ADVOGADO
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
SUB-ESTABELECIMENTO
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
HONORÁRIOS
MANDATO
PROCURAÇÃO
Sumário


1. Na falta de convenção em contrário, o mandato judicial inclui o poder de substabelecer (nº 2 do artigo 36º do Código de Processo Civil), poder que se não confunde com o de renunciar ao mandato (artigo 39º do mesmo Código); o que significa que o substabelecimento puro e simples não faz cessar o mandato de quem substabelece.

2. Também não faz cessar os poderes de representação conferidos ao primeiro advogado.

3. O mandato forense é, necessariamente, um mandato com representação.

4. A falta de prova do momento da cessação dos serviços pelo mandatário impede que se saiba quando começaria a contar o prazo de prescrição (presuntiva) previsto na alínea c) do artigo 317º do Código Civil.

5. As prescrições presuntivas apenas têm como efeito a presunção de pagamento; dispensando o devedor de provar o pagamento da quantia reclamada.

Texto Integral





Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Em 4 de Abril de 2000, AA, BB e CC instauraram uma acção contra DD e mulher, EE, pedindo a sua condenação no pagamento de 4.469.820$00 (3.800.000$00 de honorários e 669.820$00 de despesas), com juros legais a contar desde a citação.
Para o efeito, alegaram ser os únicos sucessores de FF e corresponder a quantia reclamada a serviços por este prestados aos réus enquanto advogado, qualidade na qual patrocinou uma determinada acção judicial (declarativa e executiva, entre 1986 e 1998) que intentaram e em que obtiveram “total ganho de causa”.
Os réus contestaram. Alegaram, por entre o mais, terem pago os honorários e as despesas, mas não lhes ter sido passado qualquer recibo. Disseram ainda que em 20 de Abril de 1993 FF tinha substabelecido os seus poderes em outro advogado, “não manifest]ando qualquer reserva nesse substabelecimento”; opuseram a prescrição do direito invocado pelos autores, por terem decorrido mais de dois anos sobre a data em que FF ”praticou o último acto no processo”, invocando o disposto na alínea c) do artigo 317º do Código Civil; e contestaram o montante dos honorários pretendidos.
Os autores replicaram. Nomeadamente, contestaram ter decorrido o prazo de prescrição, porque, mesmo após o substabelecimento, que não tinha sido feito sem reserva, o processo tinha continuado a ser conduzido por FF.
Na audiência preliminar, foi proferido despacho julgando improcedente a excepção de prescrição, porque “os R. acabaram por confessar que não pagaram a quantia peticionada nos autos como resulta dos artigos 35; 36; 37; 38; 42 e 43 da sua contestação”.
Foi admitido como apelação, a subir a final, o recurso interposto pelo réus desta decisão.
Por sentença de fls. 264, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo os réus condenados a pagar aos autores a quantia de € 12.869,99, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Para alcançar este valor, a sentença entendeu ser correcto o montante de 3.800.000$00 de honorários, ao qual deduziu a quantia de 1.220.000$00, já paga; e teve como não provado que as despesas invocadas pelos autores tivessem sido pagas por FF.
Os réus recorreram.
Por acórdão da Relação de Lisboa, de fls. 313, foi negado provimento a ambos os recursos dos réus.
Relativamente à prescrição, a Relação considerou que “os recorrentes não lograram provar (..) que o início do prazo prescricional de 2 anos teve lugar com o substabelecimento, sendo certo que a eles cabia tal prova (art. 342º, nº 2 do Cód. Civil). Não tendo os Recorrentes provado que à data da sua citação tinha já decorrido o prazo de prescrição, torna-se desnecessário averiguar se a presunção de pagamento foi afastada pela prova da dívida”.
Quanto ao mais, a Relação considerou não ser possível conhecer da questão suscitada pelos recorrentes, relativa à inclusão, na conta apresentada nos autos, de serviço que não foram prestados por FF; e não estar provado que a conta não tinha por ele sido elaborada. Confirmou, pois, a sentença.

