QUESTÃO NOVA
SEGURANÇA SOCIAL
APOIO JUDICIÁRIO
NOTIFICAÇÃO
INDEFERIMENTO TÁCITO
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
Sumário


I – Os recursos destinam-se a sindicar as decisões impugnadas, de onde decorre que a pronúncia do tribunal “ad quem” se deve circunscrever às questões que dela foram objecto, estando-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso.

II – Por isso, não é de conhecer na revista do alegado “deferimento tácito” do pedido de apoio judiciário, se na apelação o recorrente não suscitou tal questão e o tribunal recorrido sobre a mesma se não pronunciou.

III – As notificações efectuadas pela Segurança Social a um requerente de pedido de apoio judiciário, formulado em 29 de Junho de 2007, obedecem ao prescrito no artigo 37.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e ao Código do Procedimento Administrativo, maxime no seu artigo 70.º.

IV – Nestas situações, a notificação por via postal constitui a forma mais corrente e adequada, certo que tal modalidade só deve ser preterida quando se verifique a sua impossibilidade ou inviabilidade

V – A notificação postal é feita, por regra, través de registo simples, mas nada impede que o seja por carta registada com aviso de recepção.

VI – Esta modalidade de notificação tem-se por válida e eficaz independentemente da identidade da pessoa que haja recebido a carta respectiva.

VII – Tendo a Segurança Social remetido ao réu carta registada, em 31-07-2007, para, no prazo de 10 dias úteis, proceder à junção dos documentos em falta (com vista a instruir o pedido de apoio judiciário) e prestar, por escrito, os esclarecimentos devidos, com a advertência de que a falta de resposta implicava o indeferimento do pedido de protecção jurídica, concretizando a data em que este se produziria, constatando-se que a carta foi enviada para a morada indicada pelo réu (morada que é a mesma onde o réu foi citado na acção declarativa em que é demandado e a que se destina o pedido de apoio judiciário, tendo o aviso de recepção sido assinado por pessoa que é indicada no requerimento de pedido de apoio judiciário como mulher do réu), é de presumir que a notificação ocorreu no terceiro dia posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte.

VIII – Ao réu competia ilidir tal presunção, nos termos do disposto nos artigos 254.º, n.º 6 e 255.º, n.º 1, do Código de Processo civil, não bastando, para tanto vir alegar – como fez –, em sede de recurso, que não recebeu a carta.

IX – O regime de acesso ao direito e aos tribunais, introduzido pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, não exige uma decisão expressa da Segurança Social quanto ao indeferimento do pedido de nomeação de patrono, sendo suficiente, sob a verificação de determinados pressupostos, a prolação de uma decisão cominatória, com efeitos de indeferimento tácito.

X – Idêntica conclusão se deve extrair no âmbito da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, maxime do seu artigo 24.º, n.º 5, alínea b).

XI – A tal não obsta o facto de na referida lei [artigos 24.º, n.º 5, alínea b) e 26.º, n.º 1], e até na Lei n.º 47/2007, se prever a necessidade de decisão expressa (artigo 8.º, b), n.ºs 3 e 4 e 23.º, n.ºs 2 e 3), uma vez que esta regra geral se adequa às situações em que o iter processual se desenvolveu com normalidade, ficando reservadas as excepções para os casos de patologia adjectiva da responsabilidade do requerente, pretendendo a lei evitar que essas patologias atrasem o desfecho do procedimento administrativo, porquanto os sucessivos regimes de apoio judiciário, que as aludidas leis mantiveram, sempre consagraram o princípio basilar de que cabe ao requerente instruir a respectiva pretensão com os elementos probatórios atinentes à sua arrogada insuficiência económica.

XII – Além disso, a Lei n.º 34/2004 prevê no seu artigo 37.º a aplicação subsidiária do regime adjectivo do procedimento administrativo no que concerne à tramitação do pedido de protecção jurídica.

XIII – Daí que a partir do momento em que a apreciação de tais pretensões passou a estar cometida aos serviços da Segurança Social, se conforma em absoluto com a previsão do artigo 88.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo, nos termos do qual cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado e, caso o não tenham feito e hajam sido notificados para o fazer, a persistência dessa omissão determina que não seja dado seguimento ao procedimento – artigo 91.º, n.º 3, do mesmo diploma –, com efeitos equivalentes a um indeferimento liminar ou de fundo, consoante a fase adjectiva do pedido.

XIV – Em conformidade com as proposições anteriores, mostra-se válida e eficaz a notificação enviada pela Segurança Social ao réu, mencionado no ponto VI, com a decisão cominatória dela constante, com efeitos de indeferimento tácito.

