ADVOGADO
HONORÁRIOS
QUOTA-LITIS
QUOTA PALMARIUM
Sumário

I. A proibição da quota-litis é estabelecida no interesse da lisura, probidade, e independência profissional do Advogado, visando evitar que tente ganhar a todo o custo e que use meios eticamente censuráveis, incompatíveis com o seu estatuto de servidor da justiça.

II. Tendo sido contratado entre o Autor, advogado de profissão, e uma empresa de construção civil promotora de um projecto imobiliário, além de uma remuneração mensal fixa – avença – enquanto durasse a construção – e ainda que, com a publicação do plano de urbanização no “Diário da República”, o Autor receberia da Ré um pagamento final de acordo com os objectivos conseguidos com o seu trabalho (success fee), cujo montante seria posteriormente “estabelecido por acordo entre ambos”, não foram os honorários, pelo trabalho prestado, fixados com fundamento na denominada quota-litis.

III. O facto da quantificação desse complemento depender de resultado que as partes teriam de considerar dentro dos objectivos pretendidos, e o montante ser fixado a posteriori - não referido a qualquer percentagem - e ter que ser objecto de consenso, não deve ser considerado quota litis por, em bom rigor, não constituir uma parte variável, aleatória, pré-acordada da remuneração pelo exercício do mandato.

IV. Pese embora se prever uma cláusula que poderia exprimir acordo sobre um complemento de remuneração, o facto de dever ser objecto de consenso e não estar sequer dependente de percentagem em relação aos resultados conseguidos, não pode considerar-se quota palmarium, sendo válida.

V. Assim, a apodada estipulação success fee ou prémio de resultado, no recorte da estipulação concreta, não é inválida.

VI. Para uma justa fixação dos honorários advocatícios, não basta aludir ao conjunto de tarefas que o mandato envolveu, importando, pelo menos, fazer a prova do tempo despendido, das despesas feitas, da complexidade do processo e/ou actividades executadas, do estilo da comarca, do nível dos honorários praticados e da condição económica do mandante para se concluir da sua importância, dificuldade, bem como do esforço dispendido pelo advogado.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, advogado, intentou, em 8.11.2004, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – 13ª Vara – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

I...-Desenvolvimento e Promoção Imobiliária, S.A.

Pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe, € 200.000,00 de honorários pelos serviços que lhe prestou, na qualidade de advogado, quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal, até ao efectivo pagamento, ascendendo os já vencidos a € 2.235,61.

Na sua contestação, a Ré invocou a nulidade do contrato, porque o art. 66° al. c) do Estatuto da Ordem dos Advogados (DL.nº84/84, de 16.03) proíbe o advogado de convencionar que o direito a honorários fique dependente dos resultados da demanda ou negócio.

No mais impugnou os factos, dizendo que entregou ao Autor a contrapartida a que se obrigou, nos termos do contrato para com ele, no montante de € 172.085,31 e que correspondeu à avença mensal paga durante mais de seis anos, afirmando que nada mais lhe deve.

E conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
***

A acção prosseguiu e, a final, foi proferida sentença que a julgou improcedente e absolveu a Ré do pedido por verificada a excepção peremptória de nulidade do contrato, e, consequentemente, absolveu a Ré do pedido e condenou o autor em custas.

***

Inconformado, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 3.2.2009 – fls. 282 a 288 – julgou o recurso procedente, revogando a sentença apelada, e condenando a Ré no pagamento dos honorários pedidos e juros.

***

Inconformada, a Ré recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1 - Ao contrário do que se decidiu no Acórdão recorrido, a estipulação de “prémio de resultados” ou success fee constante do acordo celebrado entre o Autor e a Ré é, efectivamente, uma estipulação que viola a alínea c) do art. 66° do Estatuto da Ordem dos Advogados, na versão do D.L. n°84/84, de 16 de Março.

É que,

2 — Esta estipulação equivale a fazer depender o direito a honorários dos resultados da demanda ou do negócio, o que é proibido por aquele art. 66°, alínea c), do Estatuto da Ordem dos Advogados.

