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PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONFISSÃO
FORÇA PROBATÓRIA
DOCUMENTO PARTICULAR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE LEALDADE
Sumário
I - Nos termos expressos no art.º 690.º do CPC, quando esteja em causa a impugnação da decisão factual, o recorrente tem um específico ónus de alegação, no que respeita à delimitação do recurso e à sua motivação, devendo entender-se que o mesmo está cumprido quando a alegação apresentada permite ainda alcançar, de forma suficientemente perceptível, o seu desiderato.
II - Cabem dentro dos poderes próprios que o STJ possui em matéria de facto as situações que integram a violação do direito probatório material, uma vez que as mesmas se reconduzem à violação de normas de direito substantivo, sendo ainda permitido ao STJ corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, que impeçam a aplicação do regime jurídico adequado, pelo que a fiscalização probatória do STJ está limitada à prova legal ou vinculada, isto é, aos meios de prova que tenham força probatória plena.
III - A confissão só tem força probatória plena contra o confitente quando seja escrita e feita em juízo, ou quando, sendo extra-judicial, conste de documento autêntico ou particular dirigido à parte contrária ou a quem a represente; quando não reúna esses requisitos, fica sujeita às regras da livre apreciação do julgador.
IV - Como a força probatória plena da confissão exige que a mesma tenha sido reduzida a escrito, importa analisar os documentos onde ela se acha pretensamente exarada, uma vez que a força probatória dos documentos também varia consoante a sua natureza.
V - Sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, a declaração exarada em documento particular, quando reconhecida ou não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se esses factos provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo a mesma indivisível.
VI - Assim, a admissão, por parte do trabalhador, exarada na resposta à nota de culpa, da prática de factos coincidentes com o cerne daqueles que lhe foram imputados pela empregadora na referida nota de culpa, e em que o mesmo refere que desde logo ressarciu a empresa do prejuízo causado, constitui uma confissão, com força probatória plena, pelo que é de aditar os factos correspondentes à matéria de facto a apreciar.
VII - A justa causa de despedimento pressupõe a verificação, cumulativa, de um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências e um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral, sendo a gravidade da conduta ponderada de acordo com o entendimento de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade em função das circunstâncias de cada caso em concreto.
VIII - A impossibilidade da subsistência do vínculo laboral reconduz-se à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística, sendo essa impossibilidade reportada ao vínculo laboral em concreto e imediata no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato, devendo esses elementos serem preenchidos através de um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela contém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida.
IX - O dever de lealdade corresponde a uma obrigação acessória de conduta conexionada com a má fé, que pode ter conteúdo positivo ou negativo, sendo que entre as obrigações de conteúdo negativo perfila-se a de não subtrair bens do empregador e, por identidade manifesta, a de não se apropriar de valores que lhe seriam devidos; sendo subjacente ao dever de lealdade o valor absoluto da honestidade, de nada releva o valor concreto da apropriação.
X - Constitui violação do dever de lealdade previsto no art.º 121.º, al. e) do CT, o comportamento do trabalhador, cobrador da CP, que vende a um cliente um selo de passe que anteriormente retirou do cartão de outro cliente por supostamente se achar deteriorado, e faz seu o valor correspondente, sendo certo que esse comportamento é especialmente grave dadas as funções por si exercidas que pressupunham, por parte da empresa, uma especial relação de confiança na sua pessoa.
XI - Como o contrato de trabalho assenta numa base de recíproca confiança entre as partes, se o comportamento do trabalhador de algum modo abala e destrói essa confiança, o empregador interioriza, legitimamente, a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta, pelo que, ao quebrar-se a confiança entre o empregador e o trabalhador, deixa de existir o suporte mínimo para a manutenção dessa relação, estando verificada a justa causa do despedimento.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 – RELATÓRIO
1-1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “CP – Caminhos de Ferro Portugueses, EP”, pedindo se declare a ilicitude do despedimento de que foi alvo por parte da Ré – com esteio na inexistência da justa causa invocada para o efeito – e que, por virtude disso, seja a Ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por cada dia em que, por qualquer forma e a contar da data da citação, se abstenha de convocar o Autor para lhe prestar trabalho.
Na sua contestação, a Ré considera ajustado o sancionamento operado, concluindo pela necessária improcedência da acção. 1-2
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a sufragar por inteiro a tese do Autor, a quem concedeu integral ganho de causa.
