DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
INSOLVÊNCIA
Sumário

O devedor não titular de empresa que se encontre em situação de insolvência, só pode evitar a declaração de falência se apresentar, até à sentença, a concordata particular a que se refere o art. 240º e ss. do CPEREF, pois que não pode beneficiar do processo de recuperação.
A situação de insolvência há-de revelar-se a partir de um juízo de valor jurídico sobre os factos provados, no preenchimento do quadro de um dos factos-índice enunciados no art. 8º-1, a partir dos quais a lei faz presumir o estado falimentar.
Os pressupostos de verificação dos factos-índice reportam-se ao montante ou valor das obrigações incumpridas e às circunstâncias ou razões desse incumprimento, conceito aberto onde cabe a ponderação de elementos como os valores do activo e do passivo, garantias, tempo do vencimento das dívidas e tudo o mais que convier à revelação da impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações.
Demonstrados os factos-índice ou presuntivos aplicáveis, mais não exige a lei para a declaração de falência.
Confrontado com tal demonstração, ao devedor só resta um meio de evitar o reconhecimento da falência – ilidir a força presuntiva dos factos eleitos como índices, provando a solvabilidade ou, sendo caso disso, a viabilidade.

Texto Integral




Acordam o Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA e BB instauraram acção especial de falência, ao abrigo do DL nº 132/93, de 23.04, alterado pelo DL nº 315/98, de 20.10 (adiante designado por C.P.E.R.E.F), contra CC e DD, casados entre si, pedindo que fosse declarada a falência dos Requeridos, para o que alegaram terem créditos sobre estes, que não lograram cobrar, apesar das acções executivas que lhes moveram, e que os Requeridos alienaram todo o seu património conhecido e têm elevados débitos à Banca e ao Fisco, estando impossibilitados de cumprir a generalidade das suas obrigações.

Foi deduzida oposição à falência por parte dos Requeridos e por parte de “EE – Sociedade Abastecedora de Madeiras, S.A.”.

Proferido despacho de prosseguimento dos autos como acção de falência, teve lugar a audiência de julgamento e foi emitida sentença julgando a acção improcedente e indeferindo o pedido de declaração dos Requeridos em estado de falência.

Mediante apelação dos Requerentes, a Relação revogou aquela decisão e reconheceu a situação de falência.


Os Requeridos pedem revista pugnando pela revogação do acórdão e improcedência do pedido de falência.