XV – O direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da Constituição) não impede que o legislador ordinário estabeleça prazos, preclusões e ónus processuais, designadamente ancorados no princípio da celeridade e da economia processuais, posto que o faça com respeito pela finalidade do processo e do princípio da proporcionalidade.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:




1 – RELATÓRIO



1.1
AA intentou, no Tribunal de Trabalho de Penafiel, acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, de quem reclama, com fundamento na “rescisão com justa causa” – que operou – do contrato de trabalho que o ligava ao Réu, o pagamento das quantias discriminadas no petitório inicial.
Designado dia para a audiência de partes, para a qual o Réu foi citado na morada que o Autor lhe atribuíra, a ela compareceram os dois pleiteantes: comprovado o seu desacordo sobre o objecto da causa, ficou logo o Réu notificado “… nos termos do disposto no art.º 56º al. A) e 57º nº1 do C.P.T., para contestar, querendo, a presente acção no prazo de DEZ DIAS, sob pena de se terem por confessados os factos articulados pelo Autor”, do mesmo passo que também ficou designado dia para a audiência de discussão e julgamento.
Em 29/6/2007, via fax, o Réu fez chegar ao Tribunal requerimento comprovativo “…do pedido de apoio judiciário, nas modalidades de isenção de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários a patrono”.
Por despacho de 4/7/2007, foi declarado interrompido o prazo, então em curso, para a apresentação da contestação e dado sem efeito o dia designado para julgamento, do que tudo foi o réu notificado por carta expedida em 6/7/2007 para a mesma morada indicada pelo Autor.
Em 21/9/2007, o Tribunal “a quo” solicitou ao Centro Distrital de Segurança Social informação sobre o mencionado pedido de apoio judiciário, tendo aquela entidade esclarecido, por ofício datado de 26/9/07 e recepcionado em 3 de Outubro seguinte, que o processo “… se encontra ainda em fase de Audiência Prévia, nos termos do disposto no art.º 23º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e art.ºs 100º e 101º do C.P.A., aguardando-se o decurso do prazo de resposta para que seja proferida decisão final ou considerado o mesmo indeferido, caso nada seja respondido”.
Entretanto, por ofício datado de 30/10/2007, que o tribunal “a quo” recebeu em 7/11/2007, a mesma entidade informou que o “…pedido de concessão de protecção jurídica … se encontra indeferido, tendo o indeferimento ocorrido no 1º dia útil seguinte ao do termo do prazo concedido, uma vez que o requerente não juntou, no prazo de 10 dias úteis, a documentação solicitada nem respondeu à audiência prévia de que foi devidamente notificado, via postal registada.”
Com o sobredito ofício foram ainda remetidas fotocópias de um registo em nome do Réu – sendo a morada aí indicada aquela que, consta dos autos – e da carta que o acompanhou, datada de 31/7/2007.
Nessa carta, é o Réu advertido de que, não tendo ele junto com o requerimento de protecção jurídica a documentação a que aludem os art.ºs 3º e 4º da Portaria 1085-A/2004, de 31/8, e sendo intenção dos serviços indeferir, por tal motivo, a sua pretensão, deveria, em 10 dias úteis, proceder à junção de todos os documentos assinalados na carta e prestar, por escrito, os esclarecimentos que se lhe oferecesse.
Nessa carta exarou-se ainda a seguinte advertência:
“A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado implica o indeferimento do pedido de protecção jurídica, ocorrendo o indeferimento no 1º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta, com imediata comunicação ao tribunal onde se encontra pendente a acção judicial… (cfr. art.º 91º n.ºs 1 a 3, do Código de Procedimento Administrativo)”.
O Réu silenciou qualquer resposta a essa carta e os autos não noticiam que o mesmo haja impugnado judicialmente a decisão administrativa denegatória da sua pretensão.
1.2.
Perante o teor do ofício de 30/10/2007, supra mencionado, o Exm.º Juiz proferiu sentença, em 9/11/2007, onde julgou verificada a revelia do Réu, a quem condenou no pedido.
O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a apelação que o mesmo Réu ajuizou, confirmando a sentença da 1ª instância.
1.3.
Mantendo-se irresignado, o Réu interpôs recurso para este Supremo Tribunal, onde colige o seguinte núcleo conclusivo:
1- o recorrente desconhece se lhe terá sido enviada notificação para audiência prévia e, em caso afirmativo, se dela constava a cominação de que, não havendo pronúncia, a decisão aí adiantada se tornava definitiva;
2– entende o recorrente que, conforme dispõe a al. b) do art.º 24º e nº1 do art.º 26º, ambos da Lei nº 34/2004, de 29/7, o prazo para contestar só se iniciava quando o requerente fosse notificado da decisão final de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, sendo que o recorrente nunca foi disso notificado;