Debalde apelou a Ré, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou “in totum” a sentença impugnada. 1-3
Continuando irresignada, a Ré pede a presente revista, cujas alegações remata com o seguinte núcleo conclusivo:
1 – na Nota de Culpa deduzida contra o Recorrido foram imputados ao mesmo os seguintes factos:
a – Em 31/01/05, o arguido vendeu, na bilheteira n.º1 , da citada estação de Algés, o selo de assinatura combinado CP/Scotturb 2A, com o nº 25166, apondo-lhe o carimbo de validade para o mês de Fevereiro do referido ano.
b – Acontece que antes de validar o referido selo e de proceder à sua venda, o arguido efectuou uma reprodução mecânica do mesmo;
c – Na posse da referida reprodução o arguido validou-a para o mês de Junho... vendeu-o à cliente BB que a comprou convicta que se tratava de um selo de assinatura válido.
2 – Está, porém, assente que o Recorrido não efectuou a reprodução mecânica do selo de assinatura combinado Scotturb 2 A com o nº 25166, como da nota de culpa constava;
3 – Como fixado está que o recorrido entregou à Recorrente a quantia correspondente ao valor do selo Scotturb 2 A com o nº 2516;
4 - mas, ao contrário do que se lê no acórdão recorrido, a factualidade a que respeita o documento n.º 8 não é substancialmente diferente daquela que é imputada ao Recorrido na Nota de Culpa;
5 – a divergência assenta tão só no modo como foi feita a viciação do selo que o Recorrido confessou ter feito, embora tendo executado a mesma por processo diferente daquele que consta da Nota de Culpa ;
6 – a restituição pelo Recorrido da quantia a que se refere a conclusão 3.ª não teria qualquer sentido se não tivesse sido o Autor da viciação que lhe foi imputada;
7 – não ocorre, por isso, face ao que assente está, a invocada alteração substancial dos factos;
8 – qualquer direito sancionatório permite a alteração substancial dos factos, que só não será lícita se acaso se traduzir numa violação das garantias de defesa, o que não ocorreu;
9 – no caso dos autos, não há sequer alteração substancial dos factos, já que a mesma se reporta tão só ao modo como a falsificação ou viciação da senha foi executada;
10 – O acórdão recorrido deverá, por isso, ser revogado, já que viola, entre outros, os artigos 352.º e 358.º n.º 1, ambos do Código Civil, e o artigo 396.º n.º 3 alíneas a) e e) do Código do Trabalho.
1-4
Não foram apresentadas contra-alegações.
1-5
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, a cujo douto Parecer nenhuma das partes reagiu, entende que a revista deve ser negada. 1-6
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2 – FACTOS 2-1
A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
“Da P.I.
1 – O A. foi admitido ao serviço da CP, em 19 de Julho de 1989, tendo ultimamente a categoria de operador de venda e controlo, posto de trabalho na Estação de Algés, com remuneração de € 1.536,79;
2 – com data de 1 de Julho de 2005, o A. foi notificado da Nota de Culpa, com intenção de despedimento, relativa ao processo disciplinar nº 101-5, conforme doc. de fls. 8 a 12, cujo teor dá por reproduzido;
3 – O A. apresentou a sua defesa nesse processo, nos termos do doc. constante de fls. 13 e 14 (com cópia a fls. 53 a 55), cujo teor se dá por reproduzido;
4 – A R. deliberou pelo despedimento do A., nos termos do doc. de fls. 15, cujo teor se dá por reproduzido;
5 – o A. não efectuou a reprodução mecânica do selo de assinatura combinado Scotturb 2 A, com o n.º 2516;
6 – O A. entregou à R. a quantia correspondente ao valor do selo de assinatura combinado Scotturb 2 A, com o n.º 2526; Da Contestação
7 – No processo disciplinar instaurado contra o A. foi deduzida nota de culpa, nos termos do doc. de fls. 8 a 12 (repetido a fls. 47 a 50), cujo teor se dá por reproduzido;
8 – o arguido tem a categoria de Operador de Venda e Controlo e pertence ao quadro de pessoal da CP Lisboa e está colocado na estação de Algés;
9 – tinha como função, além de outras, a venda de títulos de transporte nas bilheteiras da Estação;
10 – do registo do arguido consta uma sanção disciplinar de repreensão registada, datada de 2003 (doc. de fls. 44);
11 – o A. apôs a sua assinatura no doc. cuja cópia consta de fls. 39 dos autos, correspondente a fls. 8 do processo disciplinar, cujo teor se dá por reproduzido, após ter escrito, em anexo à participação da ocorrência junta a fls. 37 e 38, cujo teor também se dá por reproduzido, e sob a rubrica “exposição do interveniente da ocorrência”, o seguinte texto:
“Em relação à ocorrência da qual não tenho desculpa, tenho a dizer que a fiz num momento de fraqueza, irreflectido, do qual me arrependo, foi a minha 1.ª vez que tentei tal situação em 15 anos de empresa vou repor o valor do selo, tenho também consciência que terei de ser punido. Apenas tenho em meu abono os 15 anos de empresa sem qualquer reparo em situações desta natureza”. 2-2
A 2.ª instância alterou a redacção dos pontos 2- e 3- (concretizando os factos constantes dos documentos ali dados por reproduzidos), do mesmo passo que eliminou o ponto 7 -, “... por ser uma mera repetição do ponto 2-“.
