SIMULAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA POR CONFISSÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM SEDE DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário


1. Constando o negócio simulado de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º do Código Civil, é vedado aos simuladores a utilização de testemunhas para provar a simulação e o acordo simulatório.

2. A prova testemunhal pode apenas ser usada como complemento de outros meios de prova, nomeadamente de prova por confissão.

3. Não sendo admissível a prova por testemunhas, não valem igualmente as presunções judiciais.

4. Provada a dissolução do casamento, incumbia aos ex-cônjuges provar que as acções a que os contratos em discussão se referem se mantinham em situação de contitularidade.

5. Com o regime definido pelo Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, para o recurso da decisão sobre a matéria de facto, a lei fez prevalecer a garantia do segundo grau de jurisdição sobre as vantagens da imediação na apreciação da prova testemunhal.

Texto Integral



Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA propôs contra BB, CC e V... – Investimentos Turísticos Costa Verde, SA, uma acção na qual pediu que fossem declarados nulos, por serem simulados, quatro contratos de “cessão de acções” celebrados em 19 de Janeiro de 1999 pelo autor e DD, dois com o primeiro réu e dois com o segundo; e que a terceira ré fosse condenada a reconhecê-lo “como titular no seu capital social de 184.500 acções e dos correspondentes direitos sociais” e a “entregar ao A. títulos representativos das invocadas 184.500 acções”.
Contestaram V... – Investimentos Turísticos da Costa Verde, SA e BB. Invocarama ilegitimidade ao autor, por estar desacompanhado de DD, com quem fora casado em regime de comunhão de adquiridos, já que as acções integraram o património comum do casal, da ré V..., por estarem em causa acções ao portador, sendo-lhe pois indiferente o desfecho da acção e do réu BB, por ter vendido e entregado as acções a terceiro, não tendo sequer a possibilidade de as restituir.
Por impugnação, negaram a existência da simulação alegada e afirmaram não se encontrarem depositadas na ré “quaisquer acções representativas do capital social desta”.
Na réplica, o autor alegou encontrar-se já divorciado à data dos contratos, pedindo apenas as acções de que é titular, de acordo com o que consta dos contratos, sustentou que a alegada ilegitimidade da ré respeitava antes ao mérito da causa e, quanto ao segundo réu, que não poderia pedir a declaração de nulidade sem o demandar.
No despacho saneador, foram desatendidas as ilegitimidades invocadas.
Por sentença do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, de fls. 320, a acção foi julgada procedente, com base na matéria de facto havida como provada, e que era a seguinte:
«1. O autor e DD divorciaram-se por sentença preferida em 16.06.98, transitada em julgado em 29.06.98 -certidão de fls. 98 e segs.
2. Em 19.01.99, o autor era titular de 184 500 acções na ré V... – Investimentos Turísticos Costa Verde, SA e DD era titular de 25 acções na mesma ré.
3. Por contrato celebrado em 19.01.99, o autor e DD declararam ceder ao réu BB, que declarou comprá-los, "12 títulos de 1 acção, com os números 300001 a 300012, num total de 12 das suas referidas acções, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações, e pelo preço de 1.412$00" – doc. de fls. 14 a 16.
4. Dispunha a cláusula 3ª daquele contrato que "o preço da totalidade das referidas acções é pago pelo comprador de imediato, com assinatura do presente contrato, entrega e transmissão de todas as acções ao comprador" -doc. de fls. 14 a 16.
5. Por contrato celebrado em 19.01.99, o autor e DD declararam ceder ao réu BB, que declarou comprá-los, "85 títulos de 1000 acções, com os números 0001/1000 a 84001/85000, num total de 85000 das suas referidas acções, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações, e pelo preço de 10 000 000$00" -doc. de fls. 17 a 19.
6. Estabelecia a cláusula 3ª daquele contrato que o comprador pagaria com a assinatura do contrato, entrega e transmissão de todas as acções, 5 000 000$00, sendo a parte restante do preço liquidada a um ano -doc. de fls. 17 a 19.
7. Por contrato celebrado em 19.01.99, o autor e DD declararam ceder ao réu CC, que declarou comprá-los, "13 títulos de uma acção, com os números 300013 a 300025, num total de 13 das suas referidas acções, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações, e pelo preço de 1.529$00"- doc. de fls. 20 a 22.
8. Na cláusula 3ª daquele contrato convencionou-se que o preço da totalidade das referidas acções seria pago pelo comprador no acto da assinatura do contrato e simultaneamente com a entrega e transmissão de todas as acções ao comprador -doc. de fls. 20 a 22.
9. Por contrato celebrado em 19.01.99, o autor e DD declararam ceder ao réu CC, que declarou comprá-los, "85 títulos de 1000 acções, com os números de 85001/86000 a 169001/170000, num total de 85000 das suas referidas acções, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações, e pelo preço de 10.000.000$00" -doc. de fls. 23 a 25.
10. Na cláusula 3ª daquele contrato, estipulou-se que o comprador pagaria 5 000$00 com a assinatura do contrato, sendo-lhe entregues todas as acções objecto do negócio, e 5 000 000$00 em 19.01.00 -doc. de fls. 23 a 25.
11. Ao celebrarem os contratos referidos em C), E), G) e I), o autor e DD não quiseram ceder as acções ali mencionadas
12. Nem os réus BB e CC as quiseram comprar
13. Aqueles réus nunca pagaram os preços mencionados nos contratos
14. E as acções nunca lhes foram entregues
15. Aqueles contratos foram outorgados com o propósito de evitar que os credores do autor e da sua ex-mulher pudessem penhorar as acções em processos de execução
16. A ré V... tem em seu poder os títulos das acções referidas em B).»

