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CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ESTADO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE DO CONTRATO
Sumário
I - A qualificação de uma relação jurídica como laboral não está dependente do nomem que ao negócio foi aposto no documento que o consubstancia, importando antes atender ao modo como esse negócio veio a ter execução, de acordo com uma prática não minimamente questionada pelas partes, e averiguar se dos termos dessa prática de execução redundam indícios bastantes que era a actividade a desenvolver e não o seu resultado aquilo que era desejado pelas partes e que essa prática se prosseguia perante uma relação de subordinação de quem exercia a actividade perante quem à mesma aproveitava.
II - Assim, a argumentação do empregador esteada nas circunstâncias do epíteto dado ao contrato escrito, das cláusulas nele apostas e da formação da trabalhadora (licenciada em direito) não poderá, por si só, conduzir à conclusão de que, no caso em apreço, não se poderia concluir pela existência de um negócio jurídico de cariz laboral.
III - O contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço diferenciam-se, essencialmente, pelo respectivo objecto e pelo relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação quanto ao primeiro ou de autonomia quanto ao segundo, sendo que em dadas situações revestidas de «nebulosidade» que rodeiam negócios jurídicos que têm por objecto a consecução de uma actividade de natureza técnica, se deva, à guisa de último reduto para atingir a qualificação contratual, apreciar qual o relacionamento que se processou entre as partes, de forma a determinar se houve, ou não, uma posição de supremacia da parte a favor da qual reverte a actividade desenvolvida, com a correlativa posição de subordinação do prestador dessa actividade, que assim a executa perante os ditames de instrução ou orientação da primeira.
IV - A posição de supremacia da parte a favor da qual reverte a actividade nem sempre se manifesta em cada momento por forma a que todo o desenvolvimento da actividade a prestar constitua uma mera execução de concretas instruções emanadas daquela parte, bastando, para aquilatar da sua existência, a possibilidade de emissão de ordens, instruções, direcção e conformação relativamente àquilo que a outra parte se comprometeu a realizar no âmbito do contrato ou dentro dos limites deste.
V - Num juízo global de apreciação de todos os factos-índices demonstrados no caso concreto, é de qualificar como contrato de trabalho aquele em que a A desenvolvia a sua actividade sujeita a ordens, instruções, directivas e orientações emanadas pelas pessoas com funções directivas de responsabilidade dos organismos do R, subordinação essa não condizente com a prossecução de uma mera actividade em que somente o respectivo resultado avultava para o R, quando este, até para efeitos externos, a considerava como uma “Técnica Superior” de um seu determinado organismo; a encarregava da efectivação de tarefas meramente administrativas; a sujeitava a controlo horário; a indicava para a frequência de acções de formação e cometia-lhe tarefas diferenciadas em organismos também diferenciados.
VI - Naquele juízo global, os indicados factos índices sobrelevam outros que, pelo seu mais diminuto relevo, apontariam para a existência de um contrato de prestação de serviço, como são as circunstâncias de estar demonstrado que a A não recebia subsídio de férias, de o valor da sua retribuição ser acrescido de IVA, de nunca lhe ter sido pago o subsídio de refeição, de o R não fazer descontos para a Segurança Social e de a A apresentar a sua declaração de IRS na qualidade de trabalhadora independente.
VII - A relação contratual estabelecida entre A e R, qualificada de contrato de trabalho e que perdurou de 1 de Fevereiro de 2001 até 16 de Julho de 2006, por não ter sido realizada nos termos do disposto nos art.º 14º, n.º 1 e 43.º, n.º 1 do DL nº 427/89, onde se estabeleceram princípios gerais em matéria de emprego público, de natureza imperativa, está ferida de nulidade.
VIII - A nulidade de um contrato de índole laboral não determina os efeitos que se prescrevem no art.º 289.º, n.º 1 do CC pois, quer nos termos do art.º 15.º da LCCT, quer do art.º 115.º do CT, o contrato declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, incluindo os próprios actos extintivos.
IX - O envio pelo R, em 16 de Maio de 2006, de uma carta a comunicar a “denúncia” do contrato, sendo este qualificado como de trabalho, representa uma ilícita cessação, por não ancorada em qualquer das situações previstas no CT para a caducidade ou para a resolução por iniciativa do empregador, não podendo essa comunicação ser considerada como a invocação da nulidade desse contrato.
X – Neste contexto, pela ilícita cessação do contrato por iniciativa do R., tem a A direito a receber os salários intercalares, calculados desde a data do envio dessa carta e até à data da notificação à A da contestação apresentada nos autos, onde o R, e só aí, invoca a nulidade do contrato.
Texto Integral
1. Pelo 3º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa intentou a Licª AA contra o Estado Português – Ministério da J... –, acção de processo comum, solicitando que fosse declarado ilícito o despedimento que invocou ter sido alvo, que o réu fosse condenado a reintegrar a autora ou, em caso de assim ela optar, que fosse condenado a pagar-lhe a indemnização devida, e fosse ainda condenado a pagar-lhe a quantia global de € 31.263,61 ou de € 20.343,97, consoante não viesse, ou viesse, a haver opção pela reintegração, além dos quantitativos devidos a título de retribuição, férias, subsídios de refeição, de férias e de Natal, além de juros.
Para alicerçar os seus pedidos, invocou, em síntese: –
– que exerceu funções de consultoria na área de resolução alternativa de conflitos na Direcção-Geral da Administração Extrajudicial desde 1 de Fevereiro de 2001 até 14 de Julho de 2006, primeiramente na sequência de convites que lhe foram formulados pelo réu em 29 de Dezembro de 2000 e em Junho de 2001 e, depois, na sequência de um contrato que foi denominado de prestação de serviço – avença –, celebrado pelo prazo de seis meses renováveis e com início em 1 de Outubro de 2001;
– após sucessivas renovações desse contrato, em 16 de Maio de 2006 foi à autora comunicado pelo réu que tal contrato terminaria em 16 de Julho seguinte;
– a autora recebia ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, cumpria um horário de trabalho de sete horas diárias, num total de 35 horas semanais, exercia funções nas instalações do réu, que lhe disponibilizou gabinete, secretária e o material necessário ao seu exercício de funções, tinha e-mail personalizado, extensão telefónica própria, eram-lhe abonadas ajudas de custo nas deslocações que fazia, gozou sempre 22 dias úteis de férias pagas, não obstante não receber o respectivo subsídio, as funções que exerceu correspondiam a necessidades permanentes da Administração Pública, estava integrada na orgânica do réu, exercia o seu trabalho em regime de exclusividade, sendo o vencimento que lhe era pago – € 1.187,13 e, a partir de Janeiro de 2005, € 1.213,26 – a sua única fonte de rendimento;
– por isso, o contrato em questão deve ser considerado como um contrato de trabalho e, dadas as suas renovações, deve ser entendido como tendo passado a ser um contrato sem termo;
– o réu nunca lhe pagou subsídios de alimentação, férias e de Natal;
– a cessação do contrato operada pelo réu deve ser entendida como um despedimento sem justa causa.
Contestou o réu, representado pelo Ministério Público, aduzindo, em súmula que: –
– o contrato invocado pela autora não era um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviço na modalidade de avença, nos termos do quadro traçado pelo Decreto-Lei nº 41/84;
– ainda que viesse a considerar-se tratar-se de um contrato de trabalho a termo certo, ele não podia conferir à autora a qualidade de agente administrativo ou de funcionário, nos precisos termos do regime instituído pelo Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, bem como nunca se poderia converter em contrato de trabalho sem termo;
– de todo o modo, se o contrato em causa foi estabelecido fora dos condicionalismos previstos nos artigos 18º e 20º daquele diploma, então deveria ele ser considerado nulo, idêntica consequência – a da nulidade – advindo se se concluísse que a relação estabelecida entre autora e réu configurava um contrato de trabalho sem termo;
– não existia qualquer relação de subordinação entre a autora e o réu, nunca ela tendo estado integrada na estrutura e cadeia hierárquica deste, submetida a horário de trabalho e controlo de assiduidade, interessando ao mesmo réu apenas o resultado da actividade da autora;
– foi válida a cessação, operada pelo réu, do contrato em questão.
Respondeu a autora à contestação do réu, sustentando não proceder a nulidade por este invocada, reiterando o que já defendera no petitório e ampliou a causa de pedir, no sentido de, a proceder uma questão de nulidade, esta afectaria, não a nulidade do contrato, mas sim a estipulação do termo
Prosseguindo os autos seus termos, com dispensa da selecção da matéria de facto, e a após a autora ter vindo aos autos declarar que optava pela reintegração, foi, em 28 de Abril de 2008, proferida sentença que: –
– declarou que entre a autora e o réu foi celebrado um contrato de trabalho nulo, nulidade que operou a partir de 15 de Março de 2007 (data da notificação à autora da contestação do réu, na qual foi feita a invocação da nulidade do contrato);
– julgou ilícito o despedimento da autora;
– condenou o réu a pagar à autora a quantia de € 24.689,33, além de juros, a que se deduziriam as importâncias que ela, comprovadamente, tivesse obtido com a cessação do contrato e não teria percebido se não ocorresse o despedimento e, bem assim, as importâncias de subsídio de desemprego que tivesse auferido, devendo estas últimas serem entregues pelo réu à Segurança Social;
– absolveu o réu do pedido de reintegração da autora.
Do assim decidido apelou o réu para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Sem sucesso o fez, já que aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 12 de Março de 2009, negou provimento à apelação.