3 — Sendo que esta proibição se aplica tanto aos casos em que a fixação da totalidade dos honorários fica integralmente dependente do resultado da demanda, como aos casos (como o dos autos) em que só a fixação de parte dos honorários fica dependente daqueles resultados.

4 — Só após a alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados operada pela Lei n°15/2005, de 26 de Janeiro, é que esta proibição foi alterada (e mitigada), tendo-se consignado no seu art. 101°, n°3, última parte, que não constitui pacto de quota litis “o acordo pelo qual, além dos honorários calculados em função de outros critérios, se acorde numa majoração em função do resultado obtido”.

5 — À luz desta nova versão do Estatuto da Ordem dos Advogados, a estipulação da “success fee”em análise nos autos seria permitida.

Mas, como expressamente se reconhece no Acórdão recorrido, esta nova versão do EOA não se aplica ao caso sub judice.

6 — E, à luz da versão dada pelo DL. 84/84, de 16 de Março ao Estatuto da Ordem dos Advogados, que lhe é aplicável, tal estipulação é, inquestionavelmente, proibida e, por isso, nula.

Por outro lado,

7 — Ainda que, por absurdo, se aceitasse o entendimento expresso no Acórdão Recorrido de que o acordo em causa nos autos não viola o já referido art. 66°, alínea e), do Estatuto da Ordem dos Advogados, na versão aprovada pelo Decreto-Lei n°84/84, de 16 de Março, sempre teria de se considerar que, por não ter um objecto determinado ou determinável, tal acordo é nulo (art. 280° do Código Civil).

8 — Ficou provado que “foi acordado entre as Partes que, com a publicação do plano de urbanização no Diário da República, o Autor receberia da Ré um pagamento final de acordo com os objectivos conseguidos com o seu trabalho, cujo montante seria estabelecido por acordo entre ambos” (Resposta ao Quesito 4° da Base Instrutória).

Assim,

9 — A fixação do montante a pagar ao Autor nos termos deste acordo dependia, por sua vez, de novo acordo a celebrar entre o Autor e a Ré.

Porém,

10 — Decorre da Alínea G) da Matéria Assente e da resposta dada ao quesito 8° da Base Instrutória que Autor e Ré não chegaram a acordo quanto ao montante deste pagamento e que, por isso, o Autor o fixou unilateralmente.

11 — Um acordo cuja fixação do objecto depende de um novo acordo que nunca chegou a concretizar-se é um acordo cujo objecto é indeterminado e indeterminável e que, só por isso, é nulo.

12 — Na falta de acordo, o Autor fixou unilateralmente este objecto alegando que recorreu ao disposto no art. 65° do Estatuto da Ordem dos Advogados.

13 — Atendendo aos termos do acordo ajuizado, o Autor não tinha o direito de fazer esta fixação unilateral.

14 — Mas mesmo que o Autor pudesse ter concretizado aquele valor fazendo apelo aos critérios previstos no art. 65° do Estatuto da Ordem dos Advogados (o que não se aceita), a verdade é que ele não alegou e/ou provou um único facto concreto susceptível de integrar todos e cada um destes critérios e de, assim, permitir a fixação do montante que lhe seria devido nos termos do acordo de success fee celebrado com a Ré.

15 — O Autor tornou impossível, assim, a fixação do valor do pagamento a que teria direito nos termos daquele acordo.

16 — Para além da vontade unilateral e não sustentada do Autor, não existe nos autos um único elemento que permita concretizar o objecto do acordo ajuizado nos autos, isto é, não existe um único elemento que permita fixar em € 200.000,00 o valor do pagamento alegadamente devido ao Autor.

Porquê € 200.000,00? Porque não € 400.000,00? Ou € 1.000.000,00? Ou mais!? Ou menos!?

17 — O objecto deste acordo é, por isso, indeterminado e indeterminável, o que, ao abrigo do disposto no art. 280°, n°1 do Código Civil, determina a sua nulidade.

18 — A nulidade é um vício do conhecimento oficioso (art. 286° do Código Civil), pelo que, mesmo não tendo sido suscitada (com o fundamento que aqui se invoca) nas alegações de recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa podia e devia ter apreciado esta questão.

Deverá a presente revista ser considerada totalmente procedente e, em consequência, revogado o Acórdão recorrido, mantendo-se a Sentença proferida em 1ª instância.

Em alternativa,

E ao abrigo do disposto no art. 286° do Código Civil deverá declarar-se a nulidade do acordo de honorários em causa nos autos, por falta de objecto determinado ou determinável e, em consequência, absolver a Ré do pedido.

O Autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. O Autor Senhor Doutor AA é advogado na comarca de Faro, tem o seu escritório na Rua Ataíde de Oliveira, nº..., em Faro e faz da advocacia a sua profissão habitual – (alínea A) dos Factos Assentes).

2. A Ré “I...-Desenvolvimento e Promoção Imobiliária, S.A.” é uma sociedade comercial que se dedica ao desenvolvimento e promoção imobiliária – (alínea B) dos Factos Assentes).

3. No âmbito da sua actividade profissional, o Autor foi contactado pela Ré que lhe propôs contratar os seus serviços mediante o estabelecimento de uma avença segundo a qual o Autor daria o contributo do seu trabalho mediante uma remuneração mensal – (alínea C) dos Factos Assentes).

4. Que foi aceite pelo Autor, tendo sido fixado o prazo de um ano, renovável, com início em 01/05/1997 e a remuneração estipulado foi de 500.000$00 – (alínea D) dos Factos Assentes).

5. No âmbito do acordo celebrado, incumbia ao Autor, até à sua publicação, acompanhar o processo de aprovação do plano de urbanização dos prédios da propriedade da Ré sitos em Portimão; elaborar o regulamento do plano de urbanização de acordo com os objectivos definidos pela câmara municipal e equipa técnica – (alínea E) dos Factos Assentes).

6. O Autor trabalhou no âmbito do plano de urbanização até que este foi aprovado e publicado no “Diário da República” – (alínea F) dos Factos Assentes).

7. Por carta datada de 07/04/2003, a Ré enviou ao autor um cheque no valor de € 20.000,00 para pagar o trabalho do Autor; tendo este cheque sido devolvido pelo Autor à Ré em 08/04/2003 – (alínea G) dos Factos Assentes).

8. Em 10/10/1996, a “Câmara municipal de Portimão” admitia atribuir à “Herdade do Reguengo” a área urbanizável de 104,5 hectares e em 12/09/1 996, o Presidente da “Câmara Municipal de Portimão” já tinha admitido a hipótese de, caso fosse necessário, aumentar o número de camas na próxima revisão do “Plano Director Municipal” – (alínea H) dos Factos Assentes).

9. A tarefa do Autor consistiu em preparar e realizar, integrado numa equipa técnica, o plano estratégico para o desenvolvimento do plano de urbanização da Herdade do Morgado de Reguengo e todas as tarefas na área do Direito, necessárias para o efeito; participar nas reuniões na “Câmara Municipal de Portimão” e da “Comissão Técnica de Acompanhamento” – (resposta ao quesito lº).

10. A tarefa do Autor consistiu em deslocar-se a Lisboa, a pedido da equipa técnica, ou da Ré, sempre que estes achassem necessário – (resposta ao quesito 2.º).

11. A tarefa do Autor consistiu em reunir com os técnicos especialistas da administração central sempre que se mostrasse necessário para obter a resolução de problemas essencialmente técnicos e que interessassem aos objectivos da Ré para a transformação do uso dos solos dos prédios da Ré – (resposta ao quesito 3.°).

12. Foi acordado que, com a publicação do plano de urbanização no “Diário da República”, o Autor receberia da Ré um pagamento final de acordo com os objectivos conseguidos com o seu trabalho, cujo montante seria “estabelecido por acordo entre ambos” – (resposta ao quesito 4. °).

13. Por iniciativa do Autor, foi aprovada pela “Câmara Municipal de Portimão” uma deliberação segunda a qual, na próxima revisão do “Plano director Municipal”, seria aumentado o número de camas para a AAT de 5.000 para 6.000 – (resposta ao quesito 6.°).

14. Na medida em que passou a dispor na Herdade do Morgado de Reguengo de uma maior área de construção, o valor económico da propriedade da Ré aumentou – (resposta ao quesito 7.°).

15. O Autor fixou os honorários no montante de € 200.000,00 e remeteu à Ré a nota de honorários por carta datada de 12.07.2004 – (resposta ao quesito 8.°).

16. O Autor gastou um número não concretamente apurado de dias de trabalho – (resposta ao quesito 9.°).

17. O contrato estabelecido entre o Autor e a Ré cessou a 01/02/2003 – (resposta ao quesito l0º).

18. A Ré enviou ao Autor o cheque de € 20.000,00 por pretender pôr cobro, sem necessidade de recorrer à via judicial, ao diferendo referente ao pagamento do “success fee” – (resposta ao quesito 11º).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se o contrato celebrado pelo Autor, enquanto advogado de profissão e a Ré, é nulo por exprimir forma de remuneração do seu trabalho proibida pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, doravante (EOA); está em causa, pois, saber se essa estipulação evidencia que a forma de remuneração da actividade do Autor se fez sob a forma de quota litis.

O contrato estipulado pelo Autor e pela Ré vigorou entre 1.5.1997 e 1.2.2003, pelo que lhe é aplicável o EOA aprovado pela Lei nº84/84, de 16.3, entretanto revogada pela Lei 15/2005, de 26.1.

A problemática da fixação dos honorários a advogado como remuneração pelo contrato de mandato – art. 1157º do Código Civil – desde sempre foi alvo de controvérsia, não só pela dificuldade da sua fixação, [não se trata de salário mas de honorários palavra que advém de honra] e, por isso, os critérios constantes do EOA são meramente indicativos.

Ao tempo dos factos o art. 65º (Honorários: limites e forma de pagamento) estabelecia no seu nº1:

“Na fixação de honorários deve o advogado proceder com moderação, atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca”

E o art. 66º (“Quota Litis” e divisão de honorários - sua proibição)

“É proibido ao advogado:
a) exigir, a título de honorários, uma parte do objecto da dívida ou de outra pretensão;
b) [...]
c) estabelecer que o direito a honorários fique dependente dos resultados da demanda ou do negócio”.

No tempo do imperador Constantino, ano 325, já era proibida a quota litis e considerava-se que o labor da actividade forense não se podia comparar a mero salário, os “advogados” exerciam o seu múnus gratuitamente – “honorarium dicitur quod non mercendi nomine, sed honoris causa”.

Também no antigo direito português tal proibição constava expressamente, desde logo nas Ordenações Filipinas (1603) – “E defendemos a todos os procuradores que não façam avença com as partes para haverem certa cousa, vencendo-lhes as demandas.
E o que a fizer, seja suspenso de procurar hum anno e pague dous mil réis para as despesas da Relação.”

Face à ineficácia da proibição foi publicado um Alvará, em 1.8.1774, sancionando com degredo e suspensão a prática da quota litis:

“Todos os sobreditos pactos ou convenções, ou elas se celebrem com advogados e procuradores ou com outras quaisquer pessoas, debaixo das penas de nulidade dos ditos pactos ou convenções, de três anos de degredo pra Angola e de perpétua suspensão e inabilidade contra os advogados”.

No excelente Estudo da autoria da Dr.ª Susana Neto, publicado na Revista da Ordem dos Advogados – ano 61 – Abril de 2001, págs. 1121 a 1140, de onde extraímos as precedentes citações, refere-se que aquele Alvará foi revogado pelo de 10.8.1778 e que a proibição passou para o Código de Seabra cujo art. 1358 consignava:

Será nullo todo o contracto, que as partes fizerem com os seus advogados ou procuradores, concedendo-lhes alguma parte do pedido na acção. Os procuradores ou os advogados que infringirem o que se dispõe n’este artigo, serão inhibidos, por espaço de um anno, de procurar ou advogar em juízo.”.

Na pág. 1125 são referidas as “notas distintivas” da quota litis:

“ Acordo, prévio à conclusão da questão, celebrado entre o advogado e o cliente, (…) pelo qual se convenciona que o direito daquele aos honorários respectivos fica directamente dependente do resultado da causa (em regra, percentualmente dependente), independentemente do seu desenrolar, (…) sendo que o advogado nada haverá a título de honorários, se o cliente nada alcançar da sua pretensão, pois aqueles são uma quota-parte desta”.

Das eloquentes citações não resistimos a transcrever duas:

“A quota litis interessando o advogado demasiado directamente no processo, fá-lo perder a sua independência, leva-o a empregar meios contestáveis para triunfar e expõe-no à tentação de enganar a justiça em vez de a esclarecer.
Tal pacto vicia o espírito e a razão de ser da advocacia”. (Jean Appleton, Traité de La Profession d’Avocat, Paris, 1828).

“A cupidez é ebulição, inquietação, cegueira. O advogado que a respeito de cada causa possa dizer, se ganho a questão, dos 5 milhões que se discutem, receberei 2 adopta a psicologia do jogador.” (Ossorio y Gallardo, “El Alma de La Toga”).

A proibição a que nos referimos é estabelecida no interesse da lisura, probidade, e independência profissional do advogado, sendo que a proibição da quota litis o “protege” de querer ganhar a todo o custo, podendo ser tentado, por isso, a usar meios eticamente censuráveis incompatíveis com o seu estatuto e servidor da justiça (art. 76º do EOA).

Voltando ao caso dos autos, vemos que entre o Autor e a Ré, foi acordado em 1.5.1997, um contrato de avença mediante a remuneração mensal de 500.000$00.

No âmbito do acordo celebrado, incumbia ao Autor, até à publicação no Diário da República do plano de urbanização promovido pela Ré, acompanhar o processo de aprovação [desse plano de urbanização] dos prédios da propriedade da Ré sitos em Portimão; elaborar o regulamento do plano de urbanização de acordo com os objectivos definidos pela câmara municipal e equipa técnica.
O Autor trabalhou no âmbito do plano de urbanização até que este foi aprovado e publicado no Diário da República. A tarefa do Autor consistiu em preparar e realizar, integrado numa equipa técnica, o plano estratégico para o desenvolvimento do plano de urbanização da Herdade do Morgado de Reguengo e todas as tarefas na área do Direito, necessárias para o efeito; participar nas reuniões na “Câmara Municipal de Portimão” e da “Comissão Técnica de Acompanhamento”.
A tarefa do Autor consistiu em deslocar-se a Lisboa, a pedido da equipa técnica, ou da Ré, sempre que estes achassem necessário, consistiu, ainda, em reunir com o técnicos especialistas da administração central sempre que se mostrasse necessário para obter a resolução de problemas essencialmente técnicos e que interessassem aos objectivos da Ré para a transformação do uso dos solos dos prédios da Ré.

Sem dúvida, que tendo a actividade do Autor este objecto, exprime a existência de um contrato de mandato oneroso – arts. 1157 e 1158º,nº2, do Código Civil.

A remuneração acordada, previamente, foi de 500.000$00 por mês, entre 1.5.1997 até 1.2.2003, data em que cessou o contrato.

Mas não é aqui que se coloca a questão da validade do contrato denominado de avença.

A questão nodal consiste em saber se pode considerar-se no conceito de quota litis o ter-se provado, como acordo contratual, que com “A publicação do plano de urbanização no “Diário da República”, o Autor receberia da Ré um pagamento final de acordo com os objectivos conseguidos com o seu trabalho, cujo montante seria “estabelecido por acordo entre ambos”.

Temos assim que, previamente ao início da actividade do Autor, tendo por objecto o que antes referimos era ele pago à razão de 500.000$00 por mês.

Mas foi ainda acordado que com a publicação do plano de urbanização no Diário da República – o que tem de entender-se como termo final da prestação de serviços forenses pelo Autor – este receberia da Ré “um pagamento final de acordo com os objectivos conseguidos com o seu trabalho”.