2. Vêm agora os réus recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, em recurso que foi recebido como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões:
“I - A natureza ‘sem reserva’ do substabelecimento pode resultar tacitamente de factos constantes dos autos que a evidenciam, não necessitando de expressão escrita contida no texto do substabelecimento.
II – Da matéria de facto fixada pelas instâncias, nomeadamente, a contida nas alíneas D, X, Z e A1 e nas respostas aos Artigos 1º, 4º e 16º da Base Instrutória, retira-se que o mandatário primitivo, Sr. Dr. FF, quis afastar-se definitivamente dos autos.
III – O mandato forense não carece de constar de documento escrito.
IV – O mandato forense é uma subespécie atípica do contrato de prestação de serviços a que se aplicam analogia e tendencialmente as normas que regem o mandato.
V – Só o exercício do mandato pela prática dos actos que lhe estão subjacentes e o mesmo proporcionar é legitimador da apresentação e exigência do pagamento de honorários.
VI – Os últimos actos praticados pelo Sr. Dr. FF nos autos foram em 20/04/1993.
VI – A contagem do prazo prescricional previsto no Artº 317º-C do Código Civil iniciou-se na referida data de 20/04/1993.
VIII – Os recorrentes invocaram o pagamento dos honorários devidos ao Sr. Dr. FF.
IX – Pelo que tendo a acção de honorários sido apresentada mais de dois anos após a cessação da prestação dos serviços, e não tendo havido confissão dos recorrentes, não se pode dar a ilisão da prescrição.
X – As normas contidas no nº 2 do Art. 264º do Código Civil e no nº 3 do Art. 36º do CPC devem ser interpretadas no sentido de ‘a declaração em contrário’ poder ser produzida tanto expressa como tacitamente.
XI – Há actos da conta de honorários apresentada que não foram praticados pelo Sr. Dr. FF, mas sim pelo advogado estabelecido.
XII – Não estão determinados nos autos quais os honorários que são devidos pelos actos praticados por cada um dos advogados que neles intervieram.
XIII – Mesmo entendendo que houve em simultâneo pluralidade de mandatos forenses, os direitos e deveres de cada um perante os mandantes são distintos e autónomos.
XIV – O advogado substabelecido não é parte na presente acção, não podendo, por isso, os recorrentes ser condenados a pagar nestes autos os serviços prestados pelos eventuais actos que praticou.
XV – O douto acórdão recorrido violou ou fez errada interpretação e aplicação das normas contidas nos Artºs 217º, 219º, 264º-2, 312º, 1154º, 1165º, 1170º e 1171 do Código Civil e 36º-3 e 268º do CPC".
Termina sustentando que o acórdão recorrido deve ser revogado, declarando-se a prescrição e absolvendo os réus do pedido e, subsidiariamente, ordenando-se “a baixa dos autos às instâncias a fim de determinar quais os actos da conta de cada um dos advogados e sua valorização” e apreciando “a prescrição quanto aos honorários devidos ao Sr. Dr. FF”.
Os recorridos contra-alegaram, defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