Continuando irresignado, vem o réu pedir revista, finalizando a alegação adrede produzida com o seguinte núcleo conclusivo: –
“1. As questões essenciais postas à decisão desse Supremo Tribunal são a da natureza do contrato em análise nos autos e a da licitude da cessação desse contrato por comunicação escrita que o Réu enviou à Autora. 2. Dos factos dados como provados nos autos resulta que se está perante um contrato de prestação de serviço[ ]. 3. Contudo, o douto Acórdão sob recurso qualificou a relação contratual estabelecida entre as partes como um contrato de trabalho subordinado, acentuando a subordinação económica da Autora, o facto de a mesma prestar a sua actividade nas instalações do Réu e de receber ordens e directivas das chefias dos serviços da DGAE onde exerceu funções, e justificando o facto de a Autora ter outorgado um contrato de prestação de serviços, cujo alcance jurídico conhecia, por a mesma ‘... representar o elo mais fraco a prover, quiçá com que necessidade, pela obtenção do seu próprio meio de subsistência’. 4. Salvo o devido respeito, afigura-se-nos, pelo contrário, que estamos perante um contrato de prestação de serviço[ ]. 5. E que nem a subordinação económica nem a alegação de que a Autora era o elo mais fraco e necessitava de prover ao seu sustento, ou o facto de receber ordens e directivas[,] são susceptíveis de transformar o contrato de avença em contrato de trabalho subordinado. 6. Já que nenhum desses elementos é susceptível de qualificar o contrato em questão como de trabalho subordinado. 7. Por outro lado, o douto acórdão não deu qualquer relevo quer à vontade contratual das partes, ínsita no contrato que subscreveram, quer a factos provados nos autos que indiciam que a relação estabelecida foi, efectivamente, a de prestação de serviço[ ], em regime de avença. 8. O Acórdão recorrido desatendeu expressamente factores relevantes como sejam o nome e o clausulado constante do contrato celebrado entre a Autora e o Estado Português, os quais nunca deveriam ter sido desvalorizados, pois, tal como refere, a este propósito, o Acórdão desse Supremo Tribunal de 17.10.2007 (Pº nº 07S2187) ‘Tratando-se de contrato escrito, o nomen j[u]ris que lhe foi dado pelas partes e o regime que nele foi consignado para regular a relação jurídica entre elas estabelecida, não sendo decisivos para a qualificação jurídica da mesma, não deixam de ser importantes para apurar a vontade real das partes, sobretudo se estas forem pessoas instruídas e cultas.’ (No mesmo sentido, o Ac. do TRL de 9.4.2008, Proc. 1466[/]08). 9. Ora, no caso em apreço, é de salientar que, sendo a Autora licenciada em direito e jurista de profissão, encontrava-se suficientemente habilitada, do ponto de vista jurídico, para conhecer e avaliar o sentido e alcance do nomen iuris e das cláusulas do contrato que celebrou, nos exactos termos nele exarados (cf. preâmbulo do contrato), bem como no que poderia e deveria traduzir-se a sua execução prática. 10. Numa época em que já há muito se reconheceu a influência e importância da qualificação das pessoas na sua carreira e no seu percurso profissional, não é lícito nem se afigura justo para o comum dos cidadãos a aceitação e a afirmação de que uma pessoa culta, academicamente qualificada, para mais com formação na área jurídica, não foi capaz de entender o conteúdo e de apreender o alcance das cláusulas do contrato que, de forma inequívoca, declarou desejar celebrar. 11. E, salvo o devido respeito, não pode acolher-se a tese explanada no Acórdão relativa ao estado de necessidade da Autora, já que, em princípio, todos os adultos têm necessidade de prover a sua subsistência, o que não tem qualquer significado para a qualificação da natureza das relações contratuais em que participam. 12. Acresce que a forma de contratação da Autora – como avençada – se encontra expressamente exarada no preâmbulo do contrato, sendo irrelevante o facto de o mesmo não ter sido redigido pela Autora[,] já que, por norma, não é o trabalhador ou o prestador de serviços que redige o contrato. 13. Ora, como resultou provado – A Autora é jurista e nessa qualidade celebrou com o Réu o contrato de prestação de serviço[ ] em regime de avença cujos termos constam do ponto 3 da matéria de facto. – A Autora nunca recebeu subsídio de férias. – Pelo desempenho das suas funções a Autora auferia o montante mensal de € 1213,26[,] a que acrescia o respectivo IVA, estando igualmente sujeita a retenção na fonte de IRS. – O Réu nunca pagou à Autora subsídio de alimentação. – A Autora não assinava livro de ponto[,] nem havia quanto à sua pessoa qualquer registo de assiduidade nem mapa de férias aprovado. – Na remuneração da Autora, o Réu não efectuava descontos para a Segurança Social. – A Autora preenchia as declarações de IRS na qualidade de trabalhadora independente. 14. Há, ainda[,] que ter em conta o teor das cláusulas 4ª (pagamento da remuneração à Autora através da apresentação do recibo Modelo 6), 53 (exclusão de subordinação hierárquica, exclusão da qualidade de agente e do regime legal da função pública) e 8ª (consequências do incumprimento do contrato; pagamento dos encargos inerentes, através da dotação inscrita na rubrica de pessoal em regime de tarefa e de avença) do doc. de fls. 21 e segs., para concluir pela inexistência, desde o início, de qualquer contrato de trabalho subordinado entre as partes (neste sentido, e analisando idênticos indícios, se pronunciou esse STJ, no Ac. de 17.10.2007 supra mencionado). 15. Todos estes factos indiciam que entre a A. e o Estado Português nunca foi celebrado nem executado qualquer contrato de trabalho subordinado mas, tão-só, um contrato de prestação de serviço[ ] de assessoria, em regime de avença, tal como consta da declaração de ambos os outorgantes, a fls. 21 e segs. 16. Precisamente por se tratar de um contrato de prestação de serviço[ ] é que a Autora não recebia subsídio de refeição, nem subsídio de férias[,] nem subsídio de Natal, não assinava o livro de ponto, não estava inscrita na Segurança Social[,] nem foram feitos descontos pelo Réu para qualquer sistema de previdência, não constava do mapa de férias do MJ (apesar de sempre ter gozado 22 dias úteis por ano), e, perante o Fisco, assumia-se e declarava-se como trabalhadora independente. 17. Sendo que a A., na sua qualidade de jurista, tinha pleno conhecimento e consciência de qual o regime em que fora contratada e, por esse motivo, nunca questionou a execução do contrato durante a vigência do mesmo. 18. Aliás, a este propósito, revendo-se em jurisprudência anterior e ancorando-se em posições doutrinais, sustentou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 3.3.2005 (Pº 04S358l, www.DGSI.pt) que ‘(…) não basta o preenchimento, em abstracto, de um ou mais indícios apontados como susceptíveis, em princípio, de revelar a subordinação, para se poder concluir que se está perante um contrato de trabalho. Nem basta que o número de indícios nesse sentido seja maior que o dos indícios que apontam em sentido inverso. (...) Em qualquer caso e para além daqueles indícios, há que levar em conta, nos casos em que haja contrato escrito, a qualificação jurídica que as partes lhe atribuíram e, tratando-se de negócios que têm por objecto actividades que são próprias das profissões liberais, deve presumir-se que são contratos de prestação de serviço[ ].’ 19. Sendo que nesse caso, tal como neste, o Autor era advogado e recebia directivas e orientações, por vezes integradas em Ordens de Serviço, do Director do Contencioso. 20. As quais, porém, ‘(...) não são incompatíveis com o contrato de prestação de serviços, pois, como é evidente, neste tipo de contrato o beneficiário da actividade sempre terá de dar orientações ao prestador da actividade no sentido de este obter o resultado nos moldes pretendidos.’ (conforme o citado aresto desse STJ). 21. Acresce que, não tendo sido alegada nem resultado provada a existência de qualquer vício da vontade da Autora aquando da celebração do contrato com o Ministério da Justiça, terá, forçosamente[,] de concluir-se que as partes quiseram celebrar e celebraram livremente um contrato de prestação de serviço[ ] em regime de avença, tal como se encontra plasmado no preâmbulo e resulta das cláusulas do documento de fls. 21 e segs. 21. Considerou, porém, o Acórdão recorrido tratar-se de uma relação de trabalho subordinada, declarando a sua nulidade. 22. Ora, e sem conceder, ainda que se tratasse de um contrato de trabalho subordinado, sempre teriam que ser outras as consequências a extrair pelo Tribunal ‘a quo’, já que, como prescreve o art. 10º, nº 6 do DL 184/89, de 2/6 [,][ ] ‘são nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução.’ 23. Assim sendo [ ], haverá que concluir (como doutamente decidiu o Acórdão do STJ de 8.11.2006) que ‘No momento em que foi proposta a acção, o contrato já não vigorava por ter sido denunciado pela Administração, o que não impede o tribunal de declarar a nulidade do contrato, por aplicação do disposto no art. 10º, nº 6 do DI nº 184/89.Todavia, o que ressalta dessa disposição, tal como se considerou no acórdão do STJ de 5 de Julho de 2001 (Processo nº 884/01), relativamente à norma similar do art. 15º, nº 1, da LCT, é que se hão-de ter como validamente produzidos os efeitos de direito que resultam do contrato tal como ele foi celebrado entre as partes, o que significa que o autor, por referência ao período de execução do contrato, não poderá reclamar quaisquer diferenças salariais ou outros direitos estatutários que pudessem derivar da qualificação jurídica da relação contratual como contrato de trabalho subordinado.’ 24. E, como no caso dos autos, a Autora recebeu a sua remuneração mensal durante a execução do contrato que celebrou com o Estado, nada mais lhe é devido, sob pena de violação do supracitado normativo legal. 25. Por outro lado, na carta em que comunicou à Autora a cessação do contrato de prestação de serviços, o Estado invocou a impossibilidade legal da sua continuidade, concretamente, através da justificação contida no antepenúltimo parágrafo «(...) Com estas aquisições, deixa de se verificar o requisito para que os serviços públicos possam recorrer à contratação mediante contratos de avença previstos no art. 17º, nº 3 do Decreto Lei 41/84, ou seja, não existirem no serviço funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença» – ponto 6 dos factos provados. 26. O Réu justificou a denúncia do contrato com a Autora por terem desaparecido os fundamentos legais que haviam permitido a sua anterior celebração, nos termos do art. 17º, nº 3 do DL 41/84, ou seja, invocou a impossibilidade legal de manutenção do contrato, pelo [que] não pode deixar de se entender que invocou a sua nulidade e que tal denúncia foi perfeitamente lícita e, até, legalmente exigível. 27. Assim, não restam dúvidas de que o Estado, na comunicação feita à Autora, em Maio de 2006, invocou a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, por terem cessado os requisitos legais ao abrigo dos quais fora celebrado o contrato entre as partes, não sendo possível ficcionar um despedimento ilícito, como fez o Acórdão recorrido, para daí retirar a ilação de que a Autora tem direito a haver do recorrente o montante das retribuições intercalares vencidas e vincendas. 28. Em sentido oposto ao do Acórdão recorrido e em situações idênticas, decidiu o próprio Tribunal a quo, designadamente, nos acórdãos proferidos em 26.5.2004 e em 4.7.07 (Processos nºs 7342/01 e 4798/07), dos quais se releva o seguinte excerto decisório: ‘A cessação de uma relação de trabalho inválida pode ser promovida em qualquer altura e qualquer que seja o motivo, sem qualquer dos fundamentos previstos na lei para a denúncia do contrato válido.’ 29. Tendo em conta os factos assentes, constata-se que a Autora e o Réu celebraram entre si (e executaram durante anos) um contrato de prestação de serviço[ ], em regime de avença e não um contrato de trabalho subordinado, pelo que se impõe a absolvição da totalidade do pedido. 30. Contudo, ainda que se tratasse de um contrato de trabalho subordinado (o que se não aceita), nunca haveria fundamento para a condenação do Estado, já que o Réu denunciou esse contrato invocando a impossibilidade legal da sua manutenção, a sua invalidade superveniente por contrário à lei. 31. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do TRL de 9.4.2008, proferido no processo 1466/2008[,] que declarou lícita a cessação de um contrato promovida pelo Estado, nos seguintes termos: ‘Se o empregador puser termo a um contrato de trabalho nulo ou anulável, invocando a sua invalidade, a cessação será considerada lícita e o trabalhador terá apenas direito às prestações correspondentes ao tempo em que o contrato esteve em execução(...). (...) A cessação do contrato será sempre lícita, desde que o empregador invoque, por qualquer forma, a sua desconformidade com a lei ou faça uma qualquer referência, ainda que menos rigorosa, à impossibilidade legal da sua subsistência.’ (cf. sumário in www.DGSI.pt) 32. Nestes termos, e, salvo melhor opinião, o douto Acórdão recorrido efectuou um incorrecto enquadramento legal dos factos assentes, interpretando erradamente e violando o disposto nos arts. 1152º e 1154º do Código Civil, art. 1º da LCT (DL 49408, de 24.11.1969), art. 17º, nº 3 do DL 41/84, art. 10º, nºs 1, 2 e 6 do DL 184/89, de 2.6 (com as alterações introduzidas pela Lei 25/98, de 26.5), arts. 3º, 14º e 43º, nº 1 do DL 427/89, de 7.12, art. 13º do DL 874/76, de 28.12, art. 15º da LCT e 13º do DL 64-A/89, de 27.2 (arts. 115º, 116º e 437º do CT, se fosse caso da sua aplicabilidade). 33. Termos em que, concedendo-se a revista, deverá o douto Acórdão ser revogado e substituído por outro que absolva o Estado Português da totalidade do pedido.”
Respondeu a autora à alegação do réu, defendendo o acerto da decisão de que se pede revista.
Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II
1. Pelo aresto sob censura, e sem questionamento por banda das partes, foi dado como assente o seguinte quadro fáctico: –
– 1) a autora, licenciada em Direito, exerceu actividade na Direcção-Geral da Administração Extrajudicial (DGAE) desde 1 de Fevereiro de 2001 até ao dia 14 de Julho de 2006; – 2) a actividade da autora, de 1 de Fevereiro até Maio de 2001, foi a prestação remunerada de serviço de consultadoria na área da resolução alternativa de conflitos, no âmbito do projecto de criação dos julgados de paz, e a preparação da lei-quadro dos meios alternativos da resolução de conflitos, no Gabinete de Estudos; – 3) em 28 de Setembro de 2001, autora e réu outorgaram o escrito redigido pelos serviços d[este último] e dado [àquela] para assinar – cuja cópia consta como documento 1 de fls. 21 a 23, que se dá aqui por reproduzido –, intitulado “Contrato de prestação de serviços – avença”, onde, além do mais, consta: –
“Primeira Outorgante – A Direcção Geral da Administração Extrajudicial (DGAE) do Ministério da J... (...) Segunda Outorgante – Licenciada AA (...)
Cláusula primeira (Objecto)
A Segunda Outorgante obriga-se a prestar serviços de assessoria através da elaboração de pareceres e relatórios técnicos e de diplomas normativos relativos à mediação familiar quer tendo em vista o acompanhamento da actividade do Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa, quer a instalação de outros gabinetes congéneres.
Cláusula Segunda (Prazo)
O presente contrato de avença tem o seu início de vigência em 1 de Outubro de 2001, vigorará até 31 de Março de 2002 e poderá ser renovado por períodos de seis meses se não for denunciado por qualquer uma das partes, sem direito a indemnização, com a antecedência mínima de sessenta dias.