Para tanto, argumentam nos termos constantes das conclusões que se transcrevem:
“1. A insolvência é definida no CPEREF, como o estado jurídico da empresa que se encontra factualmente impossibilitada de suportar, com todos os seus elementos de activo, a dívida que perante si for exigível (cfr. art. 3.°/1 do CPEREF), conceito que o art. 27.°/1 do mesmo diploma acolhe e que diz aplicável ao devedor que não seja titular de uma entidade empresarial, seja este o caso dos Autos.
2. Não se verificam os requisitos legais para a operatividade da presunção legal de insolvência (Iuris Tantum) do art. 8.°/1, aI. a) do CPEREF, de onde o Tribunal da Relação de Coimbra se alavanca para entender os requeridos por insolventes, pelo que incorreu o Tribunal em Erro no Julgamento em Matéria de Direito e em violação do citado art. 8.°/1, al. a) do CPEREF ao decidir em sentido contrário.
3. O crédito de que se arrogam os requerentes, embora expressivo quando objectivamente considerado, encontra-se enquadrado por activos mobiliários e imobiliários de valor dantescamente superior, não existindo, ainda, qualquer outra circunstância presente na matéria provada que conduzisse à conclusão por forma minimamente sólida que a mora no pagamento se liga a uma situação de insolvabilidade.
4. A exposição rigorosa da situação patrimonial dos requeridos permite ao julgador, também a este Supremo Tribunal de Justiça, concluir pela solvabilidade dos requeridos, com base na mera leitura da Sentença em Matéria de Facto associada às mais elementares operações aritméticas e aos normativos legais aplicáveis, pelo que, ainda que operasse a presunção do art. 8.°/1, al. a) do CPEREF (que não é o caso), sempre a solvabilidade dos recorrentes seria conclusão insofismável.
5. Considerando os Factos Provados e os documentos autênticos juntos aos autos, as dívidas dos requeridos totalizam o valor de 3.289.533,53 Euros, todos eles créditos decorrentes de AVAIS prestados pelos requeridos em favor de sociedades que celebraram negócios com os terceiros/reclamantes e com os requerentes.
6. Parte das dívidas encontram-se garantidas por direitos reais sobre coisas pertencentes a universos patrimoniais titulados por diversos sujeitos, mormente pelas sociedades que se assumem como devedoras principais nas dívidas subjacentes aos AVAIS prestados pelos requeridos.
7. Tendo os respectivos credores aceite determinados bens como garantia real do cumprimento, é de presumir que os mesmos possuem valia pecuniária bastante para suportar o valor dos créditos garantidos, pois que a Lei processual civil até impõe que a execução só possa prosseguir contra outros bens depois de excutidos aqueles e quando, comprovadamente, se constante que, afinal, não serviam o pagamento integral do crédito.
8. O valor das garantias prestadas que acobertam as dívidas ascende a 1.901.132,00 Euros, pelo que, excutidas estas, o património geral dos requeridos apenas teria de suportar o montante de 1.388.402,00 Euros a título de garantia geral das obrigações.
9. O conjunto de elementos patrimoniais titulados genericamente pelos recorridos tem o valor, atribuído pelo Tribunal em decisão sobre matéria de facto, de 1.763.915,00 Euros, razão por que não se assoma qualquer espectro de insolvência (art. 3.°/1 do CPEREF) inviabilidade económica (art. 1.°/2, primeira parte do CPEREF) ou de irrecuperabilidade financeira (art. 1.°/2, segunda parte do CPEREF).
10. Sendo as dívidas dos requeridos, todas elas, fundadas em AVAIS, o pagamento (espontâneo ou coercivo) de qualquer uma delas fará nascer um direito dos requeridos sobre o devedor principal de montante igual ao crédito satisfeito (art. 32.°, § 3 da LULL).
11. O direito sub-rogatório emergente do pagamento da dívida pelo avalista é penhorável (cfr. art. 856.°/1 do Código de Processo Civil) podendo qualquer terceiro credor convocá-lo para satisfação do seu crédito, promovendo os termos da execução contra o devedor principal quando este não cumpra espontaneamente (cfr. art. 860.°/1 e 3 do Código de Processo Civil).
12. Com a execução e/ou pagamento de qualquer um dos créditos elencados na matéria de facto sobre os requeridos, não se verificaria a diminuição do património dos recorridos, mas tão-só a modificação dos elementos que o constituem, pelo nascimento de um crédito sobre a devedora principal (LUSOMETAIS, SA, MADEILENA, Lda., SUINEX, Lda. e ELEV A, SA) de igual valor.
13. Não existe notícia de as sociedades devedoras principais (LUSOMETAIS, SA, MADEILENA, Lda., SUINEX, Lda. e ELEVA, SA) se encontrarem insolventes, razão por que pode o Tribunal presumir (presunção judicial) que estas sociedades se encontram em condição de suportar todos os seus compromissos vencidos, incluindo os créditos avalizados ou os direitos de regresso que decorram do pagamento desses créditos pelos avalistas.
14. Os requerentes promoveram execução contra os requeridos, tendo penhorado bens suficientes para cobrir o valor do seu crédito, promovendo o processo de falência, não porque se apercebessem de uma situação de insuficiência patrimonial (ao contrário, estando comprovado na execução que as penhoras realizadas eram bastantes) mas porque, tão-somente, se enfadaram e aborreceram de esperar pelos regulares trâmites executivos.
15. Os requeridos não se encontram em situação de insolvência, de inviabilidade económica ou de irrecuperabilidade financeira, o que mesmo foi defendido pela credora EE, Lda. de forma enérgica, mau-grado a posição assumida pelos requerentes.
16. O Tribunal recorrido incorreu em violação, entre outros que acima se enunciam, do disposto nos arts. 3.°/1, 27.°/1, 1.°/1, 2 e 3 e 27.°, todos do CPEREF, e no consequente ERRO NO JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO”.