3 – porque o recorrente não foi notificado da decisão do apoio judiciário, nem de que o prazo para contestar se tinha reiniciado, dever-se-á considerar que a instância continua interrompida;
4 – consequentemente, porque não tinha terminado o prazo para contestar, não deveria ter sido proferida sentença. Assim, porque esta foi prematura, postergou o direito de defesa do recorrente que a C.R.P. garante;
5 – ao que a sentença enferma de nulidade decorrente da prática de um acto que a lei não admite sem haver decorrido o prazo para contestar – art.º 201º nº1 do C.P.C.;
6 – considerando que, nos termos do disposto no art.º 37º da Lei nº 34/2004, as disposições aplicáveis ao procedimento de protecção jurídica seriam as previstas no C.P.A., seria aqui aplicável o disposto nos seus art.ºs 66º e 67º, o qual impõe que os serviços de Segurança Social notifiquem os requerentes quando não lhes é concedido apoio judiciário ou quando lhes é indeferido o pedido de nomeação de patrono, com o consequente início do prazo interrompido. De todo o modo, entendendo-se que não havia lugar à aplicação destes artigos, o recorrente sempre deveria ser notificado da decisão final ao abrigo do nº4 do art.º 255º do C.P.C.;
7 – os Serviços da Segurança Social, ao abrigo do art.º 67º do C.P.A.,não estavam dispensados de notificar o recorrente do indeferimento do apoio judiciário, porquanto o acto administrativo não foi praticado oralmente na presença do recorrente, nem este, por qualquer intervenção no processo, revelou ter tomado conhecimento de qualquer indeferimento;
8 – Tendo a Segurança Social notificado o recorrente a 31/7/2007 para que este, em 10 dias úteis, juntasse documentos, fê-lo para além do prazo de 30 dias de que dispunha para concluir o procedimento do apoio judiciário – nº1 do art.º 25º da Lei nº 34/2004.
Concludentemente, fê-lo em momento em que o recorrente já beneficiava do deferimento tácito;
9 – considerando que, para além da carta datada de 31/7/2007, a Segurança Social não enviou ao recorrente qualquer outra para audiência prévia e que, a 3/10/2007, a Segurança Social não informou o tribunal que o recorrente não beneficiava do apoio judiciário, ter-se-á então que concluir que, decorridos 30 dias após se ter esgotado os 10 dias úteis fixados naquela data, o recorrente logrou o deferimento tácito do apoio judiciário;
10 – ainda que se considere que no referido dia 31/7/2007 o recorrente não beneficiava do deferimento tácito, este sempre se firmou após terem decorrido sobre ele 30 dias e, como tal, a Segurança Social não poderia, a 30/10/2007, ter informado o tribunal que o prazo de audiência prévia ainda se encontrava a decorrer;
11- sendo pretensão da Segurança Social retirar o apoio judiciário de que o recorrente já beneficiava a 30/10/2007 – nº 2 do art.º 25º da Lei nº 34/2004 – cabia-lhe lançar mão do procedimento de revogação do acto administrativo ou do cancelamento do apoio judiciário, e não, como o fez a 3/11/2007, informar o tribunal que o apoio judiciário havia sido indeferido. Assim, ao ter indeferido o apoio judiciário por esta via e numa altura em que o requerente já dele gozava, A Segurança Social praticou um acto que a lei não prevê, logo, praticou um acto ilegal;
12 – se à solicitação de 21/9/2007 a Segurança Social só respondeu a 3/10/2007, foi violado o disposto no nº4 do art.º 25º da Lei nº 34/2004;
13 – tendo o apoio judiciário sido requerido a 29/6/2007, na pendência da acção judicial e considerando que a Segurança Social não respondeu ao tribunal no prazo máximo de 2 dias úteis, a este cabia então requerer à ordem dos Advogados que fosse nomeado patrono ao requerente. Daí que foi violada, a al. a) do nº3 daquele art.º 25º;
14 – tendo o tribunal tomado conhecimento que a citação para audiência de partes e a notificação que, nos termos do art.º 241º do C.P.C., se lhe seguiu a 12/6/2007, foi feita em pessoa diversa do recorrente; que no prazo que o recorrente dispunha para contestar, este requereu o benefício do apoio judiciário e que tal apoio só foi indeferido por decisão posterior ao dia 3/10/2007, cabia ao Tribunal, ao abrigo do disposto nos art.ºs 483º e 484º nº1 do C.P.C. e antes de fazer aplicar os gravosos efeitos de revelia, certificar-se previamente de que o Ré/recorrente tomou efectivo conhecimento da notificação de 31/7/2007 e que, posteriormente a esta notificação, a Segurança Social comunicou ao recorrente a decisão final de indeferimento;
15 – foram violados os art.ºs 10º nºs 1, 2 e 3 al. A), 24º nº5 al. b), nº4 do mesmo artigo, e o art.º 37º, todos da Lei nº 34/2004, 255 nº 4, 483º e 484º nº1 do C.P.C., 66º, 67º e 68º do C.P.A. e 13º e 20º nºs 1 e 4 da C.R.P..