Assim, a nova redacção daqueles pontos passou a ser a seguinte:
“2 – com data de 1 de Julho de 2005, o A. foi notificado da Nota de Culpa, com intenção de despedimento, relativa ao processo disciplinar nº 101-5, conforme doc. de fls. 8 a 12, com o seguinte teor:
1º - O arguido tem a categoria de operador de venda e controlo, pertence ao quadro de pessoal da CP Lisboa, está colocado da estação de Algés,
2º - e tem como função, além de outras, a venda de títulos de transporte nas bilheteiras daquela estação.
3º - Em 31.1.05, o arguido vendeu, na bilheteira n.º1, da citada estação de Algés, o selo de assinatura combinado CP/ Scotturb 2 A, com o n,º 25166, apondo-lhe o carimbo de validade para o mês de Fevereiro do referido ano.
4º - Acontece que antes de validar o referido selo e de proceder à sua venda, o arguido efectuou uma reprodução mecânica do mesmo.
5º - Na posse da referida reprodução, o arguido validou-a para o mês de Junho e aproveitando-se das suas funções e das instalações da Empresa, na manhã de 1.6.05 vendeu-a à cliente BB, que a comprou convicta de que se tratava de um selo de assinatura válido, tendo pago a quantia de € 41,55, de que o arguido se apropriou.
6º - Assim, o arguido não só vendeu uma senha falsa, como, deste modo, impediu a venda, por parte da Empresa, de uma senha válida.
7º - Do Registo de Comportamento do arguido consta 1 sanção disciplinar datada de 2003.
8º – Desta forma, não cumpriu com o estatuído nas alíneas a), b) e d) da cláusula 4ª do Acordo de Empresa aplicável; e nas alíneas c), d), e) e g), do n.º1, art. 121.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/03, de 27.8.
9º - Acresce que os factos atrás descritos, pela sua gravidade e consequências, são susceptíveis de integrar o conceito de despedimento por facto imputável ao trabalhador, nos termos dos nºs 1 e 3, al. a) e e) do art. 396.º do Código do Trabalho, por manifesto desrespeito pelos deveres de fidúcia, lealdade e respeito às ordens da entidade patronal, que torna prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
“3 – O A. apresentou a sua defesa nesse processo, nos termos do doc. constante de fls. 13 e 14 (com cópia a fls. 53 a 55), com o seguinte teor:
“1- O que consta da acusação contem imprecisões que o arguido quer esclarecer e que por certo diminuem de forma muito acentuada a sua culpabilidade.
2 – Não foi o arguido quem, no dia 31 de Janeiro de 2005, vendeu na bilheteira n.º1 da Estação de Algés, o selo de assinatura combinado, referido no n.º 3 da Nota de Culpa.
3 – Tal facto pode ser comprovado pela consulta da escala do dia em causa, que virá a comprovar que não foi o arguido, mas outro colega, quem vendeu o selo.
4 – Pelo que também não corresponde à realidade dos factos o que vem referido no n.º 4 da nota de culpa, por outro lado, porque torna a referir-se à venda, por outro, porque alega que o arguido efectuou a reprodução do selo, o que não se verificou.
5 – Em consequência do exposto, também não se verificou a factualidade a que alude o n.º 5 da Nota de Culpa.
6 – Em consequência ainda do que vem atrás referido, o arguido não vendeu qualquer senha falsa conforme se extrai do n.º 6 da nota de culpa.
O que se passou então?
7 – Na manhã do dia 1 de Junho de 2005, um cliente abeirou-se do arguido para adquirir uma senha para esse mês, exibindo o cartão (passe) onde figurava uma outra senha que, presume o arguido, por ter apanhado água (isto face às condições do cartão (passe) que estava amarrotado, tinha perdido a numeração que nela fora posta quando da sua venda, em data e mês que o arguido ignorava.
8 – A senha encontrava-se um pouco debutada (por ter perdido alguma da cor inicial), mas não se lhe conheciam os dados que haviam sido ali inscritos, pelo carimbo, quando da venda.