2. Todavia, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de fls. 175, a sentença foi revogada e os réus foram absolvidos dos pedidos.
Para assim decidir, a Relação, por um lado, julgou não escrito o que consta do ponto 2. acima transcrito, ou seja, que “Em 19.01.99, o autor era titular de 184 500 acções na ré V... –Investimentos Turísticos Costa Verde, SA e DD era titular de 25 acções na mesma ré”, e que tinha sido integrado na lista dos factos assentes, a fls. 111, na sua alínea B).
Considerou que o “facto” havia sido alegado pelo autor, mas impugnado pelos réus na contestação, ao sustentarem que, em 19 de Janeiro de 1999, aquelas acções eram “pertença conjunta do Autor” e de “ DD”, e que o autor, na réplica, tinha respondido que, nessa data, “as 184.500 acções de que era titular (…) constituíam bens próprios do mesmo”. Não podia, pois, ter sido incluído na lista dos factos assentes.
Para além disso, considerou ainda que a referida alínea B) dos continha matéria de direito, por dar como assente a titularidade das acções, e que não tinha sido alegado pelo autor nenhum facto do qual se pudesse fazer derivar tal titularidade; determinou, pois, a sua eliminação, considerando-a não escrita.
Por outro lado, a Relação apreciou o recurso dos réus relativo à decisão da matéria de facto e, tendo em conta que, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 394º, não era admissível prova testemunhal para fazer prova do acordo simulatório, que, tratando-se de litisconsórcio necessário, não valia a confissão do réu CC e que “não foi produzida prova de que se pudesse retirar com segurança que os títulos em questão se encontrem em poder da Ré V...”, alterou-a, passando a estar provado, apenas, o seguinte:

