 10 metros de altura , porque preferia suicidar-se a estar preso na Ucrânia .

VII . Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :

O pedido de cooperação ao nível internacional que é apresentado à ordem jurídica portuguesa cinge-se à extradição para fins de procedimento criminal pela eventual prática do crime de burla e a ele opõe o requerido razões obrigatórias de denegação e causas facultativas da sua recusa , previstas nos art.ºs 6.º n.ºs 1 a) e c) e 18.º n.º 2 , do Dec.º-Lei n.º 144/99 , de 31/8 , respectivamente .

É pressuposto de recusa obrigatória prevista na al.a) , do n.º 1 , do art.º 6.º do Dec.º_Lei n.º 144/99 , de 31/8 , o desrespeito pelas exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e da Liberdades Fundamentais , de 4/11/50 ou de outros instrumentos relevantes na matéria ratificados por Portugal , que , pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro , aprovou para ratificação aquela Convenção assinada em Roma e a que opôs algumas reservas .

As reservas , sejam elas de soberania , culturais , de ordem conjuntural ou da maior protecção , designam uma declaração unilateral , qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua denominação , feita por um Estado quando assina , ratifica , aceita ou aprova um tratado ou a ele adere pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado .

Essas reservas são inaceitáveis em tratados bilaterais , dada o tipo de vinculação , sem restrições , a que se obrigam os contraentes , de cumprimento pontual e irrestrito na base do acordo .

O respeito pelo Estado requerente da extradição às exigências supracitadas prendem-se com o princípio fundamental inscrito na Convenção , no art.º 3.º , segundo o qual ninguém poderá ser submetido a torturas , penas ou tratamentos desumanos ou degradantes , em obediência , como se escreveu no seu preâmbulo , a “ um profundo apego a (…) liberdades fundamentais , que constituem as verdadeiras bases da justiça e da paz no mundo e cuja preservação repousa essencialmente , por um lado , num regime político verdadeiramente democrático e , por outro lado , numa concepção comum e no comum respeito pelos direitos do homem “ , tudo com o fito de realizar uma mais profunda união entre os Estados membros do Conselho da Europa .

A violação da invocada al.c) , do n.º 1 , do predito art.º6.º , atine ao risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na al.b) , ou seja por existirem fundadas razões para crer que a extradição é solicitada para perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça , religião , sexo , nacionalidade , língua , condições políticas ou ideológicas ou da pertença a partido político .

De sublinhar que , nos termos da al.e) , do art.º 6.º , do Dec.º-Lei n.º 144/99 , de 31/8 , é , igualmente , fundamento de recusa a circunstância de o facto ser punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível à integridade física à pessoa procurada .

IX .O Estado português aprovou para ratificação a Convenção Europeia de Extradição , assinada em Estrasburgo em 27.4.77 e os seus dois Protocolos Adicionais , assinados em Estrasburgo em 27.4.77 e 27.4.78 , pela Resolução da Assembleia da República , n.º 23/89 , de 8.11.89 , publicada no DR , I Série , n.º 191 , de 21/11/89 , formulando no art.º 1.º ao texto da Convenção , conforme facultado no seu art.º 26.º , três reservas , das quais deriva não poder a extradição ser decretada para julgamento ou cumprimento de pena por tribunal de excepção -al.a); quando se prove que as pessoas serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de que o processo respeite as condições internacionais reconhecidas como imprescindíveis à salvaguarda dos direitos do homem ou que cumprimento da pena em condições desumanas –al.b) ou quando seja reclamada para cumprimento de pena ou medida de segurança de carácter perpétuo –al.c) .

Tendo presente os preceitos descritos , a interpenetração hermenêutica que suscitam e contextualizando a situação factual comprovada , logo se descortina , como com acerto decidiu a Relação , que não resulta minimamente comprovado pelo requerido , não passando mesmo de uma mera alegação sua , sem qualquer suporte credível , a constatação –de fácil comprovação - por ONG s independentes de que o sistema prisional ucraniano se posicione fora do controle estatal , entregue a “ gangs “ ou “ máfias “ e às suas leis , pondo em risco a integridade física e até a própria vida do recorrente , pela exposição a toda a sorte de violências físicas , psíquicas e emocionais .

Sem qualquer demonstração está que a República da Ucrânia não assegure através dos seu poder judiciário o direito a um processo justo , rodeado de garantias de defesa do requerido e menos ainda que o cumprimento da pena , se for de lhe impõr , pois a extradição se destina , desde já , a fins de procedimento criminal , seja a cumprir em condições desumanas , e por maioria de razão com risco para a sua integridade física ou perigo de vida , e , menos ainda , que a sua situação processual possa sofrer sofre agravamento por virtude do concurso de quaisquer circunstâncias dentre as elencadas no n.º 1 b) , do art.º 6.º , do Dec.º-Lei n.º 144/99 , que as recebeu por incorporação do art.º 3.º n.º 2 , da Convenção Europeia de Extradição .

Tendo a República da Ucrânia ratificado a Convenção Europeia de Extradição , imbuída esta como está do respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana , é de crer que a justiça daquele país e o seu sistema penitenciário se conformem a princípios estruturantes dos modernos estados democráticos , entre os quais se contam o respeito por aqueles direitos fundamentais , que terão sido sopesados em termos de capacidade de cumprimento e credibilidade na valoração do pedido de adesão por parte do Estado ora requerente , que a ratificou –DR , I Série , n.º 181/97 , de 7.8.97 .

E sopesado foi , por certo , ainda esse cumprimento , por parte do Sr. Ministro da Justiça , que teve por inadmissível , na fase preliminar , a extradição quanto ao crime de falsificação por prescrição e quanto ao de falsa empresa por não satisfação do princípio da dupla incriminação –art.º 2.º , da Convenção Europeia de Extradição - e não por quaisquer outras razões .

X. A extradição pode ser negada se a reduzida importância da infracção o não justificar –art.º 10.º do Dec.º-Lei n.º 144/99, de 31/8 – e sempre que , nos termos do art.º 18.º n.º 2 , do Dec.º-Lei n.º 144/99 , daí derivem , vistas as circunstâncias do caso concreto , consequências graves para a pessoa do visado em razão da idade , estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal .

Também deste ângulo , o invocado pelo recorrente , a razão não lhe assiste já que se ausentou do seu país natal depois de contra ele ser movido procedimento criminal por factos que assumem contornos de lesão patrimonial grave , por se não demonstrar que a ser decretada a extradição resultem sérios inconvenientes à pessoa do extraditando, considerando a sua idade , de 45 anos ou saúde, que se não comprova periclitante .

É certo que a extradição causa visíveis incómodos , desde logo ao requerido por ter a sua vida organizada em Portugal , aqui tendo emprego , habitação própria que comprou com a actual mulher , no entanto eles não imprevisíveis porque o requerido conscientemente se furtou à acção da justiça do seu país , prejudicando a investigação , fixando-se em Portugal , violando a medida coactiva imposta de se não ausentar da Ucrânia , estando descoberto o processo , a relevar aquele condicionalismo , de se assegurar a impunidade do agente do crime , obstaculizando ao processo de extradição , mesmo que aquele fosse da maior gravidade , afrontando-se princípios de confiança , respeito mútuo e reciprocidade que presidem ao processo de cooperação accionado , que se mostrou mais moroso atenta a dificuldade de localização do suspeito do crime –fls. 25.

É verdade que a mulher do requerido por si só não tem capacidade para satisfazer as prestações do empréstimo do apartamento onde vive , adquirido por ambos e por ambos a ser pago , tratando-se , contudo , de um facto atinente a terceiro , de natureza patrimonial , não pessoal , do recorrente , sem virtualidade impeditiva ou condicionante da extradição, ficando , de resto , por demonstrar que concorressem ambos para o sustento do filho de cada na Ucrânia , como aliás que essa incapacidade se reconduza a uma situação de invencível possibilidade de permanência daquela no nosso País, lançando-a para uma situação catastrófica, abaixo de padrões de subsistência humana .

Para esta , vivendo em união de facto há mais de 15 anos-fls . 211 - com o extraditando , conhecedora do processo contra ele instaurado , não é novidade a extradição e muito pouco provável que se não tenha precavido contra a danosidade patrimonial da procedência do pedido em sede do risco que , a esse nível , lhe acarretaria e de que não seria razoável prevalecer-se .

XI . Nestes termos , concorrendo os pressupostos legais , previstos nos art.ºs 1.º n.º 1 a) , 6.º , 8.º , 23.º , 31.º n.º 2 , 44 .º , 49.º , 50.º , 54.º , 55.º e 56.º , do Dec.º-Lei n.º 144/99 , de 31/8 , se autoriza a extradição de AA, também conhecido por S... V... , acima identificado , para a República da Ucrânia , a fim de ser submetido a julgamento no processo crime n.º 63001334 , no Tribunal de Dnipropetrovsk , Distrito de Indoustrialnyi-Ucrânia , pelo crime de burla , p . e p . no art.º 190 .º n.º 4 , do CP ucraniano , na redacção de 2001.

XII . Nega-se provimento ao recurso , confirmando-se o acórdão recorrido .

Sem custas .

Comunique à Embaixada da Ucrânia , PGR , MJ , PJ –GNI , MAI e MNE .

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Janeiro de 2009

Armindo Monteiro (relator)

Santos Cabral (tem voto de vencido, por entender que a extradição decretada, face à situação pessoal do requerido e ao teor da infracção imputada, representa uma ofensa ao princípio da proporcionalidade a que também está sujeita a cooperação internacional.)

Pereira Madeira