Os Recorridos responderam defendendo a manutenção do julgado.


2. - A questão única a decidir, como, de resto, vem colocada nas conclusões da revista, centra-se na qualificação, ou não, da situação dos Recorrentes como de insolvência, para efeito de declaração de falência, questão a apreciar, como vem assente, à luz do regime legal estabelecido no Dec.-Lei n.º 132/93, de 23/04 e alterações que lhe foram introduzidas (DL. 157/97, de 24/06, 315/98, de 20/10, 323/2001, de 17/12 e 38/2003, de 08/03).



3. - Vem definitivamente assente a factualidade que segue:

1. Em Janeiro de 1999, os requerentes declararam vender aos requeridos, que declararam comprar-lhes, participações sociais, tendo o preço desse acordo sido titulado por letras de câmbio aceites por “Eleva – Indústria de Comercialização de Madeiras, S.A.”, sociedade de que são sócios os ora requeridos, e que as avalizaram, e que não foram pagas nas respectivas datas de vencimento.
2. Consequentemente, e sob o nº 520/00, o requerente BB intentou, pela 3ª Vara Cível, 1ª Secção, do Porto, uma execução contra “Eleva – Indústria de Comercialização de Madeiras, S.A.” e os ora requeridos, com vista a obter o pagamento da quantia de 42.478.417$00 (contravalor em euros de € 211.881,45), correspondente ao capital em dívida e juros vencidos, bem como os juros vincendos.
3. Nessa execução foram deduzidos, por todos os executados, embargos, alegando incerteza, inexigibilidade da obrigação exequenda e inexequibilidade dos títulos dados à execução.
4. Nesses embargos, foi proferida sentença que os julgou improcedentes e que foi confirmada por acórdão proferido pela Relação do Porto em 06.05.2003, transitado em julgado em 22.05.2003.
5. Sob o nº 463/2001, corre temos no Tribunal Judicial da Sertã, uma execução em que o requerente AA demanda “Eleva – Indústria de Comercialização de Madeiras, S.A.” e os ora requeridos, com vista a obter o pagamento da quantia de € 137.527,94 de capital, acrescida de juros.
6. Nessa execução foram deduzidos, por todos os executados, embargos, alegando incerteza, inexigibilidade da obrigação exequenda e inexequibilidade dos títulos dados à execução.
7. Nesses embargos, foi proferida sentença que os julgou improcedentes e que foi confirmada por acórdão proferido pela Relação de Coimbra em 13.05.2003, transitado em julgado em 29.05.2003.
8. Nas sobreditas execuções, os requerentes, na sequência de desconformidade entre as áreas da matriz e as do Registo Predial, não conseguiram rapidamente registar as penhoras, e viram ainda os requeridos levantar incidente de avaliação dos bens penhorados, onde atribuíam aos bens nomeados à penhora e descritos sob os números 540º e 543º da freguesia de Leiria, o valor de 374.098,42 €, os quais depois foram vendidos apenas por 54.031,79 €, isto é, por 14,5% do valor atribuído.
9. Uma vez ordenada a penhora do prédio misto descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº ------, onde os requeridos habitam (sito em Moinho do Vento, Gândara dos Olivais, composto por uma casa de habitação, rés do chão, 1º andar, logradouro e terreno anexo de semeadura, regadio e sequeiro com oliveiras, pinhal e sobreiros), constatou-se que, sobre ele, os requeridos haviam constituído e registado duas hipotecas a favor do Banco Totta & Açores, S.A., até aos montantes máximos de € 418.990,24 e € 625.492,57.
10. Tais hipotecas foram registadas em 01.03.2002, antes do registo da penhora, e para garantia de financiamentos feitos ou a fazer à sociedade familiar dos requeridos denominada “Madeilena - Madeiras, Ld.ª”, com sede em Marrazes, Leiria.
11. Os requeridos, em 1 de Agosto de 1997, outorgaram procuração irrevogável a favor do Banco Espírito Santo, conferindo a este poderes especiais para, sobre o mesmo prédio, requerer actos de registo de hipoteca para garantia de responsabilidades assumidas ou a assumir perante o mandatário até ao valor de 72.500.000$00.
12. Durante o ano de 2002 os requeridos alienaram os seus bens imóveis, cuja localização, inscrição na matriz e descrição predial são as seguintes:
- Na Freguesia de Souto da Carpalhosa: seis prédios rústicos inscritos na matriz nos artigos 15.533º, 17.271º, 15.586º, 15.419º, 15.498º, 15.527º com uma área total de 18.350 m2 e descritos na Conservatória do Registo Predial respectivamente, sob os nº 4.813, 4.814, 4.811, 4.812, 4.809 e 4.810.
- Na freguesia de Leiria: duas parcelas de terreno para construção, Lote ....., inscrito na matriz urbana no artigo....... e Lote ....Inscrito no artigo 2.847º.
- Prédio rústico com 561.250 m2, sito na Freguesia da Chamusca inscrito no artigo Um e descrito no Registo Predial sob o número 122 Secção Y.
