ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
EQUIDADE
INDEMNIZAÇÃO
NEGLIGÊNCIA
Sumário

I - A doutrina vem distinguindo o dano real, enquanto perda in natura que o lesado sofreu, em virtude de certo facto, nos interesses que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, do dano patrimonial, definido como reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado. No âmbito do dano patrimonial pode fazer-se a diferença, ainda, entre dano emergente ou perda patrimonial e lucro cessante ou lucro frustrado. Este último, analisado num dano patrimonial futuro, abrange todos os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.
II - O montante indemnizatório relativo a danos futuros deve ser fixado por forma a que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica, e, por outro lado, que não seja tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa do lesado. Dentro destas balizas, importa apurar o quantum indemnizatório, sem excluir que se
possam ter em conta critérios dotados de objectividade, como fórmulas e tabelas financeiras normalmente usadas no foro laboral, ou disponibilizadas pela Portaria 377/2008, de 26-05, sem porém ficar refém dos mesmos.
III - Mas importa sobretudo apelar para critérios de equidade, como única forma de encarar as dificuldades colocadas pela inultrapassável imprevisibilidade, incerteza, ou carácter
aleatório de alguns factores, e, sobretudo, para atender às especificidade do caso.
IV - Num circunstancialismo em que a menor tinha onze anos quando sofreu o acidente da responsabilidade única do condutor do veículo que a atropelou, que ficou paraplégica de forma definitiva, que se desloca em cadeira de rodas e faz auto-algaliação, que lhe foi atribuída uma incapacidade parcial permanente de 70% e que à data do acidente não apresentava qualquer defeito físico nem era portadora de qualquer incapacidade, bem como era uma aluna muito interessada e tinha bom aproveitamento escolar, sendo mesmo reconhecida como uma das melhores alunas da escola, entende-se que a indemnização justa a atribuir por danos patrimoniais futuros é de € 220 000 (duzentos e vinte mil euros).