1.4.
O Autor contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
1.5.
Ao invés, e sem reacção das partes, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta opinou no sentido de ser dado provimento ao recurso.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2- Factos
A factualidade relevante é apenas a que já se mostra enunciada na rubrica “Relatório”.
*
3 – Direito
3.1.
Compulsando o Acórdão em crise, verifica-se que nele se verteu pronúncia sobre duas questões:
1ª – a de saber se o Réu deve, ou não, ter-se por notificado da comunicação que lhe foi endereçada pelos Serviços da Segurança Social, através da carta de 31/7/2007, supra referenciada em 1.1.;
2ª – em caso afirmativo, a de conferir as consequências dessa notificação e do subsequente silêncio do Réu.
Tal pronúncia mostra-se perfeitamente consonante com o teor das alegações produzidas no respectivo recurso, onde apenas se colocavam as duas sobreditas questões.
Verifica-se, em contrapartida, que a minuta alegatória levada ao vertente recurso se revela mais abrangente: para além de retomar aquela enunciada problemática, o Réu também suscita agora uma outra questão, mais em concreto, a pretensa ocorrência de um “deferimento tácito” que se terá produzido sobre o seu pedido de protecção jurídica, em virtude do decurso do prazo de 30 dias – sem vicissitudes interruptivas – sobre a apresentação do respectivo requerimento sem que, nesse entretanto, sobre ele tivesse recaído qualquer decisão.
Como se vê, o tema do “deferimento tácito” não foi levado à apelação do Réu, sendo que o tribunal da Relação, certamente por isso, guardou sobre ele absoluto silêncio.
Os recursos destinam-se a sindicar as decisões impugnadas, de onde decorre que a pronúncia do tribunal “ad quem” se deve circunscrever às questões que dela foram objecto, estando-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso.
Como o ora aduzido “deferimento tácito” não se perfila como uma questão de oficiosa cognoscibilidade, tal incursão alegatória integra uma “questão nova” que, pelas razões expostas, nos está vedado apreciar.
Como assim, a nossa análise recursória deve cingir-se às duas questões – supra equacionadas – que também já corporizavam o objecto da apelação.
3.2.
Começa o recorrente por invocar o desconhecimento sobre se “… lhe terá sido enviada notificação para audiência prévia e, em caso afirmativo, se dela constava a cominação de que, não havendo pronúncia, a decisão aí adiantada se tornava definitiva” (conclusão 1ª).
Muito em concreto, reporta-se o recorrente à carta de 31/7/2007.
Sobre a questão, discorreu como segue o Acórdão em sindicância:
“O Réu, quando formulou o pedido de apoio judiciário, não juntou, como devia, a documentação a que alude o art.º 1º nº1 da Portaria 1085-A/2004, de 31.8.
Por isso, foi-lhe enviada, pela Segurança Social, carta registada para, no prazo de 10 dias úteis, proceder à junção dos documentos em falta e prestar, por escrito, os esclarecimentos devidos, e com a advertência de que a falta de resposta implicava o indeferimento do pedido de protecção jurídica.
O envio de carta registada ao Réu, contendo as menções acabadas de referir, determina que no caso se apliquem as formalidades das notificações, previstas nos art.ºs 254º e 255º do C.P. Civil (na redacção dada por D.L. 324/2003, de 27.12).
Assim, nos termos do nº3 do art.º 254º do C.P.C., “a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”, sendo certo que tal presunção só pode ser ilidida pelo notificado” provando que a notificação não foi efectuada” (…) por razões que lhe não são imputáveis” (nº 6 do citado artigo).
Ora, está provado que a carta enviada pela Segurança Social foi remetida para a morada indicada pelo Réu (morada que é a mesma onde o Réu foi citado para a presente acção, tendo o aviso de recepção sido assinado por B... de A..., a qual foi indicada no requerimento de pedido de apoio judiciário como mulher do Réu). Logo, há que presumir que a notificação decorreu no terceiro dia posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte.
Tal presunção competia ao Réu ilidir, nos termos do disposto nos art.ºs 254º nº6 e 255º nº1 do C.P.C., o que não fez, na medida em que não basta vir alegar, em sede de recurso, que não recebeu a carta.
Por isso, há que considerar que o Réu foi notificado do teor da carta registada remetida pela Segurança Social” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Vejamos.
Dispõe o art.º 268º nº3 doa C.R.P. que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, nos termos previstos na lei”.
No caso, o ordenamento infra-constitucional atendível é, por virtude do disposto no art.º 37º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, o Código do Procedimento Administrativo, cujo art.º 70º assim preceitua:
1. As notificações podem ser feitas:
a) por via postal, desde que exista distribuição domiciliária na localidade de residência ou sede do notificando;