«1. O autor e DD divorciaram-se por sentença preferida em 16.06.98, transitada em julgado em 29.06.98;
2. Por contrato celebrado em 19.01.99, o autor e DD declararam ceder ao réu BB, que declarou comprá-los, 12 títulos de 1 acção, com os números 300001 a 300012, num total de 12 das suas referidas acções, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações, e pelo preço de 1.412$00;
3. Dispunha a cláusula 3ª daquele contrato que "o preço da totalidade das referidas acções é pago pelo comprador de imediato, com assinatura do presente contrato, entrega e transmissão de todas as acções ao comprador”;
4. Por contrato celebrado em 19.01.99, o autor e DD declararam ceder ao réu BB, que declarou comprá-los, "85 títulos de 1000 acções, com os números 0001/1000 a 84001/85000, num total de 85.000 das suas referidas acções, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações, e pelo preço de 10.000.000$00";
5. Estabelecia a cláusula 3ª daquele contrato que o comprador pagaria com a assinatura do contrato, entrega e transmissão de todas as acções, 5 000 000$00, sendo a parte restante do preço liquidada a um ano;
6. Por contrato celebrado em 19.01.99, o autor e DD declararam ceder ao réu CC, que declarou comprá-los, "13 títulos de uma acção, com os números 300013 a 300025, num total de 13 das suas referidas acções, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações, e pelo preço de 1.529$00";
7. Na cláusula 3ª daquele contrato convencionou-se que o preço da totalidade das referidas acções seria pago pelo comprador no acto da assinatura do contrato e simultaneamente com a entrega e transmissão de todas as acções ao comprador;
8. Por contrato celebrado em 19.01.99, o autor e DD declararam ceder ao réu CC, que declarou comprá-los, "85 títulos de 1000 acções, com os números de 85001/86000 a 169001/170000, num total de 85000 das suas referidas acções, e com todos os seus correspondentes direitos e obrigações, e pelo preço de 10 000000$00";
9. Na cláusula 3ª daquele contrato, estipulou-se que o comprador pagaria 5 000$00 com a assinatura do contrato, sendo-lhe entregues todas as acções objecto do negócio, e 5 000 000$00 em 19.01.00;
10. Aqueles contratos foram outorgados com o propósito de evitar que os credores do autor e da sua ex-mulher pudessem penhorar as acções em processos de execução».

Consequentemente, a Relação absolveu os réus dos pedidos, já que entendeu não estar provado, nem a simulação dos contratos, nem a aquisição das acções pelo autor, nem que as mesmas se encontrassem em poder da ré.

3. AA veio, então, recorrer para o Supremo Tribunal da Justiça. O recurso foi recebido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«PRIMEIRA - A 1ª Instância incluiu na al. B) da matéria assente o seguinte facto: "Em 19.01.99 o autor era titular de 184.500 acções na ré " V... - Investimentos Turísticos Costa Verde, SA " e DD era titular de 25 acções na mesma ré ", dado que, conforme consta de certidão junta a fls. 98 e segs. pelos réus, o autor e DD se divorciaram em 16.06.98, com trânsito em julgado da sentença que homologou o divórcio em 29.06.98;
SEGUNDA - Os contratos juntos à P.I. como docs. 1 a 4, outorgados em 19.01.99, ou seja, quando o autor e DD já estavam divorciados, discriminam as acções de que cada um era titular – ele possuía 184.500 acções e ela 25 acções na ré V..., SA;
TERCEIRA - Em 34º da douta contestação os réus aceitaram expressamente como verdadeiros os factos alegados pelo autor em 1º a 4º e 12º a 15º da P.I. e não impugnaram a letra ou a assinatura dos aludidos contratos;
QUARTA - A própria DD reconheceu em depoimento prestado e gravado na cassete 1, lado A, 0912 a 1343, que tinha dividido com o autor as acções;
