SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ACORDO DAS PARTES
FUNDAMENTOS
TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
Sumário

I - O tempo decorrido entre o termo do prazo de suspensão da instância por acordo das partes e o momento em que o processo é, subsequentemente, despachado, bem como aquele que decorreu entre o momento em que foi designada audiência e a data da respectiva realização não é computável para efeitos do disposto no n.° 4 do art.° 279.° do Código de Processo Civil.
II - O requerimento de nova suspensão de instância por 15 dias, que terá de ser apreciado em função do momento em que foi apresentado, contém-se dentro da previsão da norma: a conjunção de ambas está longe de exceder os 6 meses.
III - Não estando o juiz legitimado a fazer qualquer controlo dos fundamentos invocados para requerer nova suspensão da instância, não pode o juiz coarctar às partes a faculdade legal de a requererem a suspensão da instância por a proximidade da data designada para julgamento, já não permitir a desconvocação em tempo útil das pessoas notificadas, nem o aproveitamento da agenda do tribunal para a marcação de outros serviços, surgindo como manifestamente inoportuno.
IV - O meio próprio para sancionar tal inconsideração será, quando muito, a imposição de uma taxa sancionatória excepcional, nos termos do art° 447.°-B do Código de Processo Civil e, no tocante às testemunhas lesadas, o processamento do abono de despesas e indemnização devido nos termos do art.° 644º do Código de Processo Civil .

Texto Integral

Processo n.º 2111/07.2TJVNF – Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, Lda. propôs contra C… e cônjuge D… acção com processo comum na forma sumária, pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia global de € 11.482,35, acrescida de juros de mora vincendos sobre € 9.299,36, desde 30/06/2007 até efectivo e integral pagamento. Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade comercial vendeu aos Réus um prédio urbano, tendo realizado, a pedido dos Réus, trabalhos não incluídos no preço de aquisição do imóvel no montante de € 9.299,36, cujo pagamento se venceu 30 dias após a emissão da factura, que os Réus não pagaram e a Autora reclama.
Citados os Réus, contestaram, alegando, em resumo, que os valores dos trabalhos e materiais reclamados eram conhecidos à data da escritura e foram incluídos no preço pago nesse acto. Mais, as obras em causa foram executadas por firmas a quem os RR. tiveram de pagar directamente. Em reconvenção, invocam o aparecimento de vários defeitos na casa, que enumeram, que a Autora reconheceu e, apesar de várias promessas de os eliminar, nada fez. Pedem, por isso, a condenação Autora eliminar todos os defeitos apontados, bem como a indemnizar os RR. pelos prejuízos que se apurarem em execução de sentença; ou, subsidiariamente, indemnizar os RR. em quantia suficiente para custear os encargos com a eliminação dos defeitos referidos, no valor de € 17.500,00, bem como da quantia que se apurar em execução de sentença; em alternativa, a pagar aos RR. o valor de desvalorização da casa.
Prosseguindo os autos os seus termos, em 16/03/2009 foi por ambas as partes requerida a suspensão da instância, e deferida por 30 dias, por despacho proferido a 17/03/2009. Tendo sido designada para 4 de Junho de 2009 a realização de audiência de julgamento, foi nessa data pelos mandatários de ambas as partes requerida, para a acta da diligência efectuada, a suspensão da instância por período nunca inferior a 30 dias por estarem em vias de transigir nos autos, ao que a Mma. Juíza deferiu, suspendendo a audiência pelo prazo requerido.
Em 10/09/2009 foi requerida prorrogação e deferida por 15 dias, por despacho proferido a 23/09/2009. Esgotado tal prazo, sem que nada houvesse sido entretanto requerido, foi, por despacho de 11/01/2009, com observância dos termos do art.º 155.º, n.ºs 2 e 3 do CPCiv, designado o dia 04-03-2010, pelas 14, horas para realização de audiência de julgamento.
Em 03/03/2010 deu entrada, por via electrónica, pelas 20:29 horas, requerimento subscrito por ambas as partes, requerendo nova suspensão da instância, dizendo terem as partes retomado as negociações com vista à celebração de um putativo acordo que ponha termo à presente demanda.