Cláusula terceira (Remuneração)
A Primeira Outorgante compromete-se a pagar à Segunda Outorgante, pelos serviços objecto deste contrato a quantia mensal de € 1187,14 (mil cento...) acrescida de IVA à taxa legal.
Cláusula Quarta (Pagamento)
O pagamento da remuneração mensal (...) será efectuado (...) mediante apresentação de recibo Modelo 6, a que se refere o nº 1 do art. 107º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Cláusula Quinta (Regime Jurídico)
O presente contrato não confere à Segunda Outorgante a qualidade de agente, não ficando sujeito à subordinação hierárquica, nem ao regime legal da Função Pública.
Cláusula Sexta (Sigilo Profissional)
(...)
Cláusula Sétima (Meios Técnicos)
A Primeira Outorgante obriga-se a fornecer à Segunda Outorgante os documentos e meios necessários para a boa execução dos serviços contratados.
(...)”;
– 4) em 1 de Janeiro de 2002, foi outorgado um «Aditamento ao Contrato de Prestação de Serviços», nos termos do documento 2 de fls. 24, que se dá aqui por reproduzido e onde, além do mais, consta:
“Cláusula única (Deslocações em serviço)
A Segunda Outorgante aceita realizar as deslocações de serviço, em território nacional ou ao estrangeiro, inerentes ou necessárias ao desempenho das suas funções, sendo, nesse caso, devidos o valor mínimo das ajudas de custo, nos termos legais. Os encargos inerentes ao presente contrato serão suportados, pelo orçamento da DGAE, através de dotação inscrita nas rubricas (...) – Pessoal em regime de tarefa e avença e (...) – Ajudas de Custo.”;
– 5)o aditamento ao contrato foi redigido pelos serviços do réu e dado à autora para assinar; – 6) no dia 16 de Maio de 2006 foi comunicado à autora, através do escrito cuja cópia consta como documento 3 de fls. 25, assinado pelo Director-Geral, Filipe Lobo d’Ávila:
“Assunto: Contrato de Prestação de Serviços No início do presente mês de Maio, iniciaram funções nesta Direcção-Geral dois colaboradores ao abrigo do Programa Estágios Profissionais na Administração Pública, instituído pelo Decreto-Lei n.º 326/99 de 18 de Agosto. A este facto acresce a conclusão do concurso de selecção e recrutamento de três técnicas superiores de 1ª classe, que preencheram três vagas do quadro de pessoal desta Direcção-Geral, as quais iniciaram as suas funções no decorrer do passado mês de Setembro. Com estas aquisições, deixa de se verificar o requisito para que os serviços públicos possam recorrer à contratação mediante contratos de avença previstos no artigo 17º nº 3 do Decreto-Lei 41/84, ou seja, não existirem no serviço funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença. Deste modo, nos termos da cláusula segunda do contrato de prestação de serviços celebrado em 28 de Setembro de 2001, venho comunicar a V. Exa a denúncia do mesmo, pelo que deste deixará de produzir efeitos em 16 de Julho de 2006. Deste modo, dá-se cumprimento ao requisito previsto na cláusula segunda do referido contrato, ou seja, a denúncia é efectuada com uma antecedência superior a 60 dias.
(...)”; – 7) a partir de Maio de 2001, a autora desempenhou funções no Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa; – 8) aí, no Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa, sob a coordenação imediata da Chefe de Divisão de Mediação, Conciliação e Arbitragem, Drª L... A... I..., deu apoio técnico jurídico ao funcionamento do Gabinete, nomeadamente colaborando no atendimento inicial dos utentes, elaborando respostas a informações solicitadas pelos Tribunais sobre a actividade do Gabinete e participando no estudo e elaboração de um projecto de código deontológico para mediadores; – 9) ao mesmo tempo, desempenhava as tarefas que eram determinadas pela Directora-Geral, Drª C... O..., ou pelo Subdirector-Geral, e que consistiam na elaboração de informações e pareceres sobre propostas/projectos de diploma versando matérias relativas aos meios alternativos; – 10) tudo isto até Setembro de 2002; – 11) a partir dessa data, a autora passou a exercer funções na DSADT (Direcção de Serviços de Acesso ao Direito e aos Tribunais), sob a coordenação da Directora de Serviços, Drª M... A..., onde se manteve até Janeiro de 2006; – 11-A) na DSADT, a autora dava não só apoio técnico-jurídico ao funcionamento dos Gabinetes de Consulta Jurídica, designadamente através do controlo mensal das despesas apresentadas pelos mesmos e da responsabilidade do Ministério da Justiça; – 12) como elaborava pareceres relativamente aos pedidos de honorários de defensores oficiosos no âmbito da promoção da resolução de litígios por meios alternativos; – 13) por determinação da Directora Geral de então, entre Setembro e Dezembro de 2003, a autora exerceu, em simultâneo, funções na DPJP (Divisão para a Promoção dos Julgados de Paz), uma das divisões da DSRAL (Direcção dos Serviços para a Resolução Alternativa de Litígios); – 14) onde, sob a coordenação da Chefe de Divisão, Drª T... A..., deu apoio técnico jurídico no âmbito da instalação e acompanhamento dos julgados de paz do Agrupamento dos Concelho de Oliveira do Bairro, do Agrupamento dos Concelhos de Santa Marta de Penaguião e Julgado de Paz de Vila Nova de Poiares; – 15) em Janeiro de 2004, e tendo iniciado funções novo Director-Geral, que procedeu a reajustamentos internos nos recursos de pessoal, a autora ficou de novo a exercer funções apenas na DSADT, sob a coordenação da Directora de Serviços, Drª M... M... A...; – 16) em Março/Abril de 2004, e uma vez que a equipa da DSADT vinha prestando um bom desempenho, decidiu o Director-Geral cometer à referida Direcção atribuições da DSRAL (Direcção dos Serviços para a Resolução Alternativa de Litígios); – 17) na sequência do que a autora passou a dar apoio técnico-jurídico, elaborando informações e pareceres, quer na área da mediação, quer na área da arbitragem, designadamente a colaboração na proposta de alteração da Portaria nº 81/2001; – 18) em Fevereiro de 2006, com a saída da Directora de Serviços, Drª Manuela Araújo, a autora foi transferida da DSADT para a DSRAL/DPJP, onde se manteve até à data em que cessou a prestação da sua actividade no réu; – 19) para além das funções referidas, coube à autora a representação do Estado Português (Ministério da Justiça/Direcção-Geral da Administração Extrajudicial) nas reuniões em Bruxelas, que tiveram lugar em 18 de Fevereiro de 2002, 15 de Maio de 2002, 14 de Outubro de 2002, 30 de Junho de 2002, 1 de Julho de 2004 e 2 de Julho de 2004; – 20) todas no âmbito da Comissão Europeia e com vista à criação de uma rede extrajudicial de conflitos de consumo transfronteiriços, à excepção da reunião ocorrida em 2 de Julho de 2004, na qual foi apresentado o Código Europeu de Conduta para Mediadores; – 21) a Directora-Geral da DGAE, Drª C... O..., comunicou à DGAC – Ministério dos Negócios Estrangeiros, com referência à reunião de 18 de Fevereiro de 2002: –
“Assunto: Rede Europeia Extrajudicial (EEJ-NET) – Reunião a 2002-02-18 Relativamente à reunião em epígrafe e em resposta ao vosso fax de hoje, vimos por este meio informar que, na referida reunião irá estar presente a Srª Drª C... M... técnica superior desta Direcção Geral”;
– 22) a autora foi à reunião de 15 de Maio de 2002 em substituição da Directora de Serviços, Drª M... A..., para o que teve de ser autorizada pela então Ministra da Justiça, Drª C... C...; – 23) nas reuniões de Junho e Julho de 2004, a autora foi em substituição do Subdirector-Geral, Dr. A... T... D..., tendo sido, para esse efeito, nomeada pelo Director-Geral, Dr. F... L... d’Á..., por despacho de 28 de Junho de 2004, onde, além do mais, consta: –
“1. No dia 9 de Junho de 2004 foi recebido nesta Direcção-Geral um convite, endereçado pela Comissão Europeia, com vista à designação de um representante para participar na Reunião de Apresentação do Código Europeu de Conduta para Mediadores, no dia 2 de Julho de 2004.
(...) 3. No dia 15 de Junho de 2004, esta Direcção-Geral foi convocada pela Comissão Europeia para a reunião da Rede Europeia Extrajudicial que se realizará nos dias 30 de Junho e 1 de Julho de 2004. 4. Da Agenda da Reunião da Rede Europeia Extrajudicial consta, além de outros pontos, o ponto de situação quanto à representação do Código Europeu de Conduta para Mediadores bem como da Proposta de directiva em matéria de mediação. 5. Estando na natureza da Direcção Geral da Administração Extrajudicial (i) a coordenação e o acompanhamento das acções que importem a criação, divulgação e funcionamento dos meios extrajudiciais de composição de litígios, designadamente a mediação, conciliação e arbitragem, bem como (iii) desenvolver as diligências necessárias à participação de Portugal na Rede Europeia Extrajudicial, é tida como essencial para a prossecução dos seus desígnios a representação na referida reunião. 6. Para este efeito, nomeio como substituta do Dr A... T... D... a Drª C... M..., Técnica Superior, como representante desta Direcção-Geral nas referidas reuniões. 7. Para este efeito, no âmbito das competências que me foram delegadas pelo Despacho (...) autorizo a referida deslocação a Bruxelas da Senhora Técnica Superior, Drª C... M... e determino que lhe sejam processados 4 dias de ajudas de custo nos termos do artigo 2º nº 1 alínea b) do Decreto Lei nº 192/95 de 28 de Julho e da Portaria nº 205/2004 de 3 de Março.”;
– 24) no âmbito do mesmo projecto, a autora esteve presente, nas reuniões de concertação de posições, com o Instituto do Consumidor, organismo português que participava também no referido projecto; – 25) em 29 de Outubro de 2001, a Directora-Geral da DGAE, Drª C... O..., enviou ao Presidente do Instituto do Consumidor o escrito onde além de mais se lê: –
“Na sequência da vossa comunicação em referência, informo V. Exa que designei a Senhora Drª C... M... como membro da comissão de acompanhamento, em representação desta Direcção Geral, da fase experimental da instalação do ponto de contacto nacional, para efeitos do desenvolvimento da EEJ –Net.”;
– 26) em 11 de Fevereiro de 2002, a Directora-Geral da DGAE, Drª C... O..., enviou ao Presidente do Instituto do Consumidor o escrito onde além de mais se lê: –
“Conforme acordado em reunião havida em 25 de Setembro pretérito, foi criada, integrando técnicos designados por cada uma das nossas Instituições, uma “comissão de acompanhamento informal” dos trabalhos que estão a ser desenvolvidos pela Comissão Europeia, na fase experimental da instalação do ponto de contacto nacional, no âmbito da EEJ-Net, tendo em vista a assunção, em relação ao assunto, de uma posição consensual por parte da representação portuguesa nas reuniões que tivesse lugar. Na sequência desta decisão (...) foi designada, para o efeito, por esta Direcção Geral, a Senhora Drª C... M... (...)”;