Esse valor para o qual apenas foi vagamente indicado como critério uma referência aos objectivos conseguidos que factualmente nem se sabe quais eram (importava saber o que se visava e o que foi almejado) seria “estabelecido por acordo”.

O facto da quantificação desse complemento depender de resultados que as partes teriam de considerar dentro dos objectivos pretendidos, e o facto do montante ser fixado a posteriori, não referido a qualquer percentagem e ter de ser objecto de consenso, não se nos afigura dever ser considerado no conceito de quota litis por, em bom rigor, não constituir uma parte variável, aleatória, pré-acordada da remuneração pelo exercício do mandato.

Ademais, esta prática não foi proibida pelo nº3 do art. 101º do vigente EOA que estatui:

“Não constitui pacto de quota litis o acordo que consista na fixação prévia do montante dos honorários, ainda que em percentagem, em função do valor do assunto confiado ao advogado ou pelo qual, alem de honorários calculados em função de outros critérios, se acorde numa majoração em função do resultado obtido”.

O douto Advogado Dr. António Arnaut, in “Estatuto da Ordem dos Advogados – Anotado” – 2009 – pág. 126, em nota ao artigo citado, escreve:

“O nº3 é deontologicamente discutível, constituindo uma grave entorse ou disformidade da nossa tradição forense.
Deve desdobrar-se em duas partes: a primeira, até à disjuntiva ou, permite uma quota litis imperfeita ou atípica, pois os honorários não são aferidos por qualquer dos critérios definidos no art. 100.°, traduzindo-se apenas numa percentagem do “valor do assunto”.
Esta quantificação é mais indecorosa do que a “quota litis” típica, porque na situação agora legalizada nem sequer há o risco de resultado zero!
A segunda parte admite uma “majoração em função do resultado obtido”, o que é deontologicamente aceitável, porquanto são considerados os “outros critérios”, nos quais o resultado obtido é um dos elementos de ponderação.
Em face da natureza anómala do nº3, este preceito deve ser interpretado, de acordo, aliás, com a sua própria formulação, no sentido de que apenas se aplica à “fixação prévia do montante de honorários”, valendo para as situações normais os critérios enunciados no art. 100º.
Deste modo, e apesar da ampla permissividade do n.° 3, inspirado na filosofia mercantilista dominante, deve considerar-se que continua interdita a chamada quota palmarium, já proibida pelo Digesto romano.
Trata-se de um misto de quota litis e de fixação prévia de honorários, pois apenas uma parte destes fica sujeita ao resultado da demanda.
É o que acontece quando se convenciona que os honorários normais serão acrescidos de uma percentagem do resultado económico obtido”.

Repetindo que esta norma do EOA não se aplica ao caso – a menos que se entendesse ser de lhe atribuir a natureza de lei interpretativa, art. 13º, nº1, do Código Civil, com a inerente aplicação retroactiva – consideramos que, pese embora se prever no final um complemento de remuneração, o facto de dever ser objecto de consenso e não estar sequer dependente de percentagem em relação aos resultados conseguidos, não pode considerar-se quota palmarium, nem quota litis, sendo válida.

Assim, a apodada estipulação success fee ou prémio de resultado, no recorte da estipulação concreta, não é inválida.

Mesmo que a quantia a pagar pela Ré fosse devida automaticamente pela mera aplicação de uma percentagem a um valor – que não é – nem sendo devida como aleatório preço pela prestação da actividade do Autor, o que poderia ser razoavelmente entendido como parte variável da remuneração (que seria quota litis), o facto decisivo é que as partes acordaram nesse acréscimo em função dos resultados obtidos, que serão analisados consensualmente, a posteriori, sendo relevante que a quantia agora peticionada, sob a invocação de um resultado particularmente favorável à Ré, tem de ser fixada por acordo, é posterior e final em relação ao mandato, ainda que com ele relacionado.

Chegados a este ponto, eis-nos confrontados com a delicada questão da fixação do montante devido.

Já vimos que o montante da denominada success fee seria fixado por acordo das partes.

Não houve consenso como a acção de onde o recurso promana espelha.

A Ré, contraditoriamente, invoca a nulidade da cláusula, mas unilateralmente, remeteu ao Autor a quantia de € 20.000,00 (por ele devolvida) para pagamento da success fee.

Por sua vez, o Autor fixou unilateralmente o valor de € 200.000,00 que a Ré recusou e intentou a acção peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe esse valor.

A Relação, concedendo provimento ao recurso do Autor, revogou a sentença e condenou a Ré a pagar-lhe a impetrada quantia, fê-lo sem por alguma forma indicar ser esse o valor devido.

Importa dizer que não se tendo provado a existência do consenso acerca do valor devido ao Autor competia-lhe fazer a prova de que ao abrigo do acordo de success fee o valor de que era credor era o que pediu – € 200.000,00.

Mas, do elenco dos factos provados, e para lá da anteriormente enunciada actividade que lhe competia exercer por força do contrato – itens 3) a 11) dos factos provados – apenas se provou que o Autor gastou um número não concretamente apurado de dias de trabalho – (resposta ao quesito 9°).

Não tendo a Ré aceite a fixação unilateral dos honorários pelo Autor, a decisão sobre o quantum teria de assentar na prova de factos que conduzissem à fixação de um valor ainda que com recurso à equidade.

Ora, ante a minguada prova que consta dos autos, não pode modo algum manter-se a condenação decretada pela Relação.

Poder-se-ia colocar a questão deste Tribunal mandar ampliar a matéria de facto ao abrigo do art. 729, nº3 do Código de Processo Civil.

O STJ não se encontra sujeito a um inelutável dever de aceitar a decisão de facto da Relação, por estar ao seu dispor a actuação prevista no nº3 do art. 729.° do Código de Processo Civil.

Todavia, essa faculdade só pode ser exercida quando as instâncias seleccionaram imperfeitamente a matéria da prova, amputando-a, assim, de elementos que se consideraram dispensáveis mas que se verifica serem indispensáveis para o Supremo Tribunal definir o direito, sendo imprescindível que a parte tenha alegado factos considerados pertinentes à definição do direito que exerce.

Ora, analisando a petição inicial, é patente que o Autor não alegou factos que permitam sequer a aplicação do critério do art. 65º do EOA O preceito correspondente do actual EOA estabelece no seu art. 100º – “l — Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pêlos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa. 2 — Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados. 3 — Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais”. – “Na fixação dos honorários deve o advogado proceder com moderação, atendendo ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca”.

Ademais nem sequer pelas partes foi pedido Laudo à Ordem dos Advogados, como é comum em casos que tais.

O art. 65º, nº1, do EOA, aprovado pelo DL nº 84/84, de 16 de Março, prevê critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatuário que devem ser acolhidos pelos advogados na fixação dos seus honorários.

Para uma justa fixação dos honorários advocatícios, não basta aludir ao conjunto de tarefas que o mandato envolveu, importando, pelo menos, fazer a prova do tempo despendido, das despesas feitas, da complexidade do processo ou actividades executadas, do estilo da comarca, do nível dos honorários praticados e da condição económica do mandante para se concluir, em consciência, da sua importância e dificuldade e do esforço dispendido pelo advogado.

Pelo que dissemos, não pode este Tribunal ordenar a baixa do processo à Relação para ampliar a matéria de facto, por não existir erro das instâncias na selecção da matéria de facto pertinente que não foi alegada.

Não tendo o Autor feito a prova a que se aludiu, não pode este Tribunal, pese embora concluir pela inteira validade do contrato, deixar de revogar o Acórdão recorrido por o Autor não ter feito a prova que lhe competia – art. 342º, nº1, do Código Civil – de lhe ser devida a quantia pedida.

Decisão:

Nestes termos, concede-se a revista revogando-se o Acórdão sob censura, absolvendo a Ré do pedido.

Custas pelo Autor aqui e nas instâncias.


Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Setembro de 2009


Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque.
Salazar Casanova.