Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO
ABANDONO DA OBRA
DIREITO À SUA RESOLUÇÃO
Sumário
Incumpre o contrato de contrato de empreitada o empreiteiro que, definitivamente, abandona a obra, com a intenção de não mais a acabar, dando, assim, azo a que o dono da obra resolva de imediato o contrato, apesar de ainda não ter terminado o prazo de conclusão da obra.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. Relatório
UAB – C... C... e O... P... Lda. intentou, no Tribunal Judicial da comarca de Sesimbra, acção ordinária contra
AA e BB,
pedindo a condenação do 1º R. no pagamento da quantia recebida em excesso para além do valor acordado para a construção da obra e o custo que esta suportou com a respectiva conclusão, no montante de 234.203,51 €, na restituição de 20.000,00 € que lhe emprestou para apoiar o bom andamento da obra, na restituição da quantia de 5.000 € que esta lhe emprestou para apoiar o bom andamento da obra, no pagamento da quantia de 2.239,77 €, relativa a despesas bancárias que suportou com a cobrança dos cheques e cobrança e desconto de letras não satisfeitas, no pagamento de juros calculados à taxa aplicável aos créditos da titularidade de empresas comerciais, actualmente de 12% ao ano, contados desde a citação, até integral pagamento e calculados sobre todas as quantias em dívida, e a condenação do 2º R., solidariamente com o 1º R., na restituição na supra referida quantia de 5.000 €, acrescida de juros.
Para o efeito, alegou ter o 1º R., enquanto empreiteiro, incumprido um contrato de empreitada com ele celebrado, relativo à construção de sete edifícios, acabando mesmo por abandonar a obra, apesar de lhe ter feito diversos adiantamentos, num total de 25.000 €, o que tudo lhe causou prejuízos.
Contestou apenas o 1º R. que arguiu, em primeiro lugar, a ilegitimidade do 2º R., e, depois, impugnou grande parte da factualidade vertida na petição, acabando por pedir a improcedência da acção.
Após a apresentação da réplica, a acção seguiu a sua normal tramitação até julgamento, apenas com a interposição de um agravo por parte da A., ao qual foi fixada subida diferida, e, findo o mesmo, o juiz de Círculo de Almada proferiu sentença a julgar a acção totalmente procedente.
Inconformados apelaram os RR. para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 07 de Novembro de 2008, negou provimento ao agravo interposto pela A. e, por maioria, revogou o julgado na 1ª instância no segmento condenatório do 1º R. no pagamento da “quantia recebida em excesso para além do valor acordado para a construção da obra e o custo que esta suportou com a respectiva conclusão no montante de 224.203,51 €”, condenando-o apenas “a pagar a quantia apurada de 171.674,11 €, acrescida daquela que se vier a apurar em sede de liquidação”.
Com esta decisão não se conformaram A. e RR. e daí a razão de ser das presentes revistas.
Para o efeito, apresentaram as respectivas minutas que concluíram do seguinte modo:
1º - Dos RR.:
- Decidiu mal o acórdão da Relação de Lisboa, ao desconsiderar a prova documental existente nos autos – e a confissão que lhe andou associada por parte da A. – a propósito da obrigação do pagamento inicial de 15 % do valor da obra, tendo preterido os ditames do chamado princípio da aquisição processual (artigo 515° do CP.C). Com tal avaliação decisiva, violou a decisão recorrida o disposto nos artigos 376° e 352° do Código Civil.
- Sem prejuízo de poder ser aplicável ao caso dos autos a norma invocada pelo acórdão recorrido (artigo 795°, nº 2, do Código Civil) foi objecto de errónea aplicação à matéria probatória vertida nos autos por não estar apurado o efectivo montante do benefício auferido que, em última instância, poderá ter valor positivo ou negativo.
- Ao dar como provado um benefício que contabilizou no montante de 171.674,11€ (cento e setenta e um mil seiscentos e setenta e quatro euros e onze cêntimos) – sem nenhuma prova pericial, ou documental inequívoca nesse sentido – o Tribunal deu um salto lógico (em rigor ilógico) que torna a decisão despida de fundamento factico-jurídico digno desse nome, com isso incorrendo no vício de falta de fundamentação da sentença (artigos 659, nº 2, e 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
- A par dos vícios de nulidade oportunamente invocados nas alegações – que integralmente foram mantidos no acórdão recorrido – deverá considerar-se inconstitucional o entendimento feito pelos Desembargadores, em sede de interpretação dos artigos 712º e 665º do Código de Processo Civil, em cujos termos não deverá haver lugar à remessa dos autos ao Tribunal de 1ª instância para ampliação da matéria de facto, (não obstante a existência em sentido contrário ao que foi decidido quanto à questão dos 15%) apesar de considerar que o esclarecimento de tal questão era ou poderia ser decisivo para cabal esclarecimento da verdade material, por – alegadamente – ter havido insuficiência de alegação a propósito da obrigação do pagamento dos mencionados 15% no acto da assinatura do contrato e início da obra.
2º - Da A.: - O acórdão recorrido contém erro de subsunção dos factos provados ao direito – que impunha decisão diversa da recorrida – e viola as disposições legais que regulam o incumprimento dos contratos.
- Resulta provado que o 1º R., desde Fevereiro de 1999 e sobretudo a partir de Março de 2000, fez depender o andamento da obra da entrega de quantias pela A. a título de adiantamentos a levar em consideração no encerramento final da conta da obra.
- Resulta também provado que, a partir de Julho de 2002, o 1º R., por falta dos seus pagamentos, foi paralisando gradualmente as subempreitadas que se encontravam em curso, tendo estas ficado completamente paradas no final de Setembro do mesmo ano.
- Resulta ainda provado que, no mês de Outubro de 2002, o 1º R. deixou de vez de efectuar trabalhos na obra da A. sem ter terminado a construção dos sete edifícios.
- Da matéria provada resulta inequívoco que o 1º R. abandonou a obra sem a ter realizado integralmente.
- Resulta provado que o 1º R. abandonou a obra no mês de Outubro de 2002, sem a mesma estar terminada e sem motivo justificativo para o seu comportamento.
