I - O crime de burla surge como forma de captar o alheio, em que o agente se serve do erro, causado ou mantido, através da sua conduta astuciosa, ou do engano prolongado pela omissão do dever de informar, para, através desta falsa representação da realidade, insidiosamente induzir a vítima a defraudar o seu património ou o de terceiros.
II - Tendo em consideração que:
- o arguido, funcionário do Banco … (desde 04-02-1985 em várias localidades, e a partir de 02-05-2001 exercendo o cargo de director do balcão de S…), aconselhou e persuadiu vários clientes deste Banco a disponibilizarem/entregarem-lhe as quantias em dinheiro em causa nestes autos com o argumento (que não correspondia à verdade) de que as mesmas iriam ser depositadas em sucursais estrangeiras do Banco, designadamente em Londres e no Luxemburgo, e garantia àqueles clientes do Banco taxas de juro líquidas superiores às praticadas pelos bancos em Portugal; ou seja, mercê de um processo complexo e engenhoso, convenceu vários clientes do Banco … a praticar actos em prejuízo dos seus patrimónios;
- desse plano fazia parte não só a indicação (falsa) de uma taxa de juros mais elevada do que a praticada pelos bancos em Portugal, mas também a elaboração/falsificação de vários documentos, alguns em idioma estrangeiro (para convencer os clientes/burlados) dos depósitos das quantias que tinham entregue) e a realização de alguns depósitos em algumas contas de clientes para os convencer dos rendimentos obtidos e a renovar as aplicações;
- foi a execução desse plano elaborado minuciosamente pelo arguido que determinou a entrega a este, pelos clientes do banco, de várias quantias monetárias;
- está também provada a intenção do arguido de obter um enriquecimento ilegítimo;
mostram-se provados os elementos objectivos e subjectivos constitutivos do tipo legal de crime de burla (art. 217.º do CP), integrando também a conduta do arguido a prática, em concurso real, do crime de falsificação de documento (art. 256.º do CP).
III- É entendimento mais ou menos pacífico da doutrina e da jurisprudência que os pressupostos essenciais do crime continuado são os seguintes:
- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);
- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção) – as diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma “linha psicológica continuada”;
- persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
IV - Fundando-se a diminuição da culpa no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente, o pressuposto da continuação criminosa deverá ser encontrado numa relação que, de modo considerável, e de fora, facilitou aquela repetição, conduzindo a que seja, a cada crime, menos exigível ao agente que se comporte de maneira diversa.
V- Importante, portanto, será determinar quando existiu um condicionalismo exterior ao agente que facilitou a acção daquele, facilitou a repetição da actividade criminosa (“tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” – cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 209) e, por isso, diminui/atenua a respectiva culpa.
VI - É que se o agente concorre para a existência daquele quadro ou condicionalismo exterior está a criar condições de que não pode aproveitar-se para que possa dizer-se verificada a figura legal da continuação criminosa.
VII - É esse o entendimento da jurisprudência dominante ao afirmar que inexiste crime continuado – mas concurso de infracções – «quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa» – cf. Acs. do STJ de 10-12-1997, Proc. n.º 1192/97, de 07-03-2001 e de 12-06-2002, in SASTJ, n.ºs 49 e 62, respectivamente.
VIII - Tendo em consideração que, embora da matéria de facto assente resulte que o arguido agiu sempre de forma homogénea e lesou sempre o mesmo bem jurídico, dela também decorre que foi sempre o próprio arguido quem criou as condições necessárias para a prática dos factos/crimes, formulando várias resoluções criminosas, agindo e concretizando-as em função de cada caso concreto, adaptando o modus operandi às circunstâncias específicas dos seus desígnios, sem que qualquer elemento ou factor exterior ou exógeno diminua ou mitigue a sua culpa, inexiste crime continuado.
IX - A doença ou patologia do vício do jogo não constitui circunstância exterior ao agente que diminua sensivelmente a sua culpa: tal patologia é atinente à personalidade do próprio arguido, podendo limitar a vontade deste, mas não podendo considerar-se factor exógeno que facilite a continuação ou repetição da actividade criminosa daquele e mitigue a respectiva culpa.
X - Em processo penal a regra é a de livre apreciação da prova, como decorre do estatuído no art. 127.º do CPP, onde se estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
XI - Tal princípio não é absoluto e entre as excepções a tal regra incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial. Segundo Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 323), estas excepções integram-se no princípio da prova legal ou tarifada, que é usualmente baseado na segurança e certeza das decisões, consagração de regras de experiência comum e facilidade e celeridade das decisões.
XII - A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.º do CC). E, de acordo com o art. 151.º do CPP, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
XIII - A perícia é, assim, a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
XIV - Segundo José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado,
IV, pág. 161), a função característica da testemunha é narrar o facto e a do perito é avaliar ou valorar o facto, emitir quanto a ele juízo de valor, utilizando a sua cultura e experiência.
XV - Nos termos do art. 389.º do CC, a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal e, de acordo com o art. 591.º do CPC, tanto a primeira como a segunda perícias são livremente apreciadas pelo tribunal – a propósito da diferença de regimes entre o processo civil e o penal cf. o Ac. do TC n.º 422/99, de 30-06-1999, in Proc. 698/98, DR, II Série, de 29-11-1999.
XVI - Figueiredo Dias, insurgindo-se contra a ideia da absoluta liberdade da apreciação da prova pericial pelo juiz, escreveu em 1974 (in Direito Processual Penal, vol. I, págs. 208-209 – idem na reimpressão de 2004) que «…se os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos à livre apreciação do juiz – que, contrariando-os, pode furtar validade ao parecer –, já o juízo científico ou parecer propriamente dito só é susceptível de uma crítica igualmente material e científica. Quer dizer: perante um certo juízo cientificamente provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base do facto pressuposta; quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também e estará, por conseguinte, subtraída em princípio à competência do tribunal (...)».
XVII - Esta orientação veio a ser consagrada no CPP87, estabelecendo o n.º 1 do seu art. 163.º que «o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador», e acrescentando o n.º 2 que «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência».
XVIII - Para Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1999, II, pág. 178) «a presunção que o art. 163.º, n.º 1, consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador. Não é necessária uma contraprova, basta a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial».
XIX - Na jurisprudência acolheram-se estas soluções, de que são exemplo inúmeros Acs. do STJ, entre os quais, mais recentemente, os de 11-07-2007, Proc. n.º 1416/07 - 3.ª, de 19-09-2007, Proc. n.º 2811/07 - 3.ª, e de 07-11-2007, Proc. n.º 3986/07 - 3.ª.
XX - Estando em causa uma perícia efectuada pelo IML, o tribunal terá de aceitar a respectiva conclusão, porque subtraída à livre apreciação do julgador, nos termos do art. 163.º, n.º 1, do CPP, por se tratar de juízo técnico ou científico inerente à prova pericial, a menos que fundamente a sua divergência.
XXI - Pelo contrário, os relatórios de avaliação psicológica com estudo de personalidade e de avaliação psiquiátrica elaborados por uma psicóloga clínica e por um médico psiquiatra – apresentados pelo arguido no decurso da audiência de julgamento e cujos subscritores depuseram como testemunhas –, porque não realizados nos termos dos arts. 159.º do CPP e da Lei 45/2004, de 19-08, não estão sujeitos à regra da prova vinculada do art. 163.º, n.º 1, do CPP, podendo e devendo ser apreciados com base em critérios diferentes da prova obtida através de perícias realizadas pelo IML, ou seja, estão sujeitos à livre apreciação do tribunal (art. 127.º do CPP).
I - No Círculo Judicial de Seia, no processo comum colectivo nº 152/03.8 TASEI, foi o arguido:
AA, divorciado, empregado bancário, nascido a 21/11/1961, filho de A... P... C... e de I... V... A..., natural de Pinhanços, Seia, e residente que foi na Avenida ..., nº ..., Pinhanços, Seia, e actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Viseu - - - -
Submetido a julgamento perante tribunal colectivo, acusado da prática, em concurso real, dos seguintes crimes:
- 27 crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º-1 e 218º-1 e 2-a), em referência ao artigo 202º-b), todos do Código Penal;
- 29 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255º-a) e 256º-1-a) e b), do Código Penal;
- 1 crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelos artigos 205º-1 e 4-a), em referência à alínea a) do artigo 202º-1, do Código Penal;
- 1 crime de abuso de confiança agravado, sob a forma continuada, p. e p. pelos artigos 30º-2 e 300º-1 e 2-a) (redacção de 1982), agora p e p. pelos artigos 3º-2 e 205º-1 e 4-a) e b), em referência ao artigo 202º-a) e b), todos do Código Penal;
- 1 crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 2º-1-a) do DL 325/95, de 2.12, alterado pelas Leis 65/98, de 2.9, 104/2001, de 25.8, 5/2002, de 11.1 e 10/2002, de 11.2 e pelo DL 323/2001, de 17.12, agora p. e p. pelos artigos 368º-A, nºs 1 e 2, do Código Penal (cfr. Lei 11/2004, de 27.3).
A final, foi proferido acórdão em 25 de Junho de 2008, que decidiu:
Condenar o arguido AA, pela prática dos seguintes crimes, nas seguintes penas (além do mais):
a) - Pela prática de 27 crimes de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º-1 e 218º-1 e 2-a), em referência ao artigo 202º-b), todos do Código Penal, nas penas parcelares de 4 anos e 6 meses de prisão; 4 anos e 6 meses de prisão; 5 anos de prisão; 4 anos e 6 meses de prisão; 4 anos e 8 meses de prisão; 4 anos e 8 meses de prisão; 4 anos e 6 meses de prisão; 4 anos e 6 meses de prisão; 4 anos e 6 meses de prisão; 4 anos e 5 meses de prisão; 3 anos de prisão; 4 anos de prisão; 4 anos de prisão; 4 anos de prisão; 4 anos de prisão; 4 anos de prisão; 3 anos e 6 meses de prisão; 4 anos e 6 meses de prisão; 4 anos e 6 meses de prisão; 3 anos e 3 meses de prisão; 4 anos e 5 meses de prisão; 4 anos e 8 meses de prisão; 3 anos e 6 meses de prisão; 3 anos e 8 meses de prisão; 3 anos e 6 meses de prisão; 3 anos de prisão e 4 anos e 6 meses de prisão;
b) - Pela prática de 29 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255º-a) e 256º-1-a) e b), do Código Penal, nas penas parcelares de 1 ano de prisão; 1 ano e 2 meses de prisão; 1 ano e 2 meses de prisão; 1 ano e 2 meses de prisão; 1 ano e 3 meses de prisão; 1 ano e 3 meses de prisão; 9 meses de prisão; 9 meses de prisão; 7 meses de prisão; 7 meses de prisão; 8 meses de prisão; 8 meses de prisão; 8 meses de prisão; 7 meses de prisão; 8 meses de prisão; 1 ano de prisão; 1 ano de prisão; 1 ano e 2 meses de prisão; 1 ano e 2 meses de prisão; 1 ano e 2 meses de prisão; 1 ano de prisão; 8 meses de prisão; 1 ano e 3 meses de prisão; 7 meses de prisão; 7 meses de prisão; 8 meses de prisão; 7 meses de prisão; 6 meses de prisão e 8 meses de prisão;
c) – Pela prática de 1 crime de abuso de confiança na forma agravada, p. e p. pelo artigo 205º-1 e 4-a), do Código Penal, em referência à alínea a) do artigo 202º, do mesmo diploma, na pena de 3 anos de prisão;
d) – Operado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 11 anos de prisão.
Mais foi decidido absolver o arguido da prática:
- de um crime de um crime de abuso de confiança agravado, sob a forma continuada, previsto e punido pelo art. 30.°, n.º 2 e 300.°, n.ºs 1 e 2, al. a) (redacção de 1982), actualmente p. e p. pelos arts. 30.°, n.° 2 e 205.°, n.ºs 1 e 4, als. a) e b), em referência ao art. 202.°, als. a) e b), todos do mesmo diploma legal;
- de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelos arts. 2.°, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 325/95, de 2.12, alterado pelas Leis n.ºs 65/98 de 2.9, 104/2001, de 25.8, 5/2002, de 11.1 e 10/2002, de 11.2 e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17.12, agora p. e p. pelos arts. 368-A.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal (cfr. Lei n.º 11/2004, de 27.3).
Inconformados com tal condenação o MºPº e o arguido AA interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pugnando ambos pela revogação do acórdão condenatório.
Pretendia o MºPº a condenação do arguido também pela prática de crime de branqueamento de capitais, em pena não inferior a 5 anos de prisão e, refazendo o cúmulo jurídico, entende que deve o arguido ser condenado em pena única não inferior a 16 anos de prisão ou, caso não se considere cometido o crime de branqueamento de capitais, sempre a pena única resultante do cúmulo jurídico operado no acórdão recorrido deveria ser alterada e fixada em medida não inferior a 14 anos de prisão.
Pretendia o arguido que os factos provados integram a prática de um crime de abuso de confiança agravado em concurso real com um crime de falsificação, ambos praticados na forma continuada e, em consequência, entende que não lhe deveria ser aplicada pena de prisão superior a 8 anos.
Por acórdão de 05.11.2008, do Tribunal da Relação de Coimbra, foi julgado improcedente o recurso do arguido e parcialmente procedente o recurso do MºPº, tendo o arguido sido condenado (pela prática dos 27 crimes de burla qualificada, 29 crimes de falsificação de documento e 1 crime de abuso de confiança na forma agravada, na pena única de 13 anos de prisão.
Novamente inconformado com tal decisão, o mesmo arguido BB interpôs o presente recurso para este STJ, pugnando pela revogação do acórdão da Relação de Coimbra e pela sua substituição por outro que lhe aplique uma pena de prisão não superior a 8 anos.
Na sua motivação, formula as seguintes - - - - - - - -
Conclusões:
1) Os factos provados tipificam a prática de um crime de abuso de confiança agravado em concurso real com um crime de falsificação, ambos praticados na forma continuada.
2) Não existem elementos nos autos que permitam integrar os delitos do arguido no tipo legal do crime de burla, por apenas se ter demonstrado que ele garantiu a clientes do Banco taxas mais elevadas (o que faz qualquer gerente bancário) que acabou por não poder dar, o que constitui uma simples mentira e não qualquer ardil ou conduta particularmente engenhosa.
3) Por outro lado, não é exacto que o arguido tenha querido enriquecer ilegitimamente, mas tão só arranjar dinheiro para jogar e, com o jogo, obter ganhos que lhe permitissem restituir aos lesados as quantias que deles recebeu, o que também exclui a burla.
4) Não se descortina qualquer razão para que o Tribunal recorrido tenha afastado a disciplina do crime continuado do art° 30 nº 2 do C. Penal, porquanto ficaram demonstradas situações exteriores que diminuem sensivelmente a sua culpa do arguido, como sejam a sua qualidade de gerente bancário, a facilidade que tinha em movimentar dinheiro, a decisiva doença ou patologia do vício do jogo (e não apenas vicio ou tendência) e até a mera existência de Casinos.
5) Acrescentando-se que o vício do jogo só não constitui factor de diminuição da culpa (mas até de agravamento) quando não resulta de uma doença do foro psíquico, o que não é o caso, como se depreende de todos os relatórios e pareceres médicos juntos aos autos, que qualificam o arguido como psiquicamente enfermo.
6) Decidido que seja que o arguido praticou os seus actos ilícitos de forma continuada, a pena a aplicar-lhe não pode ser superior à correspondente à conduta mais grave que integra a continuação e que no caso tem um limite máximo de 8 anos (vide artº 205 nº 4 al. b) e 218 nº 2 al. a) do C. Penal).
7) Em qualquer caso, sempre o Tribunal recorrido deveria ter atenuado especialmente a pena do arguido, de acordo com o disposto nos artigos 72 a 74 do C. Penal, uma vez que a isso obrigava a sua doença ou patologia, a relativa e até duvidosa necessidade de pena, atento o período de prisão preventiva já sofrido, a evidência dele jamais poder trabalhar na Banca e ter acesso fácil a dinheiro para satisfazer o seu vicio, a reparação parcial e possível dos prejuízos que causou e o longo tempo já decorrido desde a prática dos factos (os primeiros já ocorreram há 11 anos).
8) Ao valorizar o parecer do Conselho Médico Legal do IML, atribuindo-lhe erradamente natureza pericial e ao ignorar os relatórios e os depoimentos prestados em audiência por três clínicos especialistas / doutores F... S... C..., S... de J... e E... M..., o douto Acórdão recorrido incorreu em erro notório de apreciação da prova e violou o principio da livre valoração das provas (artº 129 do CPP), que não permite transformar em credível o que é incompreensível (emissão de parecer sobre a personalidade de uma pessoa que não se viu …).
9) Isto porque roça a discricionariedade atribuir-se credibilidade a um escrito de alguém (mesmo sendo uma eminente personalidade) que não foi contraditado em julgamento e, pior que isso, não examinou o arguido, não falou com ele, não o sujeitou a nenhum teste, e não usou quaisquer meios técnicos de diagnóstico, como fizeram os seus outros colegas de profissão.
10) Do processo constam já todos os elementos de prova que permitem julgar verificado o erro notório na sua apreciação, modificar a matéria de facto relativamente a essa concreta questão e atribuir ao arguido um grau de imputabilidade sensivelmente diminuída, com as consequências devidas em termos de atenuação especial da pena e de enquadramento da sua actuação no crime continuado (artº 30 do C. Penal).
11) A pena de prisão de 13 anos aplicada ao arguido é desproporcionada e desajustada aos factos praticados, à sua gravidade e a casos similares ao seu (vide Ac. do STJ de 05/09/2007 - Proc. 06P4798; Ac. STJ de 10/07/2008, Proc. 06P772; Ac. do STJ de 29/10/2003, Proc. 03P2012; Ac. do STJ de 30/01/2003, Proc. 02P3118; Ac. do STJ de 05/06/2006, Proc. 06P1618 03/07/2008, Proc. 08P2039).
12) De acordo com o princípio de proporcionalidade preconizado pelo artigo 40º nº 1 do C. Penal, afigura-se ajustada uma pena única não superior a 8 anos de prisão.
13) O Acórdão recorrido violou ou interpretou incorrectamente as seguintes disposições: art° 217, 205, 301, 40, 72, 73 e 74 do C. Penal e 127, 156 e 163 do C. P. Penal, e 668 do CPC.
O Mº Pº junto do Tribunal da Relação de Coimbra apresentou resposta, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do decidido.
Em resumo, alega o seguinte - - -
A análise global da factualidade dada como provada permite configurar a existência de todos os elementos constitutivos do crime de burla, existindo, nos autos, todos os elementos objectivos e subjectivos previstos no artigo 217º do Código Penal (cfr. pág.s 71 a 76 do acórdão).
Por outro lado, no caso, não estamos perante uma situação e crime continuado (como pretende o arguido).
No recurso para o STJ, está vedado ao recorrente a reedição dos vícios da sentença previstos no artigo 410º-2 do CPP, mormente quando a Relação já se pronunciou sobre a questão (sem prejuízo do conhecimento oficioso de tais vícios, pelo STJ).
Atenta a gravidade da globalidade dos factos cometidos e a personalidade do arguido, a pena única aplicada de 13 anos de prisão não é excessiva e está conforme aos critérios decorrentes do estipulado nos artigos 71º-1 e 77º-1 do Código Penal.
Remetido o processo a este STJ, o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto e muito bem fundamentado Parecer – apoiado em doutrina e jurisprudência pertinentes, que cita - no sentido de que inexiste crime continuado, nem erro notório na apreciação da prova nem violação do princípio da livre valoração das provas.
Entende que não se verificam, no caso, os pressupostos da pretendida atenuação especial da pena.
É ainda de parecer que a pena aplicada em cúmulo se mostra adequada - atenta a globalidade dos factos cometidos e a personalidade do arguido - não se justificando qualquer intervenção correctiva do STJ.
Foi cumprido o estatuído no artigo 417º-2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre conhecer.
É a seguinte a matéria de facto provada (transcrição):
1. AA foi admitido como funcionário do Banco T... & A... (BTA) no dia 4 de Fevereiro de 1985, tendo desempenhado funções nas agências deste banco nas localidades de Carregosa, Covilhã e Seia, sendo que a partir do dia 2 de Maio de 2001 passou a exercer o cargo de director deste último balcão.
2. Quer como funcionário quer como director do balcão de Seia do BTA, AA mantinha contactos regulares e personalizados com diversos clientes do banco, designadamente com aqueles que tinham maiores disponibilidades financeiras, aconselhando-os na escolha das aplicações que tivessem uma taxa de juro mais elevada, de modo a aumentarem as suas poupanças, conselho que quase sempre era seguido por esses clientes, uma vez que o conheciam há muito tempo e confiavam nele.
3. No desenvolvimento dessa actividade, AA, apercebendo-se da possibilidade de entrar na posse, fruição e apropriação de elevadas quantias monetárias que os clientes do BTA de Seia lhe entregavam, na sua qualidade de funcionário desta instituição bancária, para concretizarem os seus investimentos, a partir de 1994, sempre que era questionado sobre quais as melhores aplicações financeiras disponíveis, aconselhava-os a fazer essas aplicações em sucursais exteriores do BTA, sobretudo em Londres, mas também no Luxemburgo, garantindo-lhes a obtenção de taxas de juro líquidas muito superiores às praticadas habitualmente pelos bancos em Portugal (taxas de juro anuais, líquidas, entre 5,875% e 19,50%; taxa de 23,5% para aplicações de 5 anos).
4. Atraídos por essas taxas, muitos dos clientes do BTA de Seia, porque confiavam em AA, primeiro como funcionário do balcão e depois como seu director, aderiram ao que este lhes propunha, sendo certo que muitos clientes conheciam-no desde a infância, tendo estabelecido com ele relações de amizade.
5. A fim de concretizarem esses investimentos, os clientes do BTA de Seia, seguindo as instruções que iam sendo dadas por AA, através de vários meios - cheques sacados sobre as suas contas no BTA de Seia, cheques sacados sobre outros bancos, cheques bancários e respectivas requisições, ordens de transferência e outros documentos bancários - colocaram na disponibilidade de AA, enquanto funcionário do BTA, quantias monetárias, a fim de este as canalizar para as aplicações financeiras acordadas, nas sucursais do BTA em Londres ou no Luxemburgo.
