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PENSÃO DE REFORMA
COMPLEMENTO DE PENSÃO
Sumário
I - O Anexo I do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E..., quer se traduza num Regulamento Interno na Empresa quer se traduza na incorporação de um uso da empresa, acabou por se integrar nos contratos individuais dos trabalhadores (desde que verificados certos pressupostos: a adesão do trabalhador a esse Plano e a permanência do mesmo ao serviço da empresa na data em que se reforma) e como tal é aplicável ao Autor. II - A adesão do trabalhador ao referido Plano e a sua consequente inclusão no contrato individual de trabalho - no que respeita ao Regulamento de Regalias Sociais - determina que qualquer alteração ao mesmo Plano carece do acordo do trabalhador. III - Do teor da cláusula 8ª, n.º 1, resulta que o direito ao recebimento da pensão complementar de reforma, ainda que sujeito a condição suspensiva, não se traduz numa «mera expectativa» (numa esperança), mas sim numa expectativa jurídica, e como tal digna de protecção. IV - Ou seja, o Contrato Constitutivo celebrado em 2004 “garante” o recebimento desse complemento de reforma ao trabalhador que esteja ao serviço e que na qualidade de trabalhador atinja a idade da reforma. Tal garantia abrange não só esse recebimento mas os termos em que o mesmo se processa. V - No caso concreto, não se mostram provados factos no sentido de ser legítimo concluir que a alteração ao Plano de Pensões foi determinado por razões/interesses que devam considerar-se prevalentes às expectativas jurídicas do Autor – pelo que é aplicável o Plano de Pensões celebrado em 2004 e não a alteração ao mesmo.
Texto Integral
Processo n.º524/10.1TTVCT.P1
Relator: M. Fernanda Soares - 974
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa
Dr. Machado da Silva
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I
B… instaurou no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo contra C…, S.A. e D…, S.A., acção emergente de contrato de trabalho pedindo a condenação das Rés no pagamento a) de um complemento mensal, da pensão de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 25.09.2009, no montante de € 903,70, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na Ré; b) da quantia de € 8.359,20, a título de complemento de pensões de reforma por invalidez já vencidas, sem prejuízo das prestações vincendas e as actualizações devidas, em função das alterações anuais das retribuições que vierem a ser acordadas entre os trabalhadores e a 1ªRé, a liquidar posteriormente ou em sede de ampliação do pedido; c) de um quantitativo de valor igual ao complemento mensal da pensão de reforma por invalidez a pagar no mês de Novembro de cada ano; d) dos juros de mora sobre as quantias atrás referidas desde a data do seu vencimento e até integral pagamento.
Alega o Autor, em síntese, que exerceu, desde 11.05.1981, a sua actividade profissional para a 1ªRé e as sociedades que a antecederam; em 25.09.2009 passou à situação de reformado por invalidez. Por força do disposto no AE e no Regulamento das Regalias Sociais que dele decorre, o Autor tem direito a um complemento de reforma que a 1ªRé não tem pago invocando ter procedido a uma alteração do Plano de Pensões em 13.7.2007, alteração que considera aplicável ao demandante. No entanto, a justificação para o não pagamento desse complemento não tem qualquer fundamento na medida em que o complemento de pensão de reforma por invalidez e o seu valor faz parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo. Na verdade, a 1ªRé, através da circular nº. CDC/86 de 27.11.1986 apresentou a todos os trabalhadores um Plano de Segurança Social como alternativa ao seguro de vida grupo até então existente, sendo que pela circular nº. CDC9/86 de 10.12.2986 estabeleceu procedimentos quanto ao modo de adesão ao referido Plano, tendo o Autor aderido expressa e individualmente, em 16.12.1986, a esse Plano de Segurança Social da Empresa. Pela circular nº6/87, emitida em 19.01.1987, e recebida pelo Autor em 22.01.1987, a 1ªRé decidiu aplicar esse novo Plano a todos os trabalhadores que a ele aderiram, incluindo o Autor, pelo que esse direito passou a integrar o seu contrato de trabalho, a partir de 01.01.1987, por acordo individual e expresso celebrado com a 1ªRé. Acresce que nos vários AE a 1ªRé reforçou o direito dos seus trabalhadores ao Plano de Pensões que estabeleceu individualmente nas condições indicadas nos Regulamentos 8/86, 9/86, 6/87 e 8/88.
A 2ªRé veio contestar defendendo a licitude da alteração ao Fundo de Pensões.
A 1ªRé veio contestar invocando a ineptidão da petição inicial e argumentando que a alteração a que se procedeu, no que respeita ao Fundo de Pensões, é legal e que se assim não tivesse acontecido o fundo de pagamento das pensões ficaria insolvente a breve prazo. Conclui, assim, pela improcedência da acção.
O Autor veio responder reafirmando o alegado na petição inicial.
Procedeu-se a julgamento, e após foi proferida sentença a condenar as Rés a reconhecerem o direito do Autor a receber: - um complemento de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 25.09.2009. no montante mensal de € 903,70, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na Ré; - a quantia de € 8.359,20, a título de complementos de pensão de reforma por invalidez, já vencidos, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na Ré; - no mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento; - juros de mora, vencidos e vincendos, relativamente a tais quantias, e até integral pagamento.
A Ré C… veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a acção improcedente. Apresentou as seguintes conclusões: 1. No contexto legal em que ocorreu, na vigência do DL 396/86 de 25.11., a criação de um esquema complementar de Segurança Social sempre se situaria na esfera de relação colectiva de trabalho, fosse por outorga de convenção colectiva, fosse por iniciativa unilateral de empresa, aplicável a mais do que um trabalhador – não sendo, em qualquer hipótese, constituinte de quaisquer direitos ou obrigações integráveis na esfera de relação jurídica laboral com cada um dos trabalhadores afectados por essa convenção ou decisão unilateral.
2. Pretendia o Autor, como resulta da petição inicial, que o direito ao complemento de reforma, nos termos definidos no plano descrito na petição, teria passado a integrar o seu contrato de trabalho em 1987, sendo, as suas expectativas reforçadas em 2004, com a publicação do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões, o que não devia ter merecido acolhimento pelo Tribunal.
3. No entanto, não é admissível, atenta a natureza das prestações em causa na regalia do complemento de reforma, defender-se que esta integra um contrato individual de trabalho – no caso em apreço o do recorrido – não só por tal se revelar, desde logo, estranho ao núcleo essencial do sinalagma de tal contrato, mas, também, por tal constituir a única forma de prescrever a autonomia respectiva de vínculos totalmente distintos e reveladores de fortes assimetrias no seu desenvolvimento.
4. A criação de um mecanismo de segurança social complementar – que deve respeitar as exigências legais interactivas, nomeadamente a criação de um Fundo de Pensões, isto é, de um património autónomo estranho à empresa e afecto a realização de um Plano de Pensões – por via contratual, estará, assim, limitada à convenção colectiva, sendo inadmissível por contratação individual, por manifestamente, não poder, atenta a sua natureza, integrar um contrato de trabalho.
5. Admitir a integração, no contrato individual de trabalho do Autor, de um direito a um concreto Plano de Pensões, como aquele pretende, seria subverter a posição da empresa na contratação desse plano e na contribuição do Fundo de Pensões, facilmente daí decorrendo – como necessariamente teria decorrido – a insolvência desse mesmo património autónomo.
6. A recorrente não promoveu a alteração do Plano de Pensões por qualquer capricho, mas apenas por que tal lhe era exigido para assegurar, como pensa ter feito, a sobrevivência desse património e, desse modo, a satisfação das expectativas, dos trabalhadores, embora estes não sejam, no momento anterior à reforma, juridicamente tuteladas nos termos em que o Autor pretende.
7. Como o próprio recorrido reconheceu – artigo 15º da petição – “o mesmo teria direito a usufruir de todas as regalias sociais concedidas pela recorrente ao pessoal ao seu serviço, de acordo com as regras internas aplicáveis”, tratando-se, assim, de uma posição não individual mas colectiva, a usufruir de acordo com as normas internas aplicáveis, o que claramente exclui qualquer obrigação integrante do «contrato individual de trabalho» de qualquer trabalhador.
8. Inexiste, assim, enquanto direito constituído na esfera do contrato individual de trabalho, o direito ao Plano de Pensões reivindicado pelo Autor, tratando-se, apenas, de um direito em formação, cujo conteúdo, em concreto, só será definido pelos termos em vigor na data em que ocorreu o facto que converteu o direito em formação num verdadeiro direito – a passagem à reforma do recorrido.
9. Aceitando, por hipótese de raciocínio, a alegada incorporação de direitos colectivos desta natureza no âmbito do contrato individual de trabalho, não pode deixar de se entender que esta «transferência», só se verificaria em relação aos trabalhadores filiados num dos sindicatos outorgantes, por força do princípio da filiação, qualidade que o Autor expressamente rejeita, afirmando-se não representado por qualquer daqueles sindicatos, e que o Mmº. Juiz a quo, erradamente, considerou como pressuposto daquela decisão, quando, na verdade, não sendo o Autor susceptível de ser afectado pelos termos de uma convenção colectiva que não lhe podia ser imposta.
10. Não podia, assim, transmitir-se para o seu contrato de trabalho qualquer regalia resultante da referida convenção, e, assim sendo, não poderia o Autor ver, à data da sua reforma, reconhecido qualquer direito que, pura e simplesmente, não existia no seu contrato individual de trabalho.
11. Do mesmo modo, não se poderá suportar a procedência do pedido do Autor num alegado regulamento, porquanto não reveste a natureza de regulamento da empresa, pretendendo, assim, estar-se perante um acto de criação de Planos de Pensões privados como manifestação do poder regulamentar patronal.
12. Ao contrário do que parece sustentar a decisão do Tribunal a quo, o Regulamento de Regalias Sociais não constitui – por patente falta de características – um regulamento interno da empresa, que sempre seria elaborado em matéria de organização e disciplina no trabalho e que, depois de publicitado – e aceites nos seus termos por ambas as partes na relação laboral (o que pode não suceder, nos termos legais), constituí uma verdadeira fonte de obrigações.
13. Bem pelo contrário, o Regulamento em causa constitui um mero anexo ao Contrato Constitutivo do Plano de Pensões, contrato esse que tem um regime legal próprio (ao tempo em que foi elaborado, o DL 12/2006 de 20.01), não se confundindo com o regime de contratação colectiva.
14. Assim, as alterações ao referido contrato regem-se quanto à sua admissibilidade, termos, condições e demais aspectos conexos, pelo disposto no DL 12/206 de 20.01.
15. É precisamente pelo facto de este plano de pensões não resultar, quanto aos seus termos, da negociação colectiva, que a legitimidade para promover quaisquer alterações ao seu conteúdo pertence aos outorgantes desse Fundo, no caso concreto as empresas associadas e as entidades financeiras intervenientes, nem das Ordens de Serviço referidas na decisão recorrida surgira, em algum momento, para os trabalhadores da recorrente, quaisquer direitos que viessem a integrar a relação individual de trabalho.
16. Na verdade, as cláusulas de uma convenção colectiva, seja ela um contrato colectivo, um acordo colectivo ou um acordo de empresa, não integram o conteúdo dos contratos individuais de trabalho, mantendo-se num outro plano normativo.
17. E dúvidas não podem subsistir quanto ao facto de se estar perante um direito – ou aparência dele – de génese colectiva e, em momento algum, de natureza individual.
18. As Ordens de Serviço nº6/87 e nº8/88, por si mesmas – e apesar de «aceites» pelos trabalhadores – não poderiam dar origem a um esquema previdencial válido, nem constituíam título jurídico bastante para a exigência à empresa dos complementos em causa, o mesmo se devendo dizer quanto às previsões das convenções colectivas que acolheram esses esquemas de benefícios.
19. Não se afigura, assim como se possa defender, como subjaz à decisão recorrida, que se estava perante uma situação regulamentar, em sentido técnico jurídico, da qual emergiam direitos para os trabalhadores, no âmbito do seu contrato individual de trabalho e que, assim, se converteriam em direitos adquiridos por cada trabalhador da recorrente, ainda que cada trabalhador não passasse de um mero destinatário, passivo, porque sem qualquer intervenção ou interferência no acto que o afecta tão seriamente (neste caso, positivamente) ou no seu conteúdo.
20. Pressupõe, ainda, a decisão recorrida, que esse regulamento sempre configuraria uma proposta negocial que, uma vez publicitada, sem contestação, junto dos trabalhadores, se converteria num direito dos seus destinatários, sendo assim, vedado à empresa o direito de alterar o seu conteúdo.
21. Tal entendimento do Tribunal a quo carece de suporte na matéria assente, contradizendo mesmo os pressupostos de que parte uma vez que, como é reconhecido na decisão recorrida e consta dos documentos juntos aos autos, a empresa se reservou o direito de conformar de modo não convencionado o teor do Plano de Pensões.
22. Vinculando o contrato constitutivo apenas a recorrente e as entidades subscritoras do mesmo – que não são integradas pelos representantes dos trabalhadores – necessário se torna concluir que nenhuma convenção existiu entre a recorrente e os sindicatos representativos dos seus trabalhadores que permita considerar que as condições do complemento de reforma foram acordadas com os trabalhadores ou com os seus representantes, que à empresa tenham sido impostos os termos dessa fórmula de cálculo, ou que, igualmente, e por maioria de razão, à empresa tenham sido impostos limites – que não os plasmados no Contrato Constitutivo e os formais, decorrentes do nº2 de cálculo 87º do AE – para promover qualquer alteração ao contrato Constitutivo.
23. Não é assim admissível defender a necessidade de concordância dos trabalhadores para que fossem alteradas determinadas condições de cálculo de pensão de reforma, quando essas mesmas condições haviam sido estabelecidas sem que os trabalhadores ou seus representantes fossem ouvidos.
24. A evidente diferença entre o texto da clª.87ª do AE de 2002 e o da clª.90ª do anterior AE demonstra inequivocamente que as partes outorgantes daquele AE eliminaram o carácter contratual das condições do Regulamento do complementos de reforma expressamente deixando de o considerar parte integrante do Acordo como previa o anterior AE.
25. A convenção constante da clª.87ª do AE de 2002 não cria qualquer direito de o trabalhador reclamar uma concreta pensão complementar à sua reforma, não lhe conferindo sequer uma expectativa quanto ao seu montante.
26. Não assistindo aos sindicatos – por exclusão expressa desse direito em sede de negociação colectiva – a prerrogativa de negociar os termos do cálculo dos complementos de reforma, não assistirá a qualquer trabalhador o direito de negociar tais condições concretas de cálculo da sua pensão, não sendo, assim, susceptível de integrar o quadro dos direitos do trabalhador, individualmente considerado.
27. A noção de direitos adquiridos a ter em consideração na análise da questão não pode deixar de ser a que resulta do contrato Constitutivo e da lei aplicável – o artigo 9º do DL 12/2006.
28. Necessário se torna concluir, do texto do artigo 4º do Anexo I ao Contrato Constitutivo do «Regulamento de regalias socais», e do que à aquisição do direito respeita, que no âmbito do Plano de Pensões constante do Anexo I do Título Constitutivo de 31.12.2004, o direito ao complemento de pensão de reforma, para a generalidade dos trabalhadores, se adquire com a passagem à reforma, não havendo, assim, antes dessa reforma, qualquer direito adquirido.
29. Dúvidas não podem restar de que os termos da atribuição de um Plano de Pensões resultam, na relação da recorrente com os seus trabalhadores, do que vem plasmado no AE, e da liberdade de conformação dos termos desse plano que à empresa é conferido por aquele Instrumento de Regulamentação Colectiva.
30. E também não será admissível a consideração do uso como fonte de direito por manifestamente existir fonte convencional – o AE – que contraria a conclusão que, do uso, se pretenderia extrair, sendo certo que tal fonte de direito, constituída pelo «uso» só será admissível se não colidir com IRC aplicável, o que manifestamente sucede.
31. Do mesmo modo a construção da decisão recorrida, suportada na teoria “da incorporação de direitos das convenções colectivas nos contratos de trabalho», não encontra o menor suporte, não só porque tal «direito» não fora, ao tempo da alteração, adquirido pelo Autor, sendo desse modo um «não direito» ou um «direito inexistente», mas também porque tal matéria não integrava o «direito colectivo» não sendo, assim, preenchido um requisito necessário a essa «incorporação» que é o de se transferir para a esfera individual do trabalhador um direito resultante de uma convenção colectiva que lhe seja aplicável.
32. Deste modo, não poderá deixar de se concluir pela aplicação ao Autor, do Plano de Pensões resultantes das alterações introduzidas em 2007 e não, como erradamente fez o Mmº. Juiz a quo, o plano de pensões constante do Anexo ao contrato constitutivo de 31.12.2004, revogado por aquela alteração.
33. Ainda que se entendesse necessária a concordância do Autor para que as alterações promovidas o afectassem, sempre se salientará que, mesmo nessa hipótese, deverá ser tida em conta a circunstância alegada pela recorrente e dada como provada no nº11 da sentença.
34. Resulta desta situação que o Fundo de Pensões, a não sofrer alteração, se tornaria insolvente, com a consequente incapacidade de assegurar as prestações para cuja satisfação, como património autónomo, fora criado.
35. Esta questão da inevitável insolvência do Fundo de Pensões a não haver modificação dos seus termos, foi dada a conhecer pela recorrente aos seus trabalhadores antes de ter promovido a alteração, concretamente em Dezembro de 2006, tendo constituído a motivação expressa do pedido de alteração formulado ao ISP com vista à alteração do Plano de Pensões, que viria a ser aprovado pelo ISP.
36. Tal circunstância, como resulta dos autos, verificou-se, tendo a recorrente sustentado a necessidade de alteração na perspectiva de insolvência do Fundo, tornando-se, assim, lícita a sua actuação, ainda que pusesse em causa direitos do Autor, pois sempre estaria suportada na ocorrência de alteração superveniente que determinara de modo inexorável tal actuação.
37. Foi assim, licitamente promovida pela recorrente a alteração do Plano de Pensões, sendo esta atitude sempre suportável nos termos da previsão do artigo 437º do C. Civil que, a título subsidiário se invoca para a hipótese de se considerar a recorrente inibida, no que ao recorrido respeita, de promover, sem a sua concordância, as alterações que promoveu.
38. A sentença recorrida fez errada interpretação da clª87ª do AE e do artigo 12º do DL 12/2006 de 20.01, e dos artigos 387º alínea c) e 392º nº1, ambos do C. do Trabalho de 2003, e do artigo 437º do C. Civil.
Com as alegações foi junto um parecer subscrito pelos Professores Bernardo Lobo Xavier e Nunes de Carvalho.
O Autor veio contra alegar pugnando pela improcedência do recurso, concluindo do seguinte modo: 1. Do contrato celebrado entre o Autor e a Ré/recorrente ficou consignado que com a sua admissão, aquele teria direito a usufruir de todas as regalias sociais concedidas pela entidade empregadora, de acordo com as regras internas, nomeadamente seguro de vida. 2. Depois a Ré propôs ao Autor e demais trabalhadores da empresa a substituição do seguro de vida por um outro que lhe garantia um complemento de reforma, nomeadamente em caso de invalidez permanente declarada pela Segurança Social – Circular nº CDC 8/86. 3. O Autor aderiu expressamente a esse Plano de Segurança Social em 16.12.1986. 4. Assim, ficou definido, com a adesão do Autor a este plano de benefícios sociais proposto pela empresa, Circular CDC 9/86 de 10.12, que ele passou a beneficiar desta regalia a partir de 1.1.1987. 5. Pelo que, a partir desta data, o autor aceitou substituir o seguro de vida que integrava o seu contrato de trabalho por este benefício, pelo usufruto de um complemento de reforma em caso de morte ou invalidez permanente. 6. A partir do dia da reforma do Autor verificou-se a produção dos efeitos jurídicos resultantes da sua adesão ao Plano de Benefícios Sociais da Empresa, nos termos do artigo 270º do C. Civil. 7. E aceite pelo Autor, por acordo expresso e individual, esse Plano implementado em 16.12.1987, o contrato ficou perfeito ou consumado e só poderia ser alterado por acordo de ambas as partes e tem pontualmente de ser cumprido – artigos 224º e 406º do C. Civil. 8. O Autor não pode ser excluído do referido benefício com o argumento de que não se encontra sindicalizado tanto mais que o AE publicado no BTE, 1ªsérie, nº1 de 8.2.2002, é aplicável a todos os trabalhadores da empresa, sejam ou não sindicalizados, conforme alteração consagrada no nº2 da clª1ª publicada no BTE nº24, 1ªsérie, de 29.06.2007. 9.Do contrato individual de trabalho consta que é aplicável o acordo colectivo vertical da C… e demais legislação complementar. 10. E o novo acordo complementar do Fundo de Pensões celebrado em 13.07.2007, só seria aplicável ao Autor acaso ele aceitasse expressa e individualmente tal alteração. 11. A modificação ou resolução do acordado entre as partes só seria possível se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tivessem sofrido uma alteração anormal e em que as exigências das obrigações assumidas por uma das partes afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberto pelos riscos do próprio contrato – artigo 437º do C. Civil. 12. No caso, as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar não sofreram alteração anormal. 13. Por outro lado, o cumprimento pela Ré desta obrigação é imposto pelo princípio da boa-fé.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da não procedência do recurso.
A 1ªRé veio responder no sentido da sua discordância.
Admitido o recurso e corridos os vistos os autos foram inscritos para julgamento. O julgamento foi adiado por falta de vencimento do relator. Cumpre decidir.
* * * II
Matéria dada como provada pelo Tribunal a quo e a ter em conta no recurso.
1. O Autor foi admitido, em 11 de Maio de 1981, ao serviço da C1…, E.P., nas instalações fabris …, Viana do Castelo, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer a actividade de preparador de estudos, ficando o Autor a ter direito de usufruir de todas as regalias sociais concedidas pela entidade empregadora ao pessoal ao seu serviço, de acordo com as regras internas aplicáveis, nomeadamente seguro de vida.
2. Em Dezembro de 1990, essa empresa foi transformada em sociedade anónima, com a denominação de “C2…, S.A.”.
3. Na sequência do desmembramento desta sociedade anónima, em Junho de 1993, o Autor passou a desempenhar a sua actividade para a Ré.
4. O Autor auferia ultimamente a retribuição mensal ilíquida de € 3.330,04.
5. Em 25.09.2009, a Segurança Social concedeu ao Autor a reforma por invalidez.
6. Em 16.12.1986, o Autor aderiu a um Plano de Segurança Social da Empresa, com o conteúdo que resulta do documento de folhas 34 a 43, plano esse proposto pela Ré em substituição do seguro de vida.
7. Em 2002, a Ré e as associações sindicais representativas dos trabalhadores, subscreveram um Acordo de Empresa (BTE 1ªsérie, nº1, de 8.1.2002).
8. Na sequência do que constava do artigo 87º nº1 al. c) desse AE, a Ré subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de Pensões E… com F…, S.A. (DR, 3ªsérie, de 31.12.2004).
9. Em 13.07.2007, a Ré subscreveu juntamente com E… e D… (entidade que geria o Fundo de Pensões desde 01.10.2006), uma alteração ao referido contrato constitutivo com efeitos reportados a 01.01.2007 – documento de fls.118 a 125.
10. O Autor nunca deu o seu acordo à alteração referida em 9.
11. Na projecção do nível de financiamento da responsabilidade do Fundo para os anos de 2006 a 2010, 2010 a 2015 e 2015 a 2020 (considerados os valores apresentados pela F…, anterior entidade gestora do Fundo), detectava-se um acumular do deficit de € 3.169 milhões, em 31.12.2005, uma vez que era de € 24.421 milhões o valor do Fundo de Pensões e de € 27.590 das responsabilidades; tais valores eram, respectivamente, de € 28.334 e € 40.775 milhões em 31.12.2010, de € 33.118 e € 60.741 milhões em 31.12.215, e finalmente de € 39.021 e € 90.671 milhões em 31.12.2020, reduzindo o nível de financiamento de 85,50% para 43,0%.
A matéria constante do número 7 é apenas e tão só uma conclusão, pelo que ao abrigo do artigo 646º nº4 do C. P. Civil se declara a mesma não escrita.
Por interessar à decisão do recurso adita-se à matéria de facto o seguinte: 12. Do contrato de trabalho escrito junto aos autos, celebrado entre o Autor e a 1ªRé, constam, entre outras, as seguintes cláusulas: clª8ª “O segundo outorgante terá direito a usufruir de todas as regalias sociais concedidas pela primeira outorgante ao pessoal ao seu serviço, de acordo com as regras internas aplicáveis”; clª9ª “Tudo aquilo em que o presente contrato for omisso será regido pelas disposições legais, regulamentares e convencionais aplicáveis, nomeadamente o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo DL 49408 de 24 de Novembro de 1969, o Acordo Colectivo de Trabalho Vertical da C… e demais legislação complementar”.
* * * III
Questão a apreciar. Da aplicabilidade ao Autor da alteração ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões.
Diz-se na sentença recorrida o seguinte: (…) “esta Ré e as associações sindicais representativas dos trabalhadores, na qual se encontrava filiado o Autor, subscreveram um Acordo de Empresa (que se encontra publicado no BTE 1ª, nº1 de 8.1.02), na qual se consagrava a obrigação da Ré de instituir um complemento de reforma. É na sequência do que constava do art.87ºnº1 c) desse AE, que a Ré vem a subscrever o contrato constitutivo do Fundo de Pensões E… com F…, S.A (DR 3ªsérie, 31.12.2004). A fórmula de cálculo do complemento de reforma passou igualmente a constar do Regulamento Interno de Regalias Sociais. A partir deste momento, o direito ao complemento de reforma assim constituído passou a ser um direito efectivo dos trabalhadores, embora sujeito à condição suspensiva de verificação de um facto futuro. Passou a fazer parte da relação de trabalho, do contrato individual de trabalho – era uma das condicionantes que o trabalhador tinha em consideração quando se decidia pela manutenção ou não daquela relação laboral; tinha a legítima expectativa de que essa contrapartida da sua prestação laboral se iria efectivar no futuro. Por isso, a alteração do sistema de complemento de reforma só poderia ser realizado com o acordo expresso dos trabalhadores abrangidos por essa alteração” (…).
A apelante discorda afirmando que o direito ao «concreto» complemento de reforma não integra o contrato de trabalho do Autor; que a alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões não está subordinado à concordância dos trabalhadores abrangidos; que o Regulamento de Regalias Sociais – constante do Anexo I do Contrato Constitutivo do Plano de Pensões – não é um Regulamento Interno da Empresa; que não se está perante qualquer «uso» da empresa gerador de direitos para os trabalhadores. Finalmente refere que ao caso é aplicável o disposto no artigo 437º do C. Civil. Que dizer? [vamos seguir de perto a posição assumida pela agora relatora e 1ºadjunto nos processos nºs.118/08.1TTVCT.P1, 316/09.0TTVCT.P1 e 347/08TTVCT.P1.]
Desde já cumpre dizer que na sentença recorrida se afirma que o Autor está filiado nas associações sindicais subscritoras do AE publicado no BTE nº1, 1ªsérie, de 08.01.2002, quando não consta da matéria de facto dada como provada que assim seja. De qualquer modo, e tendo em conta o teor da clª9ª do contrato de trabalho do Autor [e aditada à matéria de facto dada como provada] ter-se-á de concluir que as partes – Autor e 1ªRé – acordaram que às relações laborais estabelecidas entre ambos se aplicava o AE em vigor na empresa.
Posto isto podemos agora avançar. A. Se o Regulamento de Regalias Sociais não é um Regulamento Interno da Empresa.
Nos termos da cláusula 87ª nº1 do AE publicado no BTE nº1, 1ªsérie, de 08.01.2002, “A empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias: c) complemento de reforma de invalidez; d) complemento de reforma de velhice e sobrevivência” (…).
Na sequência do estipulado na referida cláusula foi criado pela 1ªRé (e outros associados) e as entidades gestoras, o “Fundo de Pensões E… – Contrato Constitutivo”, publicado no DR 3ªsérie, de 31.12.2004.
O Regulamento de Regalias Sociais – mais concretamente as regalias a que aludem as alíneas c) e d) do nº1 da clª.87ª do AE de 2002 – consta do Anexo I do referido Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E….
Determina o artigo 2º desse Regulamento que “o complemento de pensão de reforma, que faz parte integrante do plano de segurança social, desde 1.1.1987, aplica-se, nos precisos termos dos artigos 4º e seguintes, a todos os trabalhadores que tenham ingressado ou venham a ingressar no quadro de pessoal permanente da empresa que adiram, expressa e individualmente, àquele plano”.
Desde logo, e tendo em conta o que se acabou de transcrever, podemos afirmar que a cláusula 87ª nº1 do AE de 2002, ao contrário das demais cláusulas constantes do convenção colectiva (o AE), necessitava de concretização. Tal concretização, a cargo da 1ªRé, veio a acontecer com a celebração do Contrato Constitutivo “Fundo de Pensões E…”, publicado no DR 3ªsérie, de 31.12.2004 a que já fizemos alusão. Ou seja, a 1ªRé, mediante o Regulamento de Regalias Sociais constante do Anexo I do Contrato, deu «corpo» à mesma cláusula 87ª nº1 do AE, nos termos e nas condições que ela bem entendeu.
E «regulamentada» pela 1ªRé tal matéria «apresentou-a» à consideração individual de todos os seus trabalhadores no sentido de só aplicar essas Regalias àqueles que expressamente aderiam a esse Regulamento.
Mas quando afirmámos que a 1ªRé apresentou tal matéria à consideração de todos os seus trabalhadores tal não significa que negociou com eles as condições de atribuição desse complemento de reforma. Pelo contrário, essas condições – constantes do dito Contrato Constitutivo e em especial do Regulamento de Regalias Sociais nele incorporado – não foram sequer negociadas em concreto com os trabalhadores, a significar que neste particular nos encontrámos perante uma proposta contratual do empregador (a recorrente), que, para ser executada e cumprida, necessita da adesão expressa de cada um dos trabalhadores ao serviço daquele. Ou seja, em matéria de Regalias Sociais, o Anexo I do Contrato Constitutivo Fundo de Pensões E…, traduz-se num verdadeiro Regulamento Interno que vigora na empresa Ré (a C…).
É significativo – no sentido de se tratar de um Regulamento Interno – o teor do artigo 2º do referido Regulamento (o Anexo I do Contrato Constitutivo) onde se diz que “O complemento de pensão de reforma, que faz parte integrante do plano de segurança social, desde 1.1.1987” (…). Esta afirmação permite concluir, igualmente, que tal prática na empresa, instituída desde 1987, é reveladora da vontade da atribuição desse complemento de reforma por parte da empregadora/recorrente e deste modo apta a produzir efeitos jurídico/contratuais na esfera dos trabalhadores, integrando, deste modo, os seus contratos de trabalho.
E se o Anexo I do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E… se traduz num Regulamento Interno da recorrente, e não estando em discussão que o Autor aderiu a esse mesmo Plano é-lhe o mesmo aplicável por precisamente integrar o seu contrato de trabalho. [na verdade o que se discute na presente acção é se ao Autor lhe é aplicável o Plano de Pensões resultante da alteração operada em 2007 ou o anterior].
Mesmo que se entenda o contrário, então – e dado que a atribuição do complemento de pensão de reforma é prática reiterada e uniforme, pelo menos desde 1987, por parte da 1ªRé – estamos perante um verdadeiro uso da empresa que foi incorporado no dito Anexo I do Contrato Constitutivo e que deste modo passou igualmente a integrar os contratos individuais de trabalho (artigo 12º nº2 da LCT e artigo 1º do C. do Trabalho de 2003, este último vigente na data da celebração do Contrato Constitutivo). Neste sentido é a posição defendida no acórdão do STJ de 5.7.2007 – publicado em www.dgsi.pt (processo 06S2576) – acórdão que mereceu o seguinte comentário, por parte do Professor Júlio Vieira Gomes e que passamos a transcrever: (…) “o uso não tem na sua base qualquer proposta negocial do empregador, encontrando-se, antes, o fundamento para a vinculação deste na confiança gerada por uma conduta reiterada que acaba por valer como regra e da qual resultam para os trabalhadores pretensões individuais que se inserem nos respectivos contratos de trabalho” – Novos Estudos de Direito do Trabalho, página 42.
Em suma: o Anexo I do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E…, quer se traduza num Regulamento Interno na Empresa quer se traduza na incorporação de um uso da empresa, acabou, sempre, por tais razões, por se integrar nos contratos individuais dos trabalhadores (desde que verificados certos pressupostos: a adesão do trabalhador a esse Plano e a permanência do mesmo ao serviço da empresa na data em que se reforma) e como tal é aplicável ao Autor. B. Da inexistência de direitos adquiridos.
Mas o Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões (de 2004) foi alterado em 13.7.2007. Tal alteração será aplicável ao Autor? É o que vamos analisar.
Cumpre referir que não está em causa o direito que a recorrente tem de proceder à alteração do Contrato Constitutivo na medida em que a Lei, mais precisamente o artigo 24º do DL 12/2006 de 20.1 e a cláusula 19ª desse mesmo contrato o permite. A questão é saber se essa alteração se aplica ao Autor, na medida em que já atrás concluímos que esse Plano passou a integrar o contrato de trabalho do trabalhador.
A recorrente diz que em face do disposto no artigo 4º do Anexo ao Contrato Constitutivo do Regulamento de Regalias Sociais e no artigo 9º do DL 12/2006 o direito ao complemento de pensão de reforma só se adquire com a passagem à reforma, não havendo, assim, antes da ocorrência desse facto, qualquer direito adquirido, sendo que “meras expectativas” não foram acolhidas pelo Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões.
Tendo o trabalhador – aqui Autor – aderido ao Plano de Pensões nos termos que já deixámos anteriormente indicado, tudo se passa como se tal Plano fizesse parte do contrato de trabalho do Autor (artigo 95º nº1 do C. do Trabalho de 2003). E como o Regulamento de Regalias Sociais, constante do Anexo I ao Contrato Constitutivo do Plano de Pensões, não contém propriamente normas de organização e disciplina do trabalho a produção dos seus efeitos não está tão pouco sujeita a registo e depósito na Inspecção Geral do Trabalho (artigo 153º nº4 do C. do Trabalho de 2003). E tal Plano faz parte do contrato de trabalho do Autor se igualmente se considerar, como já consideramos atrás, que se está perante uso da empresa com carácter vinculativo para a 1ªRé.
Ora, a adesão do trabalhador ao referido Plano e a sua consequente inclusão no contrato individual de trabalho – no que respeita ao Regulamento de Regalias Sociais – determina que qualquer alteração ao mesmo Plano carece do acordo do trabalhador.
No entanto, a assim não se entender certo é que a igual conclusão se chega como vamos expor seguidamente.
O Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões E…, na sua clª. 8ª, nº1, sob a epígrafe «expectativas», determina o seguinte: “Os participantes do plano de pensões E… que cessem o vínculo laboral com um dos associados por motivos que não sejam a reforma ou o falecimento ficam automaticamente excluídos do Fundo de Pensões, revertendo para este a medida do benefício que lhe caberia se aquele vínculo se mantivesse até à ocorrência de um facto gerador do direito às pensões”.
Do teor desta cláusula resulta que o direito ao recebimento da pensão complementar de reforma, ainda que sujeito a condição suspensiva, não se traduz numa «mera expectativa» (numa esperança), mas sim numa expectativa jurídica, e como tal digna de protecção. Ou seja, o Contrato Constitutivo celebrado em 2004 «garante» o recebimento desse complemento de reforma ao trabalhador que esteja ao serviço da 1ªRé e que na qualidade de trabalhador atinja a idade de reforma. Tal «garantia» abrange não só esse recebimento mas os termos em que o mesmo se processa. E tal conclusão impõe-se, em homenagem ao princípio da boa fé que deve presidir na realização dos negócios jurídicos, em especial do contrato de trabalho (artigo 762º do C. Civil e artigo 119º do C. do Trabalho de 2003). Na verdade, não podemos esquecer que o trabalhador nunca está em igualdade de condições quando negoceia com o empregador a sua força de trabalho, mesmo no que respeita, como é o caso, a matérias que se prendem, por via indirecta, com o contrato de trabalho e a sua subsistência até à data da reforma.
Também o DL 12/2006 de 20.1 – que regulamenta a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras – veio proteger as expectativas jurídicas ao determinar no seu artigo 100º nº2 que (…) “o presente decreto-lei aplica-se aos fundos de pensões que venham a constituir-se após a sua entrada em vigor, bem como àqueles que nessa data já se encontrem constituídos, salvo na medida em que da sua aplicação resulte diminuição ou extinção de direitos ou expectativas adquiridas ao abrigo da legislação anterior”.
Por isso, a questão em apreço coloca-se em termos de protecção da expectativa jurídica.
Assim, quando o Autor aderiu a esse Plano de Pensões – celebrado em 2004 – contava razoavelmente de que chegado à idade da reforma iria receber o complemento de reforma nos termos prescritos naquele Plano, para tanto bastando que atingisse a idade da reforma ao serviço da Ré/apelante.
Mas a apelante veio ainda dizer que no caso concreto se verifica o circunstancialismo previsto no artigo 437º, nº1 do C. Civil, e que reza o seguinte: “ Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.
Salvo o devido respeito, a matéria contida no nº11 da factualidade dada como provada é manifestamente insuficiente para se concluir pela verificação do circunstancialismo previsto na citada disposição legal. Na verdade, não se sabe [desconhece-se] qual a razão ou motivo para o “acumular do deficit” a que se alude. Por outras palavras: desconhece-se o que é que ocorreu, ou quais as alterações anormais e imprevisíveis, que conduziram à descrita situação.
Por isso, e no caso concreto, não se mostram provados factos no sentido de ser legítimo concluir que a alteração ao Plano de Pensões foi determinada por razões/interesses que devam considerar-se prevalentes às expectativas jurídicas do Autor.
Deste modo, e pelos fundamentos que se indicaram é aplicável ao Autor o Plano de Pensões celebrado em 2004 e não a alteração ao mesmo (por esta não ter obtido a sua concordância).
Só para finalizar dir-se-á que não se desconhece o teor do acórdão do STJ de 14.09.2011 proferido no processo 791/08.0TTVCT.P1.S1 (em www.dgsi.pt). No entanto, e com o devido respeito, que é muito, considerámos que no referido acórdão não foi analisada a questão aqui abordada [em termos de “uso da empresa”] e que para nós também constitui fundamento para a posição que vimos defendendo.