- Resulta provado que a recorrente cumpriu com todas as suas obrigações contratuais, nomeadamente, pagou pontual e atempadamente ao 1º R. os valores na forma acordada e para além disso pagou ainda adiantamentos ao 1º R. para este dar andamento à obra e evitar mais atrasos. - O abandono da obra pelo 1º R., atendendo às circunstâncias do tempo e ao modo como a mesma ocorreu bem demonstra a vontade firme e definitiva de o 1º R. não ter intenção de cumprir o contrato. Aliás, o 1º R. nunca alegou ter sido sua vontade terminar a obra e cumprir o contrato que celebrou com a recorrente. - A conduta do 1º R., pela repetição do incumprimento, pelo repetido e ostensivo desrespeito dos compromissos assumidos, pela falta de justificação aceitável da resposta aos adiantamentos que lhe foi concedendo com o fito da finalização da obra, fundamenta a resolução do contrato e não é razoável exigir à A. que continuasse a aceitar os contínuos incumprimentos por parte do 1º R. e a imputar-lhe a responsabilidade pelo incumprimento definitivo do contrato por este.
- Da matéria provada resulta que o 1º R. abandonou a obra, sem a ter terminado e sem motivo justificativo, incumprindo definitivamente o contrato de empreitada, considerando a recorrente resolvido o contrato.
- Resulta dos factos provados que o 1° R. não cumpriu a obrigação de realizar integralmente a obra, pelo que violou o disposto na primeira parte do nº 1 do artigo 406° e do nº 1 do artigo 762°, ambos do Código Civil.
- Resulta ainda dos factos provados que o 1º R. faltou culposamente ao cumprimento da sua obrigação, tornando-se assim responsável pelos prejuízos que causou à A., nos termos do artigo 798° do Código Civil.
- O acórdão recorrido ao julgar remeter para liquidação de sentença o apuramento do valor que o 1º R. teria de despender para a conclusão da obra por entender que não resultou provado que o 1º R. a tivesse abandonado e, em consequência, tivesse havido incumprimento definitivo do contrato pelo 1° R., violou as normas constantes dos artigos 406°, 762°, 798° e 801º/2, do Código Civil.
- Mas mesmo considerando como o fez o acórdão, que a conclusão das obras se tornou impossível por causa imputável à A. que se substituiu ao R., indevidamente, porque intempestivamente, o acórdão recorrido viola as normas referente à liquidação em execução da sentença constantes do nº 2, do artigo 661°, do Código Civil, por os autos disporem dos elementos necessários ao apuramento do valor que o 1º R. teria de gastar para concluir a obra.
- Resulta provado que a A. para a conclusão da obra recorreu aos subempreiteiros e fornecedores que estavam a trabalhar na obra por conta do 1º R., utilizando para o efeito os respectivos orçamentos antes aceites pelo 1º R..
- Resulta ainda provado que, a partir de Julho de 2002, o 1º R., por falta dos seus pagamentos, foi paralisando gradualmente as subempreitadas que se encontravam em curso, de electricidade, cozinhas, alumínios, pinturas, canalizações, pedras e cantarias, pavimentos de madeira e pavimentos cerâmicos, tendo ficado completamente paralisadas em Setembro de 2002.
- Resulta ainda provado que a A. despendeu com a conclusão da obra a quantia de 52.529,40 €, correspondente a pagamentos que fez aos fornecedores e prestadores de serviços da obra.
- Resulta dos autos que, para além dos trabalhos compreendidos no orçamento inicial, o 1º R. executou também na obra outros, com o acordo da A., que lhe facturou e que esta lhe pagou, no valor total de 36.031,52 €.
- Da matéria provada resulta inequívoco que os trabalhos não compreendidos pelo orçamento inicial e que o 1º R. executou na obra, que correspondem a alterações introduzidas nas mesmas foram facturados pelo 1º R. e pagos pela A. e que esse valor não foi levado em consideração por esta, nem no apuramento do valor dispendido com a conclusão da obra nem no valor pago em excesso relativamente ao orçamento inicial.
- Da matéria provada resulta que os trabalhos correspondentes às alterações introduzidas na obra já estavam concluídos quando o 1º R. a abandonou, dado que os mesmos foram executados no período compreendido entre Abril de 1999 e Setembro de 2000 e o 1º R. abandonou a obra em Outubro de 2000.
- Da matéria provada resulta inequívoco que os valores pagos pela A. foram os que eram praticados à data, Novembro de 2002, nem poderia ser de outra forma dado que a obra foi concluída em 21.02.2003 e com recurso aos subempreiteiros e fornecedores do 1º R. e aos orçamentos antes aceites por este.
- Da matéria provada resulta, ainda, inequívoco o estado em que a obra se encontrava, encontravam-se em curso as subempreitadas de electricidade, cozinhas, alumínios, pinturas, canalizações, pedras e cantarias, pavimentos de madeira e pavimentos cerâmicos.
- O valor que o 1º R. teria de despender para a conclusão da obra é de 52.529.40 €, que foi o valor efectivamente despendido pela A. para o efeito e este encontra-se apurado nos autos.
- Da matéria provada resulta que os autos dispõem de todos os elementos para apurar o valor do benefício do 1º R.: ao decidir em sentido contrário o acórdão violou as normas constantes dos artigos 659º/2, 713º/2 e 661º/2 do Código do Processo Civil.
A A., na veste de recorrida, contra-alegou, defendendo a total improcedência do recurso dos RR..
2. As instâncias fixaram a seguinte factualidade:
1. A A. é empresa que se dedica à promoção de empreendimentos que faz construir em terrenos próprios e que vende em fracções junto do público.
2. O 1 ° R. é empresário de construção civil e é titular do alvará de construtor civil nº 2.558 I.C.C..
3. Em 1998, a A. era dona e senhora de terreno sito na F..., Cotovia, concelho de Sesimbra, para o qual obteve o alvará de loteamento nº 13/97 da Câmara Municipal de Sesimbra, que o autorizou a nele constituir sete lotes de terreno destinados à construção urbana, com capacidade para construir um edifício em cada um dos lotes.
4. Em 1998, a A. planeou construir na sua "Urbanização da F..." sete edifícios para habitação, tendo requerido o licenciamento da respectiva construção à Câmara Municipal de Sesimbra.
5. Em Fevereiro de 1998, o 1º R. apresentou à gerente da A. orçamento para construir os sete edifícios projectados pela A. para a sua "Urbanização da F...", pelo preço unitário de 35.500.000$00 (correspondente a 177.073, €) e no valor total de 248.500.000$00 (correspondente a 1.239.512,77 €), acrescido de I.V.A., no qual consta a seguinte menção: “Na adjudicação da obra, pagamento de 15% do seu valor e no começo da mesma será combinado o restante”.