6. Contudo, na posse dessas quantias, ao contrário do que tinha acordado com os clientes do BTA e dos seus deveres enquanto funcionário desta instituição, não fazia qualquer aplicação financeira nas sucursais externas do BTA ou em qualquer outra instituição bancária ou financeira, antes as depositava em contas bancárias pessoais de que era titular, ou co-titular.
7. AA era titular das seguintes contas:
• No BTA:
- DO .../..., aberta a 24.6.85, co-titulada pela esposa, CC; DP .../...;
- DP .../..., co-titulada pela esposa e pela filha DD; .../...;
- DO .../..., co-titulada pela sua mãe (I... V... A...); .../...; DP .../...;
- DO (Conta Poupança Habitação) .../...;
- DO .../...;
- D. Títulos .../... T;
- Conta Fundos ...;
- .../..., co-titulada por EE.
• No Crédito Predial Português/CPP (Banco que mais tarde veio a fazer parte do BTA - grupo Santander/Totta): conta n.º .../..., aberta no balcão de Seia em 3.3.1995, co-titulada pela esposa;
• No Banco Espírito Santo (BES), contas de que era o único titular: - ....; - ...; - ...; - ...;
• Na Caixa Geral de Depósitos (CGD):
- Balcão de Seia: - ..., aberta em 7.10.87, co-titulada pela sua esposa; ...; - ...;
- Balcão do Bairro Novo, na Figueira da Foz: - ..., aberta a 15.6.2001 titulada pelo arguido e esposa; - ...;
- Balcão de Gouveia: - ...;
• no Banco Português de Investimento (BPI): - ..., co-titulada pela esposa, aberta a 3.7.2001; ..., aberta a 8.2.99, co-titulada por FF, tio do arguido.
Para além disso, AA usava também a conta bancária n.º ..., no BTA de Seia, titulada pelo seu irmão - GG - e pela esposa - HH.
8. A fim de evitar que fosse descoberta a sua conduta, AA, num computador, elaborava documentos, parecidos como os que estavam em uso oficial no BTA - os documentos válidos deste tipo eram feitos centralmente pelo BTA, não sendo feitos ao balcão - que endereçava e entregava aos respectivos clientes, pessoalmente ou por correio, pretendendo fazê-los crer com o seu conteúdo que as aplicações financeiras acordadas tinham sido efectivamente concretizadas.
9. No caso de se referirem a aplicações que deveriam ter sido feitas no BTA de Londres, AA elaborava-os em inglês e intitulava-os de “Deposit Confirmation”, colocando-lhes o timbre - Totta - Banco Totta & Açores - 68 ... Street, London ...., tel: ... Fax: ... -, um número de referência, uma data, a expressão “Arranged By Phone”, o prazo da aplicação, a moeda usada, o investimento inicial, a taxa de juro e o montante garantido a final e ainda a referência “CIO Banco Totta e Açores S.A. London Branch”.
10. Em cada um desses documentos AA inseria ainda a “advertência” de que, na ausência de outras instruções, o capital aplicado e os juros renovar-se-iam pelo mesmo período e com a taxa de juro prevalecente e que o documento de confirmação era gerado informaticamente e de que não precisava de assinatura.
11. Se se referissem a aplicações que deveriam ter sido feitas no BTA do Luxemburgo, AA elaborava os documentos em francês e intitulava-os de “Extrait de Compte”, colocando-lhes o timbre - Totta/Banco Totta & Açores - Succursale de Luxembourg - um número do ofício, a indicação da divisa, uma data, o prazo da aplicação, o investimento inicial (capital), a taxa de juro e o montante garantido a final.
12. A fim de os clientes não desconfiarem de que o seu dinheiro não tinha sido aplicado conforme o acordado, AA fazia alguns depósitos nas contas dos clientes aquando do fim do suposto prazo da suposta aplicação e de acordo com a taxa de juro contratada, usando para esse efeito quantias entregues por outros clientes na mesma situação.
13. Contudo, na maior parte das vezes, AA, aquando do fim dos supostos prazos das supostas aplicações, normalmente prometendo taxas de juro mais elevadas, conseguia convencer os clientes a “renová-las”, capitalizando os supostos juros, ou mesmo a reforçá-las, recebendo, desta forma, novas quantias monetárias dos clientes do BTA que depositava nas contas bancárias pessoais, prática que era acompanhada pela elaboração e entrega de novos documentos do tipo dos referidos de 8. a 11.
14. Quando eram usados cheques bancários - cheques emitidos pelo banco, a descontar na conta do respectivo cliente que tinha ordenado o movimento - precisando da assinatura de outro procurador do banco além da sua - AA era o procurador n.º ... e n.º ... -, abordava um dos outros funcionários que também eram procuradores do banco, a saber:
• II (procuração n.° ...; foi funcionário do BTA de Julho de 92 a Março de 2001) que antecedeu o arguido na gestão do balcão de Seia;
• JJ (procuração n.º ...; funcionária do BTA desde 1981, trabalhou no balcão de Seja de Dezembro de 1999 até Julho de 2004, sempre como sub-directora);
• LL (procuração n.º ...; funcionário do BTA desde 1979, tendo sempre exercido funções na agência de Seia);
• MM (procuração n.º ...; funcionário do BTA de Seja desde 1.7.1982, onde sempre exerceu funções),
a quem pedia que assinassem esses títulos de crédito, aproveitando-se normalmente de ocasiões em que os mesmos estavam mais pressionados com o volume de trabalho.
15. Porque confiavam no AA, seu colega de trabalho, funcionário do BTA há já muitos anos, e face à alegação habitual que apresentava de que os clientes do BTA não estavam satisfeitos com as taxas de juro oferecidas e que por isso queriam levantar o dinheiro para o aplicarem noutro lado, os procuradores do banco acabavam por assinar ou rubricar os cheques bancários, inscrevendo também o seu número de procuração.
16. Apurou-se que nestas circunstâncias foram emitidos os seguintes cheques bancários e outros documentos necessários (designadamente, as requisições desses cheques) que lhes foram apresentados por AA:
• JJ (procuração nº ...), cheques bancários de fls. 11, 14, 17, 36, 482;
• LL (procuração n.º ...): cheque bancário de fls. 450 e o pedido de cheque de fls. 451.
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17. Verificaram-se as seguintes situações deste tipo com clientes do BTA de Seia:
18. NN é cliente do BTA, agência de Seia, desde finais da década de 70, local onde tem abertas várias contas, conhecendo, pois, AA há longa data, primeiro como “caixa” e depois como gerente desta instituição bancária.
19. Desde o ano de 1993 que o Francisco Patrão efectuou no BTA de Seia diversas aplicações financeiras, tendo sempre como interlocutor, do lado do Banco, AA, sendo que as primeiras decorreram de forma regular, pois sempre o capital investido e os juros capitalizados foram, a seu tempo, devidamente creditados nas suas contas à ordem.
20. A partir do ano de 1996, NN, sempre a conselho de AA, efectuou diversas aplicações financeiras em nome dos seus filhos OO e PP, motivado pelas elevadas taxas de juro que aquele prometia obter através da sucursal de Londres do BTA.
21. Para esse efeito, em 30.8.96, NN, mediante instruções de AA, assinou a autorização para a emissão de um cheque bancário no valor de 50.000.000$00, a debitar na sua conta no BTA (conta n.º ...), cheque (n.º ...) esse que foi de imediato emitido e entregue a AA, devendo este, tal como tinha acordado com o cliente, aplicar o seu montante pelo prazo de três anos (com opção de 5 anos) na sucursal de Londres do BTA, com a garantia de uma taxa de juro anual líquida de 11,5%.
22. Contudo, na posse desse cheque, AA depositou-o na conta n.º ... de que era titular no CPP, tendo o seu valor sido debitado na conta do cliente.
23. Mediante indicação dada pelo AA, no início do mês de Junho de 2000, NN preencheu os documentos necessários ao “resgate” desta suposta aplicação, mediante a alegação daquele de que poderia obter para o cliente uma taxa de juro anual de 16%, juntando o capital e os juros obtidos, no montante de 71.575.000$00, sendo que na sequência desta suposta operação financeira o arguido forjou um “Deposit Confirmation” que datou de 15.6.2000 e de onde fez constar o montante de 71.575.000$00, o prazo da aplicação (de 15.6.2000 a 15.6.2003) e a taxa de juro líquida anual de 16%, documento este que entregou ao cliente.
24. Em Junho de 2003, estando iminente o fim do prazo desta suposta aplicação, AA convenceu de novo NN a “renovar” esta suposta aplicação, [agora no montante de € 528.381,59 (correspondendo à soma do capital aplicado com os juros entretanto vencidos)], agora mediante a promessa de obtenção de uma taxa de juro anual líquida de 17% se a aplicação fosse por 3 anos ou de 17,5% se a aplicação fosse por cinco anos, sendo que na sequência desta suposta aplicação financeira AA forjou um outro “Deposit Confirmation” que datou de 15.6.2003 e de onde fez constar o montante (€ 528.381,59), o período de aplicação (entre 15.6.2003 e 15.6.2004 ou entre 15.6.2003 a 15.6.2005) e as taxas de juro de 17% ou de 17,5%, consoante o prazo escolhido, documento que entregou ao cliente.
25. Em finais de Fevereiro de 1999 e sabendo da disponibilidade financeira de NN, AA sugeriu-lhe que fizesse uma nova aplicação na sucursal de Londres do BTA, pelo prazo de 3 anos, no valor de 50. 000.000$00, garantindo-lhe a obtenção de uma taxa de juro anual de 10,25%, com a opção do prazo de 5 anos e, neste caso, com uma taxa de juro anual de 11,5%, o que foi aceite pelo cliente.
26. Para tal, NN preencheu e assinou o cheque na ..., sacado sobre a conta na ... de que era titular na Nova Rede de Seia, datado de 28.1.99, no montante acordado, ao portador (com o nome do beneficiário em branco), tendo ainda assinado uma ordem de pagamento nesse montante datada de 27.1.99.
27. NN entregou este cheque a AA que, de imediato, o depositou em sua conta no BES da Covilhã.
28. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation Treasury Bonds” que datou de 1.2.1999 e de onde fez constar o montante (50.000.000$00) e as referidas taxas de juro (de 1.2.99 a 1.2.2002 taxa de juro anual de 10.25%; de 1.2.99 a 1.2.2004 taxa de juro anual de 11,50%), documento que entregou ao cliente.
29. Nos primeiros dias de Agosto de 1999, AA voltou a abordar NN e sugeriu-lhe que fizesse uma outra aplicação no BTA de Londres, pelo prazo de 3 anos, agora no valor de 125.000.000$00, com uma taxa de juro anual de 10,25%, e com a opção do prazo de 5 anos e, neste caso, com uma taxa de juro anual de 11,75%, o que foi aceite pelo cliente.
30. Então, NN preencheu e assinou o cheque n.º 1859 6896 30, sacado sobre a referida conta de que era titular na Nova Rede de Seia, datado de 9.8.99, no montante de 125.000.000$00, ao portador, tendo ainda assinado uma ordem de pagamento nesse montante datada de 3.8.99.
31. NN entregou este cheque ao AA que, de imediato, o depositou em conta sua no BES.
32. Seguidamente, forjou um “Deposit Confirmation Treasury Bonds” que datou de 5.8.1999, de onde fez constar o montante de 125.000.000$00 e as referidas taxas de juro (de 5.8.99 a 5.8.2002 taxa de juro anual de 10.25%; de 5.8.99 a 5.8.2004 taxa de juro anual de 11,75%), documento que entregou ao cliente.
33. Em finais de Fevereiro do ano 2000 AA voltou a abordar NN, sugerindo-lhe que fizesse uma outra aplicação no BTA de Londres, pelo prazo de 3 anos, agora no valor de 50.000.000$00, com uma taxa de juro anual de 12%, e com a opção do prazo de 5 anos e, neste caso, com uma taxa de juro anual de 13%, sugestão que foi aceite pelo cliente.
34. Para tal, NN preencheu e assinou o cheque n.º ..., sacado sobre a referida conta de que era titular na Nova Rede de Seia, datado de 28.2.2000, no montante de 50.000.000$00, ao portador, tendo ainda assinado uma ordem de pagamento nesse montante datada de 29.2.2000.
35. NN entregou este cheque a AA que, de imediato, o depositou numa das suas contas no BES.
36. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation/Treasury Bonds” que datou de 1.3.2000, de onde fez constar o montante (50.000.000$00) e as referidas taxas de juro (de 1.3.2000 a 1.3.2003 - taxa de juro de 12%; período de 1.3.2003 a 1.3.2005 - taxa de juro de 13%), documento este que entregou ao cliente.
37. Em meados de Junho de 2000, AA voltou a abordar NN, sugerindo-lhe que fizesse uma outra aplicação no BTA de Londres, pelo prazo de 3 anos, agora no valor de 75.000.000$00, com uma taxa de juro anual de 16%, sugestão que foi aceite pelo cliente.
38. Para tal, NN preencheu e assinou dois cheques, emitidos ao portador, bem como as respectivas autorizações de emissão datadas de 12/6/2000, documentos, que, depois, entregou a AA.
39. A saber:
• cheque n.º ..., sacado sobre a conta na ... de que era titular na CCO de Seia, datado de 6.6.2000, no valor de 10.000.000$00;
• cheque n.º ..., sacado sobre a conta de que titular na Nova Rede de Seia, datado de 9.6.2000, no montante de 65.000.000$00.
40. Na posse destes cheques, AA depositou-os numa das suas contas no BES a 14.6.2000, onde foi creditado o seu valor.
41. Seguidamente, forjou um “Deposit Confirmation” que datou de 15.6.2000, de onde fez constar o montante global dos cheques (75.000.000$00) e a referida taxa de juro de 16% pelo período de 15.6.2000 e 15.6.2003, documento que entregou ao cliente.
42. Aproximando-se o suposto fim do prazo desta aplicação, pretendendo criar uma aparência da sua renovação, forjou um novo “Deposit Confirmation” que datou de 15.6.2003 e de onde fez constar o montante (553.665,66 €), os períodos de vigência da aplicação e as respectivas taxas de juro (de 15.6.2003 a 15.6.2004 - taxa de juro anual de 17%; de 15.6.2003 a 15.6.20050 - taxa de juro anual de 17,5%).
43. Em meados de Setembro de 2000, AA voltou a abordar NN, sugerindo-lhe que fizesse uma outra aplicação no BTA de Londres, pelo prazo de 3 anos, também no valor de 75.000.000$00, com uma taxa de juro anual de 18,5%, e com a opção do prazo de 5 anos com uma taxa de juro anual de 19,5%, sugestão que foi aceite pelo cliente.
44. Para tal, NN entregou a AA, já preenchido e assinado, o cheque n.º ..., sacado sobre a referida conta de que era titular na Nova Rede de Seia, datado de 25.7.2000, nesse montante de 75.000.000$00, ao portador, tendo ainda assinado uma ordem de pagamento nesse montante datada de 21.9.2000.
45. Na posse deste cheque AA depositou-o em conta sua no BES.
46. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation/Treasury Bonds” que datou de 21.9.2000, de onde fez onde constar o montante (75.000.000$00) e as referidas taxas de juro (período de 25.9.2000 a 25.9. 2003, taxa de juro de 18,5%; período de 25.9.2000 a 25.9.2005, taxa de juro de 19,50%), documento que entregou ao cliente.
47. Em meados de Janeiro de 2001, AA voltou a abordar NN, sugerindo-lhe que fizesse uma outra aplicação no BTA de Londres, pelo prazo de 3 anos, no valor de 50.000.000$00, com uma taxa de juro de 22%, e com a opção do prazo de 5 anos com uma taxa de juro de 23,5%, sugestão que foi aceite pelo cliente.
48. Para tal NN preencheu e assinou os seis seguintes cheques, que depois entregou ao arguido com o nome do beneficiário em branco, bem como 5 autorizações de emissão de cheque datadas de 22.1.2001, 24.1.2001, 26.1.2001, 29.1.2001, 31.1.2001
49. A saber:
• cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º 06818345001 de que era co-titular no CPP de Seia, datado de 22.1.2001, no montante de 8.100.000$00;
• cheque n.º ..., sacado sobre a mesma conta no CPP de Seia, datado de 24.1.2001, no montante de 7.600.000$00;
• cheque n.º ..., sacado sobre a mesma conta no CPP de Seia, datado de 29.1.2001, no montante de 6.000.000$00;
• cheque n.º ..., sacado sobre a mesma conta de que era titular na Nova Rede de Seia, datado de 22.1.2001, no montante de 9.700.000$00;
• cheque n.º ..., sacado sobre a mesma conta na Nova Rede de Seia, datado de 26.1.2001, no montante de 9.500.000$00;
• cheque n.º ..., sacado sobre a mesma conta na Nova Rede de Seia, datado de 31.1.2001, no montante de 9.100.000$00;
50. Na posse destes seis cheques, AA depositou-os numa das suas contas no BES onde foi creditado o seu valor.
51. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation/Treasury Bonds” que datou de 15.1.2001 e de onde fez constar o montante global dos cheques (50.000.000$00) e as referidas taxas de juro (de 1.2.2001 a 1.2.2004 - taxa de juro de 22%; 1.2.2001 a ou 1.2.2006 - taxa de juro de 23,50%), documento este que entregou ao cliente.
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52. QQ é cliente do BTA, agência de Seia, desde o ano de 1993, sendo titular de diversas contas bancárias e outras aplicações financeiras nessa instituição bancária.
53. QQ conhece AA desde a infância, pois são ambos naturais da freguesia de Pinhanços, concelho de Seia, sendo que por indicação daquele fez diversas aplicações financeiras das suas poupanças no BTA, funcionando AA como seu único interlocutor.
54. No ano de 1993, aquando do regresso da condição de emigrado, QQ, a conselho e por indicação do AA, constituiu nesse banco e balcão três depósitos a prazo, no valor global aproximado de 100.000.000$00, com uma taxa de juro anual de 12,75%.
55. No ano de 1995, face aos elevados montantes de que o cliente Lagarinhos dispunha, AA abordou-o e sugeriu-lhe que fizesse uma outra aplicação financeira altamente rentável: aplicação na sucursal de Londres do BTA, com uma taxa de juro anual de 14%, com o capital cativo por seis anos, prazo, findo o qual, lhe era devolvido o capital investido e os juros vencidos, proposta a que o cliente logo aderiu, tendo concretizado esse investimento em 3.2.1995, disponibilizando 50.000.000$00 para esse efeito, autorizando-o a proceder â transferência necessária para esse efeito.
56. Já anteriormente, em 1.2.1995, por indicação do AA, o mesmo cliente transferiu da sua conta à ordem n.º ... a quantia de 72.500.000$00, destinando-se segundo AA também ao depósito na sucursal do BTA em Londres, onde era garantida uma taxa de juro anual de 10,3%, podendo a qualquer altura resgatar o capital investido e juros.
57. A 5.2.1996, também a conselho de AA, QQ fez uma outra aplicação financeira na sucursal de Londres do BTA, pelo valor de 25.000.000$00.
58. A conselho de AA, QQ acabou por fundir numa só as aplicações feitas em 3.2.1995, no valor de 50.000.000$00, e em 5.2.96, no valor de 25.000.000$00, aplicação, essa, que, em 3/2/2001 alcançava já o montante de 132.625.000$00.
59. Relativamente a esta aplicação, AA emitiu um “Deposit Confirmation” datado de 3.2.2001, onde constava o montante (132.625.000$00), o período da aplicação (5.2.2001 a 5.2.2004) e a taxa de juro anual de 16,50%.
60. Em 4.12.1997, AA, invocando a possibilidade de obtenção de uma vantajosa taxa de juro, convenceu QQ a fazer uma nova aplicação financeira na sucursal do BTA no Luxemburgo, agora no valor de 51.500.000$000.
61. Para tal, seguindo as instruções que lhe foram dadas pelo AA, QQ transferiu essa quantia de sua conta no BTA de Seia, através de cheque, para o balcão de Seia do Banco Mello, onde era titular da conta n.º ..., sendo que de seguida preencheu e assinou um cheque sobre esta sua conta no Banco Mello, nesse mesmo valor, emitido ao portador, que entregou a AA.
62. Na posse deste cheque, AA depositou-o, a 10/12/97, na sua conta n.º .... no CPP.
63. Pretendendo fazer crer que esta pretensa aplicação se tinha renovado, agora com o valor de 51.072.250$00, AA, com data de 9/5/2001, forjou um “Extrait de Compte”, de onde fez constar como aplicado esse valor, o respectivo prazo (9-5-2001 a 9-5-2004) e a taxa de juro anual de 9%, documento que entregou ao cliente.
64. Ainda relativamente a esta pretensa aplicação, AA, a 9.5.1999, forjou um outro “Extrait de Compte” de onde fez constar o montante de 58.072.250$00, o prazo (entre 9.5.1999 e 9.5.2004) e a taxa de juro anual de 9%.
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65. RR está emigrado na República Democrática do Congo e há mais de 20 anos que é cliente do BTA, agência de Seia, onde é titular da conta à ordem n.º ... .
66. RR conhece AA desde os tempos em que ambos frequentavam o mesmo liceu em Seia, sendo que em meados de Agosto de 2001, estando o RR de férias em Portugal, AA propôs-lhe que ele fizesse uma aplicação financeira na sucursal de Londres do BTA, por um ano, com uma rentabilidade acima da média, oferecendo uma taxa de juro anual líquida de 8,5%.
67. Para tal, e segundo o acordado entre ambos, RR enviou ao AA, por correio registado, para o seu local de trabalho, devidamente preenchido e assinado, o cheque n.º ..., sacado sobre uma conta de que era titular no BPSM de Almada (...), datado de 28.8.2001, no valor de 49.000.000$00, com o número de beneficiário em branco.
68. Na posse deste cheque, em 3.9.2001, AA depositou-o na conta n.º ..., sedeada no BTA de Seia, cujos titulares eram o seu irmão GG e esposa, mediante o preenchimento de um talão de depósito apropriado, em que AA mencionou que o depósito era a favor de RR, mas cuja conta indicada foi a do seu irmão GG.
69. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation”, que datou de 4.9.2001 e de onde fez constar o montante de 49.000.000$00, o prazo de aplicação (de 4.9.2001 a 4.9.2002) e a taxa de juro de 8,5%, documento este que enviou por correio ao cliente e que este recebeu, poucos dias depois, na sua residência em Kinshasa.
70. Aproximando-se as datas em que tal pretensa aplicação se venceria - primeiro 4.9.2002 e depois 4.9.2003, AA forjou mais documentos com que pretendeu titular duas renovações dessa aplicação.
