SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
FALECIMENTO DE PARTE
PRAZO JUDICIAL
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
Sumário

1. A suspensão da instância, decorrente do falecimento de alguma das partes, não é automática: para que o juiz possa decretá-la é necessário que se junte ao processo documento que prove o falecimento.

2. O n.º 3 do art. 277º do CPC fulmina com a sanção de nulidade os actos processuais praticados posteriormente à data do falecimento de uma das partes ou de algum dos compartes, mais precisamente os actos relativamente aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte falecida.

3. Não se trata de uma nulidade determinada pelo interesse público, sendo apenas estabelecida a favor dos representantes do falecido que não estão no processo como partes, pois só estes podem ser prejudicados por actos processuais praticados em tempo que lhes não permitia qualquer interferência nesses actos, ou seja, em tempo ou ocasião em que não podiam defender os direitos em litígio que lhes tivessem sido transmitidos pela parte falecida – e, por isso, só por eles pode ser arguida, e apenas no caso de terem interesse na arguição.

4. Os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão da instância; e a suspensão, quando determinada pelo falecimento de alguma das partes, inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente, sendo que este benefício também aproveita à parte sobreviva.

5. Uma vez cessada a suspensão da instância, o início do novo prazo para a apresentação, pela parte sobreviva, das alegações de recurso – prazo que não se havia ainda completado quando foi decretada a suspensão – não está dependente nem fica condicionado pela constituição de advogado por banda dos habilitados, sucessores da parte falecida.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

Em acção com processo ordinário, para impugnação de escritura de justificação notarial que, pela Vara de Competência Mista do Funchal foi intentada por AA contra BB, foi oportunamente proferida sentença a julgar a acção improcedente, sendo a ré absolvida do pedido.
A autora recorreu da sentença, pedindo, além do mais, que se ordenasse a repetição do julgamento, por os depoimentos das testemunhas prestados numa das sessões do julgamento não terem ficado gravados, por deficiência da aparelhagem audio utilizada – nulidade que foi arguida na 1ª instância e que condicionou a reacção que pretendia dirigir contra a decisão proferida sobre a matéria de facto.
A Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou procedente o recurso no que se refere à arguida nulidade e anulou o julgamento – para que fosse repetida a inquirição das testemunhas cujo depoimento não ficou gravado – e os termos subsequentes (despacho decisório da matéria de facto e sentença).
Após a baixa do processo, foi dado cumprimento, no tribunal recorrido, ao determinado pela Relação, vindo a nova sentença, proferida em 04.10.2006, a decidir no mesmo sentido da anterior, julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido.
A autora interpôs, em 30.10.2006, novo recurso de apelação, tendo apresentado as respectivas alegações em 03.01.2007 (fls. 1070).
A Relação de Lisboa, conhecendo – em acórdão de 24.05.2007 – da apelação e de um recurso de agravo que a autora havia interposto de um despacho proferido no decorrer da audiência de julgamento pela magistrada que conduziu o julgamento, concluiu pela improcedência do agravo e da apelação e manteve inalterada a sentença.
Com o seu requerimento de 12.06.2007, a autora/apelante apresentou, desse acórdão, recurso de revista para este Supremo Tribunal, que foi recebido por despacho do Ex.mo Desembargador relator, proferido em 02.07.2007 e notificado às Ex.mas mandatárias de autora e ré por ofício datado de 04.07.2007, expedido sob registo nessa data.
Por requerimento entrado em 05.09.2007, a autora veio informar do falecimento da ré/recorrida, em 10.01.2007, juntando certidão do respectivo assento de óbito, e requerendo a imediata suspensão da instância e a notificação do cônjuge da defunta (ex-marido da própria autora) “para vir aos autos indicar os sucessores da parte falecida (...) a fim de serem habilitados no processo e com eles prosseguirem os seus termos até final”.
Por despacho do mesmo Ex.mo Desembargador relator, exarado em 10.09.2007, e notificado por ofício registado expedido em 14.09.2007, foi declarada suspensa a instância.
Depois de habilitados, no incidente próprio, os sucessores da falecida, foi proferido novo despacho na Relação, em 07.04.2008, declarando cessada a suspensão da instância, nos termos do art. 284º, n.º 1, al. a) do CPC – despacho notificado às partes (incluindo os habilitados) por ofício expedido, sob registo, em 10.04.2008.
Notificada deste despacho, a autora apresentou, em 17.04.2008, novo requerimento, em que alegou o seguinte:
De acordo com o n.º 3 do art. 277º do CPC, são nulos os actos praticados no processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento que, nos termos do n.º 1, devia determinar a suspensão da instância, em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu, sendo, todavia, certo (n.º 4 do mesmo art.) que essa nulidade fica suprida se os actos praticados vierem a ser ratificados pelos sucessores da parte falecida.
A recorrida faleceu em 10.01.2007, data em que a recorrente apresentou ao processo as suas alegações de recurso de apelação.
A mandatária da recorrida foi notificada das alegações de recurso, mas não implementou o incidente de habilitação, para com os sucessores da falecida continuar o recurso e para que estes, querendo, apresentassem contra-alegações, tendo a notícia do óbito surgido no processo apenas em 05.09.2007, e por acção da recorrente.
Ora, tendo o acórdão da Relação sido proferido em 24.05.2007 – posteriormente à data do falecimento que determinaria a suspensão da instância – estamos, face ao disposto no n.º 3 do art. 277º, citado, perante um caso de nulidade, que deverá ser sanada nos termos do n.º 4.
Por outro lado, estamos em presença de um processo de constituição obrigatória de advogado, não tendo ainda os herdeiros da parte falecida constituído advogado para prosseguirem com o recurso de revista.
Com estes fundamentos, pediu a autora a notificação dos herdeiros da falecida ré “para apresentarem ao processo declaração de ratificação de todo o processado posteriormente ao falecimento desta, bem como para no prazo que lhes for fixado, constituírem advogado para prosseguirem com o recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 33º e no n.º 4 do art. 277º”, ambos do CPC.
Este requerimento mereceu, da Ex.ma Desembargadora relatora, a apreciação constante do seu despacho de fls. 1146/1147, proferido em 02.06.2008, através do qual indeferiu a arguição de nulidade e requerimento para ratificação do processado, por inexistência dos respectivos pressupostos, e, face à não apresentação, pela recorrente, das alegações respeitantes ao admitido recurso de revista, julgou o mesmo deserto, nos termos do art. 291º, n.º 2 do CPC.
Notificada deste despacho, a recorrente interpôs recurso de agravo para este Supremo Tribunal, que veio a ser, em atenção ao disposto nos arts. 700º, n.º 3 e 265º-A do CPC, entendido pela mesma relatora como reclamação para a conferência, tendo a recorrente alegado no sentido de se dever dar provimento à reclamação “e, em consequência, ordenar-se a suspensão da instância e (dar-se) cumprimento ao disposto no art. 33º” daquele Código.
A reclamação mereceu, por parte da conferência, em acórdão oportunamente proferido, decisão coincidente com a do despacho reclamado: indeferimento da arguição de nulidade e do requerimento para ratificação do processado, por inexistência dos respectivos pressupostos, e pronúncia de deserção do recurso de revista, por falta de alegações da recorrente.
É deste acórdão que vem agora interposto recurso de agravo, em cuja alegação a recorrente formula um vasto acervo de conclusões, que, todavia, se podem assim sintetizar:
1ª - Ao caso em apreço aplicam-se as normas dos arts. 32º/1.c), 33º e 277º, todos do CPC;
2ª - Por força do primeiro dos normativos citados, tratando-se in casu de uma causa de constituição obrigatória de advogado, em fase de recurso de revista, não podia o recurso prosseguir os seus ulteriores termos sem antes ter sido dado cumprimento ao art. 33º;
3ª - A partir do momento em que os herdeiros da falecida foram declarados habilitados para, no lugar desta, prosseguirem os termos do processo, deverão, agora como recorridos e em sede de recurso de revista, ser notificados para os termos dos citados arts. 32º/1.c) e 33º;
4ª - As alegações de recurso de apelação foram apresentadas pela apelante precisamente no dia (10.01.2007) em que faleceu a apelada, e relativamente a elas não foi exercido o contraditório;
5ª - O falecimento da apelada deveria ter determinado a imediata suspensão da instância e dado lugar à habilitação dos herdeiros para com eles prosseguir o recurso de apelação; mas não foi isto que aconteceu, tendo o processo prosseguido para apreciação desse recurso, sem uma das partes, e sido proferido acórdão, só vindo a suspensão a ocorrer já no domínio do recurso de revista;
6ª - Ainda que se considere que não existe nulidade processual a declarar, por ao caso não se aplicar a regra do n.º 3 do art. 277º, sempre se deverá dar cumprimento ao art. 33º do CPC, com a notificação dos herdeiros da falecida para, no lugar desta, prosseguirem os termos do processo, agora como recorridos, e constituírem advogado, pois o falecimento daquela fez cessar os poderes de representação que a sua mandatária tinha no processo;
7ª - O entendimento do acórdão recorrido levaria a poder o processo prosseguir com a apresentação das alegações da recorrente, no recurso de revista, sem observância do contraditório por parte dos herdeiros da parte falecida, e poder o recurso ser julgado procedente, ficando a parte contrária sempre em posição de arguir a irregularidade processual da inobservância do princípio do contraditório; o que leva a concluir que só depois de cumprido o disposto no indicado art. 33º estará o processo em condições de prosseguir a sua normal tramitação.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2.

Releva, para o conhecimento do recurso, a descrição fáctica que se deixou enunciada no relatório que antecede.
E, olhando a esses factos, cumpre, desde já, salientar o erro em que, nesta sede – de selecção dos factos relevantes – incorre, por mais de uma vez, a ora agravante.
Na verdade, não é no próprio dia do óbito da ré (10.01.2007), mas em data anterior (03.01.2007), que deve considerar-se que a ora agravante praticou o acto de apresentação em juízo, no tribunal de 1ª instância, das suas alegações respeitantes ao recurso de apelação. As alegações foram expedidas pelo correio, sob registo, efectuado em 03.01.2007, como decorre de fls. 1070, e nessa mesma data foi, pela Ex.ma mandatária da recorrente, remetida cópia à mandatária da parte contrária (cfr. fls. 861, 862 e 863) valendo, pois, como data da prática do acto a da efectivação do respectivo registo postal (art. 150º/1.b) do CPC (1)).
Feita esta precisão, avancemos para o conhecimento do mérito do recurso.

3.

As questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são i) a de saber se se verifica, in casu, a nulidade a que alude o n.º 3 do art. 277º – o que postula o exame do regime desta nulidade – e ii) se, após a sentença que julgou habilitados os sucessores da falecida ré para, no lugar desta, prosseguirem os termos da causa, como recorridos em sede de recurso de revista interposto pela autora e já admitido, deveriam aqueles ser notificados, nos termos e para os efeitos dos arts. 32º e 33º, a fim de constituírem advogado para os termos do recurso, só depois disso começando a correr o prazo para a apresentação das alegações da recorrente.
Vejamos, pois.

3.1. O falecimento de alguma das partes é causa de suspensão da instância [art. 276º/1.a)]. Mas, como decorre do n.º 1 do artigo seguinte, esta não é automática, pois o apontado evento não produz automaticamente a suspensão, sendo necessário, para que o juiz possa decretá-la, que se junte ao processo documento que prove o falecimento.
A junção de tal documento incumbe, por dever legal, a qualquer das partes sobrevivas, seja a parte contrária, seja um comparte (n.º 2 do art. 277º), embora não obste ao seu recebimento, nos autos, o facto de ser apresentado por outrem, v.g., por algum dos sucessores do extinto.
O n.º 3 do art. 277º fulmina com a sanção da nulidade os actos processuais praticados posteriormente à data do falecimento de uma das partes ou de algum dos compartes, se qualquer dos sobreviventes – o comparte ou a parte contrária do falecido – ou um terceiro não levar ao processo, nos termos acabados de referir, a informação do facto da morte.
A nulidade não abrange, porém, todos os actos temporalmente posteriores à referida data – só aqueles em relação aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte falecida (citado n.º 3).
É patente que não se trata de uma nulidade determinada pelo interesse público, como claramente se infere não só da limitação acabada de enunciar (a nulidade não atinge todos os actos processuais) mas ainda do facto de os sucessores da parte falecida posteriormente habilitados poderem ratificar os actos viciados, suprindo a nulidade (n.º 4 do mesmo preceito).
Temos, pois, por irrecusável que a nulidade cominada naquele n.º 3 é apenas estabelecida a favor dos representantes do falecido que não estão no processo como partes, pois só estes podem ser prejudicados por actos processuais praticados em tempo que lhes não permitia qualquer interferência nesses actos – em tempo ou ocasião em que, portanto, não podiam defender os direitos em litígio que lhes tivessem sido transmitidos pela parte falecida.
Ora, não tendo, no caso, os habilitados sucessores da falecida BB arguido a nulidade de qualquer acto praticado no processo entre a data da morte desta e a data em que foi decretada a suspensão da instância, e sendo a nulidade estabelecida a favor deles – e só a favor deles – não deverá conhecer-se da eventual existência da mesma, já que à ora recorrente não é lícito argui-la, por não se mostrar que, no mencionado período temporal, decorrente entre o falecimento da contraparte e a suspensão da instância, fosse, ela própria, interessada na observância de qualquer formalidade que não houvesse sido praticada ou na repetição ou eliminação de acto que tivesse sido levado a cabo (art. 203º/1).
Neste sentido decidiu já este Supremo Tribunal, maxime no seu acórdão de 09.03.73 (2) .
Assim, qualquer efeito útil que a recorrente pretenda retirar do preceituado no n.º 3 do art. 277º, esbarra logo neste obstáculo, traduzido na ilegitimidade para arguir a nulidade a que tal comando legal alude.
Deve, ademais, acrescentar-se que nenhuma nulidade que pudesse aproveitar à ora agravante, se enxerga no caso em apreço.
É certo que, como esta refere, o falecimento teria determinado a suspensão da instância, antes da prolação do acórdão da Relação, se tivesse sido logo junto o certificado de óbito da apelada. Mas, não o tendo sido, e sendo certo que o dito acórdão, exarado muito antes de ser conhecido, no processo, o decesso da apelada, julgou improcedente o recurso, sempre seria de entender
a) que, tendo em conta o que dispõe o n.º 1 do art. 201º, claudicaria qualquer pretensão de filiar a existência de nulidade no facto de não ter sido, na apelação, exercido o contraditório, por parte da apelada (recte, dos seus sucessores) – como parece ser entendimento da recorrente – já que tal “irregularidade” nenhuma influência teve no exame ou na decisão do recurso; e
b) que assim não fosse, sempre a arguição de tal nulidade estaria vedada à recorrente, pois ela só poderia ser, como vimos, arguida pelos sucessores da falecida, a favor de quem se acha estabelecida, e apenas na hipótese (inverificada) de terem interesse na arguição, tal como dispõe o já citado n.º 1 do art. 203º.
Como anota J. RODRIGUES BASTOS, tem legitimidade para arguir a nulidade a parte que mostre interesse na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto. “O interesse da parte para essa actuação há-de aferir-se pelo prejuízo que para ela advenha da irregularidade cometida.
Sem prejuízo não há interesse; sem interesse não há legitimidade para fazer a arguição” (3) .
Nesta parte, pois, improcede o recurso.

3.2. A agravante sustenta, porém, que mesmo não existindo a nulidade que invocou, sempre deverá considerar-se o que vem estipulado nos arts. 32º e 33º.
Sendo, nos recursos, obrigatória a constituição de advogado, e devendo o tribunal, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, notificar a parte que, em caso de obrigatoriedade de constituição de advogado o não tenha constituído, para o fazer dentro de prazo certo, deverão os herdeiros habilitados da falecida recorrida, no entender da agravante, ser notificados para, no lugar desta, prosseguirem, agora em sede do interposto recurso de revista, os termos da causa e para constituírem advogado, uma vez que cessaram os poderes de representação da mandatária da defunta BB.
É, no entanto, seguro que as invocadas normas não podem valer à recorrente.
Expliquemos as razões de tal afirmação.
O despacho de admissão do recurso de revista considera-se notificado à recorrente, ora agravante, em 09.07.2007 (3º dia útil posterior ao do registo), começando, no dia imediato, a correr o prazo para apresentação das alegações, que se estenderia até 10 de Setembro seguinte (ou até 13, com o pagamento de multa, nos termos do n.º 5 do art. 145º).
Como, porém, em 05.09.2007 a recorrente juntou aos autos a certidão do assento de óbito da recorrida, aquele prazo não chegou a esgotar-se. Na verdade, os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão da instância (art. 283º/2); e, muito embora o despacho judicial que a decretou só tenha sido proferido em 10.09.2007, entendemos, face ao teor literal do n.º 1 do art. 277º – “Junto ao processo documento que prove o falecimento (...) suspende-se imediatamente a instância, (...)” - que os efeitos da suspensão devem retroagir, pelo menos, à data da junção ao processo do documento comprovativo do óbito. O que significa, no caso em apreço, que o prazo, que estava em curso, para a apresentação das alegações por parte da recorrente, ficou parado naquela data de 05.09.2007, só voltando a correr depois de cessada a suspensão.
Há, por outro lado, que atentar em que não só os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão, como ainda esta – quando determinada pelo falecimento de alguma das partes – inutiliza a parte do prazo que tiver decorrido anteriormente (n.º 2, 2ª parte, do art. 283º), sendo certo que este benefício também aproveita à parte sobreviva, como é entendimento da doutrina (4) .
Daqui que, uma vez cessada a suspensão – isto é, a partir da notificação da decisão que considerou habilitados os sucessores da falecida [cfr. art. 284º/1.a)] ou, quando menos, a partir da notificação do despacho de 07.04.2008, que expressamente a declarou finda (5) – começou a correr novo prazo de 30 dias para a apresentação, pela recorrente, das alegações referentes ao recurso de revista, prazo que já se mostrava esgotado, (sem que a recorrente tivesse cumprido esse ónus de alegar), quando foi proferido o despacho de 02.06.2008, que julgou deserto o recurso.
Nada, na lei do processo, autoriza a concluir que o início desse novo prazo estivesse dependente ou fosse condicionado pela constituição de advogado, por parte dos sucessores da parte falecida.
O n.º 3 do art. 284º deve ler-se em conexão com a al. b) do n.º 1 – é dizer, com o caso de suspensão da instância determinada, não pelo passamento de alguma das partes, mas antes pelo falecimento (ou impossibilidade absoluta) do respectivo advogado, sendo obrigatório o patrocínio. Suspensa a instância com este fundamento, tal suspensão cessa quando a parte contrária tiver conhecimento judicial de que está constituído novo advogado, bem se entendendo, por isso, que se a parte não for solícita em constituí-lo, possa qualquer outra parte, com vista a pôr termo à paragem (injustificada) do processo, requerer a notificação da parte negligente para constituir advogado dentro do prazo que for fixado.
Situação diferente é a dos autos, em que a cessação da suspensão da instância ocorre por efeito da notificação a que alude a al. a) do mesmo n.º 1, e que não tem, por isso, qualquer conexão com a constituição de novo advogado por banda dos sucessores da parte falecida.
Ora, tendo sido estes notificados da decisão que os considerou habilitados como sucessores da ré na acção, e do despacho que declarou cessada a suspensão da instância, nada mais se exigia – designadamente a notificação para constituírem mandatário forense – para que o processo retomasse o seu curso normal e para que o recurso prosseguisse os seus termos.
Só aos habilitados cabia decidir, em completa liberdade, se deveriam ou não constituir advogado, de acordo com a sua vontade de contrariar ou não as razões da recorrente, já que – como bem se assinala no acórdão recorrido – não obstante estarmos perante “uma causa em que é obrigatória a constituição de advogado, nos termos do art. 32º, n.º 1, alínea a) [e também por força da al. c), acrescentamos nós], sendo a falta do réu [ou dos recorridos, dizemos nós], como no caso sub judice, o processo seguirá os seus termos uma vez que a falta daquele patrocínio não é pressuposto do acto processual aqui em causa, já que o recurso de revista foi interposto pela autora/apelante, (...)”.
Não logra, pois, aplicação, no caso em apreço, o disposto no art. 33º, sendo de todo infundado o receio da ora agravante, manifestado nos termos aludidos na conclusão 7ª, supra.
Mesmo que fosse de entender que haveria que dar cumprimento ao aludido normativo – o que, já vimos, não sucede – jamais tal exigência teria repercussões na cessação da suspensão da instância, como também já se deixou evidenciado. Ora, cessada a suspensão, o processo retomou a sua marcha normal, começando, de imediato, a correr o prazo para a apresentação das alegações da recorrente, acto que em nada estava dependente de ter ou não a parte contrária mandatário constituído.
Assim, tendo verificado o transcurso desse prazo sem que a recorrente tivesse apresentado a sua peça alegatória, bem andou a Ex.ma relatora, na Relação, em ter julgado deserto o recurso, nos termos do art. 291º, n.º 2, não merecendo, por isso, censura o acórdão da conferência que, apreciando a reclamação incidente sobre o aludido despacho, a indeferiu.


4.

Nos termos expostos, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.


Lisboa, 28 de Maio de 2009

Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva

____________________________________
1- Pertencem ao CPC as normas citadas na exposição subsequente sem indicação do diploma legal em que se inserem.
2- Publicado no BMJ 225, pág. 247 e seguintes.
3- Notas ao Cód. de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., pág. 408.
4- Cfr. neste sentido ALBERTO DOS REIS, Comentário ..., vol. 3º, pág. 300, e, peremptoriamente, ELIAS DA COSTA, SILVA COSTA e FIGUEIREDO DE SOUSA, Cód. de Proc. Civil anotado e comentado, 3º vol., Liv. Almedina, Coimbra ~ 1974, pág. 528.
5- Cfr. ELIAS DA COSTA et alteri, obra e vol. cits., pág. 535