Na data de 04-03-2010 não compareceu na hora designada nenhuma das pessoas convocadas, tendo a Mma. Juíza proferido despacho que indeferiu a requerida suspensão da instância e considerou inexistir qualquer fundamento de adiamento, e por tal razão ia proceder ao julgamento de imediato, tendo após designado para a leitura das respostas aos quesitos o dia 11 de Março de 2010 pelas 14:00 horas.
Baseia tal decisão na seguinte ordem de fundamentos, que ora se transcrevem:
“Compulsados os autos constata-se que o requerimento de suspensão da instância nos termos em que está formulado deverá ser indeferido. Com efeito, a faculdade concedida às partes de suspenderem, por acordo, a instância, não é uma faculdade incondicionada, pois que o normativo que a prevê (art° 279° n° 4 do CPC) deve ser objecto de interpretação sistemática, devendo ser conjugado com outros normativos, designadamente o que impõe ao Juiz o dever de controlar o uso anormal do processo, por via do art° 665° do CPC, do qual decorre que a decisão deve obstar ao objectivo anormal prosseguido pelas partes, quando a conduta destas ou quaisquer circunstâncias da causa produzam a convicção segura de que se serviram do processo ou de qualquer instituto processual para conseguir um fim proibido por lei.
Dito de outro modo, o tribunal só deverá deferir a suspensão da instância quando, além do mais, se verifique que as partes não fizeram um uso anormal do referido instituto, isto é, que essa suspensão serve um propósito sério de pôr fim à acção, por transacção, e não um fim proibido por lei, designadamente o objectivo de contornar o regime de adiamento das audiências.
Ora, face aos termos do requerimento e, não estando presente nenhum dos advogados de qualquer das partes, não é possível ao Tribunal, formar a convicção no sentido de que é sério o propósito das partes, relativamente ao putativo acordo.
Aliás, este é já o terceiro pedido de suspensão de instância - para não falar dos pedidos de prorrogação - alicerçado em putativas negociações com vista a um acordo, aparentemente já tentado pelo menos desde 17/03, sem qualquer êxito, sendo certo que o requerimento apresentado nem sequer evidencia uma qualquer circunstância nova susceptível de ajudar a formar aquela convicção.
De resto, os autos indiciam que o instituto de suspensão de instância, tem vindo a ser usado de forma anormal pelas partes, para contornar o regime dos adiamentos e dilatar a realização do julgamento, pelo que se impõe, nos termos do art 655° do C.P.C., o indeferimento da pretensão das partes.
Pretensão que, de resto, sempre teria que ser indeferida, pois que a instância está suspensa há quase um ano (desde 17/03/2009) por iniciativa das partes, mostrando-se largamente esgotado o prazo de 6 meses previsto na lei (art.º 279° n° 4 do C.P.C.).
Acresce que, nos presentes autos, tendo a presente data sido agendada com o acordo prévio dos ilustres mandatários e não tendo estes comunicado a impossibilidade da sua comparência – art.º 155° n° 5 do C.P.C. - inexiste qualquer fundamento de adiamento, razão pela qual se impõe proceder ao julgamento de imediato”. (Fim de transcrição).
Deste despacho veio a Autora arguir nulidade, com a consequente anulação de todo o processado posterior, que foi desatendida.
Inconformada, interpôs a A. recurso de agravo do despacho que desatendeu a nulidade arguida, que concluiu nos seguintes termos:
A. A Agravante não se conforma com o douto Despacho recorrido, através do qual o Tribunal da Primeira Instância indeferiu a nulidade arguida relativamente ao Despacho que não procedeu ao adiamento da audiência de julgamento.
B. Com efeito, por douto Despacho proferido a 09/12/2009, a audiência de julgamento deste processo foi marcada para o dia 08 de Fevereiro de 2010, pelas 14:00 horas.
C. Em resposta a esta notificação, o signatário veio sugerir, por acordo com o Ilustre Mandatário da Ré, datas alternativas para a realização do julgamento, mais concretamente os dias 12 e 24 de Fevereiro, uma vez que o signatário estava impedido no dia designado.