6. Em 14.03.1998, a A. e o 1º R., por escrito que denominaram de contrato de empreitada, acordaram na construção por este para aquela, em regime de empreitada, dos sete edifícios da "Urbanização da Faúlha", pelo preço total de 248.500.000$00 (correspondente a 1.239.512,70 €), acrescido de I.V.A., no prazo de quatro anos, contado da data da licença da construção a emitir pela Câmara Municipal de S... e no qual convencionaram que o pagamento da obra seria feito pela A. ao 1º R. em prestações mensais, à medida que as obras fossem sendo executadas.
7. O início da construção foi autorizado à A. pelo oficio da Câmara Municipal de S..., nº ...., de 27.03.1998, na zona do muro de suporte que constitui a traseira dos edifícios e a construção dos mesmos pelas licenças emitidas pela mesma entidade nas seguintes datas:
Doc.
N°. Licença
Data
Lote
4
129/99
25-02-1999
4
5
130/99
25-02-1999
5
6
349/99
18-05-1999
6
7
350/99
18-05-1999
7
8
309/00
08-05-2000
3
9
473/00
30-06-2000
2
10
663/00
19-09-2000
1
8. O 1º R. deu início aos trabalhos no fim de Março de 1998.
9. Mensalmente, o 1º R. apresentou à A., para pagamento, as suas facturas correspondentes aos trabalhos executados nesse período, que esta foi satisfazendo pontualmente.
10. Nas datas e montantes e com base nos documentos a seguir indicados, a A. pagou ao 1º R. as suas facturas de trabalhos executados em cada mês e constantes do orçamento inicial, totalizando o valor de 1.134.299,1 €, que acrescido de I.V.A. à taxa que em cada momento se encontrou em vigor, atingiu o total de 1.327.299,08 €:
11. Em 26.02.1999 e em 30.03.1999, a A. emitiu e entregou ao 1° R. os cheques nºs .... e ..., sacados sobre a conta pessoal do gerente da A. no Banco P... & S... M... no montante de 3.000.000$00 (correspondente a 14.963,94 €) cada, valores de que o 1° R. emitiu correspondentes recibos.
12. Desde Março de 2000, o 1º R. atrasou, por várias e sucessivas vezes, o pagamento dos subempreiteiros que trabalhavam na obra, a compra de materiais para a obra e a colocação em obra de equipamentos que tinha que alugar ou comprar, necessários para efectuar a construção.
13. Em Março de 2000, a A. já tinha prometido vender 26 das 28 fracções em construção e tinha compromissos informais de as entregar até final de 2001.
14. A A. promoveu a construção com recurso a crédito bancário que se encontrava a vencer juros.
15. Entre 26.02.1999 e 26.09.2002, a A. entregou ao 1° R. a quantia total de 246.959,86 €, através da emissão de 25 cheques sacados sobre a conta pessoal do gerente da A. nos bancos referidos e nos seguintes montantes:
DOC.
DATA
VALOR
BANCO
N° CHEQUE
122
26-Fev-99
1.000.000 Esc.
4.987,98 €
BPSM
.....
123
14-Mar-00
241.800 Esc.
1.206,09 €
CGD
......
124
19-5et-00
3.000.000 Esc.
14.963,94 €
BPSM
.......
125
28-Set-00
5.500.000 Esc.
27.433,88 €
BPSM
.......
126
02-0ut-00
4.375.000 Esc.
21.822,41 €
BPSM
..........
127
11-0ut-00
2.500.000 Esc.
12.469,95 €
CGD
.......
128
03-Nov-00
324.000 Esc.
1.616,11 €
CGD
........
129
03-Nov-00
1.000.000 Esc.
4.987,98 €
BPSM
.........
130
28-Nov-00
4.747.500 Esc.
23.680,43 €
BPSM
.........
131
14-Dez-00
3.900.000 Esc.
19.453,12 €
BPSM
.........
Barclays
132
30-Jan-01
519.500 Esc.
2.591,26 €
Bank
..........
133
18-Fev-01
2.000.000 Esc.
9.975,96 €
BPSM
.........
134
28-Fev-01
2.715.000 Esc.
13.542,36 €
BPSM
..........
135
13-Mar-01
2.000.000 Esc.
9.975,96 €
BPSM
.............
136
30-Mar-01
1.866.575 Esc.
9.310,44 €
BPSM
............
137
26-Abr-01
907.000 Esc.
4.524,10 €
BPSM
............
138
29-Mai-01
4.000.000 Esc.
19.951,92 €
BPSM
...........
139
29-Mai-01
1.920.000 Esc.
9.576,92 €
BPSM
...........
140
28-Jun-01
1.850.000 Esc.
9.227,76 €
BPSM
..........
141
28-Jun-01
1.388.500 Esc.
6.925,81 €
BPSM
...........
142
13-Ago-01
724.625 Esc.
3.614,41 €
CGD
.............
143
28-Fev-02
1.508,86 €
CGD
...............
144
29-Abr-02
2.012,23 €
CGD
..............
145
01-Ago-02
10.000,00 €
CGD
..............
146
26-Set-02
1.600,00 €
CGD
.............
TOTAL
246.959,86 €
16.Desde o início de Novembro de 2002 que a A. administra directamente a obra, adquirindo e pagando os materiais e serviços de profissionais especializados necessários à sua conclusão, recorrendo sempre que possível aos subempreiteiros e fornecedores que estavam a trabalhar no local por conta do 1º R., utilizando para o efeito os respectivos orçamentos antes aceites pelo 1º R..
17. Em 15.02.2002, a A. entregou ao 1º R., a quantia de 20.000,00 €.
18. Em 30.04.2003, a A. apresentou a pagamento o cheque do 1° R. de 20.000,00 €, mas este foi -lhe devolvido por ter sido cancelado pelo 1º R., que instruiu dessa forma o banco sacado, afirmando que o mesmo havia sido extraviado.
19. Na obra o 1º R. era coadjuvado pelo 2° R., seu filho.
20. Com a cobrança dos cheques que o 1º R. cancelou junto das instituições sacadas, a A. suportou despesas no valor de 15,95 €.
21. Desde Fevereiro de 1999 que o 1º R. deixou de cumprir a disciplina financeira acordada, pedindo à A. que, para além das mensalidades combinadas, lhe fizesse adiantamentos a levar em conta no encerramento final da facturação da obra.
22. Os montantes referidos foram pedidos pelo 1º R. à A., a título de adiantamentos, a levar em conta no encerramento final da facturação da obra e concedidos a esse título.
23. Desde Fevereiro de 1999 e sobretudo a partir de Março de 2000 que o 1º R. fez depender o andamento da obra da entrega de quantias pela A. a título de adiantamentos a levar em consideração no encerramento final da conta da obra.