9 – O arguido descolou a senha do passe do cliente e vendeu-lhe a senha solicitada.
10 – Em poder da que havia descolado, na verdade, vendeu-a à cliente a que alude o n.º 5 da Nota de Culpa.
11 – Confessa, como desde logo confessou, que tal venda assim efectuada foi anti-regulamentar e que assim impediu, na verdade, a Empresa de vender uma senha válida.
12 – É um facto que o arguido desde logo ressarciu a Empresa do prejuízo.
13 – Assim, o comportamento do arguido não foi premeditado, não procedeu às operações a que alude a nota de culpa, de preparação da senha para a falsificar e vender.
14 – O arguido fez o que fez debaixo de um impulso momentâneo, ao qual não resistiu, muito embora se encontre hoje profundamente arrependido.
15 – A senha vendida não era pois falsa, era uma senha verdadeira, só que foi vendida uma segunda vez, o que não devia ter acontecido.
16 – Contudo, dúvidas não haverá de que, face ao comportamento do arguido, deve o mesmo gozar das atenuantes emergentes dos factos atrás descritos, como sejam a confissão espontânea para a descoberta da verdade, o facto de o seu acto ter sido espontâneo sem qualquer preparação ou premeditação e ainda da atenuante do seu bom comportamento anterior, atento o facto de ter cerca de dezasseis anos ao serviço da Empresa e de nunca ter tido qualquer problema disciplinar relacionado com valores (em dinheiro) da Empresa ou de terceiros à sua guarda.
17 – Com questões de dinheiro nunca teve quaisquer problemas, nem houve nunca quaisquer problemas nas Estações onde prestou serviço ao longo dos seus 16 anos de Empresa.
18 – O seu comportamento foi anti-regulamentar, mas nunca tinha acontecido nem nada prevê que se repita.
19 – Tais atenuantes deverão ser tomadas em conta na medida da pena a aplicar ao arguido, sendo certo que são de molde a, face a um juízo justo dos factos, serem impeditivas de sustentar o despedimento do arguido com justa causa, na medida em que não está posta em causa a relação de trabalho, conforme podem comprovar todos aqueles que com ele privam de perto, que mantém nele a confiança que sempre tiveram como colega, ou subordinado e que com ele são responsáveis por dinheiros da Empresa à sua guarda, ou que do mesmo têm de prestar contas.
20 – Aguarda, pois, pelo exposto que a sanção disciplinar não seja mais grave que a suspensão do trabalho com perda de antiguidade e salário”.
São estes os factos.
*
3 – DIREITO 3-1
Ancorada na factualidade que fixou, veio a 1.ª instância a concluir pela omissão probatória dos factos imputados ao Autor na nota de culpa do processo disciplinar e, destarte, pela procedência integral da acção.
Com esteio numa pretensa confissão do Autor relativamente à essencialidade dos factos constantes daquela peça administrativa, a Ré reagiu recursoriamente para a Relação, pretendendo ver reconhecida essa confissão e a consequente justa causa do despedimento operado.
Viu, porém, rejeitada essa sua tese, sob o duplo fundamento de que a recorrente não especificara os concretos pontos de facto tidos por incorrectamente julgados e, ademais, porque os documentos coligidos se reportavam a “...uma factualidade substancialmente diferente da vertida na nota de culpa, estando, assim, esta longe de se poder considerar como confessada, quer na resposta à nota de culpa, quer nesse documento de fls. 8 do processo disciplinar”.
Mantendo incólume a factualidade atendível, limitou-se a Relação a confirmar a sentença apelada, cuja revogação exigia, por necessário, a alteração dessa factualidade.
Na presente revista, a Ré retoma integralmente a tese que já veiculara na apelação.
Deste jeito, o objecto do vertente recurso pressupõe a análise de duas questões, concretamente as de saber:
1ª - se se verificou, por parte do Autor, a confissão extrajudicial da essencialidade dos factos que lhe eram imputados na nota de culpa;
2ª - em caso afirmativo, se o Autor for despedido com justa causa. 3-2-1
Como dissemos, começou a Relação por observar que a Ré não cumprira integralmente os ónus previstos no artigo 690.º-A do Código de Processo Civil, visto que não elencou os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados.
Mas, se assim o entendia, cabia-lhe rejeitar, sem mais, o recurso na específica vertente da impugnação factual, visto ser essa a cominação estabelecida para a invocada omissão.
Como não o fez – e avançou para o concreto conhecimento da questão colocada – torna-se irrelevante que a Ré não haja censurado, na presente revista, aquele específico fundamento do Acórdão.