– 27) quando a autora começou a prestar a sua actividade na DGAE, a Directora-Geral, Drª C... O..., dava-lhe ordens, dizendo-lhe o que tinha de fazer e como fazer; quando esteve a prestar a sua actividade no Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa, a Chefe de Divisão, Drª L... A... I..., ordenava-lhe que procedesse à realização de tarefas e dava-lhe indicações sobre a forma como as realizar, pois a autora não tinha nenhum conhecimento nessa área; quando esteve a prestar a sua actividade sob a coordenação da Directora de Serviços, Drª M... M... A..., na DSADT, esta ordenava-lhe que procedesse à realização de tarefas e dava-lhe orientações técnicas sobre a forma de as realizar; – 28) à autora foi dito que tinha de prestar a sua actividade cumprindo 7 horas diárias e 35 horas semanais, sendo que, no período em que esteve no Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa, tinha de cumprir o horário de abertura ao público das 9 horas e 30 minutos às 12 horas e 30minutos e das 14 horas às 17 horas e 30 minutos, o que fazia, mas, nos restantes Serviços da DGAE em que prestou a sua actividade, não lhe era exigido o cumprimento de hora de entrada e de saída, a não ser a partir do momento em que entrou um novo Director-Geral, Dr. F... L... d’Á..., por altura de Janeiro de 2004, o qual disse aos dirigentes que os avençados tinham de cumprir o horário tal como os funcionários públicos, e que os dirigentes tinham de controlar o cumprimento desse horário, tendo aquele Director-Geral e o Subdirector-Geral, Dr. M... H..., chamado a atenção da Directora de Serviços, Drª M... A..., pelo facto de a autora chegar cerca das 11 horas da manhã e, embora aquela Directora de Serviços tenha dito que a autora fazia, em média, 7 horas diárias e 35 horas semanais e que era avençada, aquele Director-Geral disse-lhe que tinha de ser cumprido o horário pela autora; – 29) na DGAE, os funcionários dirigentes não tinham horário e, quanto aos restantes funcionários públicos, a prática no Gabinete de Estudos, antes da chegada do novo Director-Geral, era a de não estarem sujeitos a um horário rígido de entrada e de saída, embora houvesse a obrigatoriedade de cumprimento diário do número mínimo de 7 horas; – 30) a autora tinha de prestar a sua actividade nas instalações onde os serviços funcionavam, sendo que, no Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa, tinha de atender o público, quer pessoalmente, quer telefonicamente, e de fazer tarefas administrativas como registos e controlo do trabalho realizado e, na DSADT, as suas funções também passavam por receber e mandar faxes e assegurar diverso expediente diário; – 31) a autora faltou ao serviço em número de dias não apurado, tendo sempre justificado verbalmente as suas faltas, pois não lhe era exigido que apresentasse justificação escrita, e tinha de avisar quando sabia que ia faltar; – 32) a autora exercia as suas funções nas instalações do réu, que lhe disponibilizou um gabinete, secretária, bem como todo o material necessário ao exercício das suas funções, desde esferográficas, papel, computador pessoal furador, agrafador, clips, post-its e todo o restante material de escritório; – 33) sendo que todo o material de escritório era requisitado ao economato; – 34) a autora tinha um e-mail personalizado e extensão de telefone própria, de que é exemplo o documento nº 40 de fls. 93 a 99 e que se dá por reproduzido onde, além do mais, consta, de fls. 93 a 97, que o assunto é a lista telefónica do DGAE actualizada e as extensões da autora e, a fls. 98, consta que no Gabinete de Mediação Familiar os contactos dos mediadores são os aí indicados; – 35) eram-lhe abonadas ajudas de custo nas deslocações que efectuava tanto em território nacional como ao estrangeiro, para o que a autora preenchia «Boletim de Itinerário», de que é exemplo o relativo ao mês de Maio de 2003, junto como documento 41 de fls. 99 e 100, que se dá aqui por reproduzido, e onde a autora se identifica com a categoria de técnica superior; – 36) a autora gozou sempre 22 dias úteis de férias; – 37) no dia 25 de Junho de 2004, a Drª M... A... enviou ao Director-Geral da DGAE, Dr. F... L... d’A..., e-mail comunicando: –
“Na sequência da nossa conversa de ontem, acerca do calendário das acções de formação e sua compatibilização com o período de férias da C... M..., venho informar que a T... A... não vê inconveniente na troca de datas. Assim, a promovida pela DSADT passará para o dia 7 de Julho.”;
– 38) nas suas férias, a autora continuava a receber a sua remuneração mensal; – 39) a autora nunca recebeu subsídio de férias; – 39-A) na DSADT, sob a coordenação da Drª M... A..., a autora desempenhava funções que eram a concretização das competências cometidas a essa Direcção e, no Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa, o grosso das tarefas da autora prendia-se com o funcionamento do próprio Serviço, pois, tal como a Chefe de Divisão e a outra avençada, fazia tarefas administrativas como registos e controlo do trabalho realizado e, bem assim, tinha de assegurar, tal como aquelas, que o Serviço estivesse aberto dentro seu horário de funcionamento para dar resposta a quem telefonasse ou se dirigisse ali pessoalmente; além disso, no período de Fevereiro/Março de 2006 a Julho de 2006, em que a autora exerceu funções na DSRAL sob a coordenação da Directora de Serviços, M... J... G..., a autora executava trabalhos que exigiam a sua presença nas instalações do réu, na Rua de ..., pois trabalhava-se em equipa e também era necessário atender telefonemas e ir recebendo informação; – 40) no decorrer do exercício de funções da autora, o réu admitiu ao longo do tempo diversas pessoas para prestar serviço na DGAE, mantendo sempre a autora no exercício das suas funções; – 41) com efeito, entre Junho de 2003 e Maio de 2004, prestou funções a avençada L... R...; – 42) em Dezembro de 2003, entraram dois funcionários públicos juristas – H... A..., técnica superior de primeira classe, que saiu em Abril de 2006, e F... e C..., assessor principal, que saiu em Dezembro de 2004; – 43) em Maio de 2004, foram admitidos dois juristas avençados, H... T... e L... P...; – 44) em Setembro/Outubro de 2006, foram admitidas três funcionárias públicas – Técnicas Superiores de 1ª classe – juristas – C... H..., C... M... e C... F...; – 45) em 1 de Maio de 2006, entraram dois juristas estagiários ao abrigo da oferta de estágios profissionais com a duração de 12 meses; – 46) pessoas que foram admitidas na DGAE para desempenhar as mesmas funções ou funções idênticas às da autora; – 47) no âmbito das suas funções, enquanto prestou a sua actividade para o réu, a autora frequentou acções de formação e participou em conferências; – 48) em 23 de Junho de 2004, o Director-Geral da DGAE, Dr. F... L... d’Á..., enviou à Drª M... A... e à Drª T... A... e-mail comunicando, além do mais: –
“Assunto: Acções de Formação Interna Na sequência de conversas e despachos anteriores, agradeço que a DSADT e a DPJP preparem acções de formação interna para todos os funcionários da Direcção Geral. As acções terão uma duração máxima de hora e meia e serão asseguradas pelos colaboradores que integram as respectivas equipas. O objectivo é mesmo esse: que as pessoas (que trabalham directamente com os assuntos) os apresentem aos restantes colegas, sendo que a coordenação fica a cargo dos dirigentes. Assim proponho as seguintes datas e temas: DPJP – dia 7 de Julho pelas 16h. Os julgados de Paz: o que são, como foram criados, o que representam, a sua tramitação, as suas novidades e vantagens, etc. DSADT – dia 15 de Julho, pelas 16h – os centros de arbitragem institucionalizados e, em particular, a arbitragem administrativa (uma apresentação para leigos); Obviamente, o modo de apresentação fica ao vosso critério, bem como o respectivo conteúdo.”;
– 49) a esse e-mail respondeu a Drª M... A... com a comunicação de 25 de Junho de 2004, acima referida em 37); – 50) no dia 16 de Maio de 2003, a Directora-Geral, Drª M... da C... O..., proferiu o seguinte:
“Despacho Por forma a participar na Terceira Conferência – Meios Alternativos de Resolução de Litígios a decorrer no dia 21 de Maio, autorizo a Técnica Superior desta Direcção-Geral, C... M..., a deslocar-se a Coimbra, entre os dias 20 e 21 de Maio. Mais determino, lhe sejam pagas as respectivas ajudas de custo, nos termos e ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 106/98 de 24 de Abril.”;
– 51) no dia 14 de Janeiro de 2004, a Drª M... A... enviou à autora e-mail comunicando: –
“Assunto: Formação Profissional Drª C... M... e Dr N... L... Queiram por favor, consultar o site do INA – programa de formação para 2004 – e indicar-me quais as acções de formação que, eventualmente, possam ter interesse em frequentar, atentas as vossas funções na DGAE.”;
– 52) na sequência de uma informação prestada em 1 de Março de 2004 pelo Gabinete de Estudos da DGAE relativamente ao pedido da Associação de Mediadores de Conflitos para reconhecimento do curso de formação “Arbitragem, Conciliação e Negociação – Sistemas híbridos e multiportas de resolução de conflitos”, e que mereceu o «Parecer» do Director do Gabinete de Estudos, Dr. Rui Pinho Bandeira, “Concordo. Ao Sr Director Geral”, o Director-Geral, Dr. F... L... d’Á..., em 8 de Março de 2004, sugeriu que fosse a autora a assistir a esse curso, para o que proferiu o seguinte: – “Despacho Drª M..., Indique alguém da sua equipa para assistir a este curso. Sugiro a C... .”;
– 53) em 26 de Abril de 2004, o Subdirector-Geral da DGAE, Dr. M... H..., enviou e-mail onde consta, além do mais: –
“Para: M... A... (...) Exmos Senhores Dirigentes Começa hoje, na DGSE, o curso teórico-prático de Mediação de Conflitos, promovidos pela AMC. O curso decorrerá até 4 de Junho, todos os dias da semana (com excepção das 6ªs feiras do mês de Maio), das 18:00 à 23:00. A AMC disponibiliza 2 vagas para colaboradores da DGAE. Peço que me comuniquem se há algum interessado em frequentar este curso.”,
ao que a Drª M... A... comunicou por e-mail à autora “Para averiguar do eventual interesse”; – 54) por e-mail de 17 de Junho de 2004, e com conhecimento para o Director-Geral, foi comunicado à autora por M... S..., então Director dos Serviços de Gestão da DGAE: –
“Para efeitos de participação no curso “Reforma do Contencioso Administrativo”, a ter lugar entre 21 e 25 de Junho p.f. comunica-se o local e o horário, são os seguintes:
(...) Neste 1º curso, por parte da DGAE, foram indicadas: a Drª C... M... e a Drª M... J... T... .”;
– 55) a Secretária-Geral da Secretaria[-Geral] do Ministério da Justiça comunicou em 28 de Junho de /2004 ao Director-Geral da DGAE: –
“Assunto: Declarações de participação na acção de formação sobre ‘Reforma do Contencioso Administrativo’ Tenho a honra de enviar a V. Exa as declarações de participação na Conferência do Contencioso Administrativo, promovida pela Secretaria Geral do Ministério da Segurança Social, da Família e da Criança, dos funcionários abaixo indicados: . C... M... R... M... (...)”;
– 56) em 16 de Maio de 2005, às 12 horas e 41 minutos, o Subdirector-Geral da DGAE, Dr. A... T... D..., enviou e-mail a várias pessoas, entre as quais a autora e a Drª M... M... A..., comunicando: –
“Vai decorrer nas instalações da DGAE um curso de Mediação Familiar organizado pela AMC. O curso realiza-se às 3ªas, 4ª as e 5ª s às 18h00. Há ainda uma vaga que pode ser ocupada pela DGAE, pelo que quem estiver interessado que me informe.”;
– 57) nesse mesmo dia, às 12 horas e 45 minutos, aquele Subdirector-Geral enviou e-mail à autora comunicando: –
“C..., Conforme combinado com a Drª M... A..., o outro lugar disponível é seu.”;
– 58) a autora frequentou um curso de informática nos dias 3 e 4 de Outubro de 2005 no ITIJ (Instituto de Tecnologias de Informação na Justiça), sendo que, relativamente a esse curso, foi efectuada a seguinte comunicação do ITIJ por e-mail de 26 de Setembro de 2005: –
“Cara L... Reproduzo-lhe a lista dos participantes indicados para a sessão de Open Office (...) com o objectivo de seleccionar apenas 7 participantes, ou de transferir um deles para 29 e 30 de Setembro, caso alguma das presenças indicadas para esta data não se confirme porque só posso ter 14 participantes nas sessões, entre os dois Organismos – DGAE e GPLP. Nestas circunstâncias o mais correcto será incluir 7 participantes de cada Organismo.”;
– 59) o Subdirector-Geral da DGAE, Dr. A... T... D..., enviou à Autora e-mail em 29 de Novembro de 2004, comunicando-lhe, além do mais: –
“Assunto: Formação DGAE Como é já do conhecimento de alguns, a DGAE está a promover, em conjunto com o Instituto do Consumidor, no próximo dia 5 de Dezembro, às 9h30, uma acção Sessão de Formação, destinada aos Técnicos Juristas dos Centros de Arbitragem e aos Técnicos de Atendimento dos Julgados de Paz. O Programa da Sessão de Formação é o seguinte:
(...) O Centro de Formação do Consumidor (...)
(...) As Garantias na Compra e Venda (...)
(...) As Responsabilidades Civil no Contrato de Empreitada (...)