71. A saber:
• “Deposit Confirmation” que datou de 4.9.2002, de onde fez constar o montante (€ 265.185,90), o período (de 4.9.2002 a 4.9.2003) e a taxa de juro de 9%;
• “Deposit Confirmation” que datou de 4.9.2003, de onde fez constar o montante de € 290.378,56, o período da aplicação (de 4.9.2003 a 4.3.2004) e a taxa de juro de 9% .
72. Documentos estes que AA enviou ao cliente pelo correio.
73. A referida quantia de 49.000.000$00, que AA depositou na conta de seu irmão, foi sendo movimentada por aquele.
74. Da seguinte forma:
• no dia 7.9.2001, levantou ao balcão e em numerário a quantia de 3.000.000$00, através da emissão do cheque n.º ..., nesse valor, com data de 7.9.2001, ao portador, quantia que este depositou na sua conta n.º ... no CPP no dia 10.9.2001 (fIs. 454 e 324 do apenso V);
• emissão de um cheque bancário com o n.° ..., datado de 7.9.2001, no montante de 8.000.000$00, à ordem do CPP, depositado pelo arguido AA na sua conta neste banco, no balcão de Seia, no dia 10.9.2001 (fls. 455, 456, 457 e 324 do apenso V);
• no dia 7.9.2001, levantou ao balcão e em numerário a quantia de 2.000.000$00, através da emissão de cheque n.° ...., nesse valor, com data de 6.9.2001, ao portador, quantia que este depositou na sua conta n.º .... do BTA de Seia no dia 7.9.2001 (fls. 458 e 324 do apenso V);
• emissão de um cheque com o n.º ...., datado de 7.9.2001, no montante de 2.400.000$00, emitido em nome do arguido e que este depositou, nessa mesma data, na sua conta n.º BES n.º ... (Fls. 459, 460;. 128 e 129 do apenso IV);
• em 10.9.2001 transferiu 3.100.000$00 para a conta n.º ... por si titulada no BTA de Seia (fls. 461, 462 e 79 do apenso V);
• emissão de cheque n.º ..., datado de 10.9.2001, no montante de 2.000.000$00, ao portador, que depositou na sua conta n.º ... no CPP no dia 10.9.2001 (fls. 463 e 464 e 324 do apenso V);
• emissão de cheque n.º ..., datado de 10.9.2001, no montante de 3.500.000$00, ao portador, que depositou na sua conta n.º ... no CPP no dia 10.9.2001 (fls. 465 e 466 e 324 do apenso V);
• em 20.9.2001 transferiu 2.500.000$00 para a conta nº ... por si titulada no BTA de Seia (fls. 461, 462 e 79 do apenso V);
• emissão do cheque n.º ..., datado de 20.9.2001, no montante de 3.000.000$00, ao portador, que o arguido depositou na sua conta no BES n.º ... no dia 29.9.2001 (fls. 469 e 470 e 130 do apenso IV);
• emissão do cheque n.º ..., datado de 25.9.2001, no montante de 4.500.000$00, ao portador, pago por caixa a AA, em numerário, nesse mesmo dia (fls. 471);
• emissão do cheque n.º ..., datado de 23.10.2001, no montante de 3.000.000$00, ao portador, que o arguido depositou na conta n.º ... na CCD titulada pelo arguido e sua esposa - fls. 474 e 475 e 90 do apenso VI;
• emissão do cheque n.º ..., datado de 5.11.2001, no montante de 1.000.000$00, ao portador, que o arguido AA depositou na sua conta n.º ... no CPP no mesmo dia (fls. 476 e 477 e 326 do apenso V);
• emissão do cheque n.º ..., datado de 9.11. 2001, no montante de 3.000.000$00, ao portador, pago por caixa ao arguido AA, em numerário, nesse mesmo dia (fls. 478 e 479);
• emissão do cheque n.º ..., datado de 23.11.2001, no montante de 1.600.000$00, ao portador, pago por caixa ao arguido AA, em numerário, nesse mesmo dia (fls. 480 e 481);
• emissão do cheque bancário n.º ..., datado de 21.11.2001, a debitar nessa conta, no montante de 9.000.000$00, à ordem de GG, endossado pelo GG no verso e depositado nesse mesmo dia pelo arguido AA na sua conta na CGD da Figueira da Foz, a partir do balcão de Seia da CGD (fls. 482, 483; 94 do apenso VI).
***
75. Há mais de 30 anos que João Figueiredo Monteiro é cliente do BTA de Seia, conhecendo, por isso, AA desde longa data, pessoa em quem tinha grande confiança.
76. No ano de 1995, sendo ainda gerente II, pessoa que antecedeu AA nessas funções, SS fez uma aplicação financeira na sucursal de Londres do BTA, de montante superior a € 200.000.
77. No início de Março de 2002, numa altura em que este cliente se deslocou ao banco em causa, AA abordou-o e convenceu-o a fazer uma outra aplicação, na mesma sucursal, também no montante de € 200.000, prometendo-lhe uma rentabilidade de 5,875% de juro anual, com a obrigação de permanência de 18 meses, rentabilidade essa superior à obtida pela aplicação deita em 1995.
78. Para tal, seguindo as instruções dadas por AA e confiando neste, SS assinou em branco uma ordem de transferência de verbas, na sequência da alegação de AA que referiu ao cliente que deixasse o documento por preencher porque iria ainda tentar conseguir uma rentabilidade superior.
79. Na posse deste documento apenas assinado por SS, AA acabou de o preencher e de onde fez constar a data de 15.3.2002 e a autorização para serem debitados € 200.000 na conta n.º ... (conta “Depósito-Ordem – emigrantes”), titulada pelo cliente em causa, a favor do BES (fls. 575).
80. Seguidamente, AA procedeu à emissão do cheque bancário n.º ..., datado de 15.3.2002, no valor de € 200.000, à ordem do BES, que o próprio assinou, tendo também o cheque sido assinado pela sub-gerente JJ, a quem o arguido referiu que o cliente não estava satisfeito com as taxas de juro praticadas no BTA e que iria levar o dinheiro para outro banco onde iria obter uma taxa de juro mais favorável.
81. Nesse mesmo dia, tal quantia foi descontada na conta já referida de SS no BTA, sendo que na posse desse cheque AA depositou-o numa das suas contas bancárias no BES da Covilhã.
82. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation” que datou de 15.3.2002, de onde fez constar o período de aplicação (de 15.3.2002 a 15.9.2003), o valor a aplicar (€ 200.000) e a taxa de juro anual de 5,875%, documento este que entregou ao cliente do banco.
83. Aproximando-se a data em que deveria terminar o prazo desta suposta aplicação, SS, no dia 12.9.2003, deslocou-se de novo ao BTA de Seia, onde AA, referindo-lhe a possibilidade de obter uma taxa de juro superior, agora de 6,625%, o convenceu a aceitar uma renovação da aplicação, pelo período de um ano.
84. Então, AA forjou novo “Deposit Confirmation” que datou de 15.9.2003, de onde fez constar o montante (€ 200.000), o período da aplicação (de 15.9.2003 a 15.9.2004) e a taxa de juro anual de 6,625%, documento que depois enviou pelo correio ao cliente que o recebeu na sua residência a poucos dias depois, já em Outubro de 2003, em Bobadela.
85. Entretanto, nos primeiros dias de Março de 2003, SS dirigiu-se de novo ao BTA de Seia, onde abordou AA no sentido de este o aconselhar quanto ao investimento mais rentável para a quantia de € 50.000,00 que tinha disponíveis.
86. AA aconselhou-o, então, a fazer uma nova aplicação financeira, também na sucursal de Londres do BTA, por um ano, garantindo a obtenção de uma taxa de juro anual de 6,5%.
87. Para o efeito, SS preencheu e assinou um cheque sacado sobre a sua conta no BTA de Seia, datado de 5.3.2003, no montante de € 50.000,00 ao portador, que remeteu ao arguido por correio azul e registado.
88. Tendo recebido esse cheque a 11.3.2003, AA depositou-o na sua conta no BES ..., incluído num depósito global de € 250.000,00.
89. Seguidamente, AA forjou e entregou ao cliente um “Deposit Confirmation” que datou de 10.3.2003, e de onde fez constar o prazo de aplicação (de 10.3.2003 a 10.3.2004), o montante de € 50.000,00 e a taxa de juro anual de 6,5%.
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90. TT é titular de uma conta bancária no BTA de Seia há cerca de 40 anos, facto que também acontecia com o seu pai, entretanto falecido, conhecendo, pois, bem AA, no qual depositava total confiança.
91. Em 2001, aquando do falecimento de seu pai, TTe sua irmã, UU, decidiram abrir uma nova conta no BTA de Seia, para onde canalizaram todos os fundos que detinham.
92. Dado o volume dessa verba, TT, com a anuência de sua irmã, em finais de Março, princípios de Abril de 2002, deslocou-se ao local de trabalho de AA, onde o questionou sobre a forma mais rentável de aplicar o dinheiro, tendo este sugerido uma aplicação financeira pelo período de um ano na sucursal de Londres do BTA, garantindo-lhe a obtenção de uma taxa de juro anual de 5,875%, sugestão que foi aceite.
93. A fim de concretizar tal investimento, TT preencheu e assinou o cheque n.º ...., sacado sobre a conta na ... de que era titular juntamente com sua irmã, no valor de € 130.000,00 datado de 2.4.2002, emitido ao portador.
94. Na posse deste cheque AA, a 3.4.2002, depositou-o numa das suas contas no BES da Covilhã.
95. Passado cerca de um ano, TT, a fim de reforçar esta suposta aplicação financeira no BTA de Londres, entregou a AA, devidamente preenchido e assinado, um outro cheque com o n.º ..., agora no valor de € 12.362,50, sacado sobre a conta ... no BTA de Seia, titulada por um seu primo - VV - datado de 26.3.2003, ao portador, sendo que, com o valor inicial, a capitalização do juro prometido e este reforço, a aplicação deveria ter o valor de cerca de € 150.000,00.
96. Na posse desse cheque, AA descontou-o ao balcão de que era gerente, tendo feito seu esse montante.
97. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation”, datado de 1.4.2003, de onde fez constar o período de aplicação (de 1.4.2003 a 1.4.2004), o valor (€ 150.000) e a taxa de juro anual de 6,5%, documento que entregou ao cliente.
98. Em 31.7.2002, UU deslocou-se de novo ao BTA de Seia, questionando AA sobre de que modo poderia aplicar mais € 130.000,00 de forma a obter a melhor rentabilidade, tendo-lhe sugerido fazer nova aplicação financeira na sucursal de Londres do BTA, nos moldes da já feita em Abril de 2002.
99. Para tal, entregou-lhe o cheque n.º ..., devidamente preenchido e assinado, nesse montante, sacado sobre a conta n.º ... de que era titular no BTA de Seia, com essa mesma data, ao portador.
100. Na posse deste cheque, nessa mesmo dia (31.7.2002), AA depositou-o numa das suas contas no BES da Covilhã.
101. De seguida, AA forjou um “Deposit Confirmation” que datou de 31.7.2002, de onde fez constar o prazo da aplicação (de 31.7.2002 a 31.7.2003), o montante (€ 130.000,00) e a taxa de juro anual de 5,875%, documento que entregou ao cliente.
102. Aproximando-se o final do prazo da suposta aplicação (31.7.2003), o arguido, querendo fazer crer ao cliente que tal aplicação se renovava, voltou a forjar novo “Deposit Confirmation”, de onde fez contar essa data, o montante (€ 137.637,50, correspondendo ao capital inicialmente investido e à capitalização dos juros), o período da aplicação (de 31.7.2003 e 31.7.2004) e a taxa de juro anual (agora de 6,75%), documento que AA enviou ao cliente pelo correio em finais de Setembro de 2003.
103. Ainda a 10.10.2002 AA, invocando a boa rentabilidade das aplicações na sucursal de Londres do BTA, voltou a convencer UU a fazer um novo investimento no valor de € 130.000, nos mesmos moldes dos já referidos, sendo que para o efeito, o cliente entregou a AA, devidamente preenchido e assinado, o cheque n.º ..., sacado sobre a conta de que era titular no BTA de Seia, nesse valor e com essa data, emitido ao portador.
104. Na posse desse cheque, AA depositou-o numa das suas contas no BES da Covilhã no dia 10.10.2002, juntamente com outro cheque que perfez um depósito no montante global de € 230.000,00.
105. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation” que datou de 10.10.2002 e de onde fez constar o montante (€ 130.000,00), o período (de 10.10.2002 a 10.10.2003) e a taxa de juro anual de 5,875%, documento que entregou ao cliente.
106. No início do mês de Janeiro de 2003, AA, invocando mais uma vez a boa rentabilidade das aplicações na sucursal de Londres do BTA, voltou a convencer TT a fazer uma outra aplicação financeira, no mesmo montante de € 130.000,00 garantindo-lhe agora a obtenção de uma taxa de juro anual de 6%, sendo que, para o feito, o cliente entregou ao arguido, devidamente preenchido e assinado, o cheque n.º ..., nesse montante, datado de 9.1.2003, sacado sobre a sua conta no BTA de Seia, emitido ao portador.
107. Na posse do cheque, AA depositou-o numa das suas contas no BES da Covilhã a 15.1.2003.
108. Seguidamente AA forjou um “deposit confirmation” que datou de 13.1.2003 e de onde fez constar o prazo de aplicação (de 13.1.2003 a 13.1.2004), o montante de € 130.000,00 e a taxa de juro anual de 6%, documento que entregou ao cliente, tendo-lhe dito que o aumento da taxa de juro anual para 6% funcionava como um prémio de permanência.
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109. XX é cliente do BTA, agência de Seia, desde o início da década de 90, sendo ali titular de várias contas bancárias, conhecendo por isso bem o AA, pessoa em quem confiava plenamente, tendo feito, a seu conselho, diversas aplicações financeiras.
110. Em meados de Novembro de 2001, aproveitando uma visita do cliente ao banco, o arguido aconselhou-o a efectuar uma aplicação financeira na sucursal de Londres do BTA, garantindo-lhe que ele poderia obter uma taxa de juro anual de 6,25%, sendo que, para esse efeito, o XX, confiando no conselho de AA, na altura já gerente do balcão de Seia do BTA, preencheu e assinou o cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ... de que era titular no BPI de Oliveira do Hospital, no valor de 30.000.000$00, datado de 13.11.2001, emitido ao portador, conforme indicação expressa de AA, tendo-o entregue a este.
111. Na posse do cheque, AA depositou-o numa das suas contas no BES da Covilhã a 16.11.2001.
112. Em Novembro de 2002, relativamente a esta suposta aplicação, ao AA forjou um “Deposit Confirmation” que datou de 15.11.2002, onde fez contar que o montante seria de € 158.243,62, o prazo entre 15.11.2002 e 15.11.2003 e o juro de 6,25% anuais, documento que entregou ao cliente.
113. No início de Outubro de 2002, quando interpelado pelo mesmo cliente, AA aconselhou-o de novo a fazer o mesmo tipo de aplicação, com as mesmas condições, agora no valor de € 100.000,00.
114. Para o efeito, XX preencheu e assinou o cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ... de que era titular no BPI de Oliveira do Hospital, nesse valor, datado de 7.10.2002, emitido ao portador, conforme indicação expressa do arguido, título de crédito que foi entregue ao AA nesse mesmo dia (7.10.2002).
115. Para além disso, a pedido de AA, XX assinou a necessária autorização (“Requisição de Meios de Pagamentos para o Exterior”), datada de 7.10.2002, para esse investimento poder ser concretizado na sucursal de Londres do BT A (fls. 596).
116. Na posse do referido cheque, AA depositou-o numa das suas contas no BES, no dia 10.10.2002, juntamente com outra quantia, perfazendo a quantia global € 230.000,00.
117. De seguida, AA forjou e entregou ao cliente um “Deposit Confirmation”, que datou de 8.10.2002, de onde constava que tinha sido feita a aplicação de € 100.000,00 entre 8.10.2002 e 8.10.2003, com uma taxa de juro anual garantida de 6,50%, documento que entregou ao cliente.
118. Mais tarde, já em Maio de 2003, ainda a conselho do arguido que desta vez lhe garantiu a obtenção de uma taxa de juro anual de 7,5%, XX decidiu fazer uma outra aplicação financeira na sucursal de Londres do BTA, no valor de € 250.000,00 tendo, para o efeito, preenchido e assinado o cheque n.° ..., sacado sobre a conta n.º ... de que era titular no BTA de Seia, datado de 21.5.2003, nesse montante, emitido ao portador, conforme recomendação de AA, cheque que foi entregue a este.
119. Para além disso, a pedido de AA, XX assinou a necessária autorização (“Requisição de Meios de Pagamentos para o Exterior”), datada de 16.5.2003, para esse investimento poder ser concretizado na sucursal de Londres do BTA (fls. 599/1010).
120. Na posse do título de crédito, AA depositou-o num das suas contas do BES no dia 21.5.2003.
121. Nessa mesma data, AA forjou um “Deposit Confirmation”, que datou de 21.5.2003, dele fazendo constar o montante da aplicação (€ 250.000,00), o período (entre 21.5.2003 e 21.11.2003) e a taxa de juro anual (7,5%), documento que entregou ao cliente.
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122. Atraído pelas notícias de que o BTA de Seia oferecia boas taxas de rentabilidade em aplicações financeiras, ZZ tornou-se seu cliente em 13.5.2002, altura em que procedeu à abertura da conta à ordem com o na ... .
123. Em 13.8.2002 ZZ dirigiu-se a essa agência onde contactou com AA a quem solicitou informações sobre a melhor aplicação financeira para o dinheiro que tinha disponível, propondo-lhe este, então, uma aplicação financeira na sucursal de Londres do banco, pelo período de 6 meses, garantindo-lhe um juro anual de 5,875%, o que o cliente aceitou face às boas condições oferecidas.
124. Para tal, ZZ entregou a AA, devidamente preenchidos e assinados, dois cheques, ao portador:
• cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ... de que era titular no BIC do Pinhal Novo, datado de 13.8.2002, no montante de € 240.000;
• cheque n.º ..., sacado sobre a conta. ... de que era titular no BTA de Seia, datado de 13.8.2002, no montante de € 35.000;
• ao mesmo tempo que assinou em branco a ordem de transferência n.º ... (“Requisição de Meios de Pagamentos para o Exterior”), com a mesma data (13.8.2002), no valor de € 275.000, preenchida por AA, a fim de ser concretizada a aplicação financeira.
125. Na posse desses cheques, AA depositou:
• o primeiro na sua conta na CGD da Figueira da Foz a 16.8.2002 e
• o segundo depositou-o no dia 14.8.2002 na sua conta no CPP (...) juntamente com outras quantias.
126. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation” que datou de 2.9.2002 e de onde fez constar o montante (€ 275.000,00), o período de aplicação (de 2.9.2002 a 2.3.2003) e a taxa de juro anual de 5,875%, documento que entregou pessoalmente ao cliente.
127. Aproximando-se a data em que o prazo desta suposta aplicação deveria terminar, AA contactou o cliente e convenceu-o a fazer a sua renovação, agora com uma rentabilidade de 7% ao ano, a partir de 2.3.2003, por igual período (6 meses), com o mesmo montante.
128. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation” que datou de 2.3.2003, de onde fez constar o montante (€ 275.000,00), o período de aplicação (de 2.3.2003 a 2.9.2003) e a taxa de juro anual de 7%, documento que depois entregou pessoalmente ao cliente.
129. Em 2.9.2003, AA, prometendo uma taxa de juro anual superior, de 8%, convenceu o cliente ZZ a renovar essa suposta aplicação referida, por igual período, agora com a importância de € 300.000,00 correspondendo aos € 275.000,00 investidos inicialmente, adicionados dos supostos juros que se teriam vencido entre 2.3.2003 e 2.9.2003 e da quantia de 15.375,00 €, disponibilizada em 8.9.2003 através de autorização de emissão e posterior emissão de um cheque bancário (cheque nº ...), a debitar na conta à ordem do cliente (conta n.º ...).
130. AA, na posse desse título de crédito, no dia 24.9.2003, depositou-o na conta n.º ... da CGD de Gouveia.
131. Entretanto, ZZ forjou um “Deposit Confirmation”, no qual apôs a data de 2.9.2003, o montante supostamente aplicado (€ 300.000,00), o período (entre 2.9.2003 e 2.3.2004) e taxa de juro anual de 8%, documento que entregou em mão ao cliente.
132. Entretanto, no dia 10.2.2003, tendo encontrado ZZ na agência bancária que dirigia, AA propôs-lhe a concretização de uma outra aplicação financeira, também na sucursal de Londres do BT A, agora no valor de € 250.000,00 por 6 meses e com uma taxa anual de juro de 7%, proposta que o cliente aceitou, por ter confiado, mais uma vez, nas condições aparentemente vantajosas oferecidas pelo AA.
133. Para o efeito, ZZ entregou a AA, devidamente preenchido e assinado, o cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ... de que era titular no BPN de Seia, datado de 10.2.2003, no valor de € 250.000, emitido ao portador, tendo o cliente assinado ainda uma “Requisição de Meios de Pagamentos para o Exterior” destinada ao BTA de Londres.
134. Na posse desse cheque, AA do depositou-o na sua conta no BES n.º ... Covilhã - agência do Hospital Cova da Beira.
135. Seguidamente, AA forjou um “Deposit Confirmation”, onde apôs a data de 11.2.2003, o período da aplicação (de 11.2.2003 a 11.8.2003), o montante (€ 250.000,00) e taxa de juro anual de 7%, documento esse que entregou em mão ao cliente na agência bancária de que era gerente.
136. Aproximando-se o fim do prazo desta suposta aplicação, AA propôs ao cliente a sua renovação, agora vencendo uma taxa de juro de 7,5%, o que foi aceite pelo cliente, tendo, então, AA forjado mais um “Deposit Confirmation”, onde apôs a data de 11.8.2003, o período (de 11.8.2003 a 11.2.2004) e a taxa de juro de 7,5%, documento que também entregou em mão ao cliente.
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137. AAA é cliente do BTA há mais de 30 anos, sendo que, estando emigrado na Venezuela, abriu uma conta na sucursal de Caracas deste banco.
138. Já regressado a Portugal e residindo em Vila Nova de Tazém, sempre que precisava de tratar algum assunto no BTA dirigia-se à agência de Seia, circunstância em que conheceu AA.
139. No início do mês de Fevereiro de 2003, aproximando-se o vencimento de um depósito a prazo no valor de € 200.000,00 AAA dirigiu-se a AA para que este o aconselhasse quanto ao destino a dar a tal montante, tendo AA dito ao cliente que o mais rentável seria aplicá-lo na sucursal do Luxemburgo do BTA, por um ano e com uma taxa de juro de 6,75%.
140. Aderindo a esta sugestão, o cliente, seguindo as instruções dadas pelo AA, assinou um documento em como autorizava a transferência desse montante da sua conta à ordem para a aplicação financeira, documento que entregou ao mesmo.
141. Então, AA providenciou pela emissão de um cheque bancário (cheque n.º ...), datado de 20.2.2003, no montante de € 200.000,00 à ordem de “BES, S.A.”, a descontar na conta de AAA (conta nº ... - conta “Depósito-Ordem- emigrantes”).
142. Na posse desse cheque, AA depositou-o numa das suas contas no BES de Oliveira do Hospital, onde foi creditado o seu valor.
143. Ainda em 20.2.2003, Camilo José forjou um “Extrait de Compte”, de onde fez constar essa data, o montante (€ 200.000,00), o prazo de aplicação (de 20.2.2003 a 20.2.2004) e a taxa de juro anual de 6,75%, documento que entregou ao cliente em mão.
144. Nessa altura, AAA pediu a AA que assinasse tal documento e que lhe apusesse o selo branco do BTA, pedidos a que AA acedeu de imediato. (fls. 10 a 12, 571,572, 1291 fls. 190 do apenso IV).
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145. BBB é cliente do BTA de Seia há já alguns anos, tendo conhecido AA primeiro como funcionário e depois como gerente desta instituição.
146. Tendo algum dinheiro disponível, Pedra Saraiva, no dia 21.8.2003, deslocou-se a essa instituição bancária onde abordou AA e o questionou sobre se haveria alguma aplicação financeira com uma boa rentabilidade, tendo-lhe aquele recomendado uma aplicação no BTA de Luxemburgo, pelo prazo de um ano, com uma taxa anual de juro de 5,875%.
147. Tendo ficado agradado com essas condições, BBB colocou, então, na sua conta à ordem (conta n.º ...) a quantia de € 300.000,00 para fazer essa aplicação e no dia 5.9.2003, no gabinete de AA no BTA de Seia, onde apenas se encontravam os dois, e a pedido deste, assinou uma requisição de meios de pagamento para o exterior com o n.º ..., a qual foi integralmente preenchida pelo arguido, na qual deu ordem para ser retirada dessa conta essa quantia a favor do BTA do Luxemburgo.
148. Então, AA providenciou pela emissão de um cheque bancário (cheque n.° ...), datado de 8.9.2003, no montante de € 300.000,00 emitido à ordem de “Banco Espírito Santo, S.A.”, a debitar na referida conta do cliente, tendo o cheque sido assinado por AA e por JJ, na altura sub-gerente e procuradora do banco, a quem AA referiu que o cliente não tinha aceite as taxas de juro oferecidas pelo BT A.
149. Tal cheque foi depositado pelo AA numa das suas contas no BES da Covilhã agência do Hospital Cova da Beira (...).
150. Simultaneamente, AA forjou um “Extrait de Compte”, de onde fez constar o montante de € 300.000,00 o prazo de aplicação (de 5.9.2003 a 5.9.2004) e a taxa de juro de 5,875%, documento que foi entregue pessoalmente por AA ao cliente na casa deste.
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151. CCC é cliente do BTA de Seia desde meados do ano de 2002, sendo que conhece AA desde a infância, mantendo com ele, desde então, uma relação de amizade.
152. Em finais de Setembro de 2002, AA, apercebendo-se de que CCC tinha numa conta à ordem, sedeada no balcão que dirigia, cerca de € 150.000,00 aconselhou-o a fazer uma aplicação financeira desse montante, de forma a melhor o rentabilizar, sugerindo-lhe que o fizesse no BTA de Londres, comprando obrigações do tesouro inglesas, garantindo-lhe a obtenção de uma taxa anual de juro de cerca de 7,25%.
153. Mostrando-se CCC interessado em fazer esse investimento, AA alegou que essas aplicações não estavam sempre disponíveis, precisando de indagar junto dos serviços centrais do BTA dessa disponibilidade.
154. Dias mais tarde, AA contactou o cliente e informou-o de que tal aplicação poderia ser feita nas condições anunciadas, mas que teria de ser feita através da sucursal do Luxemburgo, o que CCC aceitou.
155. Para tal, no dia 30.9.2002 CCC deslocou-se ao BTA de Seia onde se encontrou com AA, local onde preencheu e assinou o cheque nº ..., sacado sobre a conta ... de que era titular nesse banco, no montante de € 150.000,00 que datou de 4.10.2002, emitido à ordem de “Sucursal do Luxemburgo”.
156. Nessa reunião, AA informou CCC de que os documentos comprovativos da realização do investimento viriam pelo correio interno do banco e que lhos entregaria logo que os tivesse.
157. Na mesma ocasião, também a solicitação de AA, CCC assinou uma “Requisição de Meios de Pagamento para o Exterior”, com o n.º ... .
158. Na posse deste cheque, no dia 4.10.2002 AA depositou-o numa das suas contas no BES.
159. Nessa data, AA forjou dois documentos:
• “Extrait de Compte” em que fez constar o montante (€ 150.000,00), o prazo de aplicação (entre 4.10.2002 e 4.10.2003) e a taxa de juro anual de 7,25%;
• “Deposit Confirmation” que datou de 4.10.2002 e onde fez constar o mesmo montante e o mesmo tipo de condições,
documentos que depois entregou ao cliente.
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160. DDD é cliente do BTA de Seia há já alguns anos, sendo titular de várias contas, à ordem e a prazo, conhecendo, por isso, o arguido, pessoa em quem depositava inteira confiança.
161. Tendo-se vencido uma aplicação de que era titular e tendo disponibilidade financeira na sua conta à ordem, no dia 28.7.2003 o cliente deslocou-se a esse balcão e pediu ao arguido que o aconselhasse no investimento de € 175.000.
162. AA sugeriu-lhe, então, que fizesse uma aplicação financeira na sucursal do Luxemburgo do BTA, garantindo-lhe a obtenção de uma taxa de juro anual de 6,25%.
163. Para o efeito, seguindo as instruções de AA, DDD assinou a requisição necessária para a emissão de um cheque bancário nesse montante, cheque (cheque n.º ...) que veio a ser emitido nesse mesmo dia, à ordem de “B.E.S., S.A.”. e que veio a ser debitado na conta ... titulada pelo cliente.
164. Tal cheque foi assinado por AA e por MM, funcionário e procurador do banco (procuração n.º 1730), sendo que na posse de tal título de crédito, AA depositou-o na conta de que é titular no BES - agência do Hospital Cova da Beira/Covilhã (conta n.º ...).
165. Ainda a 27.8.2003, Camilo José forjou um “Extrait de Compte”, de onde fez constar o montante (175.000,00 €), o prazo (entre 28.7.2003 e 28.7.2005) e a taxa de juro de 6, 25%, documento que entregou ao cliente, pouco dias depois, dentro de um envelope fechado, nas instalações de Seia do BTA..
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166. EEE é sócio-fundador e actual administrador da empresa “Minas Cassiterite”, empresa essa que é titular de um conta bancária no BTA de Seia (conta n.º ...), conhecendo bem o AA.
167. A 13.5.2003, tendo vislumbrado EEE na dependência que dirigia, AA abordou-o e propôs-lhe que fizesse uma aplicação financeira na sucursal do BTA no Luxemburgo que lhe oferecia uma boa rentabilidade.
168. Tendo a sua empresa fundos disponíveis, EEE decidiu aceitar a sugestão do arguido, tendo-o autorizado a aplicar a quantia de € 139.500,00 a debitar na conta referida.
169. Então, segundo instruções dadas pelo AA, foi emitido um cheque bancário (n.º ...), datado de 12.5.2003, à ordem de “Banco Espírito Santo, S.A.”, no montante referido, a descontar na referida conta das “Minas Cassiterite”.
170. Na posse desse cheque, AA depositou-o no BES, a 13.5.2003, na agência do Hospital Cova da Beira na Covilhã, na conta ... de que era titular.
171. Ainda a 13.5.2003, AA forjou um “Extrait de Compte”, de onde fez constar o montante de € 139.000,00 o prazo da aplicação (de 13.5.2003 a 13.11.2003) e a taxa de juro anual de 6,5%, documento que depois enviou ao cliente pelo correio - (fls. 35 a 37, 617,618; fls. 201 do apenso IV).
*
172. Desde sensivelmente finais do ano de 1987 que FFF e a esposa - A... G... P... -, são clientes do BTA de Seia, ali sendo titulares da conta bancária n.º ..., conhecendo, pois, bem AA, primeiro como funcionário de balcão e depois como gerente, chegando mesmo a criar laços de amizade com ele.
173. AA, de forma regular (por norma, às terças e sextas-feiras de cada semana), deslocava-se ao estabelecimento de FFF e da esposa (Café P..., situado no Largo ..., Oliveira do Hospital), a fim de recolher quantias, em cheque e em numerário, para depositar na conta destes clientes; por seu lado, quando se deslocavam ao balcão de Seia do BT A, estes tinham um tratamento personalizado e privilegiado por parte de AA.
AA usava fundos destes clientes, para fazer aplicações financeiras, designadamente compra de acções.
174. Em 28.8.1997, no balcão do BTA de Seia, AA propôs a FFF fazer uma aplicação financeira no valor de 15.000.000$00 na sucursal de Londres, pelo prazo de 5 anos, garantindo-lhe a obtenção de uma taxa de juro anual de 9%, proposta que o cliente aceitou.
175. Para tal, FFF preencheu e assinou o cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ..., de que era titular no BPA de Oliveira do Hospital, no valor de 15.000.000$00, datado de 15.9.97, emitido ao portador, que entregou a AA no local de trabalho deste.
176. Na posse do cheque, AA depositou-o, em 26.9.1997, na conta n.º ... de que era titular no BTA da Carregosa.
177. Depois, AA forjou um “Deposit Confirmation”, datado de 28.8.1997, de onde fez constar o montante (15.000.000$00), o prazo (de 28.8.97 a 28.8.2002) e a taxa de juro anual garantida (9%), documento que depois entregou em mão ao cliente no local de trabalho deste (Café P...).
178. Na data em que supostamente se venceria esta aplicação financeira, a sugestão do AA, os clientes aceitaram que fosse feita a sua renovação até 28.2.2005, pelo que AA forjou um “Deposit Confirmation”, de onde fez constar a data (28.8.2003), o montante (117 167,50 €), o prazo (de 28.8.2003 a 28.2.2005) e taxa de juro anual de 9%,
documento este que AA enviou pelo correio ao cliente em finais de Setembro de 2003.
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179. GGG e sua esposa, M... I... C... M... M..., são clientes do BTA de Seia há mais de 20 anos, ali titulando várias contas bancárias, conhecendo bem o arguido, tendo plena confiança nele.
180. Em 25 de Março de 1994, tendo disponíveis cerca de 50.000.000$00 para investir, M... I... deslocou-se ao BTA de Seia, onde foi aconselhada pelo AA a investir esse montante em Obrigações do Tesouro, com a garantia de obtenção duma taxa anual de juro de 14%, pelo período obrigatório de 4 ou 5 anos.
181. Tentados pela taxa de juro oferecido, nesse mesmo dia M... I... e seu marido, GGG, preencheram os documentos necessários à subscrição de 5.000 obrigações do tesouro (1994 – 1ª série), pelo valor unitário de 10.000$00, assinando, ambos, essa subscrição, tendo dado autorização ao banco, ali representado por AA, para debitarem a quantia de 50.000.350$00 da sua conta à ordem (conta n.º ...).
182. AA providenciou, então, pela emissão de um cheque bancário (cheque n.º ...), nesse montante, e com essa data, emitido à ordem do CPP, que foi assinado pelo AA e por II, na altura gerente do balcão.
183. Na posse desse cheque, AA depositou-o na sua conta n.º ... no balcão de Seia do CPP.
184. Entre Março de 1995 e Março de 1998 e depois em 15.11.2000, para que os clientes de nada desconfiassem, AA foi forjando vários documentos relativos ao estado dessa suposta aplicação financeira, com conteúdo e assinaturas falsos, documentos esses que depois lhes entregava.
185. Por fim, depois de os clientes terem conseguido fazer alguns resgates dos montantes que tinham investido, AA acabou por forjar um “Deposit Confirmation” que datou de 15.11.2002 e de onde fez constar o montante (€ 159.615,32), o período (de 15.11.2002 a 15.11.2003) e a taxa de juro (14%), “Deposit Confirmation” esse que foi entregue a M... I... pela esposa de AA, a mando deste, a 30.9.2003.
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186. AA usou as suas contas bancárias,
a. no BTA: DO 12410070/001, e 381 67530/001, co-titulada por EE;
b. no Crédito Predial Português/CPP (banco que mais tarde veio a fazer parte do BTA - grupo Santander/Totta): nº ...,
c. no Banco Espírito Santo (BES), nºs ..., ..., ..., ...;
d. na Caixa Geral de Depósitos (CGD): balcão de Seia: - ..., ...; - balcão do Bairro Novo, na Figueira da Foz: - ..., ...; - balcão de Gouveia: - ...,
e. e a conta bancária n.º ..., no BTA de Seia, titulada pelo seu irmão - GG - e pela esposa - L... C... L... A... P... C...,
nos termos supra referidos sob os pontos 22, 27, 31, 35, 40, 45, 50, 62, 68, 74, 79, 81, 88, 94, 100, 104, 107, 111, 116, 120, 125, 130, 134, 142, 149, 158, 164, 170, 176, 183, para depositar as quantias de que se conseguia apropriar, nelas depositando:
• cheques bancários descontados sobre contas de clientes do BTA;
• cheques de clientes do BTA;
• quantias transferidas de outras contas;
• quantias em numerário, depois de ao balcão descontar alguns desses títulos de crédito.
187. Assumiram particular importância, pelo volume dos depósitos realizados:
• as contas de que AA era o único titular no BES da Covilhã (balcão Hospital Cova da Beira) aqui tendo depositado, pelo menos, a quantia global de € 4.609.500,00;
• a conta de que AA era titular no CPP, aqui tendo depositado € 782.500,00.
188. AA gastava tais quantias em proveito próprio e segundo os seus interesses pessoais, sendo a maior parte dos montantes apropriados despendidos no jogo ou em função do jogo em casinos.
189. Serviram a AA para:
• depositar quantias que pertenciam a clientes do BTA, e como suporte para as movimentar e transferir, as contas bancárias aludidas sob os pontos 22, 27, 31, 35, 40, 45, 50, 62, 68, 74, 79, 81, 88, 94, 100, 104, 107, 111, 116, 120, 125, 130, 134, 142, 149, 158, 164, 170, 176, 183;
• obter juros de depósitos a prazo e de aplicações financeiras que fez em seu nome, contas de depósito a prazo, títulos e fundos, assim descriminadas sob o p. 7;
• negociar e obter empréstimos em condições vantajosas; constituir depósitos a prazo e conta-poupança habitação em seu nome, as contas assim referidas sob o p. 7.
190. AA adquiriu:
• em 1998 um prédio urbano em Seia, inscrito na matriz n.º ..., descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., com mútuo a favor do BTA (fls. 94 e 95);
• em Agosto de 2001, na Figueira da Foz, freguesia de São Julião, as fracções “B”, “C” e “O” do prédio urbano inscrito na matriz n.º ..., descrito na respectiva Conservatória sob o n.º ... e ... (fls. 123), pagando-o, em Agosto de 2002, na parte de cerca de € 20.000, 00, com dinheiro que levantou de sua conta da Figueira da Foz, na qual depositava dinheiro dos supra referidos clientes e prémios do jogo com dinheiro de tais clientes;
• em Janeiro de 1999, uma carrinha Volvo V40 de matrícula ...-...-...;
• em 2001, um jipe “topo de gama”, da marca BMW, modelo X5, de matrícula ...-...-..., pagando-o em Agosto de 2002, com cerca de € 70.000,00 que levantou da sua conta na Figueira da Foz, na qual depositava dinheiro dos clientes e prémios do jogo com dinheiro dos supra referidos clientes;
bens que foram arrestados e apreendidos por decisão judicial logo que foram descobertas as supra descritas condutas de AA.
191. Aquando da descoberta desta conduta pelos serviços de inspecção do BTA, AA tinha à sua disposição os seguintes fundos:
• nas contas na CGD (fls.548): - na conta n.º ..., 445,14 €; - na conta nº. ..., € 100.000; - na conta n.º ..., € 31,85;
• nas contas no BTA (fls. 338, 339,411): - na conta ... € 1.2437,68; - na conta DP..., € 5,54; - na conta DP ...., € 2.259,85; - na conta DO (Conta Poupança Habitação) ..., € 4.572,58; - na conta DO ...., € 10.000; - na conta de Títulos ..., 5 acções da Portugal Telecom (PT); - na conta Fundos n.º ...; a .... Santander PPA;
• na conta no CPP (fls. 426 a 430): na conta n.º ..., € 174,84;
sendo que todos estas quantias e fundos também foram arrestados e apreendidos, desde 29.9.2003, à ordem do processo ... TBSEI do 2.° Juízo do Tribunal de Seia.
*
192. AA agiu sabendo que a sua conduta violava de forma grave os seus deveres enquanto funcionário do BTA.
193. Agiu, querendo, com a sua conduta supra descrita, obter benefícios patrimoniais a que sabia não ter direito, o que conseguiu.
194. AA, ao aconselhar os referidos clientes do BTA a fazerem avultadas aplicações financeiras nas sucursais de Londres e do Luxemburgo do Banco, tinha já a prévia intenção de não as concretizar, sabendo também que pela confiança que depositavam nele e pelas taxas de juro líquidas garantidas, muito superiores às que eram praticadas no país, eles iriam seguir o seu conselho.
195. AA sabia que desse modo levava esses clientes do BTA à prática de actos que lhes causariam avultados prejuízos patrimoniais, o que efectivamente veio a acontecer e conforme era também sua intenção.
196. AA quis fazer suas, como fez, integrando-as no seu património, as avultadas quantias disponibilizadas pelos clientes do BTA para serem investidas em diversas aplicações financeiras, bem sabendo que elas não lhe pertenciam e que apenas estavam na sua momentânea disponibilidade enquanto funcionário do BTA.
197. AA sabia que os documentos que elaborava e que entregava aos clientes do banco, dando-lhes conta das supostas aplicações financeiras (montantes investidos, prazos e taxas de juro), que designou de “Deposit Confirmation” e de “Extrait de Compte”, embora emitidos com o timbre do BTA, não eram documentos oficiais emitidos pelo banco, nem tinham qualquer validade, tendo um conteúdo que não correspondia à verdade.
198. Sabia que estava a introduzir no circuito bancário, económico e financeiro «regular» dinheiro de que ilicitamente se apropriara.
199. AA agiu conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, estando as suas liberdade e vontade levemente condicionadas pela transtorno do impulso/jogo patológico, de que padecia e padece - na satisfação ou em função do qual - despendeu a quase totalidade dos montantes apropriados, conferindo-lhe, nos termos do parecer a fls. 2890, um grau de imputabilidade levemente atenuada.
200. AA não tem antecedentes criminais.
201. Completou o 12.º ano de escolaridade, fez dois anos de curso de enfermagem, e frequentou o curso do Instituto Superior Bancário (com equivalência ao bacharelato)
202. Divorciado, é pai de uma filha, actualmente com catorze anos de idade.
203. Na sequência de processo de extradição, encontra-se actualmente em situação de prisão preventiva.
204. É visitado semanalmente pela mãe, tendo já recebido visitas da filha e da mãe desta, com as quais mantém contactos telefónicos regulares.
205. Confessou parcialmente os factos.
206. Reparou metade do prejuízo causado a FFF.
207. FFF e A... P... desistiram da queixa apresentada contra AA.
208. Em consequência da conduta de AA, o BTA para salvaguardar a credibilidade, satisfez reclamações de clientes no montante global de € 5.182.728,80.
209. Recuperou - mediante ordem de transferência de AA - o Banco Santander € 300.00,00, de dinheiro de clientes apropriado por AA e por ele depositado em conta própria.
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E foram considerados como não provados, os seguintes factos:
1 . A subscrição dos títulos em branco pelos procuradores;
2. Que, abusando da amizade, confiança e até algum ascendente, em termos de conhecimentos financeiros, que desfrutava junto de FFF e da esposa, AA desde a abertura da referida conta no BTA de Seia, em finais do ano de 1987, e até meados do mês de Setembro de 2003, passou a dispor de outras quantias por eles entregues como se elas lhe pertencessem, depositando-as amiudadamente nas suas contas bancárias pessoais, transferindo-as para estas, ou mesmo levantando-as em numerário, usando parte delas para fazer aplicações financeiras e investimentos em seu nome pessoal;
3. AA, por sua iniciativa, usava, sem autorização, outros fundos destes clientes, fazia aplicações financeiras, designadamente compra de acções, diversas das que tinha com eles acordado, ou não chegava sequer a fazê-las, usando as quantias monetárias para outros fins e segundo os seus interesses;
4. Sem a autorização destes clientes, nessas operações, AA, durante o período de tempo referido, movimentou quantias pertencentes aos clientes em causa no valor global superior a 40.000.000$00 (cerca de € 200.000), sendo que na maior parte dos casos acabou por depositar na conta dos clientes as quantias que lhe eram devidas;
5. Graças às condutas supra referidas AA e o seu agregado familiar, constituído pela esposa e por uma filha menor, mantiverem um nível de vida elevado, com a aquisição de bens que de outro modo não teriam possibilidades de adquirir, (à excepção do supra referido apartamento da Figueira, em cuja aquisição foi parcialmente utilizado dinheiro de clientes, e do BMW);
6. AA serviu-se dos supra referidos quantitativos apropriados aos clientes para obter juros de depósitos a prazo e de aplicações financeiras que fez em seu nome; negociar e obter empréstimos em condições vantajosas; constituir depósitos a prazo e conta-poupança habitação em seu nome;
7. Pretendia AA ao introduzir dinheiro no circuito bancário, económico e financeiro “regular”, ocultar, dissimular ou dificultar a descoberta da respectiva origem desse mesmo dinheiro;
8. Às diversas condutas correspondeu uma única resolução.
4. Relativamente à motivação da decisão de facto ficou consignado:
A convicção do Tribunal fundou-se na apreciação crítica de toda a aprova produzida, em especial:
• das declarações do arguido, e do assistente e requerente de indemnização cível FFF;
• dos depoimentos do inspector da Polícia Judiciária J... B...; dos bancários A... S... de A... R..., JJ; LL, L... A... M...; II; da psicóloga clínica, S... J...; do psiquiatra F... C....; do primo do arguido, QQ; e dos amigos de infância, EE, e L... F...;
• do relatório pericial, de exame médico-legal, em psiquiatria forense, a fls. 2789 a 2795, subscrito pela psiquiatra E... M..., que prestou em audiência, esclarecimentos, e, do parecer, aprovado por unanimidade do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Medicina Legal, a fls. 2887 a 2891;
• do relatório social, a fls. 2753 a 2756;
• e dos diversos documentos juntos aos autos – principais, v.g. a fls. 1 a 53, 61 a 219, 236 a 324, 329, 390 a 392,396 a 400,411 a 422, 426 a 430,443 a 483,529 a 542, 548 a 658, 674, 675, 710 a 720, 723 a 733, 756 a 766, 781, 841 a 850, 878 a 913 a 919, 929,932,966,967,989990,997 a 1001, 1007 a 1010, 1015 a 1017, 1023 a 1052, 1058,1091,1092,1096,1097,1102,1124,1125,1137 a 1143, 1148 a 1166, 1168 a 1178,1180 a 1191; 1198, 1207, 1212, 1213, 1269, 1270, 1278 a 1271, 1284 a 1288, 1291,1294, 1351 a 1360; apensos 11, 111, IV, V e VI; e Inquérito apenso n.º 101/04.6TASEI; avaliações psicológica com estudo de personalidade, a fls. 2655 a 2660, e psiquiátrica, a fls. 2662 a 2673, e, certidões a fls. 2810 a 2865.
Desde logo, AA confessou parcialmente, de um modo que se afigurou sério e sincero, os factos imputados, com as seguintes reservas, quanto:
• ao modus operandi, referindo que, não apresentou aos identificados bancários, JJ, LL, e L... A... M..., quaisquer documentos em branco (para depois de estes os assinarem, os acabar de preencher);
• ao destino dos quantitativos fraudulentamente obtidos dos clientes, que, segundo disse, foram, praticamente na íntegra, despendidos em jogo em casinos, excepto, quanto à aquisição do apartamento na Figueira, e do BMW, utilizando, no primeiro caso, em parte, e no segundo na sua totalidade, dinheiro ou prémios de jogo a dinheiro obtido dos supra referidos clientes, que ia depositando na sua conta na Figueira da Foz;
• à motivação, que, declarou, ser essencialmente para adquirir quantitativo para depois utilizar na satisfação do vício do jogo;
• à utilização de todas as identificadas contas, mencionando que apenas as do BES, e do CPP seriam «habitualmente» utilizadas, no expediente fraudulento, sendo que as restantes, identificadas sob o n.º 186. da matéria de facto provada, apenas excepcional/incidentalmente, para tal efeito, eram utilizadas;
• às finalidades destituídas de intenção específica de ocultar/dissimular a proveniência ilícita do dinheiro,
- de utilização do sistema bancário, que, fazia apenas parte do expediente fraudulento/apropriativo criado;
- do jogo, que era para satisfação do seu transtorno/vício;
- das aquisições do apartamento e do BMW, que consistiram em formas de aumentar o seu património, aquele ainda associado ao transtorno do jogo, que satisfazia no casino da Figueira.
Quanto à matéria provada descrita sob os pontos 1. a 199., foram considerados os depoimentos do Inspector da Polícia Judiciária, J... B..., instrutor do processo, na medida em que revelou conhecimento directo dos factos, bem como de A... S... de A... R..., bancário, que procedeu a averiguações internas, na entidade bancária, e cujo depoimento importou ainda para prova da matéria descrita sob os pontos 208 e 209.
Ainda, e no que respeita à titularidade das contas referidas sob o p. 7 da matéria de facto provada, foram em especial considerados os documentos a fls. 411 a 422 (do BTA), 426 a 430 (do CPP), 396 a 400 (do BES), 548 a 550 (da CGD), 529 a 542 (do BPI) - informações das respectivas entidades bancárias instruídas com os documentos de suporte.
A matéria descrita sob os p. 8 a 13. decorreu de toda a prova produzida, e desde logo, das declarações do arguido.
Relativamente à factualidade descrita sob os pontos. 14. a 15. ponderaram-se os depoimentos de:
• L... A... M..., que veio a ocupar o lugar do arguido como gerente no balcão de Seia; e, em particular, de,
• MM (procuração n.º 1730; funcionário do BTA de Seia desde 1.7.1982, onde sempre exerceu funções);
• II (procuração n.° 255; funcionário do BTA de Julho de 92 a Março de 2001) que antecedeu o arguido na gestão do balcão de Seia;
• JJ (procuração n.º 1728; funcionária do BTA desde 1981; trabalhou no balcão de Seia de Dezembro de 1999 até Julho de 2004, sempre como sub-directora), que subscreveu os cheques bancários de fls. 11, 14, 17, 36 e 482;
• LL (procuração n.º 1729; funcionário do BTA desde 1979, tendo sempre exercido funções na agência de Seia; subscritor do pedido, a fls. 451, e do cheque bancário a fls. 450,
a quem (últimos quatro) o arguido pediu que assinassem os respectivamente referidos títulos de crédito, e, que também negaram a sua subscrição em branco (matéria esta que, por conseguinte, não se provou – p. 1.º da matéria de facto não provada).
Relevaram ainda, os depoimentos de JJ, e, MM, II, para formação da convicção relativamente aos factos provados sob os n.ºs 80, 148, 164, e 182, respectivamente, uma vez que, como aí referido intervieram em tal matéria.
No que respeita à factualidade provada sob os pontos 17. a 191., foram desde logo ponderadas as declarações do arguido, que a confirmou.
Pode ver-se, em especial, quanto aos factos provados sob os pontos:
• 21. e 22.: fls. 639, 640, 1024, 1025, 1153, 1172 a 1174, 1351, 1354, 1355; 23.: fls. 638 e 1023; 24: fls. 44;
• 25 e 26.: fls. 1026; 27; fls. 622 a 628; 1180, 1181; fls. 8 do apenso IV); 28: fls. 38, 622 a 624;
• 29., 30., e 31: fls. 625 a 627, 1182 verso; fls. 18 do apenso IV); 32 : fls. 39, 625 a 627, 1028, 1029;
• 33., 34., 35: fls. 628 a 630, 1184; fls. 50 do apenso IV); 36.: fls. 40, 628 a 630, 1030, 1031;
• 37. e 38.: fls. 1051 e 1052; 39: fls. 633 e 634; 1048/ fls. 632, 635 e 636; 1049, 1180, 1185; fls. 64 do apenso IV; 41: fls. 632 a 644; 1050, 1148 a 1150, 1185; fls. 64 do apenso IV); 42: fls. 43;
• 43., 44. e 45.: fls. 641 a 643, 1180, 186 verso; fls. 88 do apenso IV); 46: fls. 41, 641 a 643, 1032, 1033;
• 47 e 48 : fls. 1043 a 1047; 49 e 50: fls. 645 a 658, 1034 a 1042, 1180,1188 verso; fls. 105 apenso IV); 51: fls. 42, 644, 1151, 1163, 1164;
• 55 : 603 e 1001; 56: 997 a 1000; 57: 602; 58 e 59: 31, e 601;
• 60 a 64 : fls. 30, 604 a 607, 1091; fls. 278 do apenso V;
• 67: fls. 452 e 568; 68: fls. 453; 69: fls. 567; 70 e 71: 560, 570; 73 e 74: fIs. 454 e 324 do apenso V); fls. 455, 456, 457 e 324 do apenso V); fls. 458 e 324 do apenso V); fls. 459, 460; 128 e 129 do apenso IV); fls. 461, 462 e 79 do apenso V); fls. 463 e 464 e 324 do apenso V); fls. 465 e 466 e 324 do apenso V); fls. 461, 462 e 79 do apenso V); fls. 469 e 470 e 130 do apenso IV); fls. 471); fls. 474 e 475 e 90 do apenso VI; fls. 476 e 477 e 326 do apenso V); fls. 478 e 479); fls. 480 e 481); fls. 482, 483; 94 do apenso VI).
• 77 a 79 : fls. 575; 80 a 82: fls. 573;
• 85 a 89: fls. 16 a 19; 573 a 577, 1207, 1279, 194 do apenso IV);
• 91 a 97/ 98 a 102/ 103 a 105/ 106 a 108: fls. 20 a 23, 578 a 585, 1141 a 1143, 1151, 1159 a 1162, e 155, 168, 177, e 186 do apenso IV;
• 109 a 112; 113 a 117; 118 a 121: fls. 28, 29, 593 a 600, 1007 a 1010,1169 a 1171; fls. 135, 177,201 do apenso IV);
• 123 a 125: fls. 609, 610, 1278, 1280, 1286, 1351 a 1353 e fls. 332 do apenso V e 95 do apenso VI; 126: 608; 127 e 128 : fls. 1212;
• 129: fls. 450, 451,1281; 130: fls. 612; 131: fls. 34, 611, 1213;
• 132 e 133: fls. 616; 134: fls. 615, 1269 e 1270; fls. 189 do apenso IV); 135: fls. 613;136: fls. 614;
• 139 a 144: fls. 10 a 12, 571,572, 1291, e fls. 190 do apenso IV);
• 146 a 147: fls. 621; 148 a 150: fls. 13, 14, 46, 619 a 621;
• 151 a 157: fls. 588; 158: fls. 1151, 1152; 159: fls. 24, 586 a 590, 1015 a 1017, 1151, 1152; fls. 177 do apenso IV);
• 160 a 165: fls. 25 a 27, 591,592,1102; fls. 209 do apenso IV);
• 166 a 171: fls. 35 a 37, 617,618; fls. 201 do apenso IV);
• 174 a 178: fls. 7, 552 a 554, 1155, 1165, e fls. 226 do apenso V; apenso).
• 179 a 182: fls. 565; 183 a 185, 448;
• 186 e 187 : o supra referido relativamente aos nºs 22, 27, 31, 35, 40, 45, 50, 62, 68, 74, 79, 81, 88, 94, 100, 104, 107, 111, 116, 120, 125, 130, 134, 142, 149, 158, 164, 170, 176, 183;
• 190: 94 e 95, relevando ainda quanto ao apartamento da Figueira, as declarações do arguido; 191: fls. 548, 338, 339, 411, 426 a 430.
No respeitante às matérias sob os pontos 192 a 198, foi ponderada toda a prova produzida, e desde logo, as declarações do arguido das quais resulta, aliás, em conformidade com o parecer a fls. 2890, que apresenta «capacidade crítica da realidade, e é capaz de distinguir o lícito do ilícito», tendo agido para satisfazer a sua necessidade recorrente de jogar em casinos, para o que obteve e, em função do que, despendeu, praticamente todo, o quantitativo apropriado.
Foram ainda especialmente considerados o relatório pericial, de exame médico-legal, em psiquiatria forense, a fls. 2789 a 2795, subscrito pela Sra. perita psiquiatra E... M..., que prestou em audiência, esclarecimentos, e, as avaliações psicológica com estudo de personalidade, a fls. 2655 a 2660, e psiquiátrica, a fls. 2662 a 2673, cujos subscritores, respectivamente, psicóloga S... de J..., e psiquiatra F... C..., depuseram como testemunhas, tendo sido acolhido, atentos os especiais conhecimentos dos que o elaboraram, e desde logo do seu relator, Prof. Catedrático Adriano Vaz Serra, o parecer, aprovado por unanimidade do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Medicina Legal, a fls. 2887 a 2891, que aliás, teve em conta aqueles relatório e avaliações, e sobre os mesmos se pronunciou.
Emergem as condições pessoais do arguido provadas, sob os n.ºs 200 a 204 das declarações do próprio, do relatório social a fls. 2753 a 2756, e dos depoimentos do seu primo, F... B... L..., e dos amigos de infância, EE e L... F....
A matéria provada sob o ponto 205, resulta das declarações do arguido, enquanto a que se provou sob os n.ºs 206 e 207 decorre da acta a fls. 2674 a 2676.
Não se provou a matéria sob os pontos 1. a 8 da matéria de facto não provada, na ausência de declarações, depoimentos, relatórios periciais, documentos, ou outros meios de prova que com a necessária segurança a suportasse.
Aliás – e por excesso – refira-se que a constante dos pontos 1. a 7. foi negada pelo arguido, e a do ponto 8 não encontra qualquer sustentação nas suas declarações.
A sob o n.º 1., foi também infirmada pelos supra referidos empregados bancários, e procuradores, MM, II, JJ e LL; enquanto a sob os nºs 2. a 4., não encontra arrimo bastante nem nos documentos juntos aos autos, nem nas declarações, nesta matéria pouco concretizadas, de FFF.
A falta de prova da matéria sob os pontos 5. e 6, pese embora os avultados montantes apropriados, encontra explicação no jogo patológico de que padecia o arguido.
A ausência de prova da factualidade sob o p. 7., justifica-se por, de acordo, desde logo com declarações do próprio, a utilização das contas fazer parte do expediente engendrado pelo arguido para enganar e se apropriar do dinheiro dos clientes, que utilizou, no essencial, na satisfação do seu transtorno de jogo patológico, não podendo inferir-se, segundo um juízo de experiência, do «mero» gasto dos quantitativos no jogo, na aquisição do apartamento da Figueira da Foz (aqui parcialmente) ou do BMW, a específica intenção de ocultar, dissimular ou dificultar a descoberta da origem do dinheiro obtido.
Refira-se, ainda que, se, na sequência do descrito na acusação, se provou sob o n.º 12, que a fim de os clientes não desconfiarem de que o seu dinheiro não tinha sido aplicado conforme o acordado, AA fazia alguns depósitos nas contas dos clientes aquando do fim do suposto prazo da suposta aplicação e de acordo com a taxa de juro contratada, usando para esse efeito quantias entregues por outros clientes na mesma situação, não se conclui que, desde modo pretendia AA, ao introduzir dinheiro no circuito bancário, económico e financeiro “regular”, ocultar, dissimular ou dificultar a descoberta da respectiva origem desse mesmo dinheiro.
Afinal, a conversão/transferência de tais vantagens serve é para dissimular outras condutas que não as que deram origem ao capital depositado.
Daí que se tenha considerado não provado que pretendia AA ao introduzir dinheiro no circuito bancário, económico e financeiro “regular”, ocultar, dissimular ou dificultar a descoberta da respectiva origem desse mesmo dinheiro, porquanto, o que visava, nos termos do p. 12, ao efectuar os depósitos, é que os clientes que lhe efectuaram entregas de outros montantes, não viessem a desconfiar de que haviam sido enganados.
Por fim, sendo diversas as condutas encetadas, naturalística e/ou espacio e/ou temporalmente separadas, e/ou violando distintos bem jurídicos, e/ou renovando o arguido os seus propósitos, conclui-se que lhes correspondem outras tantas resoluções, e não apenas uma única (f. não provado sob o nº 8).
OS FACTOS E O DIREITO
1 - Como decorre do artigo 412º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido, que se define o âmbito do recurso.
É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.
E o conhecimento oficioso pelo STJ verifica-se por duas vias: uma primeira que ocorre por necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º-2 do CPP; e outra que poderá verificar-se em virtude de nulidade de decisão, nos termos do estatuído no artigo 379º-2 do mesmo diploma legal.
Por outro lado, definindo os poderes de cognição deste STJ, estatui o artigo 434º do citado CPP que, sem prejuízo do disposto no artigo 410º-2 e 3, o recurso interposto para este Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Na verdade, enquanto antes de 01.01.1999 estava estabelecido um sistema de “revista ampliada”, após a reforma da Lei 59/98, de 25 de Agosto, deixou de ser possível recorrer para o STJ com fundamento da existência de qualquer dos vícios referidos nas várias alíneas do artigo 410º-2 do CPP.
Anteriormente, o Supremo tinha poderes de intromissão em aspectos fácticos, mesmo nos casos em que o conhecimento se restringia a matéria de direito, embora de forma mitigada pois o reexame da matéria de facto apenas poderia ter lugar através da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e podendo o recorrente invocar como fundamento do recurso os vícios referidos.
Após a reforma de 1998, o STJ pode ainda conhecer dos vícios do artigo 410º-2 do CPP, não a pedido do recorrente, isto é, como fundamento do recurso, mas por iniciativa própria, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto claramente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que, por força da existência de qualquer daqueles vícios, não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios – cfr. Acs. deste STJ de 12.09.2007 (que aqui seguimos de perto) in Proc.2583/07 – 3ª; de 17.01.2001, de 25.01.2001, de 22.03.2001, in CJSTJ 2001, I, pág 210, 222 e 257; de 04.10.2001 in CJSTJ 2001, III, 182, de 24.03.2003 in CJSTJ 2003, I, 236, de 27.05.2004 in CJSTJ 2004, II, 209, de 30.03.2005 in Proc. 136/05 – 3ª, de 03.05.2006 in Processos 557/06 e 1047/06, ambos da 3ª secção, de 20.12.2006 in CJSTJ 2006, III, 248, de 04.01.2007 in Proc. 2675/06 – 3ª, de 08.02.2007 in Proc. 159/07 – 5ª, de 15.02.2007 in Processos 15/07 e 513/07, ambos da 5ª secção, de 21.02.2007 in Proc. 260/07 – 3ª, de 02.05.2007 in Processos 1017/07, 1029/07 e 1238/07, todos da 3ª secção e ainda Simas Santos e Leal Henriques, CPP anotado, 2ª edição, II volume, pág. 967, onde se refere: “O considerar-se que não podem invocar-se os vícios do nº 2 do artigo 410º como fundamento do recurso directo para o STJ de decisão final do tribunal colectivo, não significa que este Supremo Tribunal não os possa conhecer oficiosamente, como ocorre no processo civil e é jurisprudência fixada pelo STJ (…)”.
Por outro lado, continua em vigor o Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ, de 19.09.1995, in DR I Série-A, de 28.12.1995 e BMJ 450, 71 (acórdão 7/95) que no âmbito do sistema de revista alargada decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º-2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
Ora, o arguido/recorrente invoca, na respectiva motivação e conclusões (designadamente as constantes dos números 8, 9 e 10) o erro notório na apreciação da prova e a violação do princípio da livre valoração das provas.
Assim, o arguido/recorrente invoca a violação do disposto no artigo 410º-2 do CPP ou seja, neste segmento, invocou os vícios da matéria de facto previstos naquele normativo.
Porém, como decorre claramente do atrás se expôs, o recurso para este Supremo Tribunal é restrito á matéria de direito, embora o STJ possa conhecer dos vícios do artigo 410º-2 do CPP nos termos (supra) referidos: por iniciativa própria, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto claramente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que, por força da existência de qualquer daqueles vícios, não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.
Ora, da análise do acórdão recorrido, do respectivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo (designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo, designadamente em julgamento e/ou documentos) não se indicia a existência de qualquer um daqueles vícios.
Na verdade, daquele texto considerado nos termos referidos e indicados no citado artigo 410º-2 do CPP, não se indicia quer a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, quer erro notório na apreciação das provas ou seja erro de que todos se apercebam directamente ou que a decisão esteja eivada de clara contradição insanável na fundamentação.
Isto é, da decisão recorrida, considerada por si só ou conjugada com as regras da experiência comum não se indicia erro grosseiro na decisão da matéria de facto, erro patente, que não escapa à observação do homem de formação média.
Do texto da decisão recorrida considerada nos termos referidos não resulta de forma evidente uma conclusão contrária àquela a que o tribunal chegou.
Aliás, resulta claro da motivação do recorrente que este afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal “a quo” sobre certos factos – designadamente sobre a imputabilidade do arguido - em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo-se do princípio da livre apreciação da prova (artº 127 do CPP)..
E a alegada violação da livre valoração das provas assenta – no entender do recorrente – no facto de o tribunal ter dado credibilidade (apenas) ao parecer ou relatório do Instituto de Medicina Legal em detrimento dos pareceres ou relatórios de outros médicos, documentos esses juntos aos autos e sujeitos ao contraditório.
Só que, como se disse, estamos no domínio da livre apreciação da prova (artº 127º CPP) que não se confunde com apreciação arbitrária da mesma e que tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. E é dentro destes pressupostos que o julgador deve colocar-se ao apreciar livremente a prova (cfr. Alberto dos Reis in CPC anotado e comentado, III, 246; Cavaleiro de Ferreira in Curso de Processo Penal, II, 288; Eduardo Correia, Les Preuves em Droit Penal Portugais, RDES, XIV; e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 107).
E o CPP instituiu sistemas de motivação e controle em sede de apreciação da prova, com realce para a consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação (cfr. Marques Ferreira in Jornadas de Direito Processual Penal, 228).
Ora, no caso em apreço, está bem explícita na decisão recorrida a forma como o Tribunal adquiriu e formou a sua convicção que está bem fundamentada, objectivada e logicamente motivada.
E verifica-se que todos os pareceres/relatórios juntos aos autos – o do IML de Coimbra e os apresentados pelo arguido, de médicos especialistas, e bem assim os depoimentos destes, foram apreciados pelas instâncias de acordo com as regras legalmente estabelecidas, sendo ainda certo que o Parecer do IML foi solicitado pelo Tribunal face a contradições existentes nos vários relatórios médicos que haviam sido juntos ao processo (o que aliás, consta expressa e claramente da decisão recorrida).
E dúvidas não há que o Parecer do IML é um parecer pericial que deve ser apreciado e valorado nos termos estatuídos no artigo 163º do CPP: o juízo técnico, científico ou artístico, inerente à prova pericial, presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, só devendo o julgador fundamentar a divergência da sua convicção com o juízo contido no parecer dos peritos.
No caso em apreço, como se diz na decisão recorrida (fls. 58), o tribunal apreciou livremente, nos termos do artigo 127º do CPP, “o teor do “relatório” e “parecer” juntos aos autos pelo recorrente, no que era consonante com o “parecer” de natureza pericial elaborado pelo Conselho Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal de Coimbra, e aderiu à conclusão deste parecer médico-legal sobre a imputabilidade diminuída do arguido” (sublinhado nosso).
De qualquer modo, estamos – alegadamente - perante vícios atinentes à matéria de facto que, por isso, só podem ser conhecidos por este Supremo Tribunal, nos termos supra explanados.
Ora, analisado o texto da decisão recorrida - considerado por si só e sem recurso a quaisquer elementos externos nos termos indicados no citado artigo 410º-2 do CPP - concluimos pela inexistência dos vícios previstos no artigo 410º-2 do CPP.
E, porque, como se disse, o recurso para este Supremo Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, não sendo possível recorrer-se para o STJ com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das várias alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPP, o recurso não é admissível com este fundamento.
Assim:
Conhecer-se-á das questões – de direito - suscitadas pelo recorrente e que, face ás conclusões da respectiva motivação (atrás transcritas), são as seguintes:
1) Os factos provados não integram a prática de crimes de burla – como se considerou na decisão recorrida – mas antes a prática de um crime de abuso de confiança agravado, em concurso real com um crime de falsificação (conclusões 1ª, 2ª e 3ª)?
2) Tais crimes, foram praticados pelo arguido na forma continuada (conclusões 1ª, 4ª, 5ª, 6ª e 10ª)?
3) Atenuação especial da pena: a pena deveria ter sido especialmente atenuada (conclusões 7ª, 8ª, 9ª e 10ª)?
4) Medida da pena: a pena única aplicada (13 anos de prisão) é exagerada e desproporcionada devendo aplicar-se pena de prisão não superior a 8 anos?
1ª Questão: A factualidade provada não deveria ter sido subsumida ao tipo legal do crime de burla?
Pretende o recorrente que os factos provados não integram a prática de crimes de burla mas antes crime de abuso de confiança agravado em concurso real com um crime de falsificação pois apenas de provou que o arguido garantiu a clientes do banco taxas mais elevadas que acabou por não poder dar, o que constitui uma simples mentira e não ardil ou conduta particularmente engenhosa, além de que não está preenchido o dolo específico, ou seja, a intenção do arguido obter enriquecimento ilegítimo pois apenas pretendia arranjar dinheiro para jogar e com o jogo, obter ganhos que lhe permitissem restituir aos lesados as quantias que deles recebeu.
Quid juris?
Estatui o artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal:
«Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa».
A verificação do tipo legal do crime de burla, pressupõe, portanto, a existência dos seguintes elementos típicos:
- A indução em erro ou engano de uma pessoa (o lesado e/ou burlado) sobre factos;
- O erro ou engano provocado com astúcia;
- Tendente a determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial;
- Com intenção de o agente obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
O crime de burla surge como forma de captar o alheio, em que o agente se serve do erro, causado ou mantido, através da sua conduta astuciosa, ou do engano prolongado pela omissão do dever de informar, para, através desta falsa representação da realidade, insidiosamente induzir a vítima a defraudar o seu património ou de terceiros (cfr. decisão da 1ª instância).
Na explicitação dos elementos constitutivos desse tipo legal de crime (burla) diz-se expressamente no acórdão recorrido:
“A consumação do crime exige, pois, o resultado consistente na saída dos bens ou valores da disponibilidade fáctica do legítimo titular, com a verificação de um efectivo prejuízo patrimonial do burlado ou de terceiro(1) .
Por outro lado, como refere A. M. Almeida Costa(2) , a «burla integra um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência (...) da utilização de um meio enganoso.
(....) Tratando-se de um crime material ou de resultado, a consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial.
(...) A qualquer dos momentos em que se desdobra o duplo nexo de imputação objectiva subjazem os pressupostos da chamada teoria da adequação (art. 10.º, n.º 1 do CP)», sobre a base de uma prognose objectiva e posteriori, mediante o juízo atento de um observador objectivo que estabeleça se cabe contar com o resultado efectivamente produzido.
O engano determinante do prejuízo configura um dolo antecedente, causante e bastante.
«Antecedente porquanto tem que preceder e determinar o consequente prejuízo patrimonial, não sendo aptas para originar o delito de burla as hipóteses do denominado dolo subsequente”; causante, já que o engano deve achar-se ligado por um nexo causal com o prejuízo patrimonial, de tal forma que este haja sido gerado por ele; e bastante, no sentido da idoneidade do engano para viciar a vontade ou o consentimento concreto do sujeito passivo»(3).
O engano é o mais significativo dos elementos definidores da burla porque é ele que individualiza a burla das demais figuras jurídicas de enriquecimento ilícito.
No sentido semântico do termo, “engano” designa a acção e efeito de fazer crer a alguém, com palavras ou declarações expressas (sob a forma oral ou escrita), uma falsa representação da realidade.
No quadro geral da nossa doutrina e jurisprudência, existe acção típica traduzida na conduta do agente do crime através de um processo enganatório astucioso em vista à manipulação psíquica do burlado quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com subtileza, sagacidade, engenho, habilidade, pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiros(4) .
No que tange ao efectivo prejuízo patrimonial (do sujeito passivo ou de terceiro) deve o conceito ser delimitado por referência ao bem jurídico protegido no crime de burla.
A natureza do crime e os valores que protege apontam para um conceito específico jurídico-criminal de património (superando perspectivas estritamente económicas ou jurídicas), constituído pela globalidade das situações e posições com valor ou utilidade económica, detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica ou, pelo menos, cuja fruição não é desaprovada por essa mesma ordem jurídica(5) .
De modo sintético, o conceito abarca a totalidade dos bens (numa acepção ampla) economicamente valiosos, que um indivíduo detém com a aquiescência do ordenamento jurídico(6).
O “prejuízo patrimonial”, enquanto elemento do tipo objectivo da burla, tem de ser, pois, identificado como um conceito objectivo-individual de dano patrimonial, que traduza uma diminuição da posição económica efectiva do lesado em relação à posição em que se encontraria se não tivesse sido induzido em erro ou engano e realizado a conduta determinada por tal erro ou engano.
O prejuízo patrimonial relevante corresponde, assim, a um empobrecimento do lesado, que vê a sua situação económica diminuída, e efectivamente diminuída quando comparada com a situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão. A medida do empobrecimento efectivo será, deste modo, avaliada pela diferença patrimonial entre o “antes” e o “depois”, tendo como contraponto económico-material (e não típico nem jurídico) o enriquecimento, próprio ou de terceiro, procurado pelo agente do crime.
Com efeito, o crime de burla, como se disse já, constitui um delito de intenção em que o agente procura obter um enriquecimento ilegítimo” à custa de uma transferência de natureza de efeitos patrimoniais. Todavia, não obstante se exija que o agente actue com essa intenção de enriquecimento, a consumação do crime não depende da efectivação desse enriquecimento, verificando-se logo que ocorre o prejuízo patrimonial do burlado ou de terceiro. …”.
Concordamos com tais considerações pois caracterizam devidamente o crime de burla e os seus elementos constitutivos.
Importa agora, tendo presente o exposto, analisar a matéria de facto dada como provada, atinente a este segmento do recurso para concluir se a mesma se subsume ou não ao tipo legal do referido crime (de burla p. e p. pelo artigo 217º do Código Penal).
Ora, resulta dos factos assentes (maxime, nºs 1 a 185 atrás transcritos) que o arguido, funcionário do Banco Português do Atlântico (desde 04.02.1985 em várias localidades – Carregosa, Covilhã e Seia e, a partir de 2 de Maio de 2001 passou a exercer o cargo de director do balcão de Seia) aconselhou e persuadiu vários clientes deste Banco a disponobilizarem/entregarem-lhe as quantias em dinheiro em causa nestes autos com o argumento (que não correspondia à verdade) de que as mesmas iriam ser depositadas em sucursais estrangeiras do BPA, designadamente em Londres e no Luxemburgo.
E o arguido garantia àqueles clientes do Banco, taxas de juro líquidas, superiores às praticadas pelos Bancos em Portugal.
Dito de outro modo: o arguido, mercê de um processo complexo e engenhoso, convenceu vários clientes do BPA a praticar actos em prejuízo dos seus patrimónios.
Não se diga – como pretende o recorrente – que o arguido se limitou a mentir sobre a taxa de juro.
É que resulta dos factos provados que o arguido mentiu mas isso correspondia á concretização de um plano por ele previamente arquitectado ou concebido e que explicava aos clientes, com base no qual os convencia da obtenção de taxas de juros superiores às praticadas em Portugal e a entregarem-lhe várias quantias monetárias.
Na verdade, está provado que o arguido “mantinha contactos regulares e personalizados com diversos clientes do banco, designadamente com aqueles que tinham maiores disponibilidades financeiras, aconselhando-os na escolha das aplicações que tivessem uma taxa de juro mais elevada, de modo a aumentarem as suas poupanças, conselho que quase sempre era seguido por esses clientes, uma vez que o conheciam há muito tempo e confiavam nele …;
No desenvolvimento dessa actividade, AA, apercebendo-se da possibilidade de entrar na posse, fruição e apropriação de elevadas quantias monetárias que os clientes do BTA de Seia lhe entregavam, na sua qualidade de funcionário desta instituição bancária, para concretizarem os seus investimentos, a partir de 1994, sempre que era questionado sobre quais as melhores aplicações financeiras disponíveis, aconselhava-os a fazer essas aplicações em sucursais exteriores do BTA, sobretudo em Londres, mas também no Luxemburgo, garantindo-lhes a obtenção de taxas de juro líquidas muito superiores às praticadas habitualmente pelos bancos em Portugal (taxas de juro anuais, líquidas, entre 5,875% e 19,50%; taxa de 23,5% para aplicações de 5 anos);
Atraídos por essas taxas, muitos dos clientes do BTA de Seia, porque confiavam em AA, primeiro como funcionário do balcão e depois como seu director, aderiram ao que este lhes propunha, sendo certo que muitos clientes conheciam-no desde a infância, tendo estabelecido com ele relações de amizade.
A fim de concretizarem esses investimentos, os clientes do BTA de Seia, seguindo as instruções que iam sendo dadas por AA, através de vários meios - cheques sacados sobre as suas contas no BTA de Seia, cheques sacados sobre outros bancos, cheques bancários e respectivas requisições, ordens de transferência e outros documentos bancários - colocaram na disponibilidade de AA, enquanto funcionário do BTA, quantias monetárias, a fim de este as canalizar para as aplicações financeiras acordadas, nas sucursais do BTA em Londres ou no Luxemburgo.
Contudo, na posse dessas quantias, ao contrário do que tinha acordado com os clientes do BTA e dos seus deveres enquanto funcionário desta instituição, não fazia qualquer aplicação financeira nas sucursais externas do BTA ou em qualquer outra instituição bancária ou financeira, antes as depositava em contas bancárias pessoais de que era titular, ou co-titular.
A fim de evitar que fosse descoberta a sua conduta, AA, num computador, elaborava documentos, parecidos como os que estavam em uso oficial no BTA - os documentos válidos deste tipo eram feitos centralmente pelo BTA, não sendo feitos ao balcão - que endereçava e entregava aos respectivos clientes, pessoalmente ou por correio, pretendendo fazê-los crer com o seu conteúdo que as aplicações financeiras acordadas tinham sido efectivamente concretizadas.
No caso de se referirem a aplicações que deveriam ter sido feitas no BTA de Londres, AA elaborava-os em inglês e intitulava-os de “Deposit Confirmation”, colocando-lhes o timbre - Totta - Banco Totta & Açores - 68 C... Street, London EC4N 6 AQ, tel: ... Fax: ... -, um número de referência, uma data, a expressão “Arranged By Phone”, o prazo da aplicação, a moeda usada, o investimento inicial, a taxa de juro e o montante garantido a final e ainda a referência “CIO Banco Totta e Açores S.A. London Branch”.
Se se referissem a aplicações que deveriam ter sido feitas no BTA do Luxemburgo, AA elaborava os documentos em francês e intitulava-os de “Extrait de Compte”, colocando-lhes o timbre - Totta/Banco Totta & Açores - Succursale de Luxembourg - um número do ofício, a indicação da divisa, uma data, o prazo da aplicação, o investimento inicial (capital), a taxa de juro e o montante garantido a final.
A fim de os clientes não desconfiarem de que o seu dinheiro não tinha sido aplicado conforme o acordado, AA fazia alguns depósitos nas contas dos clientes aquando do fim do suposto prazo da suposta aplicação e de acordo com a taxa de juro contratada, usando para esse efeito quantias entregues por outros clientes na mesma situação.
Contudo, na maior parte das vezes, AA, aquando do fim dos supostos prazos das supostas aplicações, normalmente prometendo taxas de juro mais elevadas, conseguia convencer os clientes a “renová-las”, capitalizando os supostos juros, ou mesmo a reforçá-las, recebendo, desta forma, novas quantias monetárias dos clientes do BTA que depositava nas contas bancárias pessoais, prática que era acompanhada pela elaboração e entrega de novos documentos do tipo dos referidos …
Camilo José agiu sabendo que a sua conduta violava de forma grave os seus deveres enquanto funcionário do BTA. …”.
Da matéria fáctica assente resulta evidente que o arguido elaborou um plano complexo com base no qual convenceu vários clientes do BPA a entregarem-lhe várias quantias monetárias.
Desse plano fazia parte não só a indicação (falsa) de uma taxa de juros mais elevada do que a praticada pelos bancos em Portugal, mas também a elaboração/falsificação de vários documentos, alguns em idioma estrangeiro (para convencer os clientes/burlados, dos depósitos das quantias que tinham entregue) e a realização de alguns depósitos em algumas contas de clientes para os convencer dos rendimentos obtidos e para os convencer a renovar as aplicações.
Do exposto resulta evidente que foi a execução daquele plano elaborado minuciosamente pelo arguido, que determinou a entrega a este, pelos clientes do banco, de várias quantias monetárias.
O arguido não se limitou a mentir sobre as taxas de juros.
Por outro lado, está também provada a intenção do arguido, de obter um enriquecimento ilegítimo.
È o que resulta, designadamente, dos seguintes factos provados:
O arguido “…Agiu, querendo, com a sua conduta supra descrita, obter benefícios patrimoniais a que sabia não ter direito, o que conseguiu.
AA, ao aconselhar os referidos clientes do BTA a fazerem avultadas aplicações financeiras nas sucursais de Londres e do Luxemburgo do Banco, tinha já a prévia intenção de não as concretizar, sabendo também que pela confiança que depositavam nele e pelas taxas de juro líquidas garantidas, muito superiores às que eram praticadas no país, eles iriam seguir o seu conselho.
AA sabia que desse modo levava esses clientes do BTA à prática de actos que lhes causariam avultados prejuízos patrimoniais, o que efectivamente veio a acontecer e conforme era também sua intenção.
AA quis fazer suas, como fez, integrando-as no seu património, as avultadas quantias disponibilizadas pelos clientes do BTA para serem investidas em diversas aplicações financeiras, bem sabendo que elas não lhe pertenciam e que apenas estavam na sua momentânea disponibilidade enquanto funcionário do BTA. …”.
Nos termos do disposto no art.º 205.º, n.º 1 do Código Penal, comete o crime de abuso de confiança “quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”, prevendo os imputados nº 4, as circunstâncias agravantes de a coisa ser de valor elevado (al. a)) ou consideravelmente elevado (al. b)), nº 5, de o agente a ter recebido em depósito imposto por lei em razão de ofício, emprego ou profissão, ou na qualidade de tutor, curador ou depositário judicial.
Como diz Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, II, pág. 94 o crime de abuso de confiança “é, segundo a sua essência típica, apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio; é, vistas as coisas por outro prisma, violação da propriedade alheia através de apropriação, sem quebra de posse ou detenção”.
Neste crime (abuso de confiança) o dolo consiste na vontade do agente inverter o título de posse, de passar de possuidor em nome alheio a possuidor em nome próprio, sendo que a inversão do título necessita de ser demonstrada por actos objectivos, que revelem ou demonstrem que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse.
Ora, perante a matéria de facto assente e as demais considerações feitas sobre os elementos constitutivos dos tipos legais dos crimes de burla e de abuso de confiança, concluímos, que estão provados os elementos objectivos e subjectivos constitutivos do tipo legal de crime de burla (artigo 217º do CP) e não o de abuso de confiança.
E, decorre também da mesma matéria de facto assente, que a conduta do arguido integra ainda a prática, em concurso real, do crime de falsificação de documento – no sentido definido no artigo 255º do CP - (comete o crime de falsificação de documento quem, dolosamente, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram - cfr. artigo 256º do CP) - o que, diga-se, o recorrente não põe em causa (cfr. conclusão 1ª).
Apenas sustenta que existe concurso real entre o crime de falsificação e o de abuso de confiança.
Porém, como vimos, os factos provados integram – para além de crimes de falsificação – crimes de burla (e apenas um crime de abuso de confiança agravado, respeitante ao montante de € 150 000,00 titulado pelo cheque sacado sobre a conta de VV, entregue por TT para reforçar uma suposta aplicação financeira e que voluntariamente o arguido fez seu).
Por isso, estamos perante concurso real de crimes de burla e de falsificação, como decidiu o tribunal “a quo”.
Daí que, a decisão recorrida, quanto a este aspecto, não mereça censura.
Razão por que o recurso, neste segmento (conclusões 1ª, 2ª e 3ª), tem de improceder.
2ª Questão: Tais crimes, foram praticados pelo arguido na forma continuada (conclusões 1ª, 4ª, 5ª, 6ª e 10ª)?
Vejamos:
Preceitua o art.º 30º nºs 1 e 2, do Código Penal que:
1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Resulta, assim, do citado normativo que, em matéria de unidade e pluralidade de infracções, a lei admite três modalidades:
- um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial, ou seja, se tiver havido um só desígnio criminoso;
- um só crime continuado se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas estiver interligada por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas, ou seja persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
- um concurso de infracções, se não se verificar qualquer um dos casos anteriores.
O critério de distinção entre unidade e pluralidade de infracções não é um critério naturalístico mas, antes, um critério normativo ou teleológico, que atende à unidade ou pluralidade de valores jurídicos criminais negados, expressos nos tipos legais de crimes, correspondendo à unidade ou pluralidade de juízos de censura tendo na base a unidade ou pluralidade de resoluções criminosas.
Como se refere no acórdão recorrido, citando Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado e Comentado, 10.ª edição, como sendo a consagração do que já vinha ensinando o Prof. Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções “Depois de apurada a possibilidade de subsunção da conduta a diversos preceitos incriminadores ou diversas vezes ao mesmo preceito, o juízo de censura será determinante para saber se concretamente se verifica um ou mais crimes. Isto se deduz do advérbio «efectivamente» contido na citada norma e dos princípios basilares sobre a culpa”.
E prossegue: “O que se vem de dizer significa que, para a existência de uma infracção penal, não é bastante a antijuricidade, ou seja, a realização do tipo legal de crime; é necessário que a conduta seja reprovável, isto é, passível de culpa. E, assim, poderemos dizer que há tantos crimes, na realização do mesmo tipo legal, quantas vezes a conduta se tornar reprovável. A pluralidade de infracções resultaria, para o mesmo tipo legal, da pluralidade de juízos de censura ou reprovação.
As normas jurídico-penais, a par da valoração objectiva da conduta humana, têm uma função de determinação, de imperativo, para agir como contramotivo no momento da resolução.
Deste modo, haverá tantas violações de norma quantas vezes ela se tornar ineficaz nessa função determinadora da vontade.
E o que indica quantas vezes se verifica essa ineficácia é a resolução.
Quantas vezes o indivíduo resolveu agir por modo contrário ao imperativo da norma, tantas vezes se verifica a sua ineficácia, ou seja, a sua violação.
Em jeito de síntese, ressalta a seguinte ideia predominante: mesmo que a actuação do agente se traduza numa pluralidade naturalística de acções, executadas em momentos separados no tempo, existe um só crime desde que aquelas estejam subordinadas a uma única resolução criminosa, sendo de esclarecer que a existência de certa conexão temporal que ligue os vários momentos da conduta do agente é um índice importante da unidade de resolução, mas não é decisivo, havendo que atender a todo o circunstancialismo fáctico revelador da forma como se desenvolveu a actividade criminosa do agente para então se chegar à aludida determinação de vontade, concreta, determinada, e não a qualquer uma resolução abstracta, geral. …”
Ora, o n.º 1 do artigo 30.º do CP, sofre duas importantes restrições: o caso de concurso legal ou aparente (onde pontificam as regras da especialidade, da consunção e da subsidiariedade) e o caso de crime continuado.
É entendimento mais ou menos pacífico da doutrina e jurisprudência, que os pressupostos essenciais do crime continuado são os seguintes:
- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
- Homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
- Lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);
- Unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma "linha psicológica continuada";
- Persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
Fundando-se a diminuição da culpa no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente, o pressuposto da continuação criminosa deverá ser encontrado numa relação que, de modo considerável, e de fora, facilitou aquela repetição, conduzindo a que seja, a cada crime, menos exigível ao agente que se comporte de maneira diversa.
Importante, portanto, será determinar quando existiu um condicionalismo exterior ao agente que facilitou a acção daquele, facilitou a repetição da actividade criminosa (“tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” – cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 209) e, por isso, diminui/atenua a respectiva culpa.
É que, se o agente concorre para a existência daquele quadro ou condicionalismo exterior, está a criar condições de que não pode aproveitar-se para que possa dizer-se verificada a figura legal de continuação criminosa
É esse o entendimento da jurisprudência dominante ao afirmar que inexiste crime continuado – mas concurso de infracções – “quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa” (cfr. Acs. STJ de 10.12.1997 in Proc. 1192/97; e de 07.03.2001 e 12.06.2002 in Boletim interno deste STJ, nºs 49 e 62, respectivamente – citados, aliás, na decisão recorrida).
Ora, para sustentar a tese de que se trata de crimes continuados, o recorrente alega que ficaram demonstradas situações exteriores que diminuem sensivelmente a sua culpa, como sejam a sua qualidade de gerente bancário, a facilidade que tinha em movimentar dinheiro, a decisiva doença ou patologia do vício do jogo (e não apenas vício ou tendência) e até a mera existência de casinos (conclusão 4ª).
Da matéria de facto assente, cremos não haver dúvidas de que o arguido agiu sempre de forma homogénea e lesou sempre o mesmo bem jurídico.
Só que dos factos assentes não resulta a existência de um condicionalismo exterior ao agente que facilitou a acção daquele, que facilitou a repetição da actividade criminosa e que, por isso, diminua a culpa do arguido.
Dos factos provados resulta antes que foi sempre o arguido que abordou, sugeriu e/ou convenceu os clientes do BPA a entregar-lhe várias e avultadas quantias monetárias, assim obtendo muito dinheiro, mas querendo obter sempre mais, sem que qualquer elemento ou factor exterior ou exógeno diminua ou mitigue a sua culpa.
Na verdade, resulta da matéria de facto assente que foi sempre o próprio arguido quem criou as condições necessárias para a prática dos factos/crimes, formulando várias resoluções criminosas, agindo e concretizando-as em função de cada caso concreto, “adaptando o modus operandi às circunstâncias específicas dos seus desígnios” (como se refere no acórdão recorrido).
E nem se diga, como o recorrente, que a doença ou patologia do vício do jogo constitui circunstância exterior ao agente, que diminui sensivelmente a sua culpa.
É que essa doença ou patologia é atinente e respeita á personalidade do próprio arguido, não podendo considerar-se factor exógeno que facilite a continuação ou repetição da actividade criminosa daquele e mitigue a respectiva culpa. Trata-se, sem dúvida, de elemento ou factor respeitante ao próprio arguido que poderá limitar a vontade deste, mas não constitui factor exógeno no sentido supra apontado.
Em face do que se deixa dito, concluímos que no caso em análise inexiste crime continuado, razão por que, também neste aspecto, a decisão recorrida não merece reparo.
Razão por que o recurso, também neste segmento (conclusões 1ª, 4ª, 5ª, 6ª e 10ª), tem de improceder.
3ª Questão: Atenuação especial da pena: a pena deveria ter sido especialmente atenuada (conclusões 7ª, 8ª, 9ª e 10ª)?
O recorrente alicerça esta sua pretensão no facto de a sua culpa estar consideravelmente diminuída por força da sua doença ou patologia (que determinou todos os seus actos); a evidência de jamais poder voltar a trabalhar na Banca e jamais ter acesso fácil a dinheiro para satisfazer o seu vício (do jogo); a reparação parcial e possível dos prejuízos que causou; e o longo tempo já decorrido desde a prática dos factos (os primeiros já ocorreram há 11 anos); e a duvidosa necessidade da pena, atento o período de prisão preventiva já sofrido.
Vejamos:
Nos termos do artigo 72.º do Código Penal:
“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para o efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob a influência de ameaça grave ou sob o ascendente da pessoa de quem depende ou a quem deve obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos do arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”.
Assim, a atenuação especial da pena existe – para além dos casos expressamente previstos na lei – sempre que há circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (aqui, portanto, como vimos, a diminuição das exigências da prevenção).
A atenuação especial só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, pois para a generalidade dos casos, existem e bastam as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios.
Como se refere no Ac. deste STJ de 29.04.1998, CJ Acs. STJ, VI, Tomo 2, 191, “ A atenuação especial da pena deverá ter lugar quando, na imagem global do facto e de todas as circunstâncias envolventes, a culpa do arguido e a necessidade da pena se apresentem especialmente diminuídas. Ou, por outras palavras, quando o caso não é o caso normal suposto pelo legislador ao estatuir os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes reclama, manifestamente, uma pena inferior”
O legislador elencou de modo exemplificativo as circunstâncias atenuantes de especial valor, dando ao julgador critérios mais rigorosos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação (neste sentido cfr. Ac. STJ de 18.10.2001 in Proc. 2137/5ª – SASTJ, nº 54, 122).
Como refere Maia Gonçalves in CP anotado e comentado, 2007, 277, “A alternativa “ou a necessidade da pena”, aditada na revisão do Código como ficou anotado, veio esclarecer que o princípio basilar que regula a atenuação especial é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, consequentemente, das exigências da prevenção. Segundo a lição do Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 305, já assim devia ser entendido no domínio da versão originária. De qualquer modo, a revisão do Código clarificou a situação”.
Segundo Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 444, pág. 302, “Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena”.
E, como se refere no Ac. do STJ de 07.12.1999 in Proc. 1135/3ª – SASTJ nº36, 57 “Como flui do nº 1 do artigo 72º do CP, é na acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, ou nas exigências da prevenção, que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena. Daí que as circunstâncias enumeradas no nº 2 do mesmo artigo não sejam as únicas susceptíveis de desencadear tal efeito, nem que este seja consequência necessária e automática da presença de uma ou mais daquelas circunstâncias”.
No caso em apreço, como se disse, o recorrente alicerça a sua pretensão de atenuação especial da pena, desde logo no facto de a sua culpa estar consideravelmente diminuída por força da sua doença ou patologia (que determinou todos os seus actos).
Porém, há que ter em atenção, desde logo, que no caso em apreço, a patologia ou doença do arguido confere-lhe um grau de imputabilidade levemente atenuada (como consta do parecer pericial de fls. 2890 dos autos e é referido na decisão recorrida ao citar o acórdão da 1ª instância).
O recorrente sustenta que o Parecer do Instituto de Medicina Legal de Coimbra não tem natureza pericial pois o que o tribunal de 1ª instância ordenou foi uma consulta técnico-científica que não tem o valor de prova a que se refere o artigo 163º do CPP.
Vejamos:
Sobre esta matéria, diz expressamente o Acórdão recorrido (fls. 52 a 58 – transcrição):
O arguido questiona, de forma manifestamente compreensiva, o acervo factológico provado, concretamente os pontos de facto 195. e 199., pondo em causa o juízo de valoração efectuado pelo tribunal a quo.
Relembrando o ponto 199., nele foi dado como provado:
«Camilo José agiu conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, estando as suas liberdade e vontade levemente condicionadas pelo transtorno do impulso/jogo patológico, de que padecia e padece, na satisfação ou em função do qual despendeu a quase totalidade dos montantes apropriados, conferindo-lhe, nos termos do parecer a fls. 2890, um grau de imputabilidade levemente atenuada».
O tribunal a quo, no segmento em causa, fundamentou a decisão nos termos que ora se reproduzem:
«No respeitante às matérias sob os pontos 192 a 198, foi ponderada toda a prova produzida e, desde logo, as declarações do arguido, das quais resulta, aliás, em conformidade com o parecer a fls. 2890, que apresenta capacidade crítica da realidade, e é capaz de distinguir o lícito do ilícito, tendo agido para satisfazer a sua necessidade recorrente de jogar em casinos, para o que obteve e, em função do que, despendeu praticamente todo o quantitativo apurado.
Foram ainda especialmente considerados o relatório pericial de exame médico-legal em psiquiatria forense, a fls. 2789 a 2795, subscrito pela Sr.ª perita psiquiatra E... M..., que prestou em audiência esclarecimentos, e as avaliações psicológica com estudo de personalidade, a fls. 2655 a 2660, e psiquiátrica, a fls. 2662 a 2673, cujos subscritores, psicóloga Sandra de Jesus e psiquiatra Francisco Costa, depuseram como testemunhas, tendo sido acolhido, atentos os especiais conhecimentos dos que o elaboraram, e desde logo do seu relator, Prof. Catedrático Adriano Vaz Serra, o parecer, aprovado por unanimidade do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Medicina Legal, a fls. 2887 a 2891, que aliás, teve em conta aqueles relatório e avaliações, e sobre os mesmos se pronunciou».
Contrapõe o recorrente - com base no teor: (i) do “relatório de avaliação psicológica com estudo da personalidade” de fls. 2655/2661; (ii) do “parecer psiquiátrico médico-legal” de fls. 2662/2673 (ambos os documentos foram apresentados pelo arguido, no decurso da audiência de julgamento); (iii) do relatório de exame médico-legal em psiquiatria forense” de fls. 2790/2795, elaborado a solicitação do tribunal; (iv) nos esclarecimentos prestados em audiência pelos subscritores dos relatórios e parecer referidos supra, respectivamente, psicóloga clínica Sr.ª Dr.ª S... de J..., médico psiquiatra Sr. Dr. F.... S... C... e médica psiquiatra do Hospital de São Teotónio (Viseu), Sr.ª Dr.ª E... M... -, que a ponderação destes elementos de prova determina a afirmação de uma imputabilidade sensivelmente diminuída e não uma imputabilidade levemente diminuída como foi considerado pelo tribunal da 1.ª instância.
No “relatório de avaliação psicológica com estudo da personalidade” (fls. 2655/2660) está referido, em sede conclusiva:
«(…) De acordo com os achados da entrevista psicológica e do teste psicométrico, ao nível» da personalidade do recorrente «é perceptível um conjunto de traços suficientemente inflexíveis e mal-adaptativos, os quais permitem o diagnóstico de transtorno de personalidade emocionalmente instável, tipo borderline, (limite) (…), pautado por bruscas variações emocionais, comportamento impulsivo (de passagem ao acto), estabelecimento de relações interpessoais intensas mas instáveis, dificuldades de identificação pessoal associada à contradição das suas atitudes e comportamentos, prejuízo da auto-estima com grandiosidade compensatória e dificuldade em lidar com sentimentos de vazio e tédio.
O examinado preenche igualmente os critérios de diagnóstico de uma patologia de jogo patológico (…).
Trata-se de uma doença enquadrável no transtorno do controlo dos impulsos, pautada por uma perturbação da vontade, ou seja, o indivíduo regista um padrão de jogo mal-adaptativo, lesivo de si próprio, mas que tende a ser restritivo e persistente.
(…).
Este comportamento de jogar/investir provoca (em doentes com vulnerabilidade prévia) uma dependência de tal ordem, que há autores que defendem que esta doença deverá ser integrada nas patologias da adição, como uma dependência não-química.
É considerada uma doença multideterminada, para a qual concorrem os comportamentos de abuso; os sintomas afectivos, geralmente de natureza depressiva e ansiosa; as distorções cognitivas; negação (recusa em aceitar que perdeu dinheiro e que as dificuldades financeiras persistem); racionalização e falsas concepções sobre estatística e probabilidade (procura de regras relacionais que lhe permitam continuar a jogar…).
Esta compulsão em jogar aumenta em períodos de maior ansiedade, quando os doentes se sentem mais pressionados para pagar as suas dívidas ou quando pensam que vão ser descobertos pelos seus familiares, actuando desta forma em ciclo vicioso.
Neste caso particular, o jogo patológico terá tido início no investimento na Bolsa de Acções, posteriormente em jogos de azar (lotaria, totoloto) e, por fim, nos casinos. Ainda que os aspectos cognitivos estivessem preservados, tornando o examinado capaz de entender a gravidade dos seus actos, a natureza volitiva aparenta estar claramente comprometida, tornando o padrão de jogo repetitivo, persistente e incontrolável pelo próprio.
(…)».
Por sua vez, no “parecer psiquiátrico médico-legal” (fls. 2662/2673), está formulado o seguinte quadro conclusivo:
«O examinado (…) evidencia um conjunto de traços de personalidade suficientemente inflexíveis e mal-adaptativos para permitirem o diagnóstico de transtorno de personalidade emocionalmente instável, tipo borderline (limite), (…) predisposição e vulnerabilidade pré-existentes que terão facilitado a eclosão de um quadro de jogo patológico (…), cujo aspecto essencial consiste numa impetuosidade cada vez mais frequente, repetida e persistente de jogo, que progressivamente (e de um modo involuntário, instintivo, incontrolável e irresistível) vai dominando toda a vida do indivíduo (…).
Um tal contexto psicopatológico, na base de um psiquismo notoriamente enfermo, não acidental e cujos efeitos não domina, que lhe vinha condicionando, de forma iniludível, a capacidade volitiva necessária para se poder determinar face ao carácter anti-social e/ou anti-jurídico dos seus actos (desaprovados à luz da sua consciência), por claro prejuízo da vontade, justifica plenamente, numa perspectiva psiquátrico-forense actual e para os factos constantes do libelo acusatório, que se invoque a figura da imputabilidade sensivelmente diminuída.
(…)».
Passando à consideração do “relatório de exame médico-legal em psiquiatria forense” (fls. 2790/2795), nele foram estabelecidas as conclusões infra transcritas:
«1. O examinando AA sofre de:
(A) Perturbação da personalidade emocionalmente instável, tipo borderline (limite) (F60.31), conforme CID-10);
(B) Perturbação do controle de impulsos – perturbação de hábitos e impulsos – jogo patológico (F63.0, conforme CID-10);
(C) Reacção mista de ansiedade e depressão (F43.22, conforme CID-10).
2. Em nosso parecer, aquando dos ilícitos, a imputabilidade do examinando estaria levemente diminuída (numa escala: leve, moderada, acentuada)» - o “negrito” pertence-nos.
(…)».
Ouvidos em audiência de julgamento, na qualidade de testemunhas, a psicóloga Sr.ª Dr.ª S... de J... (sessão do dia 21-05-2008, cassete n.º 2, lado A, rotações 1175 até final e lado B, rotações a partir de 0002) e o psiquiatra Sr. Dr. F... S... C... (sessão do dia 21-05-2008, cassete n.º 1, lados A e B, e n.º 2, lado A, rotações 0002 a 1174) reafirmaram na íntegra o “relatório” e o “parecer” emitidos, acentuando, nomeadamente: o arguido tem uma personalidade “borderline” claramente denunciadora de uma personalidade emocionalmente instável, onde os aspectos obsessivos e compulsivos estão presentes, e sofre de “patologia de “jogo patológico” – doença mental do “eixo 1” -, englobada nas doenças de controlo dos impulsos; na data da prática dos factos, o arguido tinha capacidade para avaliar a ilicitude das suas condutas mas, por nos situarmos perante uma “patologia da vontade”, era incapaz de se determinar de acordo com essa avaliação.
Por seu turno, a Sr.ª perita psiquiátrica D.ª E... M..., chamada a prestar esclarecimentos complementares no decurso da audiência de discussão e julgamento, acabou por confirmar que a imputabilidade do arguido se encontrava “pouco diminuída” (cfr. cassete n.º 1, todo o lado A e lado B, rotações 0002 a 1230, sessão do dia 09-04-2008), mas caindo depois em inexplicáveis insuficiências e contradições sobre a (in)capacidade de o arguido controlar a sua vontade, referindo umas vezes: «o arguido era capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta; não era capaz de controlar a sua vontade (…), deixou de se poder controlar, (…) não conseguia agir de acordo com a sua consciência crítica», e outras: «“o levemente diminuído entra num plano diferente, na escolha de atempadamente e percebendo que alguma coisa de errado se estaria a passar com ele (arguido), ter tentado procurar ajuda e ter tentado lidar com as coisas doutra forma; (…) não estava incapaz de se apropriar de dinheiro alheio».
Perante essas contradições, a solicitação do tribunal a quo, foi emitido parecer pelo Conselho Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal de Coimbra, cujo conteúdo, nas passagens mais relevantes, passamos a transcrever:
«Este C.M.L. está de acordo com a conclusão dos peritos que observaram o arguido, quanto ao quadro de jogo patológico (…); contudo, está em desacordo quanto à formulação do tipo de personalidade e da reacção mista da ansiedade e depressão e em acordo parcial quanto ao grau de imputabilidade.
(…).
Atendendo ao que escrevemos, considerando o que está registado no respectivo processo e ainda no que se encontra referido na licenciatura psiquiátrica (…), este C.M.L é de parecer de que o arguido apresenta capacidade crítica da realidade e é capaz de distinguir os actos lícitos dos ilícitos.
No entanto, devido às dificuldades que um quadro clínico como o descrito manifesta no controlo dos seus impulsos, somos de parecer de que lhe deve ser atribuído um grau de imputabilidade levemente atenuada, que deve ter em conta o número de actos ilícitos cometidos».
Como é sabido, no sistema processual penal vigora a regra da livre apreciação da prova, em termos tais que, em conformidade como o disposto no artigo 127.º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Porém, estabelece o artigo 163.º, n.º 1, do CPP, uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do mesmo diploma, atribuindo um valor presuntivamente pleno (presunção juris tantum que pode ceder perante uma contraprova) ao juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial, daí decorrendo que o julgador, face à prova pericial, terá de aceitar o juízo técnico, científico ou artístico a ela inerente, a menos que fundamente a sua divergência.
Se o julgador acatar o juízo técnico, científico ou artístico dos peritos, inerente á prova pericial, nada terá de dizer. Se o não acatar, e dele divergir, terá de fundamentar a sua divergência(7).
O recorrente impugna o parecer do Conselho Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal de Coimbra fundando-se no “relatório” e “parecer” subscritos pelos Srs. Drs. S... de J... e F.... S... C..., nas declarações dos mesmos, como testemunhas, em audiência de julgamento, e nos esclarecimentos prestados pela Sr.ª perita E... M... que, a final, segundo o recorrente, teria corrigido o juízo de apreciação vertido no relatório pericial, em termos de considerar agora que a imputabilidade do arguido estava “sensivelmente diminuída”.
Porém, aqueles “relatório” e “parecer”, por si juntos aos autos, não têm valor pericial (in casu, não foi observado o disposto no artigo 159.º do CPP e nos artigos 2.º e 24.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto) não estando, por isso, sujeitos à regra de prova vinculada estabelecida pelo artigo 163.º do referido diploma legal.
Nesta medida, forçoso é considerar-se que, sem embargo do teor científico das conclusões médicas do “relatório” e parecer” apresentados, esses elementos, e bem assim a prova testemunhal relativa aos depoimentos dos Srs. Drs. S... de J.... e F... S... C..., têm de ser apreciados com base em critérios distintos da prova obtida através de perícias efectuadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal.
No que concerne aos esclarecimentos à subscritora do “relatório de exame médico-legal em psiquiatria forense a fls. 2795/2795, não corresponde à realidade que a mesma tivesse alterado a posição expressa no relatório pericial que elaborou. Como supra referido, apesar das contradições registadas, a Sr.ª Dr.ª E... M... acabou por esclarecer que a expressão “imputabilidade levemente diminuída” correspondia a “imputabilidade pouco diminuída”.
Assim sendo, no caso sub judice, o tribunal a quo, procedeu correctamente na apreciação e valoração da prova. Apreciou livremente, nos termos do artigo 127.º do CPP, o teor do “relatório” e “parecer” juntos aos autos pelo recorrente, no que era consonante com o “parecer” de natureza pericial elaborado pelo Conselho Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal de Coimbra, e aderiu à conclusão deste parecer médico-legal sobre a imputabilidade diminuída do arguido.
Em processo penal a regra é a de livre apreciação da prova como decorre do estatuído no artigo 127º do CPP, onde se dispõe que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Tal princípio não é absoluto e entre as excepções a tal regra, incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial.
Segundo Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 9ª edição, pág. 323, estas excepções integram-se no princípio da prova legal ou tarifada, que é usualmente baseado na segurança e certeza das decisões, consagração de regras de experiência comum e facilidade e celeridade das decisões.
Na definição do artigo 388º do Código Civil a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
E de acordo com o artigo 151º do CPP, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
A perícia é, assim, a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
Segundo José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, pág. 161, a função característica da testemunha é narrar o facto e a do perito é avaliar ou valorar o facto, emitir quanto a ele juízo de valor, utilizando a sua cultura e experiência.
No domínio do Código de Processo Penal de 1929, a perícia era tratada juntamente com os exames como meio de prova, sendo uniforme o entendimento de que o tribunal apreciava livremente a prova pericial sem estar vinculado ao resultado dos exames ou às declarações dos peritos embora se tratasse de pareceres do Conselho Médico-Legal (ou seja, mesmo nos casos em que os exames eram sujeitos à revisão – obrigatória - nos termos do artigo 200º), com excepção do caso particular da parte final do artigo 498º - exame de alienação mental. Ressalvado o disposto neste preceito as conclusões periciais eram tidas como meras informações técnicas que não vinculavam o julgador.
Como ensinava Cavaleiro Ferreira, em “Curso de Processo Penal”, edição dos SSUL 1973, II volume, págs. 365/6/7: “A apreciação dos factos é função judicial. Para essa apreciação carece o julgador de conhecimentos jurídicos e da experiência comum, técnicos ou científicos. Como nem sempre todos estes conhecimentos fazem parte da cultura geral do julgador e eles se mostram indispensáveis à apreciação da prova, permite a lei o auxílio de terceiros no esclarecimento dos pressupostos da apreciação da prova. É este auxílio que constitui a perícia. (…) A perícia não é verdadeiramente um meio de prova, nem pessoal nem real. Destina-se a auxiliar o julgador ou instrutor do processo na função que lhe é peculiar de desvendar o significado de provas preexistente ou de apreciar o seu valor”. (…) A apreciação da prova pelos peritos não é uma apreciação compreensiva, como a do juiz, mas tão somente parcial, quer quanto aos factos, quer quanto à perspectiva sob a qual se observam ou apreciam os factos”.
Nos termos do artigo 389º do Código Civil a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal e de acordo com o artigo 591º do CPC, tanto a primeira como a segunda perícias são livremente apreciadas pelo tribunal. (A propósito da diferença de regimes entre o processo civil e o penal, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 422/99, de 30-06-1999, no proc. 698/98, in DR, II Série, de 29-11-1999).
Figueiredo Dias, insurgindo-se contra a ideia da absoluta liberdade da apreciação da prova pericial pelo juiz, escreveu em 1974, em “Direito Processual Penal”, I Volume, págs. 208/209 (idem, na reimpressão de 2004), que «…se os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos à livre apreciação do juiz – que, contrariando-os, pode furtar validade ao parecer –, já o juízo científico ou parecer propriamente dito só é susceptível de uma crítica igualmente material e científica. Quer dizer: perante um certo juízo cientificamente provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base do facto pressuposta; quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também e estará, por conseguinte, subtraída em princípio à competência do tribunal (...)».
Esta orientação veio a ser consagrada no CPP de 1987.
Efectivamente, na Lei nº 43/86, de 26-09 - Lei de autorização legislativa de que emergiu o CPP1987 - artigo 2º, nº 2, alínea 31), foi indicada a necessidade de “definição, em matéria do valor probatório das perícias, de uma regra pela qual se presume subtraído à livre convicção do magistrado o juízo técnico, científico e artístico inerente às perícias, com obrigação de fundamentação de eventual divergência”
Assim, veio o n.º 1 do artigo 163.º do Código de Processo Penal a estabelecer, que «o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador». E o n.º 2 estabelece que «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência».
Para Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1999, II, pág. 178, «a presunção que o art. 163º, nº 1, consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador. Não é necessária uma contraprova, basta a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial».
Na jurisprudência acolheram-se estas soluções, de que são exemplos os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de:
23-05-1991, BMJ 407, 341 – É fundamento suficiente da divergência de convicção do tribunal colectivo face ao parecer dos peritos a invocação da metodologia do exame cingida à leitura do processo e à entrevista directa com o observando, sendo certo que os peritos não chegaram a ter conhecimento das circunstâncias da prática do crime e as conclusões do relatório sobre a personalidade do arguido padecem de subjectivismo.
05-05-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, 217 – O tribunal não pode, sem qualquer justificação, sem que a divergência seja fundamentada, dar como provada incapacidade permanente do ofendido, se a mesma não consta do exame de sanidade.
05-05-1993, BMJ 427, 441 e CJSTJ 1993, tomo 2, 218 - O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial impõe-se, em princípio, ao julgador, que o tem de acatar e se dele divergir – e é lícita a divergência – o julgador terá de fundamentar a sua discordância e, não o fazendo, viola o art. 163º do CPP, que leva à anulação do julgamento.
05-06-1993, BMJ 428, 448 – A formação pelo tribunal de um juízo que consubstancia uma divergência em relação ao parecer dos peritos deve ser devidamente fundamentada, sob pena de importar violação do nº 2 do artigo 163º do CPP. Esta omissão de justificação do tribunal face ao parecer pericial não integra uma nulidade já que, como tal, não é qualificada, mas simples irregularidade - artigos. 118º, nº 1 e 123º do CPP (neste sentido igualmente o acórdão de 19-01-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, 190).
09-03-1994, BMJ 435, 626 – O tribunal aprecia livremente as conclusões dos exames periciais, mesmo em casos de alienação mental, não ficando adstrito aos pareceres dos peritos, ainda que especializados, decidindo em desconformidade com os mesmos quando o processo lhe forneça outros elementos de prova, que contrariem a factualidade sobre que assentaram tais exames.
16-11-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, 250 - A presunção contida no artigo 163º do CPP apenas pode ser afastada com fundamentos da mesma natureza do juízo científico expendido, já que a liberdade de apreciação do tribunal existe, mas limita-se à base de facto do próprio juízo; os juízos científicos apenas são passíveis de crítica igualmente científica.
09-05-1995, CJSTJ 1995, tomo 2, 189 - A presunção a que alude o nº 1 do art. 163º CPP apenas se refere ao juízo técnico-científico emitido pelos peritos e não propriamente aos factos em que o mesmo se apoia. Assim, a necessidade de fundamentar-se a divergência só se dará quando esta incide sobre o juízo pericial (seguido no acórdão de 11-01-1997, CJSTJ 1997, tomo 3, 227).
20-09-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, 191 – A conclusão constante do relatório médico de que “se deve presumir intenção de matar” não constitui um juízo técnico-científico abrangido pelo artigo 163º do CPP, mas apenas um juízo de probabilidade sobre essa intenção, pelo que se não aplica aquele artigo (seguindo a lição de Pinto da Costa e o acórdão de 20-03-1991, processo 41394-3ª).
25-10-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, 211 – Aceitando o tribunal colectivo o juízo científico quanto à inimputabilidade do arguido, tem, todavia o poder de livre apreciação quanto aos elementos de facto que revelem a sua perigosidade.
Esclarece: a orientação positivista de que os pareceres dos peritos devem ser aceites como verdadeiras decisões, está ultrapassada, como resulta do nº 2 do aquele art. 163º, segundo o qual o julgador pode divergir do juízo científico dos peritos, fundamentando a sua divergência. Esta tem de assentar numa diferente valoração dos dados de facto em que assentar esse juízo porque, relativamente a eles, mantém-se o princípio da livre apreciação.
Perante esse juízo científico, ensina o Prof. Figueiredo Dias, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à base do facto pressuposto; quanto ao juízo científico, a apreciação há-de ser também científica e está, por conseguinte, subtraído à competência do tribunal.
No caso, o Colectivo discordara do perito apenas quanto à perigosidade criminal e quanto aos elementos de facto que revelam a perigosidade tinha o Colectivo o poder de livre apreciação e a conclusão - matéria de facto a que chegar o julgador não pode ser contrariada pelo STJ. Traduz um facto concreto, enquanto que o parecer pericial assenta numa mera previsão de facto.
03-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, 214 – O juízo médico-legal sobre a intenção de matar não é um juízo técnico, científico ou artístico, nem juízo de técnica médica, mas apenas um juízo de probabilidade sobre essa intenção. Por isso, não lhe é aplicável o disposto no art. 163º CPP. O Tribunal julgará tal matéria acatando somente o que dispõe o art. 127º do CPP.
12-11-1996, BMJ 461, 304 - A divergência entre a convicção do colectivo e o juízo contido no auto de exame deve ser minimamente fundamentado; se não o for, verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. No mesmo sentido, o acórdão de 17-06-1999, BMJ 488, 266.
20-05-1998, BMJ 477, 297 – O valor da prova pericial vincula o critério do julgador, o qual só a pode rejeitar com fundamento numa crítica material da mesma natureza. Divergindo a conclusão do tribunal do juízo contido nos pareceres dos peritos, e não se encontrando fundamentada, nos termos do artigo 163º, nº 2 do CPP, estando-se no domínio da prova vinculada, tal violação da norma é causa de anulação do julgamento.
05-11-1998, CJSTJ 1998, tomo 3, 210 – Para que o julgador, ao divergir do juízo contido no parecer dos peritos, tenha de fundamentar a divergência, é necessário que o relatório do exame psiquiátrico feito ao recorrente contenha um juízo técnico científico sobre uma situação de inimputabilidade do arguido no momento da prática do crime.
17-06-1999, BMJ 488, 266 – O Tribunal não está vinculado às conclusões formuladas no exame pericial mas não pode fazer constar do acórdão que a sua convicção se fundou, designadamente, em tal elemento probatório, quando a matéria dele constante não foi considerada provada ou não provada. Ao fazê-lo, o tribunal deixou, desse modo, de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, o que o faz incorrer no vício da insuficiência da matéria de facto provada, determinando a nulidade do acórdão.
20-10-1999, CJSTJ 1999, tomo 3, 196 - Se o juízo de imputabilidade diminuída, formulado pelo perito, foi emitido como uma probabilidade, e não como um juízo técnico-científico é legítimo ao tribunal, com base em investigação definitiva dos factos, apreciados livremente, nos termos do artigo 127º do CPP, concluir pela existência de uma total inimputabilidade.
15-12-1999, BMJ 492, 327 – Não há lugar à realização de uma nova peritagem médico-legal, nem surge violado o disposto no art. 163º CPP, quando o Tribunal colectivo não diverge do juízo técnico-científico da autópsia realizada, limitando-se a interpretar os dados resultantes da perícia em consonância com outros elementos de prova carreados, apreciados segundo a sua livre convicção.
11-02-2004, CJSTJ 2004, tomo 1, 197 - O valor da prova pericial que traduza um juízo técnico ou científico vincula o julgador, que só pode afastar-se da mesma com fundamento numa outra prova de idêntica natureza. Defende que a violação do artigo 163º do CPP conduz à nulidade da decisão.
19-10-2005, processo nº 2816/05-3ª, CJSTJ 2005, tomo 3, 189 – Os esclarecimentos prestados por peritos só estão subtraídos à livre apreciação do julgador se disserem respeito a juízos técnicos, científicos ou artísticos inerentes à prova testemunhal. Estão sujeitos, no entanto, ao regime geral da livre apreciação da prova a apreciação ou percepção de factos que, muito embora veiculados por um perito, não traduzam nenhum conhecimento especializado. Apenas o juízo científico está dotado de especial força probatória. Não também os dados de facto que estão na base desse parecer, cuja percepção e/ou apreciação não exija especiais conhecimentos científicos.
11-01-2006, processo n.º 4299/05 - 3.ª - O art. 163.º, n.º 1, do CPP estabelece uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do mesmo diploma, atribuindo um valor presuntivamente pleno ao juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial, do que decorre que o julgador, face a prova pericial, terá de aceitar o juízo técnico, científico ou artístico a ela inerente, a menos que fundamente a sua divergência relativamente ao mesmo - art. 163.º, n.º 2, do CPP.
26-10-2006, processo n.º 183/06 - 5.ª - Perante um certo juízo cientificamente provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base de facto pressuposta; quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também e estará, por conseguinte, subtraída em princípio à competência do tribunal - salvo casos inequívocos de erro, nos quais o juiz terá então de motivar a sua divergência” - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág. 209.
11-07-2007, processo nº 1416/07 - 3ª - O art. 163.º do CPP fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção juris tantum de validade do parecer técnico do perito, que obriga o julgador, ou seja, a conclusão a que chegar o perito só pode ser desprezada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser também de argumentos científicos (n.º 2 do art. 163.º do CPP).
A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão.
No que respeita à matéria de facto em que se baseia a conclusão pericial, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, dado que não foi posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria.
Quando os peritos não conseguirem alcançar um parecer livre de dúvidas, quando nas conclusões do relatório pericial se conclui por um juízo de mera probabilidade ou opinativo, incumbe ao tribunal tomar posição, julgar e remover, se for caso disso, a dúvida, fixando os necessários factos.
19-09-2007, processo nº 2811/07-3ª - O art. 163.º, n.º 1, do CPP estabelece uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do mesmo diploma, atribuindo um valor presuntivamente pleno ao juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial, do que decorre que o julgador, face a prova pericial, terá de aceitar o juízo técnico, científico ou artístico a ela inerente, a menos que fundamente a sua divergência relativamente ao mesmo – art. 163.º, n.º 2, do CPP.
07-11-2007, processo n.º 3986/07 - 3.ª - Face ao regime vigente, se o julgador acatar o juízo técnico, científico ou artístico dos peritos, inerente à prova pericial, nada terá que dizer. Se o não acatar, e dele divergir, terá que fundamentar a sua divergência (citando este, o de 17-04-2008, processo 677/08-3ª).
Apreciando o caso concreto.
Em causa está o valor probatório do Parecer emitido pelo IML de Coimbra, a pedido do Tribunal da 1ª Instância.
Nesse Parecer, refere-se expressamente “«Este C.M.L. está de acordo com a conclusão dos peritos que observaram o arguido, quanto ao quadro de jogo patológico (…); contudo, está em desacordo quanto à formulação do tipo de personalidade e da reacção mista da ansiedade e depressão e em acordo parcial quanto ao grau de imputabilidade.
(…).
Atendendo ao que escrevemos, considerando o que está registado no respectivo processo e ainda no que se encontra referido na licenciatura psiquiátrica (…), este C.M.L é de parecer de que o arguido apresenta capacidade crítica da realidade e é capaz de distinguir os actos lícitos dos ilícitos.
No entanto, devido às dificuldades que um quadro clínico como o descrito manifesta no controlo dos seus impulsos, somos de parecer de que lhe deve ser atribuído um grau de imputabilidade levemente atenuada, que deve ter em conta o número de actos ilícitos cometidos» (sublinhado nosso).
Estamos, portanto, um Parecer emitido pelo IML de Coimbra a pedido do Tribunal.
Tal relatório foi aprovado por unanimidade do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Medicina Legal – fls. 2887 a 2891.
E esse parecer teve em conta quer o relatório pericial de exame médico legal em psiquiatria forense – fls. 2789 a 2795 - subscrito pela Exmª Srª perita psiquiatra Dr.ª E... M... e elaborado a pedido do tribunal – que prestou esclarecimentos em audiência; quer as avaliações psicológicas com estudo de personalidade – fls. 2655 a 2660 – e psiquiátrica – fls, 2662 a 2673 – subscritos pelos Exmºs Drs. S... de J... (psicóloga clínica) e F... C... (médico psiquiatra) – que depuseram como testemunhas, sendo certo que o relatório de avaliação psicológica com estudo da personalidade (fls. 2655 a 2660) e o parecer psiquiátrico médico-legal (fls. 2662 a 2673) foram apresentados pelo arguido no decurso da audiência de julgamento.
Estamos, portanto, perante uma perícia efectuada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (Coimbra) a cuja conclusão o tribunal aderiu e que teria de aceitar porque subtraída à livre apreciação do julgador nos termos do artigo 163º-1 do CPP, por se tratar de juízo técnico ou científico inerente á prova pericial, a menos que (o tribunal) fundamentasse a sua divergência.
Por outro lado, quer o relatório quer o parecer, emitidos e subscritos pelos Exmºs Drs. S... de J... e F... C..., porque não realizados nos termos dos artigos 159º do CPP e da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto, maxime artigos 2º e 24º - pese embora o teor científico dos mesmos - não estão sujeitos á regra da prova vinculada daquele artigo 163º-1 do CPP, podendo e devendo ser apreciados com base em critérios diferentes da prova obtida através de perícias realizadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, ou seja, estão sujeitos à livre apreciação do tribunal (artigo 127º do CPP).
Pelo exposto, conclui-se não ter o acórdão recorrido violado nem o artigo 163º, nem o artigo 127º, ambos do CPP, preceitos que aquela decisão teve em consideração na sua justa e adequada concretização.
Ora, como refere Figueiredo Dias in Direito Penal I, Pág. 539 e segs, “Se nos casos de imputabilidade diminuída, as conexões objectivas de sentido entre a pessoa do agente e o facto são ainda compreensíveis e aquele deve, por isso, ser considerado imputável, então as qualidades especiais do seu carácter entram no objecto do juízo de culpa e por elas tem o agente de responder. Se essas qualidades forem especialmente desvaliosas, de um ponto de vista jurídico-penalmente relevante, fundamentarão uma agravação da culpa e um aumento da pena; se, pelo contrário, elas fizerem com que o facto se revele mais digno de tolerância e de aceitação jurídico-penal, estará justificada uma atenuação da culpa e, assim, uma diminuição da pena. Nesta medida o problema dito de “imputabilidade diminuída” não merece tratamento legislativo especial”.
Tendo isto em consideração e aceitando que a patologia ou doença do arguido - a limitação das liberdade e vontade decorrente do impulso/jogo patológico, de que padecia (e padece) – lhe confere um grau de imputabilidade levemente atenuada e faz com que os factos que praticou se revelem mais dignos de tolerância e de aceitação jurídico-penal, justifica-se uma atenuação da culpa e, assim, uma diminuição da pena.
Porém, não justifica a atenuação especial desta, pois a moldura penal fixada nos preceitos legais incriminatórios permite fixar, de forma adequada e justa, a medida da pena.
Ora, na decisão recorrida, aquela patologia do arguido foi tida em consideração e devidamente valorada na medida concreta da pena.
Na verdade, diz-se no acórdão recorrido “a imputabilidade diminuída do arguido é determinada por um “transtorno do impulso” orientado para o jogo, que não pode deixar de ter um reflexo visível no doseamento concreto da pena, como foi considerado pelo tribunal a quo, mas sem justificar a aplicação do instituto da atenuação especial da pena, porquanto não se vê que a moldura punitiva, suficientemente ampla, estabelecida pelas normas incriminatórias não permita fixar com justiça a medida da pena”.
Também as demais circunstâncias invocadas pelo recorrente - a evidência de jamais poder voltar a trabalhar na Banca e jamais ter acesso fácil a dinheiro para satisfazer o seu vício (do jogo); a reparação parcial e possível dos prejuízos que causou; e o longo tempo já decorrido desde a prática dos factos (os primeiros já ocorreram há 11 anos); e a duvidosa necessidade da pena, atento o período de prisão preventiva já sofrido – não justificam a atenuação especial da pena.
Na verdade, não se vê de que modo o facto de o arguido jamais poder voltar a trabalhar na banca e jamais ter acesso fácil a dinheiro para satisfazer o seu vício do jogo diminuam – por forma acentuada – a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Aliás, nem todos os que trabalham na banca e nem só os que trabalham na banca, têm acesso fácil a dinheiro; e nem todos os que têm o vício do jogo, têm igualmente acesso fácil a dinheiro ou trabalham na banca.
Não se vê, portanto, de que modo aquelas invocadas circunstâncias diminuam as exigências de prevenção especial.
Da mesma forma que não se entende a invocação do período de prisão preventiva já sofrido pelo arguido, para justificar a atenuação especial da pena.
Tal facto relevará apenas para efeitos do estatuído no artigo 80º do Código Penal, isto é, no âmbito do cumprimento da pena.
Relativamente á alegada reparação parcial e possível dos prejuízos que causou (prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 72º do CP), há que ter em atenção o que atrás se disse, designadamente que as circunstâncias enumeradas no nº 2 do artigo 72º do CP não são as únicas susceptíveis de desencadear a atenuação especial da pena, nem que esta seja consequência necessária e automática da presença de uma ou mais daquelas circunstâncias.
Acresce que o arguido apenas reparou uma pequeníssima parte dos prejuízos patrimoniais que causou.
E, embora alegado, não está demonstrado que tenha feito essa reparação “até onde lhe era possível”, como exige o artigo 72º-2-c) do CP.
Finalmente, invoca o recorrente o longo tempo já decorrido desde a prática dos factos (os primeiros já ocorreram há 11 anos).
Quanto a este aspecto (previsto no citado artigo 72º-2-d) do CP) não pode deixar de referir-se que este STJ tem vindo a entender que para a verificação da atenuação especial da pena com base na referida circunstância, mantendo o agente boa conduta, é necessário que se prove também uma diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa, como sucede, nomeadamente, quando se esfumou o alvoroço social causado pelo crime ou quando tenha havido uma transformação, para melhor, da personalidade do arguido (Acs. STJ de 08.05.1991, AJ nº 19, e Proc. 41652/3ª e de 20.01.1994 in Proc. 45801/3ª).
Para que possa atenuar especialmente a pena por ter decorrido longo período de tempo desde a prática do crime, não basta a existência desta circunstância, por si só; ela tem de ser conjugada e apreciada de acordo com a cláusula geral constante do n.º 1 do mesmo preceito legal, ou seja, terá de reflectir uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena (neste sentido, cfr. Acs. STJ de 20.04.1995 in Proc. 46181/3ª; de 05-03-1997, in Proc. 1336; de 05-03-1997, in BMJ n.º 465; de 11-02-1998, in Proc. n.º 1331/97; e de 06-02-2002, in Proc. n.º 3733/01).
Ora, no caso em apreço, não obstante terem decorrido já 11 anos desde a prática dos primeiros factos (e cerca de 5 anos desde a prática dos últimos) tal circunstância, por si só, não reflecte uma diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do arguido ou da necessidade da pena.
Acresce que “Se a passagem de muito tempo foi ocasionada por conduta pessoal reprovável do arguido, não deve ser feito uso daquela faculdade” (de atenuação especial da pena) – cfr. Ac. STJ de 20.01.1994, in Proc. 45801/3ª.
Ora, da análise do processo constata-se que o recorrente/arguido não está isento de responsabilidade pelo decurso daquele longo período de tempo já decorrido (cerca de 11 anos quanto às primeiras condutas e cerca de 5 anos quanto às últimas), na medida em que em certas fases processuais, deu causa ao protelamento do processo, pois fugiu para o Brasil, determinando, por isso, a formulação de pedido de extradição e a expedição de diversas cartas rogatórias, nomeadamente para notificação da acusação.
Tanto basta para se concluir que, no caso sub judice, não se justifica a atenuação especial da pena, pelo que, também neste aspecto, não merece censura o acórdão recorrido.
Por isso, o recurso improcede também neste segmento.
4ª Questão: Medida da pena: a pena única aplicada (13 anos de prisão) é exagerada e desproporcionada devendo aplicar-se pena de prisão não superior a 8 anos?
Vejamos:
Nos termos do estatuído no artigo 77º-2 do CP, a pena aplicável em caso de concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes não podendo, porém, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Sendo assim, no caso em análise, a respectiva moldura oscila entre o mínimo de 5 anos de prisão e o máximo de 25 anos (já que a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes era de 139 anos e 6 meses de prisão).
Dentro desta moldura assim encontrada, é determinada a pena do concurso, para a qual a lei determina que se considere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, do CP).
Para além disto, é óbvio que devem também ser ponderadas as circunstâncias referidas no artigo 71º-1 e 2 do mesmo diploma legal, isto é, a culpa do agente e as exigências de prevenção e os demais factores elencados no n.º 2 daquele normativo (o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena), mas referidos, agora, à globalidade dos crimes.
Como refere Figueiredo dias in “Direito Penal Português - Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, ed. Aequitas - Editorial Notícias - 1993, § 421, págs. 291 e 292”, tudo se deve passar “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Tendo presente o que se deixa exposto e também:
- As funções desempenhadas pelo arguido; e
- O montante total desviado pelo mesmo;
E tendo ainda em atenção - como se refere no acórdão recorrido – que:
- “Os crimes em concurso, burla, falsificação de documento e abuso de confiança revelam profunda conexão, visando a obtenção de enriquecimento ilegítimo, constituindo os crimes de falsificação meios de execução dos crimes de burla;
- A actividade criminosa do arguido manteve-se por um longo período de tempo (entre 1997 e 2003).
- O ilícito (global) se revela de gravidade acentuada;
- A personalidade do arguido se mostra marcada pelo transtorno do controlo dos impulsos dirigidos ao jogo, no qual, aliás, despendeu a maior parte das quantias monetárias de que se apropriou”;
Afigura-se-nos que a pena única aplicada na decisão recorrida se revela um pouco excessiva, justificando-se a aplicação de uma pena menos grave que agora se fixa em 11 (onze) anos de prisão.
Por isso, neste segmento, o recurso procede em parte.
Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se, no provimento parcial do recurso, em revogar a decisão recorrida apenas na parte respeitante à pena única aplicada e condenar o arguido/recorrente AA na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
No mais, mantém-se o decidido.
Fixa-se em 4 UCs a taxa de justiça a pagar pelo recorrente.
Lisboa, 19 de Março de 2009
Fernando Fróis (Relator)
Henriques Gaspar
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1- Cfr. A. M. Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 276/277.
2- Idem, pág. 293 e ss.
3- Cfr. Acórdão desta Relação de Coimbra de 07-06-2006, relatado pelo Ex.mo Desembargador Gabriel Catarino, publicado em www.dgsi.pt
4- V. g., José António Barreiros, in Crimes Contra o Património, Ed. Universidade Lusíada, 1996, 148 e o Ac. do STJ de 20/03/2003, sumariado no Boletim Interno do STJ, n.º 69.
5- Figueiredo Dias, Colectânea, Ano XVII – 1992, tomo III, pág. 68.
6- Figueiredo Dias, mesma obra, citando Cramer
7- V.g., Ac. do STJ de 07-11-2007, proc. n.º 3986/07.