b) Pessoalmente, se esta forma de notificação não prejudicar a celeridade do procedimento ou se for inviável a notificação por via postal;
c) Por telegrama, telefone, telex ou telefax, se a urgência do caso recomendar o uso de tais meios;
d) Por edital a afixar nos locais do estilo, ou anúncio a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em dois jornais mais lidos da localidade da residência ou sede dos notificandos, se os interessados foram desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação.
2. (…)”
Tal como resulta do confronto entre as alíneas transcritas, a notificação postal constitui a forma mais corrente e adequada, certo que tal modalidade só deve ser preterida quando se verifique a sua impossibilidade ou inviabilidade (cfr. Acórdão do S.T.A. de 8/7/97, no Recurso nº 40.134).
Ademais, sendo embora exacto que a notificação postal é feita, por regra, através de registo simples, nada impede que o seja por carta registada com aviso de recepção.
Esta última modalidade – mais exigente – tem até a virtualidade de dispensar o recurso a presunções (e de evitar, designadamente, a polémica em torno de saber se, no domínio das notificações produzidas em procedimento administrativo, são de coligir, ou não, as presunções estabelecidas no art.º 254º do C.P.C.), visto que a data atendível será então, por necessário, aquela que figurar no A/R.
Por outro lado, a jurisprudência administrativa tem vindo pacificamente a entender que a notificação se tem por válida e eficaz independentemente da identidade da pessoa que haja recebido a carta respectiva: “A notificação por carta registada com aviso de recepção considera-se perfeita desde que dirigida ao domicílio do notificando, ainda que o aviso não tenha siso assinado por este, e considera-se feita no dia em que foi assinado o aviso de recepção” (Acórdão, supra citado, de 8/7/97, podendo ser ainda coligidos os Acórdãos de 24/5/00, no Recurso nº 41194, e de 13/11/03, no Recurso nº 1889/02)- cfr. Art.º 224º do C. Civil.
No caso dos autos – e recuperando a factualidade coligida no Acórdão da Relação – estando provado que a carta questionada foi remetida para a morada indicada pelo Réu e que o A/R se mostra assinado por quem o mesmo Réu indicara, no requerimento de apoio judiciário, como sendo a sua mulher, é forçoso concluir pela perfeição e validade do acto notificativo.
De resto, o recorrente não contraria a factualidade coligida, limitando-se a reafirmar que “… nunca recebeu qualquer notificação da Seg. Social”- o que dito assim, é de todo irrelevante – acrescentando apenas que”… sempre cabia ao tribunal, ao abrigo do disposto nos art.ºs 483º e 484º nº1, ambos do C.P.C., e antes de fazer aplicar os gravosos efeitos da revelia – que no entender do recorrente só deverão ser aplicados na certeza de que o citando/notificando tomou efectivo conhecimento das consequências da sua inércia – certificar-se previamente de que o Réu/Recorrente tomou efectivo conhecimento da notificação de 31.07.2007…” – o que é liminarmente rejeitado pelas regras atendíveis, que já convocámos, em matéria de notificação de actos praticados em procedimento administrativo.
Improcede, pois, a tese do recorrente sobre a questão em análise.
3.3.1.
A defesa nuclear do recorrente entronca na omissão de decisão administrativa expressa, sobre o seu pedido de protecção jurídica: “porque o recorrente não foi notificado da decisão de apoio judiciário, nem de que o prazo para contestar se tinha reiniciado, dever-se-á considerar que a instância continua interrompida” (conclusão 3ª).
Em abono dessa sua tese, convoca o quadro normativo enunciado nos art.ºs 24º nº 5 al. B) e 26º nº1 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
Importa precisar, antes de mais, que é efectivamente aquele o diploma aplicável ao caso vertente, uma vez que o mesmo se manteve em vigor até 31 de Dezembro de 2007 – a Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, que lhe sucedeu e a alterou parcialmente, só iniciou vigência em 1 de Janeiro de 2008 – e o pedido de protecção jurídica em análise foi accionado pelo Réu em 29 de Junho de 2007.
O convocado art.º 24º nº5 al. b) dispõe como segue:
“5 – O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se (…):
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.
Aquele “número anterior” estabelece:
“4 – Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Entretanto, o sequente art.º 26º nº1 tem o seguinte teor:
“1- A decisão final sobre o pedido de protecção jurídica é notificada ao requerente, e se o pedido envolver a designação de patrono, também à Ordem dos Advogados”.
A necessidade da notificação prevista no art.º 24º nº5 al. B) é por demais evidente:
- Só através dela pode o demandante efectivar a impugnação judicial de uma decisão que lhe é desfavorável – art.ºs 26º a 28º da Lei nº 34/2004 – como só a partir de então ficará a saber quando se inicia o prazo judicial eventualmente interrompido por virtude da solicitada protecção jurídica.