13. O requerido, como gerente, aufere o vencimento que retira da “Luso-Metais-Alumínios, Ldª”, com sede em Gândara dos Olivais, Marrazes, Leiria, no montante de 748,20€ /mês; a requerida, como funcionária pública, professora do ensino básico, tem um vencimento mensal da ordem dos 750.00 Euros.
14. A quota do requerido na sociedade onde os requeridos são sócios e gerentes, mais precisamente, na “Madeilena - Madeiras, Ldª”, tal como a sua quota na “Luso-Metais-Alumínios, Ldª”, foram penhoradas em execução movida pelo fornecedor de madeira “EE-Sociedade Abastecedora de Madeiras, Ldª” (Exec. Ord. nº 179/2002 da 1ª secção da Vara Mista e Juízos Criminais de Coimbra).
15. O requerido é o principal accionista e Presidente do Conselho de Administração da “Eleva - Indústria e Comercialização de Madeiras, SA”, sociedade maioritariamente detentora de participações sociais da “Sotima, S.A.”.
16. E é Presidente do Conselho de Administração da “Sotima -Sociedade de Transformação Industrial de Madeiras, SA”, com sede em Proença-a-Nova, e que se encontra actualmente paralisada.
17. A oponente “EE – Sociedade Abastecedora de Madeiras, SA”, alegou ser credora dos requeridos em € 795.837,00 e que tem emitida a seu favor uma garantia bancária no valor máximo de 40.000.000$00 (contravalor em euros de € 199.519,16);
18. “Banco Espírito Santo, S.A.”, “Companhia Geral do Crédito Predial Português, S.A.”, e “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, justificaram e reclamaram créditos sobre os requeridos, respectivamente, nos montantes de cerca de € 853.763,96, € 292.497,29 e € 998.026,28.
19. O crédito justificado pela “Companhia Geral do Crédito Predial Português, S.A.”, advém de contratos de mútuo celebrados com a sociedade “Eleva - Indústria e Comercialização de Madeiras, S.A.”, onde os requeridos assumiram a posição de fiadores, renunciando ao benefício de excussão prévia.
20. O crédito justificado pela “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, resulta de contratos de mútuo celebrados com a sociedade “Eleva - Indústria e Comercialização de Madeiras, S.A.”, onde os requeridos assumiram a posição de avalistas.
21. Encontra-se inscrita a favor dos requeridos a aquisição, por compra, do prédio urbano sito em Gândara dos Olivais, Travessa das Flores, composto de casa de rés-do-chão amplo para garagem e arrumos e primeiro andar para habitação e logradouros, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2274 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº............ da freguesia de Marrazes.
22. Sob o prédio referido no número anterior encontra-se inscrita, desde 15.10.2001, uma hipoteca a favor do “Banco Espírito Santo, S.A.”, com vista a garantir o capital máximo de € 411.089,28.
23. Encontra-se inscrita a favor dos requeridos a aquisição, por compra, da fracção denominada pelas letras “......”, correspondente ao....andar, com 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e estacionamento, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1535 e descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ............. da freguesia do Lumiar.
24. Sob o prédio referido no número anterior encontra-se inscrita, desde 02.10.2001, uma hipoteca a favor do “Banco Espírito Santo, S.A.”, com vista a garantir o capital máximo de € 411.089,28.
25. O prédio misto descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº ......., onde os requeridos habitam (sito em Moinho do Vento, Gândara dos Olivais, composto por uma casa de habitação, rés do chão, 1º andar, logradouro e terreno anexo de semeadura, regadio e sequeiro com oliveiras, pinhal e sobreiros), tem o valor de € 795.840,00.
26. A sociedade “Eleva - Indústria e Comercialização de Madeiras, S.A.”, é detentora de uma linha de revestimento a papel melamínico, que se encontra nas instalações da “Sotima, S.A.”, em Proença-a-Nova, e que tem o valor de € 550.000,00.
27. No imóvel supra referido sob o nº 22, existe recheio no valor de € 150.000,00.
28. O imóvel que se encontra descrito sob o nº ..... da freguesia de Marrazes (prédio urbano sito em Gândara dos Olivais, Travessa das Flores, composto de casa de rés-do-chão amplo para garagem e arrumos e primeiro andar para habitação e logradouros) tem um valor real de € 118.075,00.
28. A fracção autónoma denominada pelas letras “AQ” do prédio descrito na 7ª CRP de Lisboa sob o nº ........... (correspondente ao 10º andar, com 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e estacionamento) tem um valor de € 150.000,00.
29. A “Madeilena – Madeiras, Lda.” continua a exercer a sua actividade, mantendo 12 trabalhadores ao seu serviço.
30. Ao proporem a presente acção, os requerentes tinham conhecimento da existência de alguns dos bens supra referidos e que a pendência desta acção desacreditou os requeridos perante terceiros e condicionou a sua actividade comercial e industrial.


4. - Mérito do recurso.

4. 1. 1. - Como se deixou enunciado, o objecto do recurso cinge-se a saber se, com base no quadro factual descrito, devem os Recorrentes ser considerados em situação de insolvência.

A insistência na referência à identificação do thema decidendum encontra justificação na circunstância de na 1ª Instância, apesar de se ter declarado (na sentença) ser “evidente que os bens livres e desembaraçados não cobrem (…) a quantia de que são credores os Requerentes”, reconhecendo-se, logo no despacho de prosseguimento da acção, a situação de insolvência, ter recusado a declaração de falência a pretexto da existência de “viabilidade dos requeridos e, no que tange aos requerentes, existe a possibilidade de ressarcirem os seus créditos”.

No acórdão impugnado ficou claramente afirmado o entendimento de que o devedor que não sendo titular de empresa, se encontre em estado de insolvência, só pode evitar a declaração de falência se apresentar, até à sentença, a concordata particular a que se refere o art. 240º e ss. do CPEREF, pois que não pode beneficiar do processo de recuperação. É a doutrina do art. 27º-1 do mesmo Diploma que, crê-se, não pode sofrer contestação.

Porque assim é, o requisito negativo acolhido no n.º 2 do art. 1º do CPEREF – “só dever ser decretada a falência da empresa insolvente quando ela se mostre economicamente inviável ou se não considere possível, em face das circunstâncias, a sua recuperação financeira” – não acresce, no caso de devedor não titular de empresa, ao pressuposto positivo da constatação da situação de insolvência exigido pelo n.º 1 do preceito como requisito comum a todas as declarações de estado falimentar.
Por isso e para isso, manda o n.º 2 do art. 27º referido aplicar os artigos anteriores “com as devidas adaptações”, desde logo as necessariamente decorrentes do regime do seu n.º 1.


4. 1. 2. - A questão, agora, já não tem que ver com a pretendida “viabilidade dos Requeridos”, como defendido na apelação pelos ora Recorrentes, que, reconhecendo, ao que parece, a insolvência, escreveram mesmo nas conclusões das suas contra-alegações o seguinte:
“3. A situação de insolvência foi declarada pelo Tribunal de Leiria por despacho de fls. 573 e a sentença de que se recorre não negou que os requeridos estivessem numa situação de Insolvência (art. 3º/1 CPEREF), mas sim que não se verificava a situação de Falência (art. 1º/2), por ter concluído que “por ora, existe viabilidade dos requeridos”.
4. Os recorrentes baralham e confundem os dois conceitos, que tratam como se fossem sinónimos, pugnando pela revogação da sentença tão-só com base na insolvabilidade que entendem vertida nos factos provados.
5. O recurso não apresenta qualquer questão que infirmasse a decisão recorrida, já que o Tribunal “a quo” tomou por pressuposto a insolvabilidade dos recorridos, antes decretada, pelo que o objecto do recurso encontra-se deslocado do caso sub judice (…)”.