Ainda assim, e porque a matéria sob análise é de conhecimento oficioso, não deixaremos de lhe dedicar a devida pronúncia.
Na sequência da admissibilidade do registo das provas produzidas em audiência de julgamento, visando garantir um efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, o D.L. n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, veio aditar o assinalado artigo 690.º-A, impondo ao recorrente, quando esteja em causa a impugnação da decisão factual, um específico ónus de alegação, no que respeita à delimitação do recurso e à sua motivação (cfr. parte preambular do diploma).
Na parte ora útil, dispõe o sobredito preceito:
“1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2- (...)”.
Desde logo, cabe referir que não foi elaborada Base Instrutória, o que, de algum modo, não deixa de aliviar, em termos de precisão, o ónus alegatório previsto na transcrita alínea a).
Mister é que, nesse caso, o recorrente não deixe o tribunal perante dúvidas sobre a sua concreta censura.
A alegação da Ré no seu recurso para a 2.ª instância, não sendo um modelo de perfeição neste domínio, permite alcançar, ainda assim e de forma suficientemente perceptível, o seu desiderato.
Na verdade, o que a Ré pretende é ver dado como provado que o Autor viciou o selo aposto no passe da cliente BB, não já através da sua reprodução mecânica, como constava da nota de culpa, mas através da apropriação indevida do próprio selo, que pertencia ao passe de um outro cliente, para, de seguida, o vender à referida BB, validando-o para o mês de Junho de 2005 e apropriando-se do montante correspondente.
Em suma, pretende a recorrente que ficou provado o núcleo essencial da acusação que conduziu ao despedimento do Autor: a venda ilícita de uma senha, com apropriação do respectivo preço.
Quanto ao meio probatório invocado a favor dessa reclamada alteração factual, nenhuma dúvida se suscita: esse meio reconduz-se à confissão do próprio Autor, consubstanciada na resposta à nota de culpa e no documento de fls. 8.
Nenhuma razão se vislumbra, pois, para rejeitar o recurso com o analisado fundamento. 3-2-2
Antes de enfrentar a censura da recorrente, cabe recordar, em termos gerais, os poderes de sindicância que nos são conferidos nesta matéria.
Sendo aqui já aplicável o n.º 6 do artigo 712.º do Código de Processo Civil (artigos 8.º n.º 2 e 9.º do D.L. nº 375-A/99, de 20 de Setembro), que veda o recurso para o Supremo das decisões da Relação proferidas ao abrigo dos números precedentes daquele preceito, torna-se evidente que não nos cabe censurar se o Tribunal “a quo” fez um bom ou mau uso dos poderes correspondentes, a menos que essa censura decorra dos poderes próprios que o Supremo também possui em matéria de facto.
Esses poderes vêm previstos no artigo 722.º n.º 2 do referido compêndio, que assim estatui:
“O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.
Em correspondência com o comando transcrito, também o sequente artigo 729.º n.º 2 prevê como segue:
“A decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do artigo 722.º”.
Esse “caso excepcional”, que abarca as duas assinaladas excepções, integra uma violação do direito probatório material: compreende-se, por isso, a sua sindicância pelo Supremo, uma vez que as mesmas se reconduzem à violação de normas de direito substantivo, sendo que essa violação constitui, afinal, o fundamento específico do recurso de revista – artigo 721.º n.º 2.
A par disso, também o n.º 3 do citado artigo 729.º permite que o Supremo corrija as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis na matéria de facto, que impeçam a aplicação do regime jurídico adequado.
Em suma: A fiscalização probatória do Supremo está limitada à prova legal ou vinculada, isto é, aos meios de prova que tenham força probatória plena.
É o que sucede, em certos casos, com a “confissão”. 3-2-3
A confissão só tem força probatória plena contra o confitente quando seja escrita e feita em juízo, ou quando, sendo extrajudicial, conste de documento autêntico ou particular dirigido à parte contrária ou a quem a represente (artigo 358.º nºs 1 e 2 do Código Civil): se não reunir esses requisitos, fica sujeita às regras da livre apreciação do julgador (artigo 361.º do mesmo Código).
Ademais, a confissão é sempre indivisível, cabendo ao seu beneficiário aceitar como verdadeiros – a menos que prove a sua inexactidão – todos os factos ou circunstâncias que, acompanhando eventualmente o texto confessório, sejam susceptíveis de infirmar a eficácia do facto confessado e, bem assim, de modificar ou extinguir os seus efeitos – artigo 360.º, também do Código Civil.
Essa força probatória exige, desde logo, que a “confissão” tenha sido reduzida a escrito: consequentemente, importa analisar os documentos onde ela se acha pretensamente exarada, pois é sabido que a força probatória dos documentos também varia consoante a sua natureza.