No caso dos autos, independentemente da reacção que porventura entendesse contra ela deduzir, o Réu carecia da notificação de tal decisão para preparar a defesa, cujo prazo com ela se iniciaria.
3.3.2.
Porém, a questão que se coloca é a de saber se a lei exige, em qualquer circunstância, uma decisão expressa, ou se é configurável, sob a verificação de determinados pressupostos, a prolação de uma decisão cominatória, com efeitos de indeferimento tácito.
O novo regime de acesso ao direito e aos tribunais, introduzido pela já referida Lei nº 47/2007, resolve expressamente a questão, e fá-lo em sentido afirmativo.
Assim – e reportando-nos, em concreto, à situação retratada nos autos -:
- se o requerente da protecção jurídica não instruir o requerimento inicial com os elementos necessários à prova da sua insuficiência económica, a entidade administrativa notificá-lo-á para o fazer em 10 dias, com a cominação de indeferimento, “… sem necessidade de proceder a nova notificação do requerente” – art.º 8º - b nºs 3 e 4;
- se houver lugar a audiência prévia do requerente – o que se impõe sempre que esteja proposta uma decisão de indeferimento – será o mesmo notificado para se pronunciar, com a cominação de que “… a proposta de decisão [se] converte em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação” – artigo 23º nºs 2 e 3.
Comentando o novo regime, escreve o Cons. Salvador da Costa (in “O Apoio Judiciário,” Almedina, 2008, 7ª edição Actualizada e Ampliada):
“Contraria-se a regra de que todas as decisões sobre pedidos de protecção jurídica devem ser notificadas aos requerentes, designadamente para efeito de impugnação, em conformidade com o que se prescreve no artigo 26º nº1 deste diploma.
Todavia, o efeito negativo desta dispensa é atenuado pela circunstância de operar a notificação do requerente de protecção jurídica a fim de apresentar os documentos em falta [ou de se pronunciar sobre a proposta de indeferimento] no mencionado prazo, sob pena de indeferimento da sua pretensão “(pág. 72).
E acrescenta, mais adiante:
“Assim, a aludida conversão automática da proposta de indeferimento total ou parcial, em decisão de indeferimento total ou parcial do pedido de protecção jurídica depende de na notificação da primeira se informar o requerente da mencionada consequência da conversão.
No caso de decisão efectiva do indeferimento (…), o prazo de impugnação, a que se reporta o artigo 27º, nº1, deste diploma, é contado da respectiva notificação; na situação de decisão objecto de conversão ou fictícia, o referido prazo de impugnação é contado desde o termo do prazo de resposta à aludida proposta” (pág. 165- sublinhados nossos).
Como se vê, quer da transcrição legal, quer do comentário reproduzido, o novo regime responderia cabalmente à dúvida que suscitámos, afirmando a plena legalidade da notificação questionada.
Com efeito, na carta enviada ao Réu em 31/7/2007, a entidade administrativa anuncia a sua intenção de indeferir o pedido de protecção jurídica e notifica o destinatário para, em 10 dias úteis, proceder à junção de determinados documentos e prestar, por escrito, os esclarecimentos que lhe aprouver, sendo que “… A falta de resposta, por qualquer meio, ao solicitado, implica o indeferimento do pedido (…), ocorrendo o indeferimento no 1º dia útil seguinte ao do termo do prazo de resposta”, acrescentando ainda que “Do indeferimento cabe recurso de impugnação no prazo de 15 dias, após o conhecimento da decisão, devendo o mesmo ser entregue neste Centro Distrital, nos termos do disposto no art.º 27º da Lei 34/2004, de 29 de Julho” (sublinhados nossos).
Mas, sendo aqui convocável o regime de pretérito, será que a solução é idêntica?
A tal nos propomos responder, fazendo-o por duas vias:
- Compaginando, no segmento ora relevante, os regimes das Leis nºs 34/2004 e 47/2007;
- analisando o regime do Código do Procedimento Administrativo em matéria probatória.
3.3.3
Nada nos permite considerar que o quadro normativo extraível da conjugação dos citados preceitos – art.ºs 8º- b nºs 3 e 4 e 23º nºs 2 e 3 da Lei nº 47/2007 – tenha natureza interpretativa, não só porque essa natureza não decorre expressamente ou, quando menos, em termos suficientemente inequívocos, de qualquer trecho da lei, mas ainda porque aquele diploma inseriu preceito expresso sobre a sua aplicação no tempo – art.º 5º, 6º e 8º do diploma preambular – consignando que as alterações produzidas apenas se aplicam aos pedidos de protecção jurídica apresentados após a sua entrada em vigor, ou seja, depois de 1 de Janeiro de 2008.
Não obstante, essa conclusão não é decisiva: para sabermos se a Lei nº 34/2004 consentia solução idêntica, importa conferir, desde logo, os seus princípios estruturantes – na parte aqui atendível, como dissemos – e averiguar se tais princípios coincidem, ou diferem, em substância, daqueles por que se rege o regime actual.
Os sucessivos regimes do apoio indiciário sempre consagraram o princípio basilar de que cabe ao requerente instruir a respectiva pretensão com os elementos probatórios atinentes à sua arrogada insuficiência económica.