3. A matéria de facto que vem provada é a seguinte:

“1- Os A. são, respectivamente, a mulher e os filhos do Dr. FF, advogado, falecido no dia 8 de Outubro de 1998, e assim os seus únicos sucessores nas respectivas qualidades (Doc. nº 1 de fls. 10 a 12) (alínea A) da Matéria de Facto Assente);
2- O Dr. FF, marido e pai dos A., enquanto advogado, patrocinou os R. numa complicada acção judicial que eles R. moveram ao Banco Português do Atlântico (BPA) e que é o processo 3.690/86 de que estes autos são apensos (alínea B) da Matéria de Facto Assente);
3- Com esta acção pretendiam os R. ver anulada a compensação operada pelo BPA entre o débito a ele BPA do R. marido, resultante do não pagamento de livranças a que deu o seu aval, e o crédito sobre ele BPA de ambos os R. traduzido em quatro depósitos a prazo no montante total de Esc.:15.000.000$00, ou seja € 74.819,88 (em 1986) (alínea C) da Matéria de Facto Assente);
4- E a verdade ó que os R. obtiveram total ganho de causa na primeira instância, na Relação e no Supremo (alínea D) da Matéria de Facto Assente);
5- Na verdade, depois de algumas conferências com os R.,, o marido e pai dos A. estudou aprofundadamente a questão (alínea E) da Matéria de Facto Assente);
6- Elaborou a petição inicial da acção e aperfeiçoou-a já no Tribunal (alínea F) da Matéria de Facto Assente);
7- O Dr. FF fez o acompanhamento geral do processo até à sentença final (alínea G) da Matéria de Facto Assente);
8- E interposto recurso desta para a Relação pela BPA, acompanhou o recurso, apreciando as alegações da recorrente e elaborando as suas próprias e praticando os demais actos necessários ao normal andamento do recurso até à prolação do Acórdão final (alínea H) da Matéria de Facto Assente);
9- Interposto ainda recurso deste Acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça pelo BPA, acompanhou-o também pelo exame das alegações do recorrente, pela elaboração das suas e pela prática dos demais actos conducentes ao regular andamento do recurso (alínea I da Matéria de Facto Assente);
10- E não tendo o BPA cumprido a dita sentença da primeira instância, confirmada pelos também ditos Acórdãos da Relação e do Supremo, no sentido de repor nas contas a prazo dos juros, intentou acção executiva com extenso requerimento a justificar a liquidação dos juros entretanto vencidos, nos termos do disposto no Artº 804º do C.P.C. (alínea J) da Matéria de Facto Assente);
11- Nomeou bens à penhora em dois requerimentos sucessivos (alínea L) da Matéria de Facto Assente);
12- Por várias vezes procedeu a liquidação fundamentada de juros no decurso da execução, importando uma dessas liquidações em Esc.: 12.059.079$00, ou seja € 60.150,43 (alínea M) da Matéria de Facto Assente);
13- Analisou a petição de embargos deduzidos pelo Executado BPA contra as sucessivas liquidações de juros (alínea N) dos Factos Assentes).
14- Elaborou a contestação a estes embargos, praticou os demais actos necessários ao regular andamento da execução, tudo, também, como melhor consta do processo 3.690-A/86 e da conta junta (…)(alínea O) dos Factos Assentes).
15- E tendo o BPA deduzido embargos contra a execução, examinou a respectiva petição (alínea P) dos Factos Assentes).
16- Elaborou depois a sua contestação (alínea Q) dos Factos Assentes).
17- Acompanhou os termos dos embargos até à sentença final (alínea R) dos Factos Assentes).
18- Interposto recurso desta pelo BPA para o Tribunal da Relação, analisou as alegações do recorrente (alínea S) dos Factos Assentes).
19- Elaborou as suas alegações e praticou os demais actos também necessários ao regular andamento dó recurso (alínea T) dos Factos Assentes).
20- E tendo o BPA interposto ainda recurso para o Supremo do Acórdão da Relação, analisou as alegações do recorrente (alínea U) dos Factos Assentes).
21- Por fim, deduziu oposição ao pedido de prestação de caução e praticou os demais actos para o regular andamento do incidente, como também consta do processo 3.690-C/86 e da conta junta (…)(alínea V) dos Factos Assentes).
22- Em 20/04/1993, conforme consta de fls. 125 do processo 3.690-B/86, o Sr. Dr. FF substabeleceu os poderes conferidos pelos ora R. no Sr. Dr. GG (alínea X) dos Factos Assentes).
23- As alegações de recurso dos ora R. apresentadas no Supremo Tribunal de Justiça em 28/04/1993, de fls. 117 a 125 no processo 3.690-B/86 – Embargos de Executado – foram subscritas pelo Sr. Dr. GG (alínea Z) dos Factos Assentes).
24- A resposta ao pedido de arguição de nulidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça apresentada em 23/01/1993, de fls. 154 e 155 no referido processo, foi subscrita pelo Sr. Dr. GG (alínea A1) dos Factos Assentes).
25- Os preparos e custas devidos no Processo 3690/86 – acção ordinária e nos apensos A, B e C da responsabilidade dos Réus foram pagos (resposta ao artigo 2° da Base Instrutória).
26- Os RR. pagaram ao Dr. FF a quantia de Esc. 500.000$00 por cheque datado de 25/7/1994, a quantia de Esc. 600.000$00 por cheque no ano de 1990 ou no ano de 1991 e a quantia de cerca de Esc. 120.000$00 também por cheque em 1991 ou 1992 (resposta aos artigos 6° e 7° da Base Instrutória).
27- O Dr. FF não passou recibo na ocasião em que lhe foi entregue o cheque no valor de 600.000$00 e na ocasião em que lhe foi entregue o cheque no valor de 120.000$00 (resposta ao artigo 8° da Base Instrutória).
28- No Apenso B foi notificado o Dr. GG, por carta de 6/12/1993 para efectuar o preparo em falta no montante de Esc. 32.000$00 pela apresentação do requerimento de fls 154/155 acrescido de imposto de justiça de igual montante, num total de 64.000$00, tendo sido efectuado o pagamento desta quantia de 64.000$00 em 13/12/1993 (resposta ao artigo 13° da Base Instrutória).
29- No apenso A os autos foram remetidos à conta nos termos do art° 122° do CCJ em 21/1/1992 tendo sido emitidas as guias no valor de Esc. 32.000$00 em nome de «DD e mulher», o qual foi pago em 26/2/1992 (resposta ao artigo 14° da Base Instrutória).
30- Em 28/10/1194 os Réus pagaram a quantia de Esc. 19.500$00 a que se refere a guia de fls 36 do apenso A, a qual se reportava ao preparo inicial do apenso D que foi incorporado no apenso A em cumprimento do despacho constante de fls 92 deste último (resposta ao artigo 15° da Base Instrutória).
31- Os Réus pagaram em 28/3/1995 a quantia de Esc. 20.750$00 referente ao preparo inicial a que se reporta a guia de fls 70 do apenso A (resposta ao artigo 17° da Base Instrutória)”