(...) Serviços Financeiros (...) Naturalmente estão convidados para esta Sessão todos os Juristas da DGAE.”;
– 60) a autora exercia as suas funções conforme lhe eram destinadas; – 61) a Drª M... M... A... enviou e-mail à autora em 5 de Janeiro de 2004 comunicando: –
“Assunto: FW: Representação do MJ nos Centros de Arbitragem Bom dia C... Para respondermos a este pedido, queria que verificasse em todos os CA qual a previsão – estatutária ou convencional, designadamente por protocolo de cooperação financeira – que habilita o MJ a ter um representante em cada um dos CA. Quanto ao segundo pedido, que lhe destino igualmente a si, terá que, numa primeira fase, actualizar e completar as fichas novas que o M... começou a preencher dos CA. O prazo para as tarefas: 1ª até ao fim da presente semana 2ª Portal – até ao fim do mês de Janeiro. Até já”;
– 62) o Dr. F... L... d’Á..., então Subdirector-Geral da DGAE, enviou e-mail à Drª M... M... A... e à autora, em 29 de Janeiro de 2004, comunicando: –
“Assunto: GCJ de Lisboa Preciso de um ponto de situação sobre o Gabinete de Consulta Jurídica de Lisboa. Quando é que foi criado, o que foi protocolizado com a Ordem dos Advogados, o que pagamos (em concreto), quais têm sido dos encargos, situação de facto em termos de materiais e recursos humanos e técnicos (bem como os eventuais apoios dados pela DGAE), historial recente (assaltos, últimos contactos com a DGAE, pedidos, etc).... Ou seja, quero saber tudo sobre o GCJ de Lisboa. Preciso desta informação, se possível, até amanhã. No limite dos limites até 2ª Feira à tarde.”;
– 63) a autora elaborou Informações nas quais concluiu “À consideração superior”; – 64) durante o tempo em que prestou a sua actividade para o réu, jamais exerceu quaisquer funções para qualquer outro organismo ou entidade, sendo a remuneração que lhe era paga pelo réu a sua única fonte de rendimentos; – 65) pelo desempenho das suas funções, a autora auferia o montante mensal de € 1.213,26, a que acrescia o respectivo IVA, estando igualmente sujeita a retenção na fonte de IRS; – 65-A) o valor de € 1.213,26 passou a ser pago a partir de Janeiro de 2005, sendo que, até então, a autora auferia € 1.187,13;
– 66) o réu nunca pagou à autora subsídio de alimentação; – 67) os valores pagos por dia aos trabalhadores do réu a título de subsídio de alimentação foram os seguintes: – 680$00 em 2001, € 3,49 em 2002, € 3,58 em 2003, € 3,70 em 2004, € 3,83 em 2005 e € 3,95 em 2006; – 68) na data da instauração da acção, a autora mantinha-se desempregada, não auferindo qualquer quantia a título de subsídio de desemprego; – 69) a autora não assinava o livro de ponto nem havia, quanto à sua pessoa, qualquer registo de assiduidade nem mapa de férias aprovado;
– 70) na remuneração da autora, o réu não efectuava descontos para a Segurança Social; – 71) a autora preenchia as declarações anuais de IRS na qualidade de trabalhadora independente.
2. Como se abarca pelas «conclusões» da alegação do recorrente, as questões que imposta na vertente revista são as de saber: –
– se se deve caracterizar o negócio jurídico celebrado entre ele e a autora como um contrato de prestação de serviço, na modalidade de avença, ou um contrato de trabalho;
– a concluir-se pela caracterização de um contrato de trabalho, se o mesmo deve considerar-se nulo e quais as consequências advindas dessa nulidade;
– ainda nesta última hipótese, se se deve considerar que o réu fez invocação de nulidade do contrato aquando da carta que enviou à autora e em que lhe comunicava a cessação do negócio entre ambos aprazado.
3. Tocantemente àquela primeira questão, o acórdão sub iudicio discorreu da forma que segue: –
“(…)
Passando agora à apreciação das suscitadas questões de recurso, verificamos que a primeira que nos é colocada, tem a ver com a natureza do contrato estabelecido entre ambas as partes e que esteve em execução entre 1 de Fevereiro de 2001 e 16 de Julho de 2006, mais propriamente, se estaremos perante um contrato de prestação de serviço[ ], em regime de avença, como defende o Apelante, ou se, ao invés, estaremos perante um verdadeiro contrato de trabalho como entende a Apelada e mereceu acolhimento na sentença recorrida.
Tendo em consideração que aquela relação contratual se iniciou em Fevereiro de 2001, a respectiva qualificação jurídica deverá ser efectuada ao abrigo do regime jurídico ao tempo vigente, ou seja, o Código Civil aprovado pelo Dec. Lei n.º 47344[,] de 25-11-1966 e o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, vulgarmente designado por Lei do Contrato de Trabalho ou, simplesmente, LCT[,] aprovada pelo Dec. Lei n.º 49.408 de 24-11-1969, pois tal decorre do disposto no art. 8º n.º 1 da Lei n.º 99/2003[,] de 27-08, que introduziu no nosso ordenamento jurídico o Código do Trabalho e revogou a mencionada LCT. Foi o que se fez na sentença recorrida, verificando-se, aliás, que, em matéria de considerações gerais sobre os aspectos ou elementos diferenciadores dos mencionados tipos de contrato e que permitem concluir se, em face de uma determinada relação contratual, se está perante um contrato de prestação de serviços ou perante um contrato de trabalho, a Mmª Juiz do Tribunal a quo teceu, na sentença que proferiu, uma exaustiva e douta explanação nela espelhando o entendimento que, quer ao nível da doutrina, quer ao nível da jurisprudência, se vem firmando sobre essa matéria e é já comummente aceite, razão pela qual nos limitamos a remeter, nessa parte, para a referida sentença.
Importa, pois, com base nesse entendimento, determinar qual a natureza jurídica do contrato estabelecido entre as partes em 1 de Fevereiro de 2001.
Sabemos que a A., licenciada em Direito, entre esta data e 16 de Julho de 2006, exerceu funções na Direcção Geral da Administração Extrajudicial (DGAE) do Ministério da Justiça, embora em diversos Departamentos. Com efeito, de 1 de Fevereiro até Maio de 2001, prestou serviço de consultadoria na área de resolução alternativa de conflitos no âmbito do projecto de criação de julgados de paz, de Maio de 2001 a Setembro de 2002, desempenhou funções no Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa; de Setembro de 2002 a Janeiro de 2006 exerceu funções na Direcção de Serviços de Acesso ao Direito e aos Tribunais (DSADT), sendo que, entre Setembro e Dezembro de 2003, exerceu, em simultâneo, funções na Divisão para a Promoção dos Julgados de Paz (DPJP) e que[,] de Fevereiro de 2006 até 16 de Julho do mesmo ano, exerceu funções na Direcção dos Serviços para Resolução Alternativa de Litígios (DSRAL).
Também sabemos que entre 1 de Fevereiro de 2001 e 16 de Julho de 2006 a A. não exerceu funções para qualquer outro organismo ou entidade, sendo a remuneração que lhe era paga pelo R. a sua única fonte de rendimento.
Sabemos, por outro lado, que a Directora Geral da DGAE, Drª C... O..., dava ordens à A. dizendo-lhe o que tinha que fazer e como fazer, o mesmo se passando com a Chefe de Divisão do Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa, Drª L... A... I..., que ordenava à A. as tarefas a que havia de proceder, dando-lhe indicações sobre a forma como as realizar[,] uma vez que a A. não tinha nenhum conhecimento nessa área[,] e também a Directora da DSADT, Drª M... M... A...[,] ordenava à A. que procedesse à realização de tarefas dando-lhe orientações técnicas sobre a forma de as realizar. Demonstrou-se, aliás, que a A. exercia as suas funções conforme lhe eram destinadas.
Para além disso, também se demonstrou que a A. tinha de prestar a sua actividade nas instalações onde funcionavam os diversos serviços, disponibilizando-lhe o R. um gabinete, secretária, bem como todo o material necessário ao exercício das suas funções, designadamente computador pessoal e todo o material de escritório, tendo-lhe sido dito que tinha de prestar a sua actividade cumprindo 7 horas diárias e 35 horas semanais, sendo que[,] no Gabinete de Mediação Familiar de Lisboa[,] tinha mesmo de cumprir o horário de abertura ao público entre as 9,30 horas e as 17,30 horas, com intervalo entre as 12,30 horas e as 14,00 horas e tinha de atender o público, quer pessoal quer telefonicamente, bem como tinha de fazer tarefas administrativas tais como registos e controlo do trabalho realizado e[,] na DSADT[,] tinha de enviar faxes e de assegurar diverso expediente diário.
Por outro lado, também se demonstrou que a A. sempre gozou 22 dias úteis de férias e que durante o gozo de férias continuava a receber a sua remuneração mensal, demonstrando-se, também, que preenchia boletins de itinerário quando lhe eram abonadas ajudas de custo em território nacional e no estrangeiro.
Finalmente[,] também releva aqui a circunstância de facto, igualmente demonstrada, de, no âmbito das suas funções enquanto prestou a sua actividade para o R., a A. haver elaborado informações que colocava ‘à consideração superior’ e que, para além disso, frequentou acções de formação e participou em conferências programadas pelo R..
Ora, todos estes aspectos de facto, globalmente considerados, não podem deixar de nos levar a extrair a conclusão de que a actividade desenvolvida pela A. enquanto ao serviço do R. o foi no âmbito de uma efectiva subordinação[,] característica de uma vinculação jus/laboral, embora se admita que o desempenho de algumas funções, mormente quando a A. era chamada a prestar informações solicitadas pelos seus superiores hierárquicos, fosse feito com autonomia em termos técnicos[,] atendendo às habilitações académicas que esta possuía.
É certo que se demonstrou[,] e já referimos[,] que a A. era licenciada em Direito quando, em 28 de Setembro de 2001, outorgou com o R. um contrato escrito intitulado ‘Contrato de Prestação de Serviços – Avença’, embora redigido pelos serviços deste e dado a assinar àquela, contrato composto por diversas cláusulas, entre elas as que se mencionam no ponto 3. dos factos provados e que aqui se dão por reproduzidas.
Seguramente que a A., pela formação académica que possuía, não desconhecia o alcance jurídico do contrato outorgado naquela data. No entanto, como é do conhecimento geral, já em Setembro de 2001 a simples formatura em Direito não era sinónimo de auto-subsistência e menos ainda de emprego garantido fosse onde quer que fosse, e, portanto, também na outorga do referido contrato a A. não poderia deixar de representar o elo mais fraco a prover, quiçá com que necessidade, pela obtenção do seu próprio meio de subsistência.
Para além disso, se o ‘nomen juris’ utilizado como denominação do referido contrato, bem como o clausulado que do mesmo consta, por si só, pouco relevam para a qualificação jurídica do mesmo, muito menos relevam quando é certo que o conjunto daqueles outros factos demonstrados, aliada à circunstância da outorga do contrato apenas se ter verificado volvidos que estavam quase 9 meses depois do início efectivo de desempenho de funções pela A. ao serviço do R., espelha uma realidade bem diversa da que esse contrato pretende transmitir, uma realidade onde é patente a subordinação da A. a ordens e directivas emanadas dos seus superiores hierárquicos nos diversos serviços integrantes da DGAE do Ministério da Justiça em que exerceu funções.
Assim, de forma alguma poderemos concluir que a vontade de ambas as partes contratantes na outorga do mencionado contrato fosse a de estabelecer entre si, ainda que tardiamente, uma mera relação de prestação de serviços em regime de avença. Tanto assim que, não obstante a outorga desse contrato escrito, não só a partir de Setembro de 2001 se manteve a referida subordinação da A. ao R. nos termos anteriormente mencionados, como o próprio R., em diversas circunstâncias, todas elas posteriores à assinatura do referido contrato, intitul[ou] a A. como ‘Técnica Superiora da Direcção Geral’ em que vinha desempenhando as suas funções (cfr. pontos 21.; 23.e 50.).
Estamos, pois, em crer que a outorga do aludido ‘Contrato de prestação de serviços – avença’ mais não constituiu do que uma mera tentativa de conferir legalidade a uma contratação que fora efectuada bastante tempo antes sem observância das regras legais então vigentes.
Não merece, pois, censura a conclusão extraída na sentença recorrida de que o contrato que existiu entre a A. e o R. e por força do qual aquela passou a exercer funções ao serviço deste a partir de 1 de Fevereiro de 2001 e até 16 de Julho de 2006 se tratava de um verdadeiro contrato de trabalho.