E, efectivamente, no despacho de prosseguimento da acção (art. 25º do CPEREF), como se faz notar no acórdão recorrido, ficou consignado:
“Na verdade, julgo estar sumariamente verificada a impossibilidade dos requeridos cumprirem pontualmente a generalidade das suas obrigações, assim como que os mesmos, por vários meios, se terão colocado em situação que os impossibilita de cumprir pontualmente as suas obrigações, estando em situação de insolvência, isto porque, atento o montante da dívida aos requerentes, vencida há mais de um ano, o montante elevado do passivo total dos requeridos na data presente, a quase inexistência de activo, os poucos rendimentos mensais que auferem, só pode evidenciar a situação de insolvência.”

Uma vez que, apesar do declarado estado de insolvência, não foi logo decretada a falência, restava aos Requeridos, que também não impugnaram o despacho, na audiência de julgamento, infirmar o respectivo conteúdo, ou seja, a declaração judicial da verificação do único requisito da declaração de falência, o que não fizeram.


4. 2. 1. - A Relação apreciou, de mérito, a questão da insolvência, e os Requeridos, dando o antes aceite por não aceite e o dito por não dito, como do transcrito trecho das suas contra-alegações do recurso de apelação se retira, apresentam-se a agora discutir o decidido quanto à verificação do pressuposto cujo concurso nunca antes puseram em causa.


Adianta-se que sem razão o fazem.

A situação de insolvência surge definida ou caracterizada no nº 1 do artigo 3º do CPEREF como aquela em que o devedor (empresa ou pessoa não titular de empresa) se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível.

Entre os dos factos-índice da situação de insolvência do devedor, prevê a lei a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (artigo 8º, nº 1, al. a) do CPEREF).

Assim, averiguar se a situação do devedor requerido é ou não de insolvência há-de revelar-se a partir de um juízo de valor jurídico sobre os factos provados, subsumindo-os aos mencionados pressupostos legais.

Passa ele, também, como escrevem os próprios Recorrentes, por um juízo/conclusão de a situação do devedor ser efectivamente deficitária, em razão de “não comportar, de todo, a possibilidade de as dívidas serem cobradas” pelas forças do seu património existente, tudo entendido, note-se, em termos de solvabilidade, que não apenas de liquidez.

Um tal juízo, a extrair dos factos provados, há-de corresponder, naturalmente, ao preenchimento do quadro de um dos factos-índice enunciados no art. 8º-1, a partir dos quais a lei faz presumir o estado falimentar.
Daí que, como também é natural, os pressupostos de verificação daqueles factos-índice, no caso o da al. a), se reportem ao montante ou valor das obrigações incumpridas e às circunstâncias ou razões desse incumprimento, conceito aberto onde cabe a ponderação de elementos como os valores do activo e do passivo, garantias, tempo do vencimento das dívidas e tudo o mais que convier à revelação da impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações.

Demonstrados os factos-índice ou presuntivos aplicáveis, mais não exige a lei para a declaração de falência.
Confrontado com tal demonstração, ao devedor só resta um meio de evitar o reconhecimento da falência – ilidir a força presuntiva dos factos eleitos como índices, provando a solvabilidade ou, sendo caso disso, a viabilidade.

Como, a este propósito, se escreveu no ac. deste Supremo de 2/10/2003 (proc. 03B2585) citando o ac. STJ de 2-7-98, in CJSTJ, ano VI, Tomo II, pág. 157 e ss.,"provando-se algum dos factos referidos nas alíneas do n° 1 (do art. 8º) cria-se uma situação presuntiva que põe termo ao ónus probatório do requerente. Quer dizer: este tem de provar algum daqueles factos reveladores da situação de insolvência. Então, o requerido, porque pretende impedir a emergência do direito invocado pelo requerente, terá que provar a inexistência de fundamentos (...) para o decretamento da falência".