Na análise de qualquer documento, há que apurar, antes de mais, a sua genuinidade – coincidência entre o autor material e o autor aparente – para, só depois, cuidar da sua força probatória.
No caso, a recorrente só invoca documentos particulares.
Recuando ao artigo 374.º n.º 1 do Código Civil, ali se consigna que “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (...)”.
E “o documento particular, cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento” – artigo 376.º n.º 1 do mesmo diploma.
Por outro lado, “Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos previstos para a prova por confissão” n.º 2 do mesmo preceito.
Finalmente, dispõe o artigo 394.º n.º 1, ainda do Código Civil, que “É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”. 3-2-4
Vejamos agora a concreta invocação documental da Ré, em abono da reclamada “confissão” do Autor.
Não se questiona – importa já dizê-lo – que tais documentos foram redigidos e assinados pelo recorrido, tendo como destinatária a Ré.
A pretensa declaração confessória, integrante do documento junto a fls. 8 do processo disciplinar (fls. 37 a 39 dos presentes autos), mostra-se reproduzida no ponto 11 – dos factos assentes.
Esse documento, intitulado “Participação de Ocorrências”, noticia que:
- em 2/6/05 foi detectado por um revisor da CP que o selo do passe combinado CP/Scotturb 2 A – nº 25166 apresentava uma coloração diferente da habitual, o que levou aquele funcionário a pedir à Estação de Algés que confirmasse a numeração relativa a Junho de 2005, a cujo mês se reportava a validade do selo;
- confirmada a discrepância da numeração, apurou-se que o selo em causa tinha sido vendido na bilheteira n.º1 daquela Estação em 31/1/05, “...ou seja, foi vendido, correctamente para o mês de Fevereiro 2005 e foi viciado para o mês de Junho 2005”;
- “confrontado com a venda indevida do selo viciado, o colaborador Sr. CC confessou o seu acto irreflectido”.
Como se vê, a sobredita “participação de ocorrências” não imputa ao Autor qualquer reprodução mecânica do questionado selo nem, tão pouco, qualquer participação sua no acto de venda ocorrido em 31/1/05, limitando-se a acusá-lo de uma venda indevida do selo viciado.
Ora, a declaração exarada pelo Autor no final daquela “Participação” reporta-se, naturalmente, aos factos nela descritos, que o Autor não questiona, antes os reconhece expressamente, dizendo que os praticou “... num momento de fraqueza, irreflectido, do qual me arrependo”, mais acrescentando que “...vou repor o valor do selo”.
Por seu turno, os factos constantes dos n.ºs 7 a 12 da resposta à nota de culpa corporizam a versão do próprio Autor sobre o ocorrido, em termos que não divergem substancialmente do falado documento de fls. 37 a 39: nessa resposta o Autor assume que a senha por si vendida “... à cliente a que alude a nota de culpa” – BB – fora descolada, também por si, do passe de um outro cliente, supostamente por se achar deteriorada, comportamento que “... assim impediu, na verdade, a Empresa de vender uma senha válida”, sendo que “... o arguido desde logo ressarciu a Empresa do prejuízo”.
A acusação basilar, dirigida ao autor na nota de culpa, traduz-se na venda de uma senha viciada com o sequente desvio do preço em seu proveito.
Qualquer declaratário normal interpretaria as supra reproduzidas declarações do Autor como uma expressa confissão desse facto.
A forma como, em concreto, se operou essa viciação não altera minimamente o referido comportamento infraccional, apenas relevando para efeitos de culpa.
Com efeito, é mais censurável reproduzir mecanicamente uma senha e guardar a reprodução durante quatro (4) meses para, então, proceder à sua venda (como diz a nota de culpa), do que descolá-la do cartão de um cliente – supostamente para a inutilizar – para, no próprio dia, a vender a outro cliente (como diz o Autor na resposta à acusação).
O primeiro comportamento evidencia uma premeditação – continuamente mantida durante um largo período – que já não se alcança no segundo. Mas apenas isso.
Como tal, não acompanhamos o entendimento da Relação, quando afirma que “... o que o autor reconhece é uma factualidade substancialmente diferente da vertida na nota de culpa, estando, assim, esta longe de se poder considerar como confessada, quer na resposta à nota de culpa, quer nesse documento de fls. 8 do processo disciplinar”.
De resto, o Acórdão também não esclarece em que consistiu, afinal, essa reconhecida factualidade, dita “substancialmente diferente”.