(…)”
O réu rebela-se quanto ao juízo alcançado neste específico ponto pelo aresto em sindicância, essencialmente esgrimindo com o nomem que foi aposto no documento que veio, a corporizar o negócio jurídico celebrado entre as partes, com o clausulado nele aposto, e com as circunstâncias de, por um lado, sendo a autora licenciada em direito, não poder ignorar aquele documento e o teor das suas cláusulas, que apontariam, em sua visão, para a caracterização do negócio como um contrato de prestação de serviço na modalidade de avença, o que teria representado a vontade contratual dos outorgantes, e, por outro, que foram dados por demonstrados factos indiciadores de que se estava perante essa forma contratual, aduzindo, neste particular, com os factos de a autora nunca ter recebido subsídio de férias, de, na retribuição que percebia, ser acrescido Imposto sobre o Valor Acrescentado, de nunca lhe ter sido pago subsídio de refeição, de nunca o réu ter efectuado, nas retribuições, descontos para a Segurança Social, de a autora, nas declarações atinentes ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o fazer na qualidade de trabalhadora independente, e de ela não assinar «livro de ponto», não estar sujeita a registo de assiduidade ou constar de mapa de férias aprovado.
É certo que no acórdão ora em recurso não se surpreende um específico excurso sobre os items fácticos a que o recorrente agora alude e que, indubitavelmente, resultam da matéria apurada, excepção feita ao que concerne ao documento corporizador do contrato.
Todavia, aquele aresto, ao ajuizar que o negócio firmado entre as parte consubstanciava um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviço, fê-lo com esteio numa consideração global dos aspectos de facto que os autos demonstravam, conferindo, assim, maior relevo aos que indiciavam a existência de um negócio da primeira natureza, o que não pode deixar de inculcar que, relativamente aos que apontariam para a caracterização de um negócio da segunda, não apresentariam eles o necessário «peso» para infirmar a indiciação que resultava daqueles.
E é aqui que reside o cerne desta questão e sobre a qual nos ocupamos.
3.1. Não se duvida que o negócio jurídico corporizado no documento fotocopiado que se encontra a fls. 21 a 23 dos autos, foi intitulado de “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – AVENÇA”, sendo aí apostas as suas cláusulas que se encontram transcritas na matéria de facto acima enunciada, das quais ressalta, efectivamente, que, perante o respectivo teor, de modo difícil se poderia caracterizar tal negócio como um contrato de trabalho, face à definição que no artº 1152º do Código Civil e 1º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, dele se fazem.
Na verdade, perante tal teor, independentemente do nomen que a esse negócio foi aposto, não se surpreendem quaisquer dados de onde resulte a plausibilidade de uma forma de subordinação da desenvolvenda actividade da autora face ao réu, ou que o intento das partes foi a da mera prestação dessa actividade ou, simplesmente, a da obtenção do resultado dela advindo.
Também não se nega que a autora, aquando da outorga desse negócio reduzido a escrito, era licenciada em Direito, e que, por isso, em princípio, detinha capacidade técnica bastante para intuir a diferenciação existente entre as espécies negociais de contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, e para, em face do clausulado, equacionar se se postava o aprazamento de uma ou outra dessas espécies.
Todavia, é necessário não olvidar, de um lado, que, não obstante o desenho formal de um negócio jurídico tal como consta do escrito que o consubstanciou, para os efeitos ora relevantes, mesmo de certo jeito descartando, ao tempo da sua celebração, a vontade das partes outorgantes, importa atender ao modo como esse negócio veio a ter execução, de acordo com uma prática não minimamente questionada por essas partes e de acordo, ainda, com a circunstância de ele representar uma sequência de anterior negócio outorgado entre as partes, sem qualquer hiato temporal. E, se dos termos dessas prática e execução, redundarem indícios bastantes que era a actividade a desenvolver e não o seu resultado aquilo que era desejado pelas partes, e que ela se prosseguia perante uma relação de subordinação de quem exercia a actividade perante quem à mesma aproveitava, então dever-se-á concluir que o nomen com que o negócio foi epitetado e, até, algumas das regulações privadas nele estipuladas, não constituirão, para efeitos de caracterização, aquilo que veio a tornar-se o desiderato das partes, iluminado agora pelas anteditas prática e execução.
De outro lado, mister é também não passar em claro, como já se deu nota, que, antes da celebração formal do negócio jurídico em crise, já a autora desempenhava, há mais de sete meses, para o réu, no Gabinete de Estudos do Ministério da Justiça e com prestação remunerada, actividade de serviço de consultadoria na área de resolução alternativa de conflitos no âmbito do projecto de criação dos julgados de paz e a preparação da lei-quadro dos meios alternativos da resolução de conflitos, não sendo, então, estipulado qualquer prazo e não se tendo, com um mínimo de suficiência, apurado quaisquer dados fácticos concretos permissores da qualificação de tal prestação, pelo que a inferência retirada pelo acórdão impugnado, e segundo a qual “a outorga do aludido ‘Contrato de prestação de serviços – avença’ mais não constituiu do que uma mera tentativa de conferir legalidade a uma contratação que fora efectuada bastante tempo antes sem observância das regras legais então vigentes” não é, juridicamente, insustentável.
Não que com esta última asserção se queira dizer que os poderes cognitivos deste Supremo pudessem, sem mais, abarcar a possibilidade de censura das ilações de facto tiradas pelos tribunais de instância.
Na verdade, sendo certo que a extracção de uma ilação judicial só pode ocorrer se o julgador firmar um facto desconhecido de outro ou outros factos conhecidos, caso uma determinada ilação se não suportar em factos conhecidos, o juízo de ilação alcançado pelo tribunal de instância recorrido já poderá ser objecto de censura, pois que, em tal hipótese, o que está em causa é, justamente, a violação da regra inserta no artº 349º do Código Civil.
Daí que, com a referida asserção, se queira significar que o que consta daquele passo do acórdão em crise não deixa de representar o resultado de um mecanismo (que deflui dos artigos 349º e 351º do citado Código), em que avultam as máximas da experiência, os juízos correntes de probabilidade, os princípios da lógica e os próprios dados da intuição humana (para se usarem as palavras utilizadas no Acórdão deste Supremo de 26 de Janeiro de 2006, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XIV, 2006, Tomo I, 247 a 251, e que, ao que tudo indica foram retiradas de um outro aresto do mesmo Supremo), o que não pode ser submetido ao poder cognitivo deste órgão de administração de justiça.
Ora, em face do exposto, a argumentação do recorrente esteada nas circunstâncias do epíteto dado ao contrato escrito, das cláusulas nele apostas e da formação da autora não poderá, por si só, conduzir à conclusão de que, no caso em espécie, não se haveria de concluir pela existência de um negócio jurídico de cariz laboral.
Evidentemente que, colocando-se casos de desempenho de actividade conexionadas com áreas de natureza eminentemente técnica, as dificuldades na caracterização dos negócios jurídicos que essa actividade aprazaram se tornam mais acentuadas.
A este propósito, teve já este Supremo ocasião de dizer em recente aresto por ele prolatado (Acórdão de 7 de Setembro de 2009, proferido no Processo nº 3246/06.4TTLSB.S1.), na esteira de jurisprudência que tem seguido, e que agora é citado dado a proximidade do respectivo relato: –
“(…)
Na verdade, muito embora seja consabidamente aceite que, perante o posicionamento qualificativo do legislador quanto aos contratos de trabalho e de prestação de serviço, se haverá de concluir que aquelas duas espécies de contrato se diferenciam, essencialmente, pelo respectivo objecto (de que o acórdão impugnado deu nota) e do relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação quanto ao primeiro ou de autonomia quanto ao segundo, o que é certo é que, na realidade da vida, nem sempre é facilmente apreensível a existência desse relacionamento.
Sendo certo que não se pode escamotear que todo o trabalho ou desempenho de actividade, por princípio, conduz a um dado resultado, como, verbi gratia, refere Galvão Telles (in Contratos Civis, estudo publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 63, 165), em muitos casos, perante as estipulações contratuais, fica-se sem um claro desenho sobre o problema de saber se foi desiderato dos outorgantes que um deles viesse a prestar ao outro a sua actividade intelectual, técnica ou manual ou, pelo contrário, a proporcionar-lhe o resultado que advinha da prossecução dessa actividade.
Daí que, em dadas situações revestidas de «nebulosidade» que, como se disse já rodeiam negócios jurídicos que têm por objecto a consecução de uma actividade de natureza técnica, se deva, à guisa de último reduto para se atingir a qualificação contratual, apreciar qual o relacionamento que se processou entre as partes. É que, dessa específica apreciação são colhidos subsídios permissores da resposta a conferir à questão de saber se houve, ou não, uma posição de supremacia da parte a favor da qual reverte a actividade desenvolvida, com a correlativa posição de subordinação do prestador dessa actividade, que, assim, a executa perante os ditames de instrução ou orientação da primeira.
E isso, naturalmente, tem a maior relevância, no ponto em que, concluindo-se pela existência de uma tal posição de subordinação, não se poderá afastar a qualificação do negócio outorgado como sendo um contrato de trabalho, pois que a característica da subordinação é típica desta espécie de contratos.
Claro que a posição de supremacia da parte a favor da qual reverte a actividade nem sempre se manifesta em cada momento por forma a que todo o desenvolvimento da actividade a prestar constitua, afinal, uma mera execução de concretas instruções emanadas daquela parte. Exige, isso sim, a possibilidade de emissão de ordens, instruções, direcção e conformação relativamente àquilo que a outra parte se comprometeu a realizar no âmbito do contrato ou dentro dos limites deste.
Esta forma analítica de solucionar a qualificação contratual poderá, pois, fazer uma definição dos concretos contornos do negócio, mormente nas situações em que estão em causa actividades de natureza técnica, pois que aí se deparam maiores escolhos, posto que, em muitos casos, não pode ser arredada, em razão daquela natureza, a autonomia do prestador da actividade.
Perante essas dificuldades, tem sido, sem discrepância, notado pelas doutrina e jurisprudência nacionais que o método analítico que servirá para a qualificação do acordo negocial (e não se olvide que, quer o contrato de trabalho, quer o contrato de prestação de serviço, são negócios meramente consensuais) deverá passar pela verificação do condicionalismo concreto em que se desenvolveu a relação contratual, para, dessa sorte, se almejar a verificação, ou não, da característica da subordinação, típica do contrato de trabalho.
Tal verificação, porém, não se deve confinar perante um ou outro indício, mais ou menos relevante, antes devendo equacionar a totalidade do relacionamento, a fim de se proceder ao balanceamento de todos os indícios, com a finalidade de apurar da existência da aludida característica, a qual, e para se utilizarem os ensinamentos de Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13ª edição, 136) ‘consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem’, sendo que a supremacia do empregador que, concomitantemente, implica a subordinação do trabalhador, como já acima se aflorou, não tem de se manifestar (ou transparecer, como diz este Professor) em cada momento, pelo que, para o juízo de análise a que agora nos reportamos, bastará a verificação da possibilidade de ser exercida.
Por outro lado, impõe-se também não confundir a subordinação jurídica, que, como se disse, é típica do relacionamento do contrato de trabalho, com a dependência técnica, pois que, em alguns ramos de actividade, torna-se evidente a salvaguarda da autonomia técnica do prestador de actividade.
De todo o modo, no que concerne à subordinação (vista esta na sua perspectiva jurídica e não técnica), não se olvide que, em face dos mais hodiernos vínculos laborais, com maior peso na autonomia do que na verticalização, por vezes a referida subordinação apresenta-se com uma faceta mais «diluída», em que se tornam menos nítidas as directas ordens e instruções ao prestador da actividade.
Justamente por isso, no que se reporta a esta característica da subordinação, há que «pesar» a dependência pessoal (do prestador da actividade) que dela emerge mais na sua vertente de sujeição à disciplina da «contra-parte» do que na vertente de direcção dessa «contra-parte» quanto ao modo de desempenho, pois que aquela primeira vertente, se vier a ser alcançada aquando da apreciação de um determinado caso, torna indubitavelmente mais nítido o traço do binómio subordinação/domínio, característico de uma relação laboral, não se olvidando que essa mesma vertente não deixa, substancialmente e por si mesma, de ter a própria componente prescritiva.
Mesmo que perspectivando o estado de dependência pessoal nesta última faceta (ou seja, naquela em que avulta o poder punitivo) em situações que, não havendo patologia, não há ocasião para a ocorrência desse poder, o que interessará é a potencialidade do respectivo exercício. E, se se concluir por essa possibilidade ou potencialidade, os contornos da caracterização do relacionamento entre as partes como laboral não poderão, então, ser sobremaneira postos em causa.