D. Contudo, sem sequer se pronunciar sobre as datas sugeridas pelas partes, o Tribunal 'a quo' proferiu, a 11/01/2010, o seguinte Despacho: «Audiência de julgamento no próximo dia 04 de Março, pelas 14 horas, sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o art. 155°/2 do CPC. Notifique».
E. Ora, esta data não foi marcada por acordo das partes, pelo que era legítimo aos mandatários não comparecerem na data designada, sem estarem obrigados a justificar a falta, sendo esta a conclusão que se retira dos artigos 155°, n°s 1, 2 e 3 e 651°, n.° 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
F. Destarte, no dia 03/03/2010, as partes requereram a suspensão da instância, pelo prazo de 15 dias, ao abrigo do disposto nos artigos 276°, n.° 1, alínea c) e 279°, n.° 4, ambos do Código de Processo Civil, e, por tal motivo, no dia agendado para a realização da audiência de discussão e julgamento - 04/03/2010 -, não se encontravam presentes qualquer das pessoas convocadas para esse acto: nem as partes, nem as testemunhas, nem os advogados de qualquer das partes.
G. Todavia, aberta a audiência, o Tribunal da Primeira Instância indeferiu a requerida suspensão - encontrando-se o respectivo recurso de agravo pendente de decisão -, e, decidindo que não existia qualquer fundamento de adiamento, procedeu ao julgamento de imediato.
H. A marcação do julgamento foi decidida pelo tribunal, embora se tenha possibilitado às partes propor datas alternativas, pois a Agravante foi notificada do despacho, com referência ao artigo 155°, que designou a data de audiência de julgamento através do modelo tabelar de ofício informático, donde consta a menção de que «Em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários, poderá, no prazo de 5
I. «Mas isso já não está no âmbito de previsão do n° 2 do art° 155° que não contempla uma situação de "quando a marcação não tenha sido feita"», in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/07/2006, proferido no processo n.° 0633808, in www.dgsi.pt.
J. Ora, no caso “sub judice”, não tendo havido qualquer adiamento anterior e não tendo havido acordo prévio com os mandatários com vista à designação da data da audiência, a falta dos mandatários de ambas as partes era motivo suficiente para provocar o adiamento, e, não se tendo decidido assim, cometeu-se uma nulidade que influiu no conhecimento da causa, já que se realizou audiência de julgamento sem produção da prova testemunhal requerida e admitida.
K. Assim, o douto Despacho recorrido, ao indeferir a arguida nulidade, violou o disposto nos artigos 155°, 651 °, n.° 1, alínea c), 201 °, n.°1 e 205°, n.° 1, todos do Código de Processo Civil.
Interpôs ainda recurso do despacho, exarado na acta de audiência de julgamento datada de 04/03/2010, na parte que indeferiu o requerimento de suspensão da instância apresentado pelas partes, formulando as seguintes conclusões:
A. A Agravante não se conforma com o douto Despacho recorrido, através do qual o Tribunal da Primeira Instância indeferiu a suspensão da instância, pelo prazo de 15 dias, requerida por acordo das partes, ao abrigo do disposto nos artigos 276°, n° 1, al. c) e 279°, n°4 do Código de Processo Civil, com fundamento, por um lado, que "os autos indiciam que o instituto de suspensão de instância, tem vindo a ser usado de forma anormal pelas partes, para contornar o regime dos adiamentos e dilatar a realização do julgamento, pelo que se impõe, nos termos do art. 655° do C.P.C., o indeferimento da pretensão das partes", e, por outro lado, que "a instância está suspensa há quase um ano (desde 17/03/2009) por iniciativa das partes, mostrando-se largamente esgotado o prazo de 6 meses previsto na lei".
B. No que respeita ao primeiro fundamento aduzido pelo Tribunal 'a quo', o artigo 279°, n.° 4 faculta às próprias partes acordarem na suspensão por prazo não superior a seis meses, sem necessidade de revelarem as razões determinantes desse acordo (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16/02/2000, proferido no processo n.° 0016544, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Olindo Geraldes, in www.dgsi.pt).
C. Assim, à luz do preceituado no artigo 9.o do Código Civil, para além da interpretação sistemática invocada pelo Tribunal 'a quo', há também que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que terá sido para evitar o uso anormal da faculdade em apreço que fixou um prazo máximo de suspensão por acordo das partes.
D. "O acordo de suspensão da instância constitui um modo de disposição da tutela jurisdicional, como tal emanando do princípio dispositivo." (Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1o, Coimbra Editora, 1999, pág. 503).
E. De modo que, a suspensão da instância pode ser requerida mais do que uma vez, desde que não exceda no seu conjunto os seis meses, prazo este que foi estabelecido com a finalidade dessa faculdade concedida às partes não eternizar os pleitos, como sucederia se não fosse fixado qualquer prazo (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/01/2001, proferido no processo n.° 3077/2000, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Monteiro Casimiro, in www.dgsi.pt).
F. No que concerne ao segundo fundamento em que o Tribunal da Primeira Instância fundamentou o douto Despacho recorrido, salvo o devido respeito por opinião contrária, a instância esteve suspensa, por acordo das partes, durante dois meses e meio.
G. Com efeito, a suspensão da instância foi:
a) Requerida a 16/03/2009 e deferida por 30 dias, por douto Despacho proferido a 17/03/2009, pelo que cessou a 16/04/2009;
b) Requerida a 04/06/2009 e deferida por 30 dias, por douto Despacho proferido nessa data, pelo que cessou a 04/07/2009;
c) Requerida a 10/09/2009 e deferida por 15 dias, por douto Despacho proferido a 23/09/2009, pelo que cessou a 08/10/2009.
H. É verdade que, entretanto, nenhuma das partes veio aos autos comunicar que as negociações se haviam frustrado e requerer a cessação da suspensão em apreço -omissão de que a Agravante se penitencia - mas tal é irrelevante, na medida em que tal suspensão cessou 'ope legis' no fim do prazo, pois à luz do preceituado no artigo 284°, n° 1, alínea c) do Código de Processo Civil: "A suspensão cessa (...) quando tiver decorrido o prazo fixado".
I. A actuação processual que, a seguir, se impunha, derivava da acção directa do Tribunal, designadamente a marcação de nova data para a audiência final, na medida em que o processo já se encontrava nessa fase, à luz dos princípios dos princípios de direcção do processo e do inquisitório contemplados no artigo 265° do Código de Processo Civil. J. "Daqui que, tendo as partes acordado em audiência de julgamento na suspensão da instância, decorrido o prazo da suspensão não deve o Juiz aguardar passivamente que as partes requeiram o prosseguimento dos autos, antes deve, ele próprio, fazê-los prosseguir de imediato." - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/07/2006, proferido no processo n.° 0633469, in www.dgsi.pt.
K. Todavia, ainda que após notificação para o efeito, a Agravante requereu o prosseguimento dos autos e a designação de nova data para a realização da audiência de julgamento, mediante requerimentos apresentados ajuízo a 28/04/2009 e 18/11/2009, mas a suspensão não cessou com tais requerimentos mas sim decorridos os prazos das requeridas e deferidas suspensões.
L. Assim, a instância não esteve suspensa por prazo superior a 06 meses, nos termos do disposto no artigo 279°, n.° 4 do Código de Processo Civil, ainda que as partes, em 10/09/2009, tenham requerido "prorrogação" do prazo de suspensão, dado que atentos os argumentos legais já aduzidos, quando este requerimento foi apresentado a juízo já a suspensão havia cessado a 04/07/2009.
M. Em suma, o douto Despacho recorrido, ao indeferir a suspensão requerida, por acordo das partes, pelo prazo de 15 dias, violou o disposto nos artigos 276°, n.°1, alínea c), 279°, n.°4, 284°, n°1, alínea c) e 265°, todos do Código de Processo Civil.

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Não houve, em qualquer dos recursos, contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, tendo como assentes todas as ocorrências processuais descritas no relatório supra, que aqui se dá como reproduzido.