Uma tal exigência probatória cumpre, de resto, os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito e aos tribunais (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº 359/89, de 18/5/89, in B.M.J. 387/160).
A Lei nº 34/2004 não se desviou dessa tradição procedimental: o instrumento que a regulamenta - Portaria nº 1085 – B/2004, de 31 de Agosto – enumera, no seu art.º 1º, os documentos com que deve ser instruído o Requerimento inicial, entre os quais se contam os atinentes à situação económica do peticionante.
Acresce até que a falta de cumprimento desse dever liminar suspende, sem mais e desde logo, o prazo de produção do deferimento tácito, “… Sem prejuízo do pedido de apresentação de provas a que haja lugar nos termos da lei” – nº3 do preceito.
De igual modo, e à semelhança do que vimos acontecer ao sistema actual, também a Lei nº 34/2004 impõe a audiência prévia do requerente, sempre que esteja proposta uma decisão de indeferimento do pedido – art.º 23º .
E, um dos casos em que se justifica esse indeferimento é, justamente, aquele em que o requerente não haja apresentado os meios probatórios legalmente impostos.
Podemos dizer, pois, que o sistema da Lei nº 34/2004, é substancialmente idêntico ao da Lei nº 47/2007.
Apesar disso, poderia contrapor-se que tal sistema nunca consentiria decisões cominatórias, na exacta medida em que a regra, enunciada nos falados art.ºs 24º nº5 al. B) e 26º nº1, pressupõe a prolação de uma decisão expressa sobre o pedido de protecção jurídica.
Esta é, de resto, a tese do recorrente.
Mas o argumento não colhe e, pelo contrário, mostra-se até reversível.
É que a Lei nº 47/2007 também prevê a necessidade de decisão expressa, cuja regra enuncia, aliás, naqueles dois mesmíssimos preceitos, que herdou do pretérito, mantendo na íntegra a sua redacção: ora, não obstante essa exigência, o novo regime consagra as sobreditas excepções de que já falámos.
É dizer que a regra geral se adequa às situações em que o iter processual se desenvolveu com normalidade, ficando reservadas as excepções para os casos de patologia adjectiva da responsabilidade do requerente, pretendendo a lei evitar que essas patologias atrasem o desfecho do procedimento administrativo.
3.3.4.
Já sabemos que a lei nº 34/2004 prevê, no seu art.º 37º, a aplicação subsidiária do regime adjectivo do procedimento administrativo no que concerne à tramitação do pedido de protecção jurídica:
“São aplicáveis ao procedimento de concessão de protecção jurídica as disposições do Código do Procedimento Administrativo em tudo o que não esteja especialmente regulado na presente lei”.
Sob a epígrafe “Falta de prestação de provas”, dispõe como segue o art.º 91º do C.P.A.:
“1 – Se os interessados regularmente notificados para a prática de qualquer acto previsto no artigo anterior, não derem cumprimento à notificação, poderá proceder-se a nova notificação ou prescindir-se da prática do acto, conforme as circunstâncias aconselharem.
2 – A falta de cumprimento da notificação é livremente apreciada para efeitos de prova, consoante as circunstâncias do caso, não dispensando o órgão administrativo de procurar averiguar os factos, nem de proferir a decisão.
3 – Quando as informações, documentos ou actos solicitados ao interessado sejam necessários à apreciação do pedido por ele formulado, não será dado seguimento ao procedimento, disso se notificando o particular”.
O “artigo anterior”, por seu turno, rege sobre a “Forma da prestação de informações ou da apresentação de provas”, enunciando que:
“1. Quando seja necessária a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos interessados, serão estes notificados para o fazerem, por escrito ou oralmente, no prazo e condições que foram fixados (sublinhados nossos).
2. (…).
Entretanto, discorrendo sobre o “ónus da prova”, preceitua o art.º 88º nº1 que “cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado…”.
Tendo já ficado anteriormente consignado que “Os sucessivos regimes do apoio judiciário sempre consagraram o princípio basilar de que cabe ao requerente instruir a respectiva pretensão com os elementos probatórios atinentes à sua arrogada insuficiência económica” – página 14 verso – bem se poderá dizer que o falado princípio, a partir do momento em que a apreciação de tais pretensões passou a estar cometida aos Serviços da Segurança Social, se conforma em absoluto com a previsão daquele art.º 88º nº1.
Comentando o transcrito art.º 91º do C.P.A., escrevem Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves e Pacheco de Amorim in “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, 2ª edição:
“O incumprimento da determinação do instrutor pelo interessado não dispensa aquele de procurar averiguar os factos, a não ser que se trate dos referidos em anotação ao art.º 88º, que constituem “monopólio” do interessado.