Pelo contrário, temos para nós que o Autor, ao confessar o núcleo essencial da infracção, reconhece uma factualidade substancialmente idêntica à da nota de culpa. 3-2-5
Ao contrário do que sucedia no passado, a acção de impugnação do despedimento segue, actualmente e sem especificidade alguma, a forma do processo comum declaratório.
Por isso, entendemos que a normação convocada a propósito do relevo probatório da confissão, na perspectiva civilista, se aplica aqui, sem embargo dos ditames constitucionais aplicáveis ao processo sancionatário.
Mas, ainda que fosse de acolher uma tese segundo a qual o direito sancionatório assume um cariz específico, que o aproxima do direito processual penal – em que a confissão só assume valor pleno quando for prestada pelo arguido na própria audiência e de forma livre, voluntária e sem reservas (artigo 344.º do C.P.P.), de onde decorre que, prestada noutras circunstâncias, a mesma só poderá eventualmente relevar se acompanhada de outros elementos de prova – sempre é certo que, no caso em apreço, a reconhecida confissão do Autor não surge isolada mas em parceria com outro suporte probatório também firmado nos autos.
Desde logo, o facto n.º 5 harmoniza-se em pleno com a versão dos factos trazida pelo Autor nos documentos analisados.
Acresce ter sido dado expressamente como provado – facto n.º 6 – que o Autor entregou à Ré a quantia correspondente ao questionado selo de assinatura.
Não faria o menor sentido que a palavra “entregue” não equivalesse a “devolver” ou a “repor”, pela elementar razão de que a simples entrega à empregadora do dinheiro apurado nas bilheteiras se insere nas obrigações funcionais do trabalhador que efectua a venda das senhas.
Se estivesse em causa o cumprimento dessa singela obrigação funcional, o facto n.º 6 seria totalmente inócuo, porque descontextualizado do tema em debate.
Esta interpretação – que não significa inferência – é consentida a este Supremo Tribunal e articula-se plenamente com a prova documental que analisámos.
Assim, aquela entrega, qualificada nos sobreditos termos, só pode entender-se no contexto do locupletamento indevido do valor correspondente.
E também se mostra apurado – factos nºs 1, 8 e 9 – que o Autor procedia funcionalmente à venda de títulos de transporte nas bilheteiras da Estação da CP sediada em Algés, local onde, segundo a mesma prova documental, foi vendida a senha questionada.
Esta firmada factualidade reforça e completa a confissão do Autor.
À luz do quadro normativo enunciado supra – 3.2.3 – essa confissão tem força probatória plena, impondo-se o seu reconhecimento factual.
Assim, aditam-se à matéria de facto os seguintes pontos:
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“No dia 31 de Maio de 2005, no exercício das funções referenciadas no ponto 9 -, o Autor vendeu à cliente BB o selo de assinatura combinado CP/ Scotturb 2 A, com o nº 25166, validando-o para o mês de Junho seguinte;
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O Autor apropriara-se previamente desse selo que pertencia ao passe de um outro cliente, supostamente para o inutilizar por o achar deteriorado, e locupletou-se com a quantia de €41,15, proveniente daquela venda”. 3-3-1
A solução ora avançada obriga-nos a apreciar a segunda questão colocada na revista.
O artigo 396.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 – aqui aplicável – define o conceito de “justa causa” de despedimento, promovido pela entidade patronal, como o “... comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Estabelece-se, logo após e a título meramente exemplificativo – n.º 2 do preceito – um quadro de comportamentos susceptíveis de justificar o despedimento.
Verifica-se, deste modo, que o citado compêndio recuperou integralmente o conceito de “justa causa” que, no regime de pretérito, constava do artigo 9.º n.º 1 da L.C.C.T..
Também se anota uma visível correspondência entre a enumeração exemplificativa do artigo 396.º n.º 2 e a que anteriormente se enunciava no artigo 12.º da L.C.C.T..
Assim – e tal como já acontecia no regime anterior – a transcrita noção legal de “justa causa” pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesma e nas suas consequências;
- um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto.
Por outro lado, cabe dizer que o apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente, no segundo elemento acima referenciado: impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho.
Relativamente à interpretação desta componente “objectiva” da justa causa, continua a ter plena validade o entendimento firmado no regime anterior:
- a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da manutenção vinculística;
- exige-se uma “impossibilidade prática”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto;
- e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.
Para integrar este elemento, torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela contém ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida (cf. Lobo Xavier in “Curso de Direito do Trabalho”, páginas 490 e segs.).