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Como se alcança dos autos, o despacho que designou data e hora para realização de audiência de julgamento em 04/03/2010 foi proferido a proferido a 11/01/2010, tendo tal data sido designada, conforme aí consta, “sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o art. 155°/2 do CPC”. Desse despacho foram notificados os mandatários de ambas as partes, que nenhuma data alternativa propuseram nos cinco dias subsequentes, pelo que tal designação se manteve inalterada. Vem agora a recorrente, louvando-se na doutrina do Prof. Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, pág. 274) sustentar que, por não ter ocorrido a impossibilidade de obter a marcação nos termos do n° 1 do art.º 155.º, mas a sim mera inobservância do disposto nesse preceito, constitui nulidade a manutenção da designação da data nos termos do despacho de 11/01/2010. Não tem manifestamente razão a recorrente, crendo-se não ser esse o sentido dos ensinamentos do doutrinador que cita.
Dispõem, com efeito, os n.ºs 1 e 2 do art.º 155.º do CPCiv.:
1. A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.
2. Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.
Ora, a impossibilidade a que se refere o n.º 2 do art.º 155.º não é uma impossibilidade física ou material. Trata-se antes de um simples impossibilidade ou grave inconveniência de ordem prática, que ocorre sempre deve o juiz não possa contar com a presença simultânea de todos os mandatários no momento em que deve designar data para a diligência, no sentido de obter o prévio acordo daqueles. Será que é exígível ao juiz que entre em contacto telefónico com o escritório de todos eles e, na mais que provável ausência de alguns ou de todos, peça o número de telefone móvel, e ainda, na muito frequente hipótese de se encontrarem impedidos noutras diligências judiciais, que peça ao colega que as interrompa, no sentido de ser concertado o agendamenteo? É bem de ver que é impensável semelhante “modus operandi”. Não tendo, como efectivamente não tinha, presentes ambos os ilustres mandatários interessados no agendamenteo, agiu a Mma. Juíza em inteira observância da legalidade propondo uma data, com o implícita advertência de que passaria a definitiva se não houvesse, por parte daqueles, qualquer rejeição, como não houve.
Mais ainda, mesmo que tal prática não fosse em si mesma legalmente admissível, ela integraria uma nulidade secundária, dependente de arguição por parte do interessado, no prazo de dez dias, contado desde o dia em que, depois de cometida a nulidade a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, quando deva, neste último caso, presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade, conforme prescreve o n.º 1 do art.º 205.º do CPCiv.. Ora, a simples notificação do despacho que designa, em tais termos, data e hora para audiência de julgamento é suficiente para revelar que a nulidade foi cometida. E sobre essa notificação já haviam transcorrido muito mais de dez dias, quer na data em que a audiência teve lugar, quer naquela, imediatamente anterior, em que vieram as partes vieram requerer o adiamento, e mais ainda na data, posterior, em que à ora recorrente ocorreu suscitar, perante o tribunal “a quo”, a pretensa nulidade cometida. Perante tais circunstâncias, sanada teria, de há muito, ficado qualquer nulidade cometida, pelo que não poderia a Mma. Juíza deixar de a desatender, impondo-se, pois, a confirmação do despacho que assim decidiu.
Vejamos agora o despacho que indeferiu a requerida suspensão da instância. No dia 4 de Junho de 2009 teve lugar um adiamento de audiência, a requerimento de ambas as partes ditado para a acta da diligência, no sentido de obter a suspensão da instância. Tal adiamento e subsequente suspensão da instância foram deferidos, não obstante prescrever o n.º 3 do art.º 651.º do CPCiv. que não é admissível o adiamento por acordo de ambas as partes. Ora, prescreve ainda o n.º 2 do art.º 651.º que não pode adiar-se a audiência por mais de uma vez. Assim, e não obstante entre as causas de adiamento da audiência se contar a falta de algum dos advogados se o juiz não tiver providenciado pela sua marcação mediante acordo prévio, nos termos do artigo 155º, ou que tenha comunicado a impossibilidade de comparência, nos termos do n.º 5 do artigo 155º do Código de Processo Civil (artigo 651º, 1, c) e d), do mesmo diploma), o certo é que, após a diligência que teve lugar a 4 de Junho de 2009 a audiência não mais poderia ser adiada.
A Mma. Juíza “a quo” interpretou o acordo de suspensão da instância, cujo requerimento deu entrada, por via electrónica, pelas 20:29 horas, como um expediente para conseguir um fim proibido por lei, contornando o regime de adiamento de audiências, como refere. Sucede, contudo, que tal requerimento não foi apresentado em audiência de julgamento, mas antes em momento anterior, em que não estava o tribunal constituído. Por ser assim, e não obstante a perturbação eventualmente causada às testemunhas e a outros intervenientes (e, todavia, da acta consta que não estava presente qualquer das pessoas convocadas), bem como à agenda do tribunal, o que ora está em causa é saber se foram violados direitos das partes com o indeferimento da suspensão da instância e a marcação da data para publicitação da decisão de facto. Ambas as partes assentiram em requerer nova suspensão da instância com fundamento em que as partes retomaram as negociações com vista à celebração de acordo que ponha termo à demanda. E o artigo 279º, n.º 4, do Código de Processo Civil faculta às partes a suspensão da instância por período não superior a 6 meses sem a indicação de qualquer razão ou motivo, constituindo um modo de disposição da tutela jurisdicional, emanado do princípio do dispositivo, em que o despacho do juiz é meramente homologatório (cfr. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, I, 2.ª ed., pág. 546).
Ora, por acordo das partes a instância tinha estado suspensa por 75 dias, não sendo exacto, como refere o despacho recorrido, que a instância estivesse suspensa desde 17/03/2009 por iniciativa das partes. É que, conforme dispõe a al. c) do n.º 1 do art.º 284.º do CPC, a suspensão cessa quando tiver decorrido o prazo fixado. O tempo decorrido entre o termo do prazo e o momento em que o processo é, subsequentemente, despachado, bem como aquele que decorreu entre o momento em que foi designada audiência e a data da respectiva realização não é computável para efeitos do disposto no n.º 4 do art.º 279.º do CPCiv..
E o requerimento desta nova suspensão de instância por 15 dias, que terá de ser apreciado em função do momento em que foi apresentado, contém-se dentro da previsão da norma: a conjunção de ambas está longe de exceder os 6 meses. É certo que tal momento, porque muito próximo da data designada, já não permitia a desconvocação em tempo útil das pessoas notificadas, nem o aproveitamento da agenda do tribunal para a marcação de outros serviços, surgindo como manifestamente inoportuno. Mas, não estando o juiz legitimado a fazer qualquer controlo dos fundamentos invocados, não cabia à Mma. Juíza coarctar às partes a faculdade legal de requererem a suspensão da instância por acordo (cfr. Ac. desta Relação e Secção de 19-10-2010, Proc. 3483/05.9TBGDM.P1, Rel. Des. Maria Cecília Agante). O meio próprio para sancionar tal inconsideração será, quando muito, a imposição de uma taxa sancionatória excepcional, nos termos do art.º 447.º-B do CPC e, no tocante às testemunhas lesadas, o processamento do abono de despesas e indemnização devido nos termos do art.º 644+ do CPC..
Do exposto resulta que não pode manter-se o despacho que indeferiu a suspensão da instância e, decretando-a por 15 dias, fica sem feito a audiência de julgamento designada, com a consequente anulação dos actos subsequentes, nomeadamente da prolação da decisão de facto e da sentença.

Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao agravo do despacho que desatendeu a nulidade arguida e em conceder provimento ao agravo do despacho que indeferiu o requerimento de suspensão de instância por acordo das partes e, determinando-a por 15 dias, dar sem efeito a audiência de julgamento com a consequente anulação dos actos subsequentes, nomeadamente a prolação da decisão de facto e da sentença.
Custas a cargo da parte vencida a final.

Porto, 2011/11/22
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Maria da Graça Pereira Marques Mira
António Francisco Martins