Só depois disso, é que as consequências do incumprimento daquela determinação, previstos no nº2 e no nº3 deste artigo, se tornam plenas: se o facto em causa respeitar ao requerente, em termos de “ónus” de prova, e for determinante da decisão (sendo também a notificação regular), “não será dado seguimento ao procedimento”, como se dispõe no nº3, abrangendo-se na expressão legal tanto aqueles casos em que o “não seguimento” corresponde a um indeferimento liminar ou de fundo da pretensão, como aqueles em que haja lugar à aplicação do art.º 111º (deserção)…” (página 430 – sublinhados nossos).
Como se vê, no domínio específico do material probatório, posto que a sua adução constitua “monopólio” do requerente – como aqui se verifica – a lei adjectiva do procedimento administrativo consente despachos de aperfeiçoamento com efeito cominatório: o silêncio do requerente consequencia a paralisação do procedimento sem mais, com efeitos semelhantes ao indeferimento final do pedido.
Mais:
- segundo aqueles Autores, tais despachos não deixam de constituir uma “decisão final expressa”, já que esta “… tanto pode ser… explícita como implícita (ou pressuposta)” – obra citada, página 474.
3.3.5.
A confrontação e a análise que nos propusemos permitem concluir, a nosso ver, que o quadro normativo vazado na Lei nº 34/2004 já consentia uma notificação idêntica àquela que o órgão administrativo levou a efeito.
Apesar disso, pretende o recorrente que a tramitação desenvolvida nos autos “postergou” o [seu] direito de defesa, que a Constituição da República garante”.
E, nesse sentido, colige o art.º 20º do Texto Fundamental.
A vaguidade da censura é manifesta.
Mas vejamos melhor.
O invocado art.º 20º estabelece:
“1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não devendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário”.
O transcrito preceito acolhe, para além dos direitos à informação e consulta jurídicas, o direito ao patrocínio judiciário e de acesso aos tribunais, incluindo o apoio judiciário.
No caso concreto do patrocínio, porque o preceito em análise não consagra um direito de acesso aos tribunais gratuito ou tendencialmente gratuito, apenas se abarca o dever de assegurar aos economicamente débeis as concretas formas de apoio que viabilizem a tutela dos seus direitos.
Por outro lado, a exigência, em amiudadas causas, do patrocínio por advogado não implica que o tribunal haja de suprir a eventual inércia da parte, a quem a lei reserva a faculdade de agir processualmente como melhor entender.
O direito de acesso aos tribunais compreende ainda o direito à defesa – princípio da proibição da indefesa – impondo um quadro adjectivo que garanta os princípios do contraditório e da igualdade de armas, assegurando o desenvolvimento de um processo equitativo.
Contudo, tal parâmetro constitucional não impede que o legislador ordinário estabeleça prazos, preclusões e ónus processuais, designadamente ancorado nos princípios da celeridade e da economia processuais, posto que o faça com respeito pela finalidade do processo e do princípio da proporcionalidade.
O que o Texto Fundamental não consente é que tais imposições configurem “… um excesso ou uma intolerável desproporção que, ao fim e ao resto, apenas serve para acentuadamente dificultar o acesso aos tribunais, assim deixando, na prática, sem conteúdo útil a garantia postulada pelo n.º 1 do art.º 20º da Constituição” (Ac. do T.C. n.º 403/02, de 6/10/02).
3.3.6.
Esta perfunctória incursão já nos permite decidir a questão.
No caso dos autos, não se vislumbra como possa entender-se que a actuação administrativa, corporizada na carta de 31/7/2007, haja beliscado minimamente os direitos do ora recorrente.
Se a este cabia instruir, desde logo, o seu requerimento inicial com a prova atinente à sua invocada insuficiência económica, e sendo certo que a falta de apresentação definitiva de tais elementos consequenciaria o indeferimento da pretensão, facilmente se aceita que o despacho de aperfeiçoamento contivesse a respectiva cominação, dispensando novo despacho a corroborar esse indeferimento.
Ademais, a carta é absolutamente expressa na concretização da data em que se produziria tal indeferimento e sobre a forma como o peticionante o poderia impugnar.
Em contrapartida, verificando-se que o Réu já fora citado para contestar com a legal cominação, e que o prazo correspondente se achava interrompido devido à formulada pretensão de protecção jurídica, não cabia ao tribunal informar o mesmo Réu que o falado indeferimento implicava o início da contagem do dito prazo.
Não vemos, deste jeito, que o desenvolvimento adjectivo retratado nos autos tenha ofendido qualquer direito do Réu, designadamente o seu direito de defesa.
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4- DECISÃO

Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se, ainda que com outra fundamentação, a decisão impugnada.
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Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de Maio de 2009

Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis