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SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS
Sumário
1.A cláusula de exclusão, aposta em contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil, -contrato de adesão – atinente aos riscos de laboração de uma máquina, segundo a qual a cobertura convencionada não abrange a responsabilidade por prejuízos resultantes de acidentes de trabalho, deve ser interpretada –em conformidade com os cânones interpretativos fixados nos artigos 236º a238º do CC e nos artigos 10º, 11º e 15º do DL nº446/85,de 25 de Outubro – no sentido de apenas excluir da cobertura do seguro as situações em que o fundamento da indemnização devida pela seguradora adviesse de acidente laboral, sofrido por algum trabalhador ao serviço da empresa segurada.
2.Tal cláusula não exclui, porém, a cobertura de indemnizações devidas a terceiros lesados em consequência da deficiente laboração da máquina, objecto do seguro, apenas pelo facto, totalmente aleatório, de existir uma relação laboral «externa» entre o lesado e a sua própria entidade patronal, desprovida de qualquer conexão com a actividade empresarial do tomador do seguro.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.
1. I... B... – Companhia de Seguros SA intentou acção declarativa de condenação ,com processo na forma ordinária, no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, contra A... M... Lda e E...- I...A... –Companhia de Seguros SA, entretanto incorporada por fusão na Companhia de Seguros T... SA, que, como tal, lhe sucedeu na posição de ré, pedindo ,em via subrogatória, a condenação das rés a pagarem-lhe as quantias que dispendeu com o ressarcimento dos danos sofridos por AA, enquanto sinistrado de um acidente laboral, causado por uma empilhadora manobrada por um trabalhador ao serviço da primeira ré, estando a responsabilidade pelos danos decorrentes da respectiva utilização transferida para a segunda ré,através do contrato de seguro facultativo, titulado pela apólice junta aos autos,a fls. 61 e segs.
Após contestação e ampliação do pedido inicialmente formulado, foi proferida sentença em primeira instância, absolvendo a 2ª ré e condenando a 1ª ré a pagar à A. a quantia de 48.729,08 euro.
Inconformados com a sentença, dela apelaram a primeira ré e a autora, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado improcedente o recurso interposto pela A. I... B... e procedente a apelação da ré A... M... Lda,absolvendo esta do pedido, e condenando a T... a pagar à I... B... a quantia pedida, acrescida dos juros moratórios devidos.
2. È deste acórdão que vem interposto o presente recurso de revista,cujo objecto é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente Companhia de Seguros T...,que se transcrevem:
I - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão dos autos e é o apresentado na firme convicção de que a matéria de facto apurada nestes autos impunham ao Tribunal a quo a adopção de uma decisão diferente da seguida, designadamente, a absolvição da Ré, ora Recorrente;
II - Na verdade, conforme resulta da matéria de facto dada como assente, no dia 8 de Fevereiro de 2001, quando pelas 18h e 45m, nas instalações da R. "A... M... Lda.", ocorreu um acidente entre um empilhador da marca "Hyster H 3.00 XL", conduzido e manobrado com o conhecimento e sob as ordens daquela R., sua proprietária, e o trabalhador AA;
III - Resultou ainda provado e com interesse para o presente recurso que, por contrato de seguro do ramo "acidentes do trabalho" celebrado entre a autora e "T... R... de M... A..., Lda.", titulado pela apólice n° ..., esta transferiu para aquela a responsabilidade pelos danos sofridos pelos seus trabalhadores decorrentes de acidente de trabalho, figurando em tal contrato como trabalhador AA;
IV - Por último, a co-Ré e ora Recorrida "A... M..., Lda." transferiu para a ora Recorrente a responsabilidade civil pelos prejuízos corporais ou materiais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acontecimento acidental provocado pelo empilhador supra referido.
V - Ora, nos termos do disposto no artigo 6º das condições gerais do contrato de seguro celebrado, a cobertura de responsabilidade civil não compreende os prejuízos ou danos resultantes de acidentes de trabalhos e doenças profissionais e de todos os riscos de responsabilidade civil para os quais, em conformidade com a lei, é obrigatório o seguro
VI - facto este que também foi dado como provado.
VII - Acontece que, não obstante, ter resultado claramente provado que o sinistrado AA sofreu um acidente de trabalho,
VIII - facto esse que até é pressuposto do direito de sub-rogação que a aqui Autora se arroga,
IX - entendeu o Tribunal a quo que a acção tendo sido intentada com fundamento na responsabilidade civil extracontratual geral por factos ilícitos
dos diversos responsáveis pelos danos causados e não com base em
responsabilidade por danos causados em acidentes de trabalho,
X - o Tribunal a quo acolheu integralmente a tese sufragada pela ora Recorrida, tendo concluído pela inexistência de qualquer cláusula de exclusão da responsabilidade e, em consequência, pela cobertura dos danos peticionados na garantia do contrato.
XI - Ou seja, entendeu o Tribunal a quo que "(...) o artigo 6.° alínea d) do contrato de seguro em causa nos autos, exclui da cobertura de Responsabilidade Civil do contrato de seguro que as partes celebraram as situações em que o fundamento da indemnização devida pela segurada fosse, em concreto, consequência de um acidente de trabalho sofrido por um dos seus trabalhadores, relativamente ao qual estaria vinculado por um dever de indemnizar ao abrigo do regime legal que regulamenta os acidentes de trabalho."
XII - Ora, com o devido respeito por opinião contrária, não pode a Recorrente conformar-se com a interpretação fixada pelo Tribunal Recorrido;
XIII - Desde logo, se é verdade que o fundamento da acção é a responsabilidade civil extracontratual geral por factos ilícitos, também é verdade que os danos reclamados são advenientes de um acidente de trabalho.
XIV - e, salvo melhor opinião, o que a referida condição geral exclui são os danos resultantes de acidentes de trabalhos e já não os possíveis enquadramentos que esses mesmos danos poderão dar origem, seja, por responsabilidade civil extracontratual geral por factos ilícitos ou por responsabilidade laboral.
XV - ora, considerando o vindo de referir, importará averiguar se o acidente a que os autos se reportam está ou não abrangido pelo contrato de seguro ajuizado, pela verificação e interpretação da cláusula de exclusão plasmada na alínea d) do artigo 6.° das condições gerais - (pretensa eficácia do vínculo).
XVI - O que, no entendimento da ora Recorrente, deverá ter resposta negativa.
XVII - Na verdade, a interpretação de um negócio jurídico deve pautar-se por regras cuja formulação constitui o objecto da hermenêutica jurídica.
XVIII - Assim, na interpretação da cláusulas de um contrato de seguro deve observar-se o disposto nos artigos 236.° e ss. C.C. e no tocante às cláusulas gerais e especiais, o disposto no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro.
XIX - Para a interpretação das declarações negociais constantes das cláusulas contratuais do contrato de seguro aqui em crise, mormente a da alínea d) do artigo 6.° há, antes de mais, que recorrer ao regime interpretativo resultante das regras previstas pelo artigo 236.° e ss. C.C..
XX - Deste modo, nos termos do citado artigo, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal - medianamente instruído, diligente e sagaz - colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, consideradas todas as circunstâncias atendíveis do caso concreto - teoria da impressão do destinatário.
XXI - Por sua vez, o artigo 238° do mesmo diploma estipula que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
XXII - Assim, face a todas as considerações em presença, surge indubitável a conclusão de que a referida cláusula interpretada no sentido pretendido pelo Tribunal Recorrido não encerra a necessária ponderação dos critérios de interpretação.
XXIII - Com efeito, conforme supra referido, a circunstância de o direito pretendido exercer pela Autora ter por fundamento a responsabilidade civil extracontratual e não a laboral em nada prejudica a qualificação da ocorrência como acidente de trabalho e a invocação da referida caracterização para os efeitos do presente contrato.
XIV - Aliás, a definição legal de "acidente de trabalho" é de ordem objectiva e não de cariz subjectivo - cfr. artigo 6.° da Lei n.° 100/97 de 13 de Setembro.
XXV - Por conseguinte, dúvidas não restam quanto à qualificação do sinistro em causa como acidente de trabalho.
XXVI - Ora, a alínea d) do artigo 6.° das condições gerais do contrato de seguro refere expressamente que "(...)esta cobertura de Responsabilidade Civil não compreende, em caso algum, a responsabilidade por prejuízos ou danos: (...)
d) Resultantes de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais e de todos os riscos de Responsabilidade Civil para os quais, em conformidade com a lei, é obrigatório o seguro;(...)".
XXVII - Ora, a análise da cláusula de exclusão da responsabilidade vinda de citar, como bem ajuizou a Primeira Instância, "tem de ser tida na economia geral do contrato, e de forma integrada com o que se extrai do clausulado noutras passagens do mesmo".
XXVIII - Sendo certo que tal interpretação concretiza aquele que é um princípio geral da interpretação das cláusulas contratuais gerais - o da conjugação das regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos com a consideração do contexto do contrato singular em que se incluem - cfr. artigo 10.º do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro.
XXIX - Ou seja, da leitura integraL e_integrada do contrato de seguro em causa resulta claro que não foi intenção das partes contratantes nele contemplar qualquer cobertura relativamente a acidentes que na sua génese configurassem acidentes de trabalho.
XXX - Desta forma, um declaratário normal, isto é, razoável e normalmente esclarecido, zeloso e sagaz, colocado na posição concreta do real declaratário, não poderia atribuir ao contrato um sentido tão amplo como o preconizado pelo Acórdão ora em crise, de modo a abranger o sinistro ocorrido.
XXXI - Tanto mais que as expressões utilizadas e o texto das condições gerais são unívocos e não dão aso a qualquer ambiguidade.
XXXII - Acresce ainda que a interpretação da cláusula de exclusão da responsabilidade contida nesta alínea d) do artigo 6.°, a ser interpretada no sentido pretendido e sufragado pelo Tribunal a quo, tornaria redundante, por inútil, o prescrito nas demais cláusulas do contrato em crise, nomeadamente o clausulado no artigo 5.° das mesmas "Condições Gerais".
XXXIII - Mais se refira que, no contrato de seguro em apreço, pela sua própria natureza, designação e epígrafes - "Apólice de Seguro de Máquinas Cascos" - está patente, definido e clarificado o seu objecto e âmbito de cobertura contratado.
XXXIV - A merecer provimento a tese apresentada pelo Tribunal a quo, o contrato de seguro em apreço veria ampliado de tal forma o seu âmbito e objecto - logo as coberturas garantidas -, o que tornaria inaceitável que tal ampliação não se repercutisse directamente no prémio de seguro cobrado.
XXXV - Carece, pois, de total fundamento a posição no sentido de que a ocorrência verificada possui enquadramento nas coberturas de responsabilidade civil previstas pela apólice.
XXXVI - Na verdade, pretendendo as partes excluir da cobertura do seguro toda e qualquer indemnização emergente de acidente de trabalho, ainda que sofridos por trabalhadores de terceiro, mas por facto imputável à segurada, o evento participado, pese embora os argumentos aduzidos em contrário, não tem enquadramento nas coberturas garantidas no contrato titulado pela apólice.
XXXVII - Em face do exposto, o douto acórdão recorrido interpretou erradamente a alínea d) do artigo 6.° das Condições Gerais da apólice que titula o contrato de seguro em apreço e violou as normas de interpretação das declarações negociais constantes dos artigos 236.° e ss. do Código Civil, bem como os princípios gerais de interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais consagradas no Decreto-Lei n.° 446/85. de 25 de Outubro.
Não foram apresentadas contra alegações.
3. Encontra-se definitivamente fixada a seguinte matéria de facto:
:
1 — No dia 8 de Fevereiro de 2001, pelas 18 h e 45m, nas instalações da R. "A... M... Lda.", ocorreu um acidente com intervenção de um empilhador da marca "Hyster H 3.00 XL", conduzido e manobrado com o conhecimento e sob as ordens daquela R., sua proprietária, e o trabalhador AA; [A) dos factos assentes]
2 — No dia e hora referidos no número anterior o AA encontrava-se de pé sobre o terreno, a cerca de 4,5 metros da cabine do veículo de matrícula ...-...-... que havia conduzido àquelas instalações efectuando um transporte de garrafas de gás por ordem da sua entidade patronal "T... R... de M... A..., Lda." e no âmbito da sua função de motorista de pesados, estando a acompanhar a operação de descarga da mercadoria que para ali tinha transportado; [respostas aos quesitos Io, 2o, 2°-A, 23° e 24°];
3 - A operação de descarga estava a ser efectuada por um funcionário da R. "A... M..., Lda.", destinatária da mercadoria, utilizando para tanto o empilhador referido sob o número 1; [resposta ao quesito 3º];
4- O manobrador do empilhador, durante a operação de descarga, embateu com tal empilhador - designadamente com o "cassier" de metal que sustenta as garrafas de gás e que estava a ser nele transportado e que se soltou dos garfos - no portão que ali existia, provocando a sua queda e fazendo com que este, descrevendo uma trajectória de 90°, viesse a cair sobre o trabalhador AA, que se encontrava junto do mesmo; [respostas aos quesitos 4º, 5º, 6º, 15°, 18° e 19º]
5 _ O AA não teve tempo de se desviar nem de evitar que o portão, com uma altura de 2,90 metros, lhe fosse embater; [respostas aos quesitos 7º e 16º]
6 - A largura da entrada onde se encontrava estacionado o veículo ...-...-..., desde o sítio onde se situa o portão até à entrada da cabine, é de 4,50 metros; [resposta ao quesito 17º]
7 — O portão atingiu o AA na cabeça e no tronco, provocando-lhe traumatismo craneo-encefálico e da coluna; [resposta ao quesito 8º]
8 - Foi conduzido para o Hospital de S. S..., onde lhe foram prestados os primeiros socorros, e no mesmo dia foi transferido para o Hospital da Universidade de Coimbra, onde foi submetido a exames radiográficos, tendo sido detectada a fractura de uma vértebra; [respostas aos quesitos 9º e 10º]
9 _ Foi operado de urgência, permanecendo internado no Serviço de Ortopedia cerca de um mês; [resposta ao quesito 1 1º]
10 — Desde essa data passou a ser seguido nos serviços clínicos da autora, tendo sido submetido a mais duas intervenções cirúrgicas; posteriormente passou a ser assistido em regime ambulatório, para diversos curativos e tratamentos de medicina física e reabilitação; [respostas aos quesitos 12° e 13º]
11 — Em consequência das lesões causadas pelo acidente, a autora pagou a AA a quantia de 29.682,08 euros até à data da propositura da acção; [resposta ao quesito 14º]
12 — Além da quantia referida no número anterior, a autora pagou 3.011,47 euros a título de assistência médica e hospitalar prestada a AA, pagou a este 393,70 euros correspondentes a despesas efectuadas com transportes e pagou ainda a este AA a quantia de 15.641,83 euros a título de pensões e subsídios de férias e Natal devidos desde 1/10/2003 até Maio de 2006; [respostas aos quesitos 25°, 26° e 27º]
13 - Por contrato de seguro do ramo "acidentes de trabalho" celebrado entre a autora e "T... R... de M... A..., Lda.", titulado pela apólice n°...., esta transferiu para a autora a responsabilidade pelos danos sofridos pelos seus trabalhadores decorrentes de acidente de trabalho, figurando em tal contrato como trabalhador AA; [B) dos factos assentes]
14 — Por contrato de seguro titulado pela apólice n°..., a ré "A... M..., Lda." transferiu para a segunda ré a responsabilidade civil pelos prejuízos corporais ou materiais involuntariamente causados a terceiro em consequência de acontecimento acidental provocado pelo empilhador referido sob o número 1; [C) dos factos assentes]
15 — Consta das condições gerais da apólice referida no numero anterior (no seu artigo 6º) que a cobertura de responsabilidade civil não compreende os prejuízos ou danos resultantes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais e de todos os riscos de responsabilidade civil para os quais, em conformidade com a lei, é obrigatório o seguro; [D) dos factos assentes]
16 — Por sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra, constante de fls. 12 a 16, a autora foi condenada a pagar a Aa a quantia de € 25,00 a título de transportes ao tribunal; a quantia de € 840,00 a título de indemnização por ITP de 0,40 no período compreendido entre 5/3/2002 e 1/7/2002 e na pensão anual e vitalícia devida desde 17/7/2002, no montante de € 5.265,52, ao que acresce a quantia de € 2.245,76 a título de subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, a pagar de um só vez; [E) dos factos assentes].
4.A questão de direito a dirimir no presente recurso de revista prende- se com a interpretação da cláusula de exclusão constante do art. 6º ,alínea d),da apólice de seguro de Máquinas Cascos, em que se corporiza o contrato de seguro estabelecido originariamente entre a E... e –como tomador de seguro- a A... M... Lda,abrangendo« os prejuízos decorrentes de lesões materiais ou corporais involuntariamente causados a terceiros em consequência de um acontecimento acidental provocado pelos bens seguros e cuja responsabilidade seja legalmente imputável ao segurado»,mas não estando compreendida,em caso algum, a responsabilidade por prejuízos ou danos «resultantes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais»:deverão incluir-se no âmbito da dita cláusula de exclusão apenas os casos em que o lesado é um trabalhador ao serviço da empresa tomadora do seguro de responsabilidade civil em causa- a qual naturalmente está obrigada a indemnizá-lo ao abrigo do regime legal que regulamenta os acidentes de trabalho- ou também as situações, como a dos autos, em que a relação laboral do lesado apenas ocorre no confronto de terceiro, absolutamente estranho à actividade económica e laboral desenvolvida pela empresa tomadora do seguro facultativo de responsabilidade civil que garante os riscos próprios da laboração da máquina que provocou materialmente as lesões físicas no terceiro?
Na verdade,na situação dos autos é incontroverso que os danos físicos sofridos pelo lesado AA decorreram efectivamente de um acidente laboral por si sofrido quando estava ao serviço da sua entidade patronal- entidade totalmente diversa e sem a menor conexão com a laboração da empresa que tinha a direcção efectiva e a utilização interessada da máquina empilhadora, objecto do seguro, cuja manobra ocasionou o sinistro.
Como dá nota o acórdão recorrido –e é, aliás aceite pela própria recorrente- à interpretação da dita cláusula de exclusão são naturalmente aplicáveis, não apenas as normas constantes dos artigos 236º a 238º do CC, mas também,porque estamos confrontados com um contrato de adesão,as que constam dos artigos 10º e 11º do DL nº446/85.Daqui decorre –para além do reforçado apelo ao princípio da boa fé,a que necessariamente se subordinam as cláusulas contratuais gerais, por força do estipulado no artigo 15º- que as mesmas têm de ser interpretadas dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluem (art.10º) ,tendo as cláusulas ambíguas o sentido que lhes daria o contraente indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real, prevalecendo, na dúvida, o sentido mais favorável a este (art. 11º).
Ora,como parece manifesto, não se conforma minimamente com tais cânones interpretativos a atribuição à dita cláusula de exclusão de um amplíssimo sentido,que eliminaria drasticamente a cobertura dos danos a cargo da seguradora,decorrentes de uma normal responsabilidade civil extracontatual,ligada aos típicos riscos de funcionamento da máquina em causa, objecto do contrato de seguro,apenas em função da existência ou inexistência de uma totalmente aleatória e «externa» relação do terceiro lesado com uma sua entidade patronal, desprovida da menor conexão com a actividade económica do tomador de seguro.