O Código do Trabalho de 2003 – artigo 396.º n.º 2 – tal como já fazia anteriormente a L.C.C.T. – artigo 12.º n.º 5 – também estabelece critérios de apreciação da justa causa: o grau de lesão dos interesses do empregador (em que, apesar de tudo e sem embargo da previsão específica do artigo 396.º n.º 3 alínea e), não se exige a verificação de danos), o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores, todas as outras circunstâncias, enfim, que relevem no caso, a aferir no contexto da gestão da empresa.
É dizer, em suma:
- que o conceito de justa causa pressupõe sempre uma infracção, ou seja, uma violação, por acção ou omissão, de deveres legais ou contratuais, nestes se incluindo os deveres acessórios de conduta derivados da boa fé no cumprimento do contrato;
- é sobre essa actuação ilícita que deve recair um juízo de censura ou de culpa e a posterior ponderação sobre a viabilidade de subsistência, ou não, do vínculo contratual. 3-3-2
A factualidade provada evidencia que o Autor se apropriou de uma senha, que realizara de um passe para, supostamente, a inutilizar, vendendo-a, de seguida, a um outro cliente e apropriando-se do preço respectivo.
Ao actuar deste jeito, o Autor violou o dever de lealdade, previsto no artigo 121.º al. e) do C.T. de 2003.
Tal dever corresponde a uma obrigação acessória de conduta conexionada com a boa fé, que pode ter conteúdo positivo ou negativo.
Entre as obrigações de conteúdo negativo perfila-se a de não subtrair bens do empregador e, por identidade manifesta, a de não se apropriar de valores que lhe seriam devidos.
Subjacente ao dever de lealdade, está o valor absoluto da honestidade e, porque assim é, de nada releva o valor concreto da apropriação.
A gravidade de um tal comportamento é tanto mais notória quanto é certo que o infractor actua em segredo o que facilita a impunidade e favorece situações de continuidade infraccional.
No caso dos autos, essa gravidade ainda mais se acentua, uma vez que as funções exercidas pelo Autor pressupunham, por parte da empresa, uma especial relação de confiança na sua pessoa.
Como evidente é também a sua culpa, que não sai diminuída por, eventualmente, ter agido sob um impulso momentâneo a que possa” não ter resistido”.
Também se não vislumbra que a confissão do Autor tenha, no caso, a virtualidade de diminuir significativamente a sua responsabilidade: confrontado com a divergência de numeração das senhas – a que vigorava para o mês de Junho de 2005 e a que constava da senha aposta no passe da cliente Benilde Santos – e sabendo-se, por simples exame da escala, quem vendera, no dia 31 de Maio, a senha viciada, não se vê que outra atitude, sem ser a confissão, pudesse ser plausivelmente assumida pelo Autor.
Não se aceita, por isso, que essa confissão haja contribuído decisivamente para a descoberta da verdade.
Por outro lado, a posição assumida pelo Autor na resposta à nota de culpa pode, legitimamente, ter tido o condão de “aligeirar” a produção probatória, já que esta é condicionada, como bem se entende, pelas teses assumidas na acusação e na defesa. 3-3-3
Aqui chegados, resta ponderar se o descrito comportamento do Autor tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
A este propósito, a doutrina e a jurisprudência vêm sublinhando o papel da confiança no vínculo laboral, acentuando a forte componente fiduciária da respectiva relação.
Concretamente, o S.T.J. tem reiteradamente afirmado que, ao quebrar-se a confiança entre o empregador e o trabalhador, deixa de existir o suporte mínimo para a manutenção dessa relação: porque o contrato de trabalho assenta numa base de recíproca confiança entre as partes, se o comportamento do trabalhador de algum modo abala e destrói essa confiança, o empregador interioriza legitimamente a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta.
Também Baptista Machado (in R.L.J., 118º, 330 e segs.) salienta que “... o núcleo mais importante de violações do contrato, capazes de fornecer justa causa à resolução, é constituído por violações do princípio da leal colaboração imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais, diz-se que se trata de uma quebra da “fider” ou da base de confiança do contrato (...). Esta é afectada quando se infringe o dever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos a que se subordina o contrato”.
Também Lobo Xavier acentua o relevo da confiança mútua, afirmando que integra justa causa, o “... comportamento que vulnera o pressuposto fiduciário do contrato “(in “Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho”, 1965, página 162).
Tudo o que já se disse sobre o comportamento do Autor, e o contexto em que o mesmo se produziu, levam à necessária conclusão de que a subsistência do vínculo laboral entre as partes se tornou imediata e praticamente impossível.
É de afirmar, pois, a justa causa do despedimento operado.
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4 – DECISÃO
Em face do exposto:
A- Concede-se a revista e revoga-se o Acórdão da Relação;
B- Julga-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a Ré do pedido.