4. Cumpre conhecer das seguintes questões:
– cessação do mandato de FF;
– prescrição (presuntiva) do crédito invocado pelos autores.

Antes, no entanto, há que esclarecer que, não tendo sido oportunamente alegados – na contestação, como resulta do artigo 489º do Código de Processo Civil – factos que permitam fazer a distinção pretendida pelos recorrentes entre os serviços efectivamente prestados por FF, não é possível, nem fazer essa distinção em recurso, nem determinar a baixa dos autos para o efeito. A tanto se opõe a preclusão da oportunidade de alegação de factos que interessam à defesa.
Nem mesmo releva, dados os termos em que a acção foi proposta e contestada, estar apurado que houve actos praticados em juízo que foram subscritos por GG, pois se desconhece quais os termos eventualmente estabelecidos para a correspondente remuneração (seriam autonomamente remunerados? Ou em conjunto?).
Dessa impossibilidade resulta desde logo a improcedência da alegação dos recorrentes quando afirmam que não podem ser condenados a pagar serviços efectuados por GG.


5. Os recorrentes sustentam que “os serviços prestados pelo (…) advogado” FF “terminaram com o substabelecimento feito pelo mesmo em 20/04/1993, a favor do Sr. Dr. GG, igualmente advogado”.
Resulta dos factos provados que FF patrocinou os réus numa acção judicial, devidamente identificada nos autos, com início em 1986; que o mesmo advogado acompanhou a acção declarativa e a execução que se lhe seguiu, praticando diversos actos em tribunal; que em 20 de Abril de 1993 substabeleceu os poderes que lhe foram conferidos como mandatário judicial em GG; que este último subscreveu peças processuais apresentadas em tribunal em 28 de Abril de 1993 posteriormente a essa data; que, também posteriormente a essa data, os réus realizaram pagamentos a FF.
Entendem os recorrentes que, ao substabelecer, FF fez cessar tacitamente o seu mandato, não obstante não ter expressamente feito um substabelecimento “sem reserva”.
Tal significado retiram-no de não haver no processo actos por ele praticados posteriormente à data do substabelecimento; conclusão reforçada por não ter sido ele a propor a acção de honorários, mas os seus herdeiros.
Tratando-se, no entanto, de factos posteriores ao substabelecimento, apenas poderiam ser invocados para corroborar uma declaração tácita já anteriormente apurada, e não para deles se deduzir, como que retroactivamente, aquele significado declarativo.
Ora não constam da matéria de facto provada “factos que, com toda a probabilidade”, a revelem (nº 1 do artigo 215º do Código Civil).
Na falta de convenção em contrário, o mandato judicial inclui o poder de substabelecer (nº 2 do artigo 36º do Código de Processo Civil), poder que se não confunde com o de renunciar ao mandato (artigo 39º do mesmo Código); o que significa que o substabelecimento puro e simples não faz cessar o mandato de quem substabelece.
Nem faz cessar os poderes de representação conferidos ao primeiro advogado. O mandato forense é, necessariamente, um mandato com procuração; como se viu, não tendo sido excluído o poder de substabelecer, “a relação jurídica que (…) determina” a concessão desses poderes inclui o direito de se fazer substituir por novo representante (nº 1 do artigo 264º do Código Civil), sem que a substituição provoque a cessação dos poderes de representação do primeiro (nº 2 do mesmo artigo 264º).
A terminar este ponto, esclarece-se que se não fez apelo ao nº 3 do artigo 36º do Código de Processo Civil porque, tendo sido aditado pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro e alterado pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, não é aplicável ao substabelecimento que está em causa, já que apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997.