Na verdade, se se compreende que uma apólice de seguro facultativo de responsabilidade civil possa excluir a cobertura dos acrescidos «riscos profissionais»decorrentes de uma actividade produtiva levada a cabo sob a direcção e ao serviço da própria empresa que figura como tomadora de seguro , já se configuraria como totalmente desprovida de racionalidade a solução que pretendesse precludir a cobertura da responsabilidade civil extracontratual, assumida perante o tomador de seguro relativamente aos típicos riscos de laboração de certa máquina, apenas com base na invocação de uma relação «externa »do lesado com terceiro – e que, de forma insólita,levaria a que a cobertura convencionada quanto aos danos funcionasse ou não exclusivamente em função de um elemento totalmente aleatório e completamente estranho aos riscos assumidos: retornando ao caso dos autos,se o lesado se deslocasse em passeio no momento em que foi atingido pela queda do portão ,provocada pelo deficiente controlo da laboração da máquina, objecto do seguro,funcionaria de pleno a cobertura da responsabilidade civil da empresa que outorgou no contrato de seguro;se,porém, tal transeunte se deslocasse no exercício de uma qualquer actividade profissional –ainda que absolutamente estranha e sem a menor conexão com a laboração da empresa que surge na veste de tomador do seguro –já a cobertura dos danos ,associados à responsabilidade civil extracontratual ,deixaria,pura e simplesmente, de funcionar…
O carácter insólito,imprevisível e arbitrário desta interpretação da cláusula contratual em questão obsta naturalmente a que com ela pudesse razoavelmente contar o tomador de seguro,mesmo agindo com a diligência devida –já que ,de boa fé, tenderia a interpretar a referida cláusula de exclusão com o sentido, normal e funcionalmente adequado, de que não estariam cobertos os agravados «riscos profissionais»,inerentes à actividade laboral dos trabalhadores ao seu próprio serviço –e que,aliás, a empresa está obrigada a segurar por força do regime legal vigente em sede de acidentes de trabalho.
E não se diga que o âmbito da dita exclusão, assim determinado, é «redundante» relativamente ao teor da cláusula que exclui da cobertura assumida – não os qualificando como «terceiros»- «os sócios,gerentes,empregados ,assalariados ou mandatários do segurado quando ao seu serviço»(art. 5º, al. B) :na realidade ,a cláusula de exclusão em causa surge, aos olhos do normal destinatário da proposta contratual, como perfeitamente congruente com a delimitação do âmbito da cobertura assumida –sendo a não abrangência dos danos resultantes de acidentes de trabalho consequencial do facto de não serem considerados como «terceiros» os empregados ou assalariados ao serviço da empresa.
No sentido ora propugnado, pode invocar-se o decidido no acórdão,proferido neste Supremo em 4/10/2004 (in CJ,ano XII,tomo III/2004,pags. 39 e segs.) em que ,perante situação análoga à dos autos se entendeu que a cláusula aposta em contrato de seguro de responsabilidade civil, configurável como contrato de adesão, segundo a qual não ficam garantidas as indemnizações devidas nos termos da legislação de trabalho, deve ser interpretada no sentido de que as partes só quiseram excluir da cobertura do seguro as situações em que o fundamento da indemnização devida pela seguradora adviesse de um acidente de trabalho sofrido por um dos seus trabalhadores e não as indemnizações emergentes de acidentes de trabalho sofridos por trabalhadores de terceiro,mas por factos imputáveis à segurada – acentuando que tal resultado interpretativo é o mais consentâneo, não apenas com o texto da cláusula,mas com os princípios da boa fé e a própria intenção negocial das partes.
5. Nos termos expostos , nega-se provimento à revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de Setembro de 2009
Lopes do Rego (Relator)
Ferreira de Sousa
Pires da Rosa