4. 2. 2. - Isto posto, vejamos o circunstancialismo factual definitivamente adquirido no processo.

Os Recorrentes são devedores dos Recorridos de 349.409,09 € e juros, quantia cuja cobrança coerciva saiu gorada em acções executivas instauradas em 2000 e 2001, após a nomeação de bens à penhora, subsistindo o incumprimento.
Além disso, os Recorrentes estão constituídos devedores: - à Sociedade “Abstena, SA”, 795.837,00€; à CGD, 998.062,28€; à CGCPP, 292.497,29€; à BES, 853.763,96€, resultando a dívida à Caixa Geral de Depósitos de avales e a do Crédito Predial de fiança, com renúncia a excussão prévia.
O passivo ascende aos pacificamente admitidos 3 289 533,53€.

O activo, por sua vez, surge constituído por três imóveis, com os valores de 795.840.00€, 118.075,00€ e 150.000,00€, o recheio do primeiro deles, no valor de 150.000,00€, e os salários dos Requeridos, cada um de cerca de 750,00€ mensais.
Fica-se o valor do património por 1 213 915,00€.

Sobre o primeiro dos imóveis incidem duas hipotecas a favor do Banco Totta, nos montantes de 418.990,24€ e 625.492,57€, sendo certo que esta instituição bancária não justificou os respectivos créditos, os quais, por isso, não surgem entre o passivo considerado.


4. 2. 3. - Ora, perante o sintetizado quadro fáctico, temos por imperioso concluir que o activo dos Requeridos, ora Recorrentes, está bem longe de ser líquido e, sobretudo, muito distante da solvabilidade.

E, face aos expedientes processuais e actos que a matéria de facto dá notícia de terem sido praticados na pendência das acções executivas, tudo associado ao incumprimento, que se mantém, e aos ónus reais que recaem sobre o activo patrimonial, nenhuma censura merece a conclusão retirada pelas instâncias no sentido de ser a falta de solvabilidade causa de impedimento de satisfação pontual das respectivas obrigações, situação abundantemente justificativa do decretamento da falência.

Incumbindo-lhes, como dito, provar que não apenas dispunha de activo suficiente para liquidar o passivo ou capacidade económica para cumprir, com regularidade e pontualidade, as suas obrigações, demonstrando a titularidade de património activo líquido e crédito suficientes para saldarem o seu passivo, os Requeridos não o fizeram, mantendo-se de pé, como ponto adquirido, que o passivo, mesmo desprezando os juros, representa quase o triplo do activo, sem contar também com a afectação do prédio de maior valor a garantia de débitos não considerados no processo.

A situação de insolvência e, consequentemente, de falência afigura-se-nos, pois, de indiscutível reconhecimento.


4. 2. 4. - Resta fazer, a terminar, três referências, que, perante o conteúdo das alegações dos Recorrentes, se impõem.


4. 2. 4. 1. - A primeira, tem que ver com a desconsideração do montante de 550.000,00€ relativo ao valor da linha de revestimento de papel, já que, não se trata de bens dos Requeridos, mas, como expressamente refere o julgador da 1ª Instância (nota 4 da sentença), de bens de terceiro, certamente da “Eleva, SA”.


4. 2. 4. 2. - Depois, ainda quanto à matéria relativa ao activo, passivo e sua imputação, para deixar dito que nada autoriza, como fazem os Recorrentes, somar o valor das garantias reais e subtraí-los aos valor global do passivo, a pretexto de se dever presumir que se os credores as aceitaram é porque possuem forças bastantes para suportar o valor assegurado pelas hipotecas.
Não só não há qualquer presunção com tal conteúdo, já que as garantias especiais das obrigações, como a hipoteca, estabelecendo preferências de pagamento pelo valor dos bens onerados, não limitam, em circunstância alguma, a cobrança do valor total do crédito a que estão afectas ao valor dos bens dados em garantia, como, esteja o crédito garantido ou não, por ele responde todo o património do devedor, como garantia comum dos credores – arts. 686º, 601º e 817º C. Civil.
O cotejo tem de fazer-se, incontornavelmente, entre os valores do activo e os do passivo, no respectivo conjunto.