Daí que concluamos, como o faz Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 46 e seguintes), que perante o ‘conteúdo amplo da posição de domínio do empregador no contrato de trabalho, o reporte típico da subordinação ao poder directivo revela-se, pois redutor.’
(…)”
Anuindo a esta parametrização, e volvendo ao concreto dos autos, não merece dissensão deste Supremo Tribunal a conclusão a que chegou o sindicado aresto e de harmonia com a qual, num juízo global, o negócio em apreço, reportado, aliás, à data do início de desempenho de actividade da autora para o réu, era de perspectivar como de índole laboral.
Aditaremos, ao jeito de uma porventura maior precisão (sem, no entanto, se omitir que no criticado acórdão, de todo o modo, se disse que era de concluir que se tratava de um contrato de trabalho o contrato estabelecido entre as partes, “com as características que assumiu durante toda a sua execução”), que esse juízo global resulta mais vincadamente da forma como veio a ser prosseguida a execução da relação jurídico-obrigacional havida entre as partes, execução essa contra a qual os autos não dão a mínima notícia de ter sido, por qualquer delas, posta em crise.
Na verdade, e como ali se realça, se é certo que existem indícios com algum «peso» que apontariam no sentido de não se tratar de uma firmação de um contrato de trabalho (aqueles que o recorrente aduz na sua argumentação com referência, como acima se assinalou, aos factos de a autora nunca ter recebido subsídio de férias, de, na retribuição que percebia, ser acrescido Imposto sobre o Valor Acrescentado, de nunca lhe ter sido pago subsídio de refeição, de nunca o réu ter efectuado, nas retribuições, descontos para a Segurança Social, de a autora, nas declarações atinentes ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o fazer na qualidade de trabalhadora independente e de ela não assinar «livro de ponto», não estar sujeita a registo de assiduidade ou constar de mapa de férias aprovado), menos não é que foi feita a demonstração de matéria fáctica que, em nossa visão, constituem, claramente, factos-índices de uma relação de subordinação da actividade desenvolvida pela autora a ordens, instruções, directivas e orientações (e não somente estas últimas) emanadas pelas pessoas com funções directivas de responsabilidade dos organismos do réu, subordinação essa não condizente com a prossecução de uma mera actividade (tanto mais de natureza vincadamente técnica) em que somente o respectivo resultado avultava para o dito réu, não se esquecendo, ainda, a forma como, até para efeitos «externos», este, algumas vezes, a considerava como uma “Técnica Superior” de um seu determinado organismo, a encarregava da efectivação de tarefas meramente administrativas, que se não surpreendem no contrato reduzido a escrito, a sujeitava a cumprimento e controlo de horário (conquanto que não formalizado pela assinatura de «livro de ponto» ou registo de assiduidade), a indicava para a frequência de acções de formação e, por último, cometia-lhe tarefas diferenciadas em organismos também diferenciados que se não podem confundir com o mero objecto circunscrito pela cláusula primeira do contrato reduzido a escrito.
Face a este quadro fáctico, também, em nossa óptica, na formulação de um juízo de globalidade, se é chegado a concluir que a execução prática do negócio celebrado entre as partes foi iluminado por uma relação de dependência e subordinação da autora ao réu e que a este não interessava, unicamente o resultado da actividade daquela.
4. Mas, se, quanto àquela questão, somos chegados a conclusão que, nesse ponto, é similar à que foi levada a efeito no acórdão recorrido, nem por isso fica solucionada a totalidade dos temas de que se roga veredicto.
De facto, o impugnante, prevenindo a hipótese da formulação de um juízo de acordo com o qual o negócio celebrado haveria de qualificar-se como um contrato de trabalho, vem defender que, nessa eventualidade, deveria ser declarada a nulidade do negócio, em face do que se comanda no nº 6 do artº 10º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, sendo que a invocação desse vício por parte do réu ocorreu com a carta que endereçou à autora em 16 de Maio de 2006, tendo ela recebido a sua remuneração durante a execução do contrato, razão pela qual nada mais lhe era devido.
Tendo o réu, já aquando da apelação, defendido semelhante postura (cfr. «conclusões» 25º a 33º da alegação produzida para aquela forma impugnativa), o acórdão da Relação de Lisboa veio dizer: –
“(…)
Coloca o Apelante como segunda questão de recurso a da licitude da cessação daquele contrato.
Vejamos!
Ficou provado que, no dia 16 de Maio de 2006, foi comunicado à A., por escrito assinado pelo Director Geral F... L... D’Á..., o seguinte:
‘Assunto: Contrato de Prestação de Serviços
No início do presente mês de Maio, iniciaram funções nesta Direcção-Geral dois colaboradores ao abrigo do Programa Estágios Profissionais na Administração Pública, instituído pelo Decreto Lei n.º 326/99 de 18 de Agosto.
A este facto acresce a conclusão do concurso de selecção e recrutamento de três técnicas superiores de 1ª classe, que preencheram três vagas do quadro de pessoal desta Direcção-Geral, as quais iniciaram as suas funções no decorrer do passado mês de Setembro.
Com estas aquisições, deixa de se verificar o requisito para que os serviços públicos possam recorrer à contratação mediante contratos de avença previstos no artigo 17º nº 3 do Decreto Lei 41/84, ou seja, não existirem no serviço funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença.
Deste modo, nos termos da cláusula segunda do contrato de prestação de serviços celebrado em 28 de Setembro de 2001, venho comunicar a V. Exa a denúncia do mesmo, pelo que este deixará de produzir efeitos em 16 de Julho de 2006.
Deste modo, dá-se cumprimento ao requisito previsto na cláusula segunda do referido contrato, ou seja, a denúncia é efectuada com uma antecedência superior a 60 dias.
(...)’
Já concluímos anteriormente que o contrato estabelecido entre ambas as partes em 1 de Fevereiro de 2001 e que se prolongou até 16 de Julho de 2006, com as características que assumiu durante toda a sua execução, se deve considerar, em termos jurídicos, como um verdadeiro contrato de trabalho.
Sucede que em 1 de Fevereiro de 2001, vigorava o Dec. Lei n.º 184/89 de 02-06, através do qual se estabeleceram princípios gerais em matéria de emprego público (art. 1º), estipulando-se no seu art. 5º que «a relação jurídica de emprego na Administração constitui-se com base em nomeação ou em contrato», contrato que, constituindo uma relação transitória de trabalho subordinado (art. 7º n.º 1 do mesmo diploma), de acordo com o n.º 2 deste preceito, apenas poderia assumir as formas de contrato administrativo de provimento ou de contrato de trabalho a termo certo.
Importa também referir que, nos termos do n.º 3 do art. 9º do mesmo diploma, a contratação de pessoal, mediante contrato de trabalho a termo certo na Administração Pública, obedecia aos seguintes princípios:
«a) Publicidade da oferta de emprego; b) Selecção dos candidatos; c) Fundamentação da decisão; d) Publicação na 2ª série do Diário da República, por extracto, dos dados fundamentais da contratação efectuada».
Também em 1 de Fevereiro de 2001, vigorava já o Dec. Lei n.º 427/89 de 07-12, diploma que, desenvolvendo e regulamentando os princípios a que obedecia a relação jurídica de emprego na Administração Pública estabelecidos por aquele outro diploma, previa, também ele, no seu art. 3º que «a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal», estipulando, depois, no n.º 1 do seu art. 14º que «O contrato de pessoal só pode revestir as modalidades de: a) Contrato administrativo de provimento; b)Contrato de trabalho a termo certo», sendo que, nos termos do respectivo art. 18º, n.º 1 «O Contrato de trabalho a termo certo é o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas nos termos do artigo 15º», enquanto que no respectivo n.º 2 se estipula que «O contrato de trabalho a termo certo pode ainda ser celebrado nos seguintes casos: a) Substituição temporária de um funcionário ou agente; b) Actividades sazonais; c) Desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços; d) Aumento excepcional e temporário da actividade do serviço».
Por seu turno, o n.º 3 do mencionado art. 14º estabelece que «O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do presente diploma».
Finalmente, importa referir que no art. 43º n.º 1 do mencionado Dec. Lei 427/89, se determina que «A partir da data de entrada em vigor do presente diploma é vedada aos serviços e organismos referidos no artigo 2º a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas no presente diploma».
Revertendo ao caso em apreço, verificamos que, decorrendo, claramente, dos referidos diplomas e disposições legais, mormente das deste último, não ser permitido o estabelecimento de relações laborais entre o Estado e um qualquer trabalhador mediante a celebração de contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado, verificamos que a contratação da A. por parte do R. em 1 de Fevereiro de 2001, nos termos em que a mesma se verificou, bem como o desenvolvimento subsequente desse contrato nas circunstâncias anteriormente referidas, ocorreu em flagrante violação das mencionadas normas, porquanto da matéria de facto provada não resulta que o contrato de trabalho estabelecido entre ambas as partes tivesse sido celebrado a termo certo, para prover à satisfação de qualquer necessidade transitória de serviço que não pudesse ser assegurada com recurso ao disposto no art. 15º, ou para prover a qualquer das circunstâncias a que se alude no n.º 2 do respectivo art. 18º, ambos do Dec. Lei n.º 427/89 de 07-12, circunstância que fere de nulidade a celebração do contrato em causa, por força do mencionado art. 43º n.º 1 conjugado com o art. 294º do Código Civil.
É certo que na vigência da relação laboral estabelecida entre ambas as partes, entrou em vigor a Lei n.º 99/2003 de 27-08, que introduziu no nosso ordenamento jurídico o Código do Trabalho, estabelecendo no seu art. 6º que «Ao trabalhador de pessoa colectiva pública que não seja funcionário ou agente da Administração Pública aplica-se o disposto no Código do Trabalho, nos termos previstos em legislação especial, sem prejuízo dos princípios gerais em matéria de emprego público» e também é certo que, posteriormente, foi publicada e entrou em vigor a Lei n.º 23/2004 de 22-06 que aprovou o regime jurídico de contrato individual de trabalho da Administração Pública, no qual – entre outras que aqui não relevam – se estabelece a possibilidade de celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado (cfr. designadamente o respectivo art. 5º n.º 1), contrariamente ao que sucedia na anterior legislação como tivemos a oportunidade de observar.
Ora, estipulando o art. 118º n.º 1 do Código do Trabalho que «Cessando a causa de invalidade durante a execução do contrato, este considera-se convalidado desde o início», a questão que, agora, se nos suscita, é a de saber se, no caso vertente e por força da entrada em vigor do mencionado Dec. Lei n.º 23/2004 de 22-06, o contrato de trabalho estabelecido entre a A. e o R. em 1 de Fevereiro de 2001 e que se desenvolveu até 16 de Julho de 2006, se deve considerar convalidado desde o seu início.
Sucede que este último diploma, tendo entrado em vigor em 22 de Julho de 2004, afasta, ele próprio, a respectiva aplicação ao contrato em análise ao estabelecer no seu art. 26º n.º 1 que «Ficam sujeitos ao regime da presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor que abranjam pessoas colectivas públicas, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento» (realce nosso).
Todavia, ainda que assim não fosse, também se verifica que nos termos dos artigos 5º e 7º do referido Dec. Lei n.º 23/2004, a contratação por tempo indeterminado pela Administração Pública, para além de ter de ser precedida de um processo de selecção que obedece a determinados princípios que devem ser respeitados, só pode ocorrer se existir um quadro de pessoal para aquele efeito e com obediência aos limites desse quadro, sendo certo que no caso em apreço, não se alegou nem se demonstrou sequer a existência deste quadro e daí que se não possa ter por convalidado o contrato de trabalho estabelecido entre ambas as partes.
Mantém-se, pois, a conclusão anteriormente extraída de estarmos em face de um contrato de trabalho ferido de nulidade na medida em que celebrado e mantido ao longo dos anos em manifesta violação de normas legais de natureza imperativa.
Posto isto e contrariamente ao que defende o Apelante em sede de alegações de recurso, a nulidade de tal contrato apenas é, por si, invocada em sede de contestação (artigos 12º e seguintes desta peça processual) apresentada em juízo em 09-03-2007 e citada à parte contrária em 15-03-2007 (fls. 224 e art. 254º n.º 3 do C.P.C.). Com efeito, na comunicação que dirigiu à A. em 16 de Maio de 2006, o R. apenas se limita a denunciaro referido contrato, com efeitos a partir de 16 de Julho de 2006, com fundamento na não verificação de requisitos para que pudesse continuar a recorrer à contratação mediante contrato de avença ao abrigo do Dec. Lei n.º 41/84 – inexistência de funcionários ou agentes com qualificação adequada ao exercício das funções objecto de avença – o que é coisa bem diversa.
Ora, a nulidade do negócio jurídico é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do Cod. Civil) e, em termos gerais, tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (art. 289º n.º 1 do mesmo diploma).
Sucede, porém, que o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 – enquanto legislação vigente à data em que cessou o relacionamento laboral entre as partes e que aqui tem que ser considerado por força do disposto no art. 8º n.º 1 desta Lei – estabelece um regime especial em termos de efeitos da nulidade ou invalidade do contrato de trabalho que tenha tido efectiva execução entre as partes contratantes – à semelhança, aliás, do que se verificava já no anterior regime jurídico do contrato de trabalho aprovado pelo Dec. Lei n.º 49.408 de 24-11-1969 – e que, nessa medida, prevalece sobre aquele regime geral (cfr. art. 7º n.º 3 do próprio Cod Civil).
Na verdade, à semelhança do que se previa no anterior regime jurídico do contrato individual do trabalho, estabelece o art. 115º, n.º 1 do Código do Trabalho que «O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução».
Há, pois, como que uma ficção legal de plena validade do contrato de trabalho efectivamente celebrado, durante o período em que o mesmo esteve em execução entre as partes contratantes, razão pela qual, ficcionando-se esta validade contratual, a licitude da respectiva cessação apenas se verificará se pudermos concluir ter sido efectuada com respeito pelas normas legais que a prevêem. É que de acordo com o disposto no art. 116º n.º 1 do Código do Trabalho «Aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato».
As modalidades de cessação do contrato de trabalho legalmente previstas eram a caducidade, a revogação a resolução e a denúncia (cfr. art. 384º do Cod. Trabalho).
Já referimos anteriormente que na comunicação que dirigiu à A. em 16 de Maio de 2006, o R. denunciou o contrato que mantinha com aquela, com efeitos a partir de 16 de Julho do mesmo ano. Contudo, essa forma de cessação unilateralmente assumida pelo R. apenas faria sentido se estivéssemos no âmbito de um contrato de trabalho a termo certo (embora ficcionado) e desde que efectuada para produzir efeitos a partir da verificação do respectivo termo.
Acontece que, pelas razões já expostas, tal se não verificava no caso em apreço. Com efeito, o contrato de trabalho que, embora nulo, efectivamente existiu e esteve em execução entre ambas as partes desde 1 de Fevereiro de 2001 até 16 de Julho de 2006, foi celebrado naquela primeira data sem qualquer aposição de termo – sendo que, anteriormente, concluímos que a outorga, por escrito, do contrato a que se alude no ponto 3. dos factos provados, mais não constituiu que mera tentativa de se conferir legalidade a uma contratação que fora efectuada cerca de nove meses antes sem observância das regras legais então vigentes – e até à sua cessação nesta última data não foi invocada pelo R. nem declarada a respectiva nulidade.
Assim, no âmbito da referida ficção legal de validade do mencionado contrato de trabalho, a única forma lícita de o R., unilateralmente, ter posto fim a esse contrato, seria através de resolução mediante despedimento por facto imputável à A. e apurado em sede de processo disciplinar.
Não se tendo verificado esta forma lícita de cessação do aludido contrato, não poderemos deixar de concluir que a ‘denúncia’ unilateralmente assumida pelo R. em 16 de Maio de 2006 e para produzir efeitos a partir de 16 de Julho do mesmo ano, mais não constituiu do que o despedimento ilícito da A., já que levado a efeito ao arrepio das circunstâncias em que o mesmo poderia ter lugar, constituindo, portanto, uma forma ilícita de cessação do mencionado contrato de trabalho, como se concluiu na sentença recorrida.
Relativamente à última questão suscitada no recurso em apreço, é óbvio que, tendo-se concluído pela cessação ilícita do mencionado contrato de trabalho, pelas razões que deixámos expostas, mostra-se plenamente justificada e fundamentada nos termos da lei a condenação do R. no pagamento à A. da importância global de € 24.689,33 – deduzida das importâncias que a A. tenha, comprovadamente, recebido na sequência da cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento de que foi alvo – e correspondentes juros moratórios a que se alude na sentença recorrida, não merecendo, também nessa parte, qualquer censura por parte desta 2ª instância.
(…)”
4.1. Por uma questão de lógica, equacionar-se-á, em primeiro lugar, a questão de saber se, antes da propositura da acção de onde emergiu o vertente recurso (recte, antes da contestação que nele foi oferecida), o réu tinha invocado a nulidade do contrato aprazado com a autora.
Na sua tese, a carta dirigida à autora pelo Director-Geral da Administração Extrajudicial consubstanciaria uma tal invocação.
Do teor dessa carta [supra transcrito em 6) de II.1.] resulta, na perspectiva deste Supremo, que qualquer declaratário, postado na posição da autora, não a entenderia como contendo uma invocação da nulidade do contrato firmado entre ela e o organismo do réu.
Efectivamente, não só aí nunca se fala da invalidade negocial, como, sequer, nunca se alude a qualquer normativo ínsito nos Decretos-Leis números 184/89 e 427/89, de 7 de Dezembro, ou a ofensa de regras e princípios deles decorrentes e que implicassem aquela invalidade.
Antes, e pelo contrário, o que ali se vem consignar é a existência de uma alteração das circunstâncias que teriam dado azo à outorga do contrato e que, face a essa alteração, era «denunciado» o negócio jurídico em apreço.
Há que convir, pois, que, de todo em todo, não é sustentável que essa carta tenha o intento de invocação da nulidade do contrato.
Ora, sendo assim, e à míngua de outra factualidade relevante, não se pode asseverar que o réu, antes da propositura desta acção, tivesse invocado a nulidade do negócio de onde decorreu a relação jurídica que acima se caracterizou como laboral.
Porém, a forma de cessação do contrato por banda do réu, externada pela carta de 16 de Maio de 2006 e apelidada como «denúncia», tendo em conta o momento temporal em que ocorreu, em que já regia o Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, e pesando a caracterização que dele agora é feita, não era possível por mera vontade do mesmo réu, pois que não ancorada em qualquer das situações previstas naquele corpo normativo para a caducidade ou para a resolução por iniciativa do empregador.
Assim, a comunicada «denúncia» representa uma ilícita cessação por parte do réu do contrato de trabalho que foi celebrado entre ele e a ré.
5. Incidindo agora a atenção sobre a brandida nulidade do contrato em causa, torna-se patente que este vício, in casu, ocorreu.
Na realidade, bastará que este Supremo, neste preciso ponto, remeta para o que foi convocado, quer em sede de fundamentação, quer em sede de normativos ordinários, pelo acórdão recorrido.
A nulidade de um contrato de índole laboral, como é sabido, não determina os efeitos que se prescrevem no artº 289º, nº 1 do Código Civil, pois que, quer no domínio do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 49.408, quer no domínio do Código do Trabalho de 2003 (cfr. artigos 15º, nº 1, daquele regime, e 115º, nº 1, do citado Código), o contrato declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução. A esta especificidade ainda acrescia, na vigência do mencionado regime jurídico, a que se encontrava regulada no nº 3 do seu artº 15º, perante a qual o regime estabelecido para a cessação do contrato se aplicava aos actos e factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou da anulação, o que, sem acentuadas diferenças veio a ficar também consagrada no nº 1 do artº 116º do falado Código, ao se comandar aí que aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato.
Respeitantemente ao problema agora em análise, recentemente este Supremo (cfr. Acórdão de 25 de Junho de 2009, disponível em www.dgsi.pt sob o documento número SJ200906250025664), teve ensejo de escrever: –
“(…) 5. Tendo-se concluído que o autor foi contratado para prestação de trabalho subordinado, por tempo indeterminado, importa retirar as consequências jurídicas da denúncia do contrato, efectuada (…) no pressuposto de que o vínculo existente entre as partes assentava num contrato de avença.
(…) 5.2. O Decreto-Lei n.º 427/89 regulamentou os princípios a que obedecia a relação jurídica de emprego na Administração Pública e foi emitido pelo Governo em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido no Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (alterado pelas Leis n.ºs 30-C/92, de 28 de Dezembro, 25/98, de 26 de Maio, 10/2004, de 22 de Março, e 23/2004, de 22 de Junho, revogado, entretanto, pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), diploma que aprovou os princípios gerais sobre salários e gestão de pessoal da função pública. Segundo o regime do Decreto-Lei n.º 427/89, na redacção anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que é, no caso vertente, a aplicável, a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal (artigo 3.º), sendo certo que o contrato de pessoal só pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo [alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º], tendo ficado vedada aos serviços, organismos e pessoas colectivas submetidos ao dito regime jurídico a possibilidade de constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diversa das previstas naquele artigo 14.º (artigo 43.º). Apresenta-se, pois, como inquestionável a proibição da celebração por parte da (…) ré de contratos de trabalho por tempo indeterminado, nos termos dos conjugados artigos 18.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 412/89, de 29 de Novembro, 1.º do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro, 14.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro. Tal proibição é absoluta, englobando, por isso, a contratação tácita, a contratação originária e a contratação por conversão, dado que os interesses públicos subjacentes a tal proibição são os mesmos, e dúvidas não pode haver também de que os interesses públicos prosseguidos conferem às sobreditas normas uma natureza imperativa, acarretando a nulidade dos contratos celebrados com violação daquelas normas, conforme resulta do preceituado no artigo 294.º do Código Civil, sendo que o artigo 286.º do mesmo Código prevê que «[a] nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal». Deste modo, a relação contratual estabelecida entre o autor e a (…) ré, que as instâncias qualificaram como contrato de trabalho subordinado, está ferida de nulidade, porque ajustada fora das situações legalmente previstas, em violação do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, e 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, normas de inquestionável natureza imperativa. 5.3. Decidida a qualificação do contrato como laboral e estando afirmada a sua nulidade, há que atender aos preceitos que estabelecem o regime específico da invalidade do contrato de trabalho. Estando em causa a cessação de um contrato de trabalho, ocorrida em 2 de Dezembro de 2003, portanto, em data posterior à da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 (dia 1 de Dezembro de 2003 – n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e atento o preceituado nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se, no caso sujeito, o regime jurídico estipulado no Código do Trabalho de 2003. O n.º 1 do artigo 115.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem, preceitua que «[o] contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução». Isto é, nos termos do transcrito normativo, a declaração de nulidade não tem efeito retroactivo, se o contrato foi executado, nem determina a emergência da obrigação de restituição recíproca do recebido. Portanto, no apontado regime específico, a nulidade só opera para o futuro. Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 116.º, «[a]os factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato». Ou seja, a regra de que o contrato de trabalho inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios actos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado. Tudo para concluir que à cessação unilateral do contrato por iniciativa da associação de municípios ré, antes da declaração oficiosa da sua nulidade, aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho.
(…)”
Ora, no caso sub specie, tendo-se já alcançado a conclusão de que se perfilava a existência de um contrato de trabalho sem termo firmado entre a autora e o réu e que este último o tinha feito cessar unilateralmente sem que se tratasse de qualquer situação permissora dessa cessação, o que equivale, em rectas contas, a um despedimento ilícito, tem aquela autora jus a receber os salários intercalares, os quais, como consta da sentença proferida na 1ª instância, foram calculados desde a carta de 16 de Julho de 2009 “considerando apenas o período de tempo decorrido até à data da notificação da contestação (15/3/2007), pois o contrato produziu efeitos como se fosse válido até em que a nulidade foi invocada pelo Réu”.
Assim, não se afigura que deva ser objecto de cobrança de aplicação ao caso o dispositivo constante do nº 6 do artº 10º do Decreto-Lei nº 184/89, em termos de ser interpretado no sentido de os efeitos do contrato celebrado entre as partes, uma vez declarado ele nulo, se haverem de ter como válidos relativamente ao tempo em que esse contrato esteve em execução, mas reportados à espécie contratual que deflui do nomen nele aposto, pois que, em verdade, o que se passou foi a celebração, desde o início, de um contrato de trabalho entre a autora e o réu.
Não merece, desta arte, censura o que a propósito, foi decidido no acórdão revidendo.