QUINTA - A Relação de Guimarães decidiu que o facto constante da al. B) da matéria assente deveria ser pura e simplesmente eliminado, negando inclusive a pretensão dos apelantes que pretendiam que esse facto transitasse para a Base Instrutória de modo a que sobre ele se produzisse prova, com base no argumento segundo o qual o autor nem sequer teria alegado a causa do direito a que se arrogava, ou seja, o de ser titular das 184.500 acções mencionadas nos contratos juntos a docs. 1 a 4 da P.I;
SEXTA - E considerou à luz do art. 464º, n° 4, do C. Proc. Civil "como não escrito o ponto 2 do elenco dos factos julgados como provados ";
SÉTIMA - A Relação de Guimarães, ao decidir como decidiu e fazer tábua rasa da certidão homologatória do divórcio, com força probatória plena, do autor e de DD e da aceitação expressa pelos réus dos factos alegados em 1º a 4º e 12º a 15º da P.I., violou o estatuído nos arts. 487º, n° 2 e 490º, n° 1 e 2, 511º e 713º, n° 2 do C. P. Civil, exorbitando dos poderes que lhe são atribuídos pelo art. 712º, n° 1, do C. P. Civil;
OITAVA - A Relação de Guimarães incorreu na nulidade contemplada no art. 668º, n° 1, al. B) do C. P. Civil ao fundamentar a sua decisão com base num artigo inexistente - o n° 4 do art. 464º do mesmo diploma;
NONA - A Relação de Guimarães, perfilhando o entendimento de que o acordo simulatório não admite prova testemunhal, salvo se existir um começo ou princípio de prova por escrito, sustentou que sobre os pontos 1º, 2º, 3º e 4º da Base Instrutória não podia ter sido produzida prova testemunhal, pelo que os considerou não provados;
DEZ - A Relação de Guimarães não viu, porque negou a sua existência, que junto como doc. 5 à P.I. consta uma certidão da Conservatória do Registo Comercial de Viana do Castelo, dotada de força probatória plena e, de resto, não impugnada pelos réus, na qual se alcança ter sido registada já em 27 de Junho de 1998 uma penhora de quotas detidas pelo autor e DD na sociedade " T..., LDA ";
DÉCIMA PRIMEIRA - Este documento escrito, conjugado com a outorga dos contratos juntos à P.I. como docs. 1 a 4, legitima o recurso à prova testemunhal, pelo que, ao reputá-la inadmissível, a Relação de Guimarães violou o estatuído no art. 3920 do Código Civil, não se aplicando ao caso em apreço a letra do art. 394º , n° 2, do mesmo diploma;
DÉCIMA SEGUNDA - Na presente acção foi pedida a declaração de nulidade dos contratos subscritos pelo réu BB, juntos à P.I. como docs. 1 e 2, e pelo réu CC, juntos àquela como docs. 3 e 4;
DÉCIMA TERCEIRA - A confissão feita pelo réu CC é plenamente admissível, ao invés do sustentado pela Relação de Guimarães, pois não se verifica litisconsórcio necessário quanto ao pedido contra ele formulado, dado que o réu BB não interveio nos contratos juntos como docs. 3 e 4 à P.I.
DÉCIMA QUARTA - Ao modificar as respostas dadas pela lª Instância aos pontos 1, 2, 3 e 4 da Base Instrutória com fundamento em inadmissibilidade da prova testemunhal e da confissão efectuada pelo réu CC, a Relação de Guimarães violou o estatuído no art. 712°, n° 1, ais. a) e b) do C. P. Civil, que apenas lhe consente fazê-lo se forem observados os critérios aí consagrados, isto é, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 690°-A, a decisão com base neles proferida e se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
DÉCIMA QUINTA - A Relação de Guimarães, ao modificar a resposta dada pela 1ª Instância ao ponto 6 da Base Instrutória, de provado para não provado, sem a fundamentar, explicitando o que a levou a proceder a essa modificação, violou o estatuído no art. 659°, nºs 2 e 3, do C. P. Civil, enfermando o seu acórdão da nulidade prevista no art. 668°, n° 1, b), do mesmo diploma.»