24. A A. concedeu ao 1º R. adiantamentos para além da calendarização de pagamentos inicialmente acordada.
25. A partir de Julho de 2002, o 1° R. por falta dos seus pagamentos, foi paralisando gradualmente as subempreitadas que se encontravam em curso, de electricidade, cozinhas, alumínios, pinturas, canalizações, pedras e cantarias, pavimentos de madeira e pavimentos cerâmicos.
26. Tendo estas ficado completamente paradas no final de Setembro do mesmo ano.
27. No mês de Outubro de 2002, o 1º R. deixou, de vez, de efectuar trabalhos na obra da A., sem ter terminado a construção dos sete edifícios.
28. A obra foi formalmente concluída com a emissão da última licença de utilização, em 21.02.2003, tendo, depois disso, sido feitos pequenos acertos de pormenor.
29. Desde que administra directamente a obra, a A. despendeu, com a sua conclusão, a quantia de 52.529,40 €, correspondente ao somatório dos seguintes pagamentos que fez aos fornecedores e prestadores de serviços da obra, assim discriminados:
FORNECEDOR
Doc.
FACTURA
VALOR
/SUBEMPREITEIRO
Nº
Data
149
Q....., Lda.
11159
31-Jul-02
4,69€
150
R.....
222202011041
25-Set-02
11,25 €
151
R.....
222202011179
27-Set-02
793,83 €
152
P... de S...
7412
10-0ut-02
331,13€
153
Q..., Lda.
15947
24-0ut-02
32,62 €
154/l55
C... S..., Lda.
20147
04-Nov-02
6.885,39 €
156
Q..., Lda.
16695
08-Nov-02
47,74 €
157
Q..., Lda.
17176
18-Nov-02
101,63 €
158
C... M...
1
20-Nov-02
780,00 €
1591160
A...
177
21-Nov-02
5.000,00 €
161/162
A....
178
21-Nov-02
9.000,01 €
163/164
H... & D...
468
25-Nov-02
2.449,91 €
165
P... de S...
9405
05-Dez-02
373,91 €
166/167
E... S..., Lda.
20205
20-Dez-02
1.022,40€
168/169
J... A... F...
120
23-Dez-02
2.975,00 €
170/171
C... A... F...
64
26-Dez-02
203,80€
172
Q..., Lda.
234
08-Jan-03
101,46 €
173
Q..., Lda.
273
09-Jan-03
366,39€
174
Q..., Lda.
323
10-Jan-03
431,83 €
175
Q..., Lda.
324
10-Jan-03
5,23 €
176/177
Q..., Lda.
369
11-Jan-03
773,26 €
178
Q..., Lda.
518
17-Jan-03
165,84 €
179
A...
1000231
21-Jan-03
277,57 €
180
Q..., Lda.
1039
28-Jan-03
29,86 €
1811182
A... B..., Lda.
189
29-Jan-03
2.251,25 €
183/184
V... A....
158
30-Jan-03
2.743,39 €
185/186/187
A... R...
20341236
12-Fev-03
897,26 €
188/189/190
S&F, Lda.
555
27-Fev-03
5.212,20 €
191
S..., Lda.
12223
01-Mar-03
24,42€
192
A...
1000790
03-Mar-03
36,18 €
193/194
J... A... F...
121
06-Mar-03
2.975,00 €
195
Q..., Lda.
2974
08-Mar-03
21,69 €
196
Q..., Lda.
3714
24-Mar-03
96,69 €
197/198
H... & D...
2003000508
04-Abr-03
898,02 €
199
C... M...
08-Abr-03
1.118,00€
200
Q..., Lda.
7287
05-Jun-03
30,55 €
201
J... M... F...
4
09-Jun-03
4.060,00 €
TOTAL: 52.529,40 €
30. Invocando a necessidade de efectuar pagamentos indispensáveis ao andamento da obra e pela resistência da A. em conceder mais adiantamentos, o 1º R. pediu àquela que lhe entregasse, por empréstimo, quantias determinadas em dinheiro, com a obrigação de lhas restituir logo que lhe fosse exigido.
31. A quantia referida de 20.000 € foi entregue ao 1º R. a título de empréstimo.
32. Ficando o 1º R. com a obrigação de restitui-la logo que isso lhe fosse exigido.
33. Para efectuar a restituição da quantia referida de 20.000 € e como sua garantia, o 1º R. entregou à A. o seu cheque nº ....., sacado à respectiva ordem sobre o Banco E.... S... .
34. A A. entregou aos RR., por pedido destes, quantias no total de 5.000,00 €, nas seguintes datas e montantes parcelares:
Doc. nº
Data
Valor
206
11-02-2002
2.500,00 €
207
13-02-2002
1.500,00 €
208
13-02-2002
1.000,00 €
35. Ficando estes com a obrigação de restitui-las logo que isso lhe fosse exigido.
36. Para efectuar a restituição da quantia de 5.000 € que lhe fora entregue pela A. e como sua garantia, o 2° R. subscreveu o cheque nº .... da conta de que é titular com o 1º R., no Banco BPI, S.A., à ordem da A. e entregou-lho.
37. Em 28.04.2000, a A. apresentou a pagamento o cheque dos RR. de 5.000.00 €, tendo em vista a restituição da mesma quantia que lhes emprestou, mas este foi-lhe devolvido por ter sido cancelado pelos RR., que instruíram dessa forma o banco sacado, afirmando que o mesmo havia sido extraviado.
38. O 1° R. tinha conhecimento de que as quantias recebidas a título de adiantamento para a obra excediam o valor acordado para a mesma, embora sem se saber ainda o seu quantitativo, pelo que, com vista à sua restituição, aceitou letras de câmbio para o fazer, ainda que parcelarmente.
39. Nas datas indicadas, o 1° R. aceitou as seguintes letras de câmbio, sacadas pela A., que sucessivamente substituiu por outras com o objectivo de as reformar, sem nunca ter entregue qualquer quantia para sua amortização ou efectuado qualquer pagamento em seu cumprimento:
Doc. nº
Emissão
Vencimento
Valor
212
19-09-2002
18-11-2002
50.000,00 €
213
18-11-2002
30-11-2002
45.000,00 €
214
30-11-2002
18-12-2002
40.000,00 €
40. Com o desconto bancário e tarefas de cobrança das letras aceites pelo 1º R. cujo pagamento não fez, a A., que nelas era sacadora, suportou despesas bancárias no valor total de 2.223,82 €.
41. Para além dos trabalhos compreendidos no orçamento inicial, o 1º R. executou também na obra outros, com o acordo da A., que lhe facturou e que esta pagou, no valor total de 36.031,52, que inclui I.V.A. assim discriminados:
FACTURA
RECIBO
VALOR COM IVA
DOC.
Nº
Data
Nº Data $ Euros
218/2
30-
30 Abr-
19
134
Abr-99
33 99 1.462.500$00. 7.294,92 €
220/22
137
30-
17 30- 1.380.654$00 6.886,67 €
1
Maio-99
Maio-99
222/2
29-Junh-
29-Junh-
23
139
99
17 99 336.412$00. 1.678,02 €
224/2
24-Abr-
24-Abr-
25
154
00
17 00 2.142.855$00. 10.688,52 €
01-
01-
226/22
Agost
Agost
7
162
00
32 00 871.650$00. 4.347,77 €
228/22
30-Set-
30-Set- 5.135,62 €
9
164
00
34 00 1.029.600$00.
I
42. Em 14 de Março de 1998 as únicas obras realizadas pelo 1º R. consistiram na construção dos muros subjacentes aos prédios em questão.
43. A A., através da pessoa do Sr. J... C..., passou a administrar directamente a obra.
44. A A. introduziu alterações na obra.
45. O contrato de empreitada subjacente a estes autos tem inserido a clausula 11.ª com a seguinte redacção: “Fazem parte integrante do presente contrato os documentos a seguir indicados e que lhe ficam apensos:
1) – Orçamento apresentado pelo segundo outorgante empreiteiro;
2) - Exemplar do Alvará de Loteamento nº 13/97
3) – Projectos….
4) - Projectos...
5) - Projectos...
6) - Projectos...
7) - Projectos...
8) - Cálculo...
9) – Cálculos de Estabilidade.
3. Quid iuris? Aparecem-nos como questões-chave nos presentes recursos de revista saber, por um lado, se a matéria de facto foi devida e acertadamente julgada e, por outro, se houve incumprimento do contrato de empreitada por parte do 1º R..
Começaremos a nossa apreciação pelas questões de ordem adjectiva e que foram suscitadas pelos RR.: são elas que merecem tratamento prioritário.
Passaremos, depois, a apreciar a questão de fundo.
Assim e, desde logo, cumpre-nos dizer que, na 1ª conclusão, os RR.-recorrentes se insurgem contra o juízo probatório firmado na 2ª instância por alegada desconsideração da prova testemunhal junta aos autos.
Mal avisados andaram os recorrentes na crítica a este ponto. Com efeito, como é sabido, não cabe nos poderes do Supremo fazer censura sobre o juízo probatório cimentado pelas instâncias, excepção feita aos casos que se encaixem na previsão do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil, que é aqui inaplicável.
Fazendo os recorrentes assentar a sua crítica em prova documental de apreciação livre, como foi o caso, arredada está a possibilidade de fazer juízo censório e daí a justificação para a asserção inicial: é que, no caso, baseando-se o julgamento da questão-de-facto em prova de livre apreciação, a Relação decidiu definitivamente.
Através da 2ª conclusão, os RR.-recorrentes manifestaram desacordo com o segmento decisório motivador da revogação parcial do sentenciado na 1ª instância.
Dado que este tema está directamente relacionado com a apreciação global da decisão censurada, a qual mereceu também crítica por parte da A., deixaremos a sua apreciação para mais tarde.
De igual modo e no que tange ao contido na 3ª conclusão, teremos de dizer que peca por inoportunidade a sua apreciação neste momento, antes de tomarmos uma posição definida e definitiva sobre a questão de fundo.
Está bom de ver que, só então, poderá ter relevância prática a apreciação da apontada nulidade do aresto impugnado.
A quarta e última conclusão dos RR.-recorrentes vai no sentido de que a interpretação dada pela Relação aos artigos 712º e 665º, do Código de Processo Civil, se deverá considerar inconstitucional, por esta não ter ordenado a remessa dos autos à 1ª instância para ampliação da matéria de facto, “apesar de considerar que o esclarecimento da verdade material, por – alegadamente – ter havido insuficiência de alegação a propósito da obrigação do pagamento dos mencionados 15% no acto do contrato e início da obra.
Para além de a crítica apontada, nos termos em que é feita, merecer, desde já, uma pequena correcção ao juízo emitido pelos recorrentes, qual seja a de que as decisões nunca são inconstitucionais, antes e apenas poderão ser as normas aplicadas e no sentido acolhido, não poderemos deixar de notar que a mesma, desligada do que consta da apelação, nomeadamente, da conclusão II, surge-nos como algo enigmática.
Só recuando às alegações da apelação poderemos desvendar o mistério. Aí, na apontada conclusão, os RR. insurgiram-se contra o juízo probatório firmado pela 1ª instância (“erro de julgamento no apuramento da matéria de facto”) no que tange à desconsideração do documento segundo o qual o dono da obra assumia, na adjudicação, a obrigação do pagamento de 15% do valor.
E explicitam que “ao dar como não provada uma obrigação contratual (pagamento à cabeça de 15% do valor acordado), a decisão recorrida procedeu a um incorrecto apuramento da matéria de facto, em flagrante violação da disposição legal imperativa. Ao deixar que uma qualquer convicção ou intuicionismo – ainda que hipoteticamente apoiados na prova testemunhal – se sobrepusesse aos critérios legais da valoração dos meios de prova”, facto que, no seu entender, terá levado a violação do disposto no artigo 376º, nº 1, do Código Civil.
A essa questão respondeu a Relação de uma forma que consideramos correcta e clara:
“Face ao aditamento feito à matéria de facto será possível concluir que com a adjudicação a A ficou obrigada a pagar os 15% aludidos no orçamento?
Entendemos que não.
A posição do R.-Recorrente funda-se apenas na conjugação dos documentos. É que ele não alegou e, consequentemente, não provou o invocado acordo sobre o pagamento de 15% do valor no acto da adjudicação da obra.
É certo que tal cláusula consta do orçamento e que esse mesmo documento foi considerado no próprio contrato de empreitada como fazendo parte integrante deste, mas daí não se pode retirar, sem qualquer outro elemento adicional, que essa cláusula vincule a A.. É que, após a elaboração e recepção do orçamento, as partes clausularam expressamente sobre a forma de pagamento que iria presidir ao contrato de empreitada que estavam a celebrar e não fizeram qualquer referência a qualquer entrega inicial.
Assim, não contém o processo elementos suficientes, nem o R. os alegou, para que se possa concluir pela existência dessa obrigação que o R. imputa à A.”.
Compreende-se, agora, o que é posto em causa.
Na versão dos recorrentes, por mor do dito documento, impunha-se a baixa do processo à 1ª instância para ampliação da matéria de facto.
Acontece que, como mui bem é salientado no aresto posto em crise, em causa está a análise de um documento no contexto global probatório e não a desconsideração de matéria alegada.
Se disso fosse caso – e não é – então, sim, haveria violação do artigo 712º, nº 4, do Código de Processo Civil, já que haveria lugar a ordenar a ampliação da matéria de facto alegada, com a consequente baixa do processo à 1ª instância para instrução dos factos controvertidos.
Repetimos: matéria alegada. É que o busílis é precisamente esse – os documentos são meios de prova e não factos, sendo certo que é às partes que, em respeito pelo princípio dispositivo, consagrado no artigo 265º do Código de Processo Civil, incumbe a alegação dos factos eventualmente a serem por aqueles provados.
A ser correcto o ponto de vista dos recorrentes – que não é –, então deveriam eles, aqui e agora, convocar o disposto no artigo 729º, nº 3, do mesmo diploma legal, com vista a obterem o desideratum pretendido.
Como assim, não enxergamos como é defensável a inconstitucionalidade apontada à interpretação dada ao artigo 712º do diploma adjectivo. Muito menos a que é apontada ao artigo 665º do mesmo corpo de leis (por quem?!), certo que este dispositivo trata da terapia adequada para quem use o processo para fins proibidos ou simulados.
Direccionando a sua crítica, mais uma vez, para o juízo probatório, tendo já sido ventilado este ponto, nada mais nos resta do que repetir o já proclamado: não cabe ao Supremo censurar o juízo que as instâncias firmaram, apoiado o mesmo em provas de livre apreciação, para sentenciarem, fixando, a matéria de facto.
Aqui chegados, é altura de nos debruçarmos sobre o mérito da pretensão da A.-recorrente.
E, previamente, com vista a uma melhor compreensão da problemática em causa, não podemos deixar de vincar, embora sucintamente, os pontos de vista (divergentes e contraditórios) que orientaram as decisões das instâncias.
Considerou o juiz de Círculo de Almada a conduta do 1º R. como integradora do incumprimento definitivo do programa contratual firmado com a A., possibilitando a esta a resolução do contrato.
E justificou o seu ponto de vista, sublinhando que o relevante na conduta do 1º R. é o repetido e ostensivo incumprimento, a sua falta de justificação aos adiantamentos que a A. lhe foi sucessivamente fazendo, e, por fim, o abandono da obra, facto que determinou a A. a conclui-la por administração directa.
A posição maioritária da Relação considerou que, in casu, apenas se poderia falar em mora por parte do 1º R. e nunca em incumprimento definitivo, só legitimando este à chamada interpelação admonitória, cousa que não veio a acontecer e daí que o incumprimento por parte deste se tenha ficado a dever à própria A..
Entendeu a posição maioritária da Relação de Lisboa que era forçado defender que o 1º R. se colocou, por si próprio, em situação de incumprimento definitivo, sendo, por isso, de boa prática, a concessão a este, por parte da A., de um prazo razoável para reiniciar os trabalhos, sob pena de, não o fazendo, se considerar, então sim, a obrigação não cumprida, não deixando, ainda, de realçar que o prazo para o termo do contratado só terminava a 25 de Fevereiro de 2003, o que significa que ainda não estava terminado o prazo de que o empreiteiro beneficiava. Daí que tenha concluído que o 1º R. só entrou em mora e que a conclusão das obras se tornou impossível apenas por causa imputável à A..
Tirada a decisão por maioria, o voto vencido, declarando, embora, que confirmaria o julgado pela 1ª instância, não sufragou, contudo, a sua argumentação, antes manifestou dúvidas (?) no sentido de que se estivesse perante uma situação de incumprimento definitivo caracterizado pelo abandono.
Ora bem.
Não sufragamos a argumentação da Relação de Lisboa.
Desde logo, a tese que obteve vencimento. É que, perante o quadro factual apurado, maxime os pontos 25 a 27, entendemos que estamos perante um abandono da obra por parte do 1º R. que traduz, embora tacitamente, uma vontade de incumprir.
Ainda em acórdão recente, esta mesma Conferência, em caso algo análogo, deixou claro que “o abandono da obra por parte da A., empreiteira da obra, não pode deixar de significar recusa no cumprimento da obrigação a que está adstrita, incumprimento em suma” (acórdão proferido na revista 3418/08, em 13/01/2009).
Esta referida decisão não deixou de apontar, em seu apoio, a lição de Antunes Varela para quem há verdadeiro incumprimento quando o devedor declara abertamente não querer cumprir, embora podendo fazê-lo (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. II – 6ª edição –, páginas 105 e 106, nota 2).
E chamou, também, à colação os ensinamentos de Calvão da Silva que legitima a equiparação de declaração antecipada de não cumprir a incumprimento, dizendo que “não se justifica que o credor tenha de aguardar a data do vencimento para poder lançar mão dos meios jurídicos que lhe permitam desvincular-se do contrato”, certo que “concebida a obrigação como um processo que flui para o cumprimento, a legítima expectativa ou confiança do credor no adimplemento da prestação implica a existência de um intermediário e instrumental dever de conduta do devedor, que mantenha a fiducia do credor na prestação final, rectius, no cumprimento, actuação voluntária (prestare) e não forçada (prendere)”, “não havendo, portanto, razão para manter o credor vinculado, até ao vencimento, a uma relação jurídica que, em virtude de declaração séria, certa, segura, ante diem, de não cumprir do devedor, perdeu a força originária e desapareceu como vínculo em cuja actuabilidade final o sujeito activo possa confiar para satisfação plena e integral do seu interesse, razão existencial da obrigação” (Sinal e Contrato Promessa – 11ª edição – páginas 136 e 137)” (acórdão proferido na revista 3418/08, em 13/01/2009).
Na mesma linha argumentativa poderemos, ainda e agora, apontar Pedro Romano Martinez – “quando o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, não se torna necessário que o credor lhe estabeleça um prazo suplementar para haver um incumprimento definitivo. A declaração do devedor é suficiente” ( Cumprimento Defeituoso Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pág. 136).
Ainda a este respeito, ganha toda a acuidade a referência (mais uma vez) a Calvão da Silva quando defende que a declaração de vontade de não cumprir “não pode deixar de merecer o mesmo tratamento jurídico do incumprimento do incumprimento”, desde que seja sério “o comportamento de não querer (ou não poder) cumprir, em termos não equívocos ou categóricos e definitivos”.
E justifica esta posição, dizendo que “o devedor não é livre de programar e declarar, por palavras e/ou actos, que não quer cumprir – não só pela traição que esse comportamento substanciaria à confiança depositada pelo credor no cumprimento e à legítima expectativa de integral e pontual adimplemento, mas também pelas repercussões que esse comportamento poderia ter sobre o valor do crédito, dado o estado de incerteza e de insegurança que provocaria acerca da sua realização final” (Estudos de Direito Civil e Processo Civil, páginas 137 e 138).
Também José Carlos Proença admite que a recusa antecipada é uma conduta violadora que se integra no incumprimento.
Para este consagrado civilista, “a recusa antecipada não é, de per si, um incumprimento tout court, como a mora, mas sim uma conduta violadora específica, integrada por um regime jurídico em parte próprio (em função das características da declaração, da possibilidade do arrependimento e da não preclusão da execução específica) e, em parte «importado», por adaptação, da teoria geral do incumprimento (normativamente fundado nas normas dos artigos 798º, 801º e, até certo ponto, no artigo 808º, para o caso de o credor pretender a «liquidação» do contrato). Id est, “a chamada violação do «dever de fidelidade contratual» dilui-se na lesão culposa do estrato superior , ou seja, é a posição do devedor perante a própria conduta de prestação que coloca em perigo real o seu cumprimento e, mediatamente, o seu resultado” (A hipótese da declaração (lato sensu) antecipada de incumprimento …, página 389).
Analisando o caso que nos preocupa, não podemos deixar de dizer que o 1º R. não fez perante a A. uma declaração de abandono da obra. Melhor, não declarou expressamente que iria abandonar a obra.
Mas, não é menos verdade que, a partir de Julho de 2002, foi paralisando gradualmente as subempreitadas que se encontravam em curso (ponto nº 25), ficando estas completamente paradas no final de Setembro do mesmo ano (ponto nº 26) e que, no mês de Outubro de 2002, deixou de vez, de efectuar trabalhos, sem ter terminado a construção dos sete edifícios (ponto nº 27).
Ora, a declaração do devedor pode ser expressa ou tácita. In casu, como é bom de ver, houve por parte do 1º R. uma declaração tácita de incumprimento do contratualmente firmado com a A. que se traduziu e culminou com o dito abandono – a declaração de vontade é tácita “quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”, ut parte final do nº 1 do art. 217º do Código Civil.
Os factos acabados de indicar são deveras concludentes e de molde a permitir arrematar que, efectivamente, o 1º R., com o seu comportamento fez notar perante a A. que não mais cumpriria o contratado.
Entende-se que são factos concludentes “todos aqueles nos quais se possa apoiar uma ilação para se constituir o significado do comportamento, sendo este o resultado da ilação” (cfr. Paulo Mota Pinto, Declaração e Comportamento Concludente No Negócio Jurídico, pág. 892).
As declarações tácitas, tal como as expressas, carecem de interpretação. A sua interpretação “resulta do apuramento do sentido da concludência, isto é, da determinação de qual o sentido negocial, ou negocial, que deve ser tido como deduzindo-se com toda a probabilidade do comportamento concludente”, sendo que à interpretação das declarações tácitas aplicam-se as regras dos artigos 236º e seguintes do Código Civil” (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, pág. 463).
O comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporarem ou não uma outra declaração expressa.
Mas terão de ser “comportamentos positivos, compreendidos com um valor negocial e que neles se não vislumbre uma finalidade directamente dirigida ao negócio jurídico em causa (C. Ferreira de Almeida, Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, II, pág. 718).
Perante o que fica dito, com o reforço dos ensinamentos doutrinais indicados, não vemos razão alguma para desprezar a linha reitora do nosso ponto de vista no supra apontado acórdão, qual seja a de que o abandono da obra traduz, afinal, uma vontade, por parte do devedor, de não querer cumprir.
Vistas bem as cousas, perante o abandono da obra, nos termos sobejamente assinalados, que mais seria preciso para que se pudesse, legitimamente, concluir pelo incumprimento do 1º R.?
Tal atitude (de abandono) não traduz cabalmente, embora tacitamente, a intenção de incumprimento?
Claro que sim.
É indubitável que, na hora do abandono, ainda faltava prazo para terminar o contrato.
A este respeito não escamotearemos o ensinamento de Pedro Romano Martinez que, logo de seguida ao trecho citado, escreveu ainda:
“Mas se o solvens manifestou a sua intenção clara de não cumprir antes da perda do benefício do prazo (art. 780, nº 1), por via de regra, o não cumprimento definitivo só se verifica na data do vencimento se, na realidade, até esse momento, o devedor não tiver realizado a sua prestação. Este princípio poderá, porém, ser alterado por força das regras da boa fé”.
Perante isto, solidificando a nossa posição, não podemos deixar de notar, para além do quadro fáctico já assinalado, que:
- O 1º R. deu início aos trabalhos em fins de Março de 1998 (ponto nº 9),
- Desde Março de 2000, o 1º R. atrasou a obra por várias vezes (ponto nº 11),
- A A., por essa altura tinha já prometido vender 26 das 28 fracções e que tinha compromissos informais de as entregar até final de 2001 (ponto 13),
– Desde Fevereiro de 1999 que o 1º R. deixou de cumprir a disciplina financeira acordada, pedindo à A., para além de mensalidades combinadas, adiantamentos (pontos nºs 21 e 22) e que
- Desde Fevereiro de 1999 e sobretudo a partir de Março de 2000, o 1º R. fez depender o andamento da obra da entrega de quantias pela A. a título de adiantamentos (ponto nº 23).
Perante este comportamento do R. empreiteiro – só já trabalhava se lhe fossem feitos adiantamentos, primeiro, e de abandono, depois – pergunta-se: com que bulas é que ia a A. dar-lhe um prazo suplementar, para cumprir?
Há um ponto, uma pequena palavra, que reforça esta nossa posição: está ela inserida no ponto nº 27 já aludido – “de vez”.
É que o 1º R. não se limitou a abandonar a obra, sem a ter terminado, antes o fez “de vez”, ou seja, definitivamente.
Será preciso mais para convencermos alguém da bondade da nossa interpretação dos factos?
Em boa verdade, o cumprimento do contrato, até à data do abandono, vinha a ser feito à custa da própria A. que ia fazendo adiantamentos, certo que, se os não fizesse, o R. não continuava com a obra. Ou seja, o cumprimento do R. passaria pela própria A.!
Não podemos aceitar que o cumprimento do contrato tivesse que passar pelos ditos adiantamento por parte da A., certo que do contratualizado não consta essa especial obrigação.
Perante este quadro, algo anómalo e, por isso mesmo, estranho, visto na sua globalidade plena, entendemos que exigir da A. (ela que já tinha ficado sem algum dinheiro por mor dos ditos adiantamentos, certo que, até neste ponto, o 1º R. não foi cumpridor – cfr. pontos 33 a 37) um esforço para manter a todo o custo o contrato, obrigando-a a “convidar” o 1º R. a cumprir, dando-lhe, ainda, um prazo suplementar para tal, representaria um sacrifício traduzido num desvirtuamento do “equilíbrio” contratual, em nítido e injustificável prejuízo para si.
Forçar esta nota, obrigando a A. a permanecer vinculada à custa do seu próprio património, afigura-se-nos como contrário, ao princípio da “pacta sunt servanda” que perpassa toda a nossa civilística obrigacional e, mais ainda, briga directamente com a bona fides. Isso não pode ser exigível, pois é contrário à ideia de Direito.
Apesar de ainda não se ter esgotado o prazo fixado para a conclusão da obra, não é aceitável obrigar a A. a mais um compasso de espera, na esperança (vã?) de que o incumpridor acabe por cumprir.
Admitirmos como certa a ideia de concessão de um prazo suplementar ao R. empreiteiro para recomeçar a obra, a ele que, de livre vontade, a abandonou, de vez, colide com a visão ética que temos do Direito, com a sua exigência de comportamentos honestos, cumpridores, com desprezo, não aceitação, de comportamentos torpes e ilícitos.
Definitivamente, convictamente, não a podemos aceitar, antes, por respeito pelos valores informativos da “nossa ideia” (honeste agere) temos, vivamente, de a repudiar.
Por alguma razão o nº 1 do artigo 227º do Código Civil prescreve que “quem negoceia com outrem para a conclusão de um negócio deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé”. E o nº 2 do artigo 762º do mesmo diploma legal preceitua que “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.
Sempre a boa fé como ideia chave dos direitos das obrigações.
Ao ter actuado, quase ab initio, como actuou, não dando à obra o desenvolvimento a que se tinha comprometido, exigindo, até, adiantamentos, sob pena de paralisação, acabando por abandonar a obra, de vez, o 1º R. não actuou para com a A. com a lealdade, com a rectidão, com a boa fé, que o Direito exige aos homens de bem.
O seu comportamento não pode ser aqui premiado, antes censurado e punido, dando, assim, guarida à pretensão da A..
Nesta nossa perspectiva, a posição maioritária da Relação de Lisboa inverteu o sentido daqueles princípios referidos, obrigando à manutenção de um contrato à custa do sacrifício de uma das partes, sacrifício que se traduziria não só na manutenção do contrato, mas, o que é pior, à custa do seu próprio património, sem que isso tivesse sido, de alguma forma, previsto no programa contratual.
Tudo isto com a certeza de que a parte beneficiada com tal manutenção já tinha, por outros meios, dado a conhecer a sua natural propensão para o incumprimento (referimo-nos, como está bom de ver, ao que se passou com a (in)cobrança do cheque de 5.000 € relativo a um dos adiantamentos, que foi devolvido sem pagamento por ordem de cancelamento do R., com o argumento de que tinha sido extraviado – pontos 33 e 37 já referidos: bonito exemplo de um comportamento (des)honrado!).
Com este sistemático comportamento incumpridor e pouco sério do 1º R. não podemos pactuar, sob pena de adulterarmos a própria ideia de Direito com a qual nos comprometemos, como já deixamos referido.
Não pode ser!
O comportamento do R. empreiteiro não pode, definitivamente, ter a cobertura do Direito, tem de ser sancionado e, dentro deste ponto de vista, não podemos deixar de aceitar como perfeitamente justificável que a A., dona da obra, passasse, ela própria, a administra-la directamente, atitude esta que se interpreta como tradutora da resolução do contrato por incumprimento daquele.
No que tange à posição minoritária, apenas nos resta deixar uma palavra de perplexidade perante as dúvidas lançadas, ou não fosse proibido o non liquit: ao julgador não cabe ter dúvidas, terá sempre que decidir.
Antolha-nos certa a posição da 1ª instância: com a sua atitude, o 1º R. incumpriu o contrato, dando azo a que a A. peticionasse os montantes indemnizatórios a que, justamente, tem direito.
Reconhece-se aí que a A. não chegou a emitir uma declaração de resolução do contrato, mas que tal omissão não pode ir ao ponto de a desfavorecer, “sob pena de se estar a beneficiar o infractor”, acrescentando-se mesmo que o relevante aqui é a conduta do 1º R., “pela repetição do incumprimento, pelo repetido e ostensivo desrespeito dos compromissos assumidos, pela falta de justificação aceitável da resposta aos adiantamentos que a A. lhe foi concedendo com o fito de finalização da obra o que claramente justifica e fundamenta a referida resolução”, já que “não seria razoável exigir à A. que continuasse a aceitar os contínuos incumprimentos por parte do 1º R.”.
Pelas considerações tecidas em comentário ao aresto impugnado, retira-se, facilmente, que a nossa posição é de inteiro acordo e aplauso para a decisão do juiz do Círculo de Almada.
Deste modo, apenas nos resta dar inteira guarida à pretensão da A.-recorrente, repristinando o que foi julgado na 1ª instância.
Esta conclusão permite-nos tirar a limpo o seguinte:
1º - Desde logo, por prejudicialidade, não tomar posição sobre tudo o mais alegado pela A.-recorrente.
2º - Não faz qualquer sentido, agora, apontar erro de aplicação do disposto no artigo 795º, nº 2, do Código Civil (2ª conclusão), nem tão-pouco invocar nulidade ao aresto, por no seguimento da linha de pensamento aqui não considerada, ter eventualmente dado “um salto lógico (em rigor ilógico) que torna a decisão despida de fundamento fáctico-jurídico digno desse nome” (conclusão 3ª), nem tão-pouco apontar outras nulidades ou inconstitucionalidades (conclusão 4ª).
4. Decisão
Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se:
1º Negar aos RR. a revista pretendida;
2º Conceder à A. a revista, o que traduz a total procedência da acção.
3º Condenar os RR. nas custas totais devidas, aqui e nas instâncias.