6. Está provada a constituição do mandato conferido a FF, mas não o momento da cessação dos seus serviços (em data anterior à sua morte, naturalmente, ocorrida em 8 de Outubro de 1998).
Não pode pois determinar-se quando começaria a contar o prazo de prescrição (presuntiva) previsto na alínea c) do artigo 317º do Código Civil; nem se os réus foram citados antes ou depois de decorridos os dois anos ali previstos, como seria indispensável saber (nº 1 do artigo 323º do Código Civil). Ora o ónus da prova cabe aos réus (nº 2 do artigo 342º do Código Civil).
Não pode assentar-se em que tenha cessado toda a actividade de FF, nem com o substabelecimento, como se viu, nem com a prova de terem sido praticados em juízo actos subscritos por GG, porque a subscrição de peças processuais não esgota, como é manifesto, o cumprimento do mandato, por parte do advogado que acompanha uma causa em tribunal.
Não “resulta dos autos terem os actos do Sr. Dr. FF cessado em 20/04/93, data em que substabeleceu no Sr. Dr. GG, não tendo praticado qualquer acto a partir de tal data”, como entendem os recorrentes, baseando-se nas “alíneas X, Z e A1 dos factos assentes”.
Mas, ainda que resultasse, não procederia a prescrição invocada pelos recorrentes, porque os recorrentes não alegaram ter pago a quantia reclamada neste autos; antes sustentaram terem já pago o que lhes cabia pagar “mais de 2.000 contos”, não sendo portanto devidos os honorários pedidos na acção, até porque, pelo menos em parte, corresponderiam a actos praticados por outro advogado.
Ora as prescrições presuntivas apenas têm como efeito a presunção de pagamento; apenas dispensam o devedor de provar o pagamento da quantia reclamada.
Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Janeiro de 2009 (disponível em www.dgsi.pt com o nº 08B3032), citando jurisprudência para a qual de novo se remete, “a prescrição presuntiva não tem o mesmo efeito que a prescrição extintiva; o decurso do respectivo prazo não confere ao “beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito” (nº 1 do artigo 304º do Código Civil); antes cria, apenas, a presunção de que o devedor cumpriu (artigo 312º do mesmo Código).
Assentam, como se sabe, em razões diferentes. A prescrição extintiva explica-se por razões de segurança jurídica e assenta na inércia do credor; a prescrição presuntiva tem por objectivo proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento e corresponde em regra a dívidas que normalmente se pagam em prazos curtos e, muitas vezes, sem que ao devedor seja entregue documento de quitação, ou relativamente às quais, pelo menos, é corrente que se não conserve tal documento.
O decurso do prazo de prescrição presuntiva não confere ao devedor aquela faculdade de se opor à cobrança do crédito, se de crédito se tratar; não lhe dá assim o direito de não pagar, como sucede com a prescrição extintiva (embora, como se sabe, não possa ser repetido o que foi espontaneamente pago em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que com ignorância da prescrição, como estabelece o nº 2 do citado artigo 304º), que, aliás, pode evidentemente ser invocada, decorrido o respectivo prazo, em relação aos créditos constantes dos artigos 316º e 317º do Código de Processo Civil (artigo 315º).
Na realidade, a prescrição presuntiva é um benefício para o devedor que – parte-se do princípio – pagou, pois que apenas o dispensa do ónus que sobre ele impende de provar o pagamento (nº 2 do artigo 342º do Código Civil).
Assim, provado o decurso do prazo (bem como os demais factos descritos nos artigos 316º e 317º do Código Civil, relativos nomeadamente à natureza do crédito, à qualidade dos contraentes e à ligação entre o crédito e as respectivas actividades profissionais), presume-se o cumprimento, recaindo sobre o credor o ónus de ilidir a presunção. Esse afastamento, todavia, só pode resultar de confissão, expressa (artigo 311º) ou tácita (artigo 314º) do “devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão”, entendendo-se que há confissão tácita “se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.
A especialidade, aqui, reside em que a recusa a depor ou a prestar juramento (que, em geral, tem o mesmo efeito que a recusa a depor, no âmbito da prova por confissão, como resulta do artigo 559º, nº 3, do Código de Processo Civil) não é livremente apreciada pelo juiz, como em regra sucede (artigo 357º, nº 2, do Código Civil).”

7. Neste termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Março de 2009

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Lázaro Faria