Por outro lado, a norma do art. 835º-1 CPC, de resto em sintonia com a do art. 697º C. Civil, em nada interfere com a regra da responsabilidade de todo o património do devedor, nem concede ao devedor com garantia real prestada o direito a ver excutidos esses bens antes de penhorados outros, porquanto se limita a reconhecer ao executado o direito a opor-se à penhora sobre outros bens do seu património antes de reconhecida a insuficiência dos dados em garantia do crédito exequendo.

Numa palavra, não há fundamento para a pretendida separação de dívidas e patrimónios em função das garantias que lhes estão afectas.


4. 2. 4. 3. - Finalmente, o argumento extraído de algumas das dívidas, por terem como fonte avais, assumirem carácter secundário ou acessório, donde que quando pagas pelos Requeridos, nascerá um crédito sobre a devedora principal, não representando uma diminuição do património, mas uma modificação dos elementos que o compõem, por via do direito de sub-rogação (art. 32º-§ 3º LULL).

Assim poderá acontecer, efectivamente.
Não se põe em causa que, se, e quando, os Recorrentes pagassem, a divida de que são avalistas – segundo a matéria de facto a da CGD – ficariam sub-rogados nos respectivos direitos cambiários contra o avalizado e as pessoas para com ele obrigados em virtude da relação cambiária. É o que resulta da norma citada.

Só que, como é pressuposto da acção sub-rogatória referida, primeiro é preciso que o avalista pague.
Enquanto não o fizer a sua obrigação para com o portador do título, constituída no momento da dação do aval, enquanto dívida cambiária, mantém-se de pleno como obrigação principal e solidária com as dos demais obrigados.

Com efeito, o aval é, segundo o conceito vertido no art. 30º da LULL, o acto pelo qual um terceiro ou um signatário duma letra (ou livrança) garante o pagamento desse título, por parte de um dos respectivos subscritores, a pessoa a favor de quem é dado.
Constitui um acto cambiário que encerra uma obrigação – literal e abstracta - independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo - princípio da independência do aval (art. 32º §§ 1º e 2º).

Como é entendimento corrente, a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que o avalista não goza do benefício da excussão prévia.
Na verdade, embora sendo, nos dizeres da lei, o dador do aval responsável "da mesma maneira" que a pessoa por ele afiançada (§ 1º cit.), a obrigação do avalista e a do avalizado, não estão numa relação de acessoriedade e subsidiariedade semelhante às obrigações do fiador e do afiançado, mas antes de solidariedade, como resulta do art. 47° da LULL, ao estabelecer que “sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador", o qual "tem o direito de accionar todas estas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram".

Deste modo, dada a solidariedade das obrigações de avalista e avalizado e correspectiva faculdade de o credor/portador poder accionar qualquer deles, em conjunto ou singularmente, sem vinculação a qualquer ordem, impõe que se conclua que o dador do aval se apresenta, perante o credor, como um devedor autónomo, respondendo por uma obrigação própria, sem que perante ele possa invocar acessoriedade ou outro benefício, designadamente o direito de sub-rogação que o § 3º do art. 32º LULL lhe confere (cfr., neste sentido, ac. cit.).

Sob esse aspecto a posição dos Recorrentes não diverge substancialmente da que para eles resulta da fiança com renúncia ao benefício de excussão na dívida à “CGCPP, S.A.”.


Assim, os créditos provenientes da concessão de avales relevam para apreciação da situação de insolvência do devedor avalista, perante o seu credor, independentemente da situação do beneficiário da garantia cambiária.



4. 3. - Improcedem, pelas razões aduzidas, todas as conclusões do recurso.




5. - Decisão.

Pelo que ficou exposto, acorda-se em:
- Negar a revista;
- Manter a decisão impugnada; e,
- Condenar os Recorrentes nas custas.


Lisboa, 3 de Março de 2009

Alves Velho (Relator)
Moreira Camilo
Urbano Dias