Contra-alegaram os réus V... e BB, sustentando o acórdão recorrido e salientando as limitações dos poderes de cognição do Supremo Tribunal da Justiça, no que toca à matéria de facto.

4. Estão assim em causa neste recurso as seguintes questões:
– Nulidade do acórdão recorrido;
– Prova da simulação alegada pelo autor;
– Pedido de condenação da ré na entrega das acções.

5. Antes de mais, cabe recordar que, como o recorrente observa, no âmbito do recurso de revista, o Supremo Tribunal da Justiça só pode apreciar a decisão sobre a matéria de facto – “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa”, para utilizar as palavras do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, diploma não aplicável a este recurso – dentro dos limites fixados pelo nº 2 do artigo 729º e nº 2 do citado artigo 722º. Ou seja: se houver “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Cumpre naturalmente respeitar estes limites no presente recurso.
Para além disso, a eventual violação de lei de processo só pode ser apreciada se das decisões que a aplicaram for admissível recurso, nos termos do nº 2 do artigo 754º do Código de Processo Civil (nº 1 do citado artigo 722º).
Finalmente, há que tomar em consideração o caso julgado formado pela decisão de improcedência das ilegitimidades alegadas pelos réus, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 510º do Código de Processo Civil.

6. O recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, nos termos preceituados na al. b) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, por duas razões:
– Por ter fundamentado em “artigo não existente – o nº 4 do artigo 464º” do Código de Processo Civil – a decisão de haver como “não escrito o ponto 2 do elenco dos factos julgados como provados”;
– Por não ter fundamentado a alteração do decidido quanto à prova do facto constante do quesito 6º –“A Ré V... tem em seu poder os títulos das acções referidas em B)? –, havido como provado em 1ª Instância.
Relativamente à primeira, há que reconhecer que não existe nenhum nº 4 no artigo 464º do Código de Processo Civil. No entanto, da leitura do acórdão recorrido resulta evidente que se tinha em vista o nº 4 do artigo 646º do mesmo diploma, o que torna irrelevante o lapso de escrita.
No que toca à segunda, não tem razão o recorrente.
O julgamento de facto em primeira Instância, a fls. 317, não apresenta qualquer razão concreta para a prova específica de que os títulos se encontram em poder da ré, que a Relação pudesse apreciar.
Segundo a Relação, “reapreciada a prova produzida, nomeadamente ouvida a gravação dos depoimentos prestados, não foi produzida prova de que se pudesse retirar com segurança que os títulos em questão se encontrem em poder da Ré V..., pelo que também este facto se terá de considerar como não provado”.
Tanto basta para não poder proceder a arguição de nulidade.

7. Segundo o disposto no nº 2 do artigo 394º do Código Civil, constando o negócio simulado “de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º”, é proibido aos simuladores o recurso à prova testemunhal para provar o “acordo simulatório”.
Tem-se todavia admitido que a prova testemunhal possa ser utilizada como complemento de outros meios de prova; mas não que possa, por si só, fundamentar a prova do referido acordo.
Não sendo admissível a prova por testemunhas, não valem igualmente as presunções judiciais – ou seja, ilações que, segundo as regras da experiência, permitem deduzir factos de outros factos provados (artigos 349º e 351ºdo Código Civil).
É conhecida a razão de ser desta proibição: evitar a prova de simulações não existentes, exigindo dos simuladores o recurso a meios de prova mais seguros do que a prova testemunhal (documentos) ou provavelmente conformes com a verdade, porque provenientes de quem com eles é prejudicado (confissão).
E é igualmente sabido que esta proibição não vale para terceiros (nº 3 do artigo 394º); quanto a estes, não é frequentemente viável o recurso a qualquer outro meio de prova.
Já quanto aos simuladores, têm ao seu alcance a possibilidade de se munirem de contra-declarações, sob pena de ficarem “na mão” um do outro, por, as mais das vezes, apenas lhes sobrar a prova por confissão.
Como resulta dos factos provados, estão em causa neste recurso dois grupos de contratos, uns celebrados com o réu BB (docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial), que impugnou a alegação de simulação, outros celebrados com o réu CC (docs. 3 e 4), que a reconheceu.
Assim, relativamente a este, CC, hão-de dar-se como provados os factos que reconheceu, em depoimento de parte, e que, segundo a acta de audiência de julgamento de 15 de Novembro de 2006, de fls. 301, são os correspondentes ao “teor dos quesitos 2º, 3º e 4º da base instrutória”.
Tem assim de ser haver como plenamente provado (nº 1 do artigo 358º do Código Civil) que, ao declarar querer comprar as acções, na realidade o não queria (quesito 2º), que nunca pagou os preços mencionados nos contratos (quesito 3º) e que as acções nunca lhe foram entregues (quesito 4º), assim se alterando, nos termos do nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, o decidido no acórdão recorrido.
Consta da fundamentação do julgamento de facto, de fls. 317, que este réu “esclareceu os contornos destes pretensos contratos que se destinaram exclusivamente a impedir que os credores do então casal pudessem penhorar as acções em processo de execução (…)”.
Acresce que a 1ª Instância havia dado como provado que o autor também não queria realmente ceder as acções, apesar de ter declarado o contrário, com base na prova testemunhal.
Isto significa que, relativamente aos contratos celebrados com CC, há prova por confissão suficiente para, complementada com os depoimentos de testemunhas, se poder considerar provada a respectiva simulação e ser, portanto, declarada a nulidade com esse fundamento. No entanto, este julgamento não afecta os contratos na parte respeitante a DD, que não é parte nesta acção (nº 1 do artigo 27º do Código de Processo Civil).
Apenas se acrescenta não ter fundamento o obstáculo apontado pelo acórdão recorrido, de não valer como confissão o depoimento de parte de CC, por haver litisconsórcio necessário (nº 2 do artigo 353º do Código Civil). Quanto aos pedidos contra ele dirigidos, não há qualquer situação de litisconsórcio.
O mesmo se não pode dizer no que toca aos contratos celebrados com BB, o que impede que se tenha por provada a simulação, por inadmissibilidade de prova testemunhal.
Não pode ser considerado princípio de prova, suficiente para permitir a prova testemunhal, em afastamento da proibição constante do nº 2 do artigo 394º do Código Civil, a demonstração documental de que haviam sido penhoradas quotas do autor e de DD de uma outra sociedade, por si só ou conjugada com o teor dos contratos cuja validade está em causa nesta acção.
Em primeiro lugar, porque não há qualquer relação directa entre aquela penhora e os contratos em causa, não sendo manifestamente suficiente como princípio de prova da sua simulação a circunstância de se saber terem sido instauradas execuções contra o autor e sua ex-mulher. Em segundo lugar, porque não é realmente defensável pretender utilizar como princípio de prova os documentos de que constam os contratos cuja simulação se pretende demonstrar.

8. Resta apreciar a questão da prova da titularidade das acções, para o efeito da procedência do pedido formulado pelo autor contra a ré (que, tendo em conta o que atrás se disse, só teria interesse em relação aos contratos celebrados com CC).
Não pode relevar, nesta acção, a hipotética situação de contitularidade com DD, por ter sido decidido com força de caso julgado, no despacho saneador, que, à data dos contratos, já tinha transitado em julgado a sentença de divórcio. É certo que não está assente nos autos que as acções de que ambos eram titulares foram objecto de partilha e adjudicadas a cada um dos ex-cônjuges, de forma a que o autor ficasse com a titularidade exclusiva daquelas que reclama nesta acção; mas, uma vez provada a dissolução do casamento, era aos réus que incumbia o ónus de provar que as acções ainda se mantinham em situação de contitularidade.
Note-se que, no contexto desta acção, não tem valor probatório especial o depoimento de DD, apontado pelo recorrente; não pode pois ser apreciado por este Supremo Tribunal.
Já no que toca à questão da prova da titularidade das acções por parte do autor, agora independentemente da anterior questão, há que verificar que não merece censura o acórdão recorrido, quando determinou a eliminação da “alínea B) da matéria assente” e considerou não poder proceder o pedido de entrega por não terem sido, nem alegados, nem provados, factos concretos que permitissem estabelecer que o autor era titular das acções.
Na realidade, a titularidade de direitos não é matéria de facto, susceptível de prova, que se possa considerar assente, seja por falta de impugnação dos réus, como sustenta o recorrente, seja por foça da certidão da homologação do divórcio do autor e de DD, da qual nenhuma prova resulta quanto a este ponto, seja eventualmente por prova testemunhal.
Ora, contra a ré, o que o autor pretende fazer valer nesta acção é, precisamente, a titularidade das acções que dela reivindica.

9. De qualquer forma, não sendo possível modificar neste recurso a decisão de não considerar provado que a “ré V... tem em seu poder os títulos das acções”, sempre seria inviável julgar procedente o pedido de condenação contra ela formulado.
Como o recorrente observa, a Relação podia alterar o julgamento de facto realizado em primeira instância quanto a este ponto.
Como se sabe, o Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, introduziu, no âmbito do Processo Civil, a documentação e registo da prova produzida na audiência final, assumidamente com o objectivo de permitir “um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação da prova (…)”, como se escreveu no seu preâmbulo.
E nesse mesmo preâmbulo, o legislador reconheceu que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
É inevitável reconhecer que, com o sistema assim introduzido, a lei fez prevalecer a garantia do segundo grau de jurisdição sobre as vantagens da imediação na apreciação da prova testemunhal; e que aceitou que, para a 2ª Instância, esta falta de imediação não prejudicava a efectividade do princípio da livre apreciação da prova.
Foi no uso destes poderes que a decisão de facto foi alterada, em julgamento insusceptível de controlo por este Supremo Tribunal.

10. Nestes termos, decide-se:
a) Conceder provimento parcial à revista e declarar nulos os contratos celebrados em 19 de Janeiro de 1999 entre o autor e DD e o réu CC, juntos com a petição inicial como docs. nºs 3 e 4, mas apenas na parte respeitante ao autor e ao réu, nesta medida revogando o acórdão recorrido;
b) Quanto ao mais, negar provimento ao recurso.

Custas pelo autor (80%) e pelo réu CC (20%).

Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Maio de 2009

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Lázaro Faria