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Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a sentença recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Porto, 28-11-2011
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
José Carlos Dinis Machado da Silva (vencido conforme declaração que anexo)
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Declaração de vencimento
A questão essencial suscitada no recurso consiste em saber se ao A. é aplicável o plano de pensões previsto no contrato constitutivo do Fundo de Pensões E…, publicado no DR, III Série, de 2004.12.31 ou, antes, o resultante das alterações introduzidas, em 2007-07-13 (com efeitos reportados a 2007-01-01), ao referido contrato constitutivo.
Registe-se que tem havido divergência de entendimentos na jurisprudência desta Relação sobre a questão em apreciação, desenhando-se duas vias de solução, cuja dissonância se reconduz à determinação do momento a partir do qual se pode afirmar, com segurança, a aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma.
As divergências jurisprudenciais tiveram o seu auge de expressividade com a prolação, num curto espaço de tempo, entre outros, do acórdão de 19-05-2010, in www.dgsi.pt, nele se afirmando
II- Tal direito à pensão complementar de reforma constitui-se na esfera jurídica do trabalhador na data em que é considerado em situação de invalidez pela Segurança Social, momento esse a partir do qual se deverá considerar, também, que a pensão se encontra em pagamento, e não na data em que a referida situação de invalidez chega ao conhecimento da empregadora.
III- Adquirido que seja, no momento acima referido, o direito à pensão complementar de reforma nos termos previstos no Regulamento de Regalias Sociais mencionado em i, é ao trabalhador inoponível, ao menos contra sua vontade, as alterações ao referido contrato constitutivo, levadas a cabo posteriormente, de que resulta a alteração do plano de pensões (não contributivo de benefício definido para um plano de pensões de contribuição definida) que passa a ter uma estrutura completamente diferente com a supressão do pagamento da pensão complementar mensal.
Distinto entendimento, sempre abordando casos idênticos, o expresso em dois acórdãos de 20.9.2010, ambos disponíveis no mesmo site, afirmando:
«Tendo o trabalhador aderido ao Piano de Pensões da Ré, tudo se passa como se tal Plano fizesse parte do contrato de trabalho do Autor, determinando que qualquer alteração ao mesmo Plano carece do acordo do trabalhador».
Sobre tais casos, o Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se, assim tendo proferido recentemente 3 acórdãos, dois datados de 14.09.2011, sendo um, no proc. n° 475/08.0TTVCT.P1, outro no proc. n° 791/08.0TTVCT.P1, e um terceiro de 26.10.2009, no proc. n° 255/08.2TTVCT.P1, todos disponíveis, in www.dgsi.pt.
Deles se retira que, de forma unânime, o STJ sufragou o entendimento de que a aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma apenas acontece quando, além do mais, o trabalhador passe à situação de invalidez pela Segurança -Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data.
Particularmente impressivo é o seguinte excerto retirado do 2° dos citados arestos:
«Conferido o texto do negociado clausulado (ponto de partida de qualquer operação hermenêutica), o que dele resulta inequivocamente é que a empresa/R. assumiu garantir aos seus trabalhadores as várias regalias elencadas (v.g. o complemento de reforma por invalidez).
Em que termos2 ‘Nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar’.
Nada ficou pré-definido relativamente a montantes, regras de cálculo, intervenção dos trabalhadores, modo de negociação, etc.
E — conforme previsto no n.°2 da mesma cláusula 87.ª — em caso de alteração nas regalias estabelecidas até então, apenas de estabeleceu que deveria ser solicitado parecer (cujo carácter, alcance ou efeito não foi definido) aos representantes dos trabalhadores.
Donde se retira que, ressalvados os direitos adquiridos pelos trabalhadores ao abrigo de instrumentos anteriormente vigentes e reguladores destas matérias, conforme n.° 3 da cláusula — e nisso acompanhamos o entendimento sustentado pela recorrida —, se afastou o carácter contratual das condições reportadas no Regulamento próprio, que expressamente deixou de ser considerado parte integrante do Acordo de Empresa.
Apresenta-se-nos, pois, clara a ideia de que, ante o novo clausulado, a R. outorgante ficou não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as condições respectivas, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, (...neles se integrando, a partir de então, logicamente, o ‘regulamento de regalias sociais’ existente — instrumento este diverso do regulamento interno da empresa, em sentido próprio, normalmente vocacionado para outros fins, v.g. organizacionais e de disciplina no trabalho, como é sabido, e resulta do constante no ad. 153.°/1 do Código do Trabalho/2003, mas também com a de promover eventuais alterações.
E daí que — também em nosso juízo — tenha ficado para trás a sua natureza contratual e, excluída, por isso, a reclamada intervenção, directa ou mediata, do trabalhador beneficiário na implementada alteração, como condição da sua validade.
Se por esta via fica afastada — como se deixou explicitado — a inoponibilidade das alterações ao Plano, não é a formulação genérica da garantia da regalia em causa que confere ao trabalhador um direito efectivo apenas sujeito a condição suspensiva de verificação de um facto futuro».
Reexaminando, pois, a questão, à luz quer destes arestos quer da doutrina, exemplarmente exposta no douto parecer junto aos autos, a fls. 336- 428, subscrito pelos Ex.mos Professores Bernardo Lobo Xavier e Nunes de Carvalho, e revendo anterior posição, entendo que a solução mais razoável do problema em apreço está com os citados arestos do STJ, na linha dos princípios reflectidos.
Concluindo:
No caso, quando ocorreu o facto/contingência determinante da aquisição do reclamado direito, — a passagem do A. à situação de invalidez, pela Segurança Social, a 25.09.2009 —, já vigoravam as alterações ao referido contrato constitutivo, as aplicáveis no caso.
Assim, concederia provimento ao recurso, absolvendo a recorrente dos pedidos.