Texto Integral


Nos autos de processo comum singular que, sob o número acima indicado, correram termos pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, foi proferida sentença, a 06-08-2008, que condenou AA pela prática de um crime de ofensas à integridade física por negligência, previsto e punido nos arts. 148.º, n.ºs 1 e 3, com referência às als. b) e c) do art. 144.º, ambos do Código Penal, na pena de sete meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de um ano.
Mais foi decidido “condenar a demandada Companhia de Seguros BB, S.A. a pagar à ofendida CC a quantia de € 100.000, a título de danos morais, e € 150.000 a título de danos patrimoniais, resultante da sua IPP, ambas acrescidas de juros legais, desde a citação, até integral pagamento; a pagar aos ofendidos DD e EE a quantia de € 30.000, a título de danos morais, a cada um, ambas acrescidas de juros legais, desde a citação, até integral pagamento”.
Inconformada, a demandante cível, CC, interpôs recurso, limitado à parte da sentença relativa ao pedido de indemnização cível e, por acórdão de 10-12-2008, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu “julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela recorrente CC e, em consequência, alterar a decisão recorrida apenas quanto ao montante que nela lhe foi arbitrado a título de indemnização por danos patrimoniais futuros que se fixa em € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), acrescida de juros de mora legais nos termos que constam da decisão recorrida, montante no qual se condena a recorrida Companhia de Seguros BB”.
Mantendo-se ainda irresignada, a demandante cível interpôs recurso para este Supremo Tribunal e a demandada, BB - Companhia de Seguros, S. A., interpôs recurso subordinado.
A - DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Foram dados por provados os seguintes factos (transcrição):
“1 - No dia 14 de Março de 2005, pelas 8h, o arguido seguia ao volante do veículo pesado de passageiros, de marca Volvo, modelo 10M-55, de matrícula …, com lotação para 50 passageiros sentados e 25 de pé, pertencente à Companhia de Carros de …, S.A. do Grupo …, pela Rua Albino Menezes, em Santana, área da comarca do Funchal.
2 - O arguido fazia aquele trajecto diariamente e por várias vezes, efectuando o transporte de alunos para a Escola Bispo D. Manuel Ferreira Cabral.
3 - Naquele dia e hora, CC, nascida a 2.6.1993, dirigiu-se para a Escola Preparatória de Santana, que frequentava, pela R. Dr. Albino de Menezes.
4 - Desceu a rua, caminhando pelo passeio, na companhia de mais 4 colegas seus.
5 - Na escola existe uma entrada principal com um portão de ferro com cerca de 5 metros de largura e era por esse local que entravam os alunos a pé e os veículos pesados que efectuavam o transporte dos alunos.
6 - Os veículos pesados entravam de marcha atrás pelo portão principal por ser difícil efectuar manobras de condução no interior do recinto da escola.
7 - O arguido encontrava-se ao volante do veículo pesado de passageiros de matrícula …, a efectuar a manobra de marcha atrás através do portão aí existente para entrar no recinto da escola e aí deixar os alunos que transportava.
8 - A ofendida entrou na escola também pelo portão principal, ocupando o último lugar da fila atrás dos seus colegas.
9 - O arguido quando efectuava a manobra de marcha atrás, fazendo-o de modo desatento e descuidado, não se apercebeu da presença de CC naquele local e embateu com a parte lateral esquerda do veículo situada antes do pneu da frente no corpo da menor, espremendo-o contra o portão de ferro da escola.
10 - Os alunos que seguiam no interior do veículo e as pessoas que esse encontravam no recinto da escola ao avistar a ofendida começaram a gritar e alertaram o arguido para a presença da menor naquele local, accionado este de imediato o mecanismo de travagem do veículo.
11 - O estado do tempo era bom e o pavimento encontrava-se seco.
12 - Em consequência directa e necessária do embate que sofreu do veículo conduzido pelo arguido, sofreu a CC escoriações ligeiras no abdómen, com palpação profunda ligeiramente dolorosa, hematoma na face interna da coxa direita, sem mobilidade e com ausência de reflexos osteotendinosos dos membros inferiores. Medula de D2 a D12 com área de hiposinal nas imagens em T1 e lesão isquémica.
13 - Apresenta paraplégia com nível de sensibilidade D11 e sem controlo de esfíncteres. Politraumatizada com isquémia medular e secundária paraplégia de forma definitiva. A menor para se deslocar precisa do uso de cadeira de rodas e faz auto-algaliação.
14 - Do evento resultaram para a ofendida CC, as consequências acima descritas que lhe retiram de maneira grave e a capacidade de trabalho, a possibilidade de utilizar o seu corpo e lhe provocam doença permanente.
15 - Tais lesões foram causa directa e necessária 37 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho geral e para as actividades escolares.
16 - O acidente e as suas consequências ficaram a dever-se à circunstância de o arguido conduzir, na ocasião, com falta de cuidado e de atenção e prudência a que estava obrigado e de que era capaz, violando-os gravemente.
17 - O arguido não previu que o embate e as lesões de CC seriam consequência directa da sua descrita conduta; contudo era para ele previsível que conduzir o veículo pesado naquele local de modo desatento, efectuando a manobra de marcha atrás nas condições descritas provocaria um embate num aluno, que, por ser necessariamente violento, dadas as dimensões do local e do veículo pesado conduzido por si, provocaria a ofensa na integridade física deste.
18 - Revelou assim o arguido uma conduta temerária desatenta, sem observância das regras estabelecidas no CE, e com falta do cuidado que o dever geral de previdência aconselha e que o art. 3º do CE impõe, e que podia e devia ter para evitar um resultado que de igual modo podia e devia prever.
19 - O arguido agiu livre e ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
20 - O arguido não tem antecedentes criminais nem antecedentes cadastrais cfr. CRC de fls. 262 e registo cadastral de fls. 261, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
21 - Dá-se por integralmente reproduzido os relatórios periciais de fls. 21 a 33, 35, 36, 41 a 44 e o documento de fls. 318.
22 –
Do Pedido Cível:
Da ofendida CC
23 - Era hábito os alunos da escola entrarem por esse portão.
24 - O arguido, AA, porque diariamente e por várias vezes efectuava transporte de alunos para aquela escola tinha conhecimento que os alunos entravam por esse portão.
25 - Por esse portão entravam também os veículos pesados que efectuavam o transporte dos alunos.
26 - O arguido, iniciou a manobra de marcha-atrás, sem se certificar que podia realizar a referida manobra em condições de segurança, sem perigo para aqueles que entravam no referido portão, nomeadamente a CC, dando assim causa ao acidente.
27 - Os alunos que seguiam no interior do veículo e as pessoas que se encontravam no recinto da escola alertaram o arguido para a presença da autora naquele local.
28 - O arguido, AA, tinha há data do acidente 65 anos.
29 - O estado do tempo era bom e o pavimento encontrava-se seco.
30 - Há data do acidente a Companhia de Carros …, S.A., do Grupo dos “…” havia transferido a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros e emergentes da circulação do veículo de matrícula … para a ré BB - Companhia de Seguros, SA., até montante ilimitado, através da Apólice nº …, sendo a mesma parte legítima nos termos do artigo 29º do DL nº 522/85, de 31/12.
31 - Em consequência do acto lesivo a CC sofreu lesões que lhe determinam uma IPP de 70% (doc. 1).
32 - A autora é filha de DD e de EE, seus representantes legais.
33 - A autora nasceu em 02/06/1993, pelo que há data do acidente tinha 11 anos.
34 - Não apresentava qualquer defeito físico nem era portadora de qualquer incapacidade.
35 - Há data do acidente frequentava o 6º ano de escolaridade.
36 - Era uma aluna muito interessada com bom aproveitamento escolar, sendo reconhecida com uma das melhores alunas da escola.
37 - A autora em consequência das lesões sofridas viu afectada a possibilidade de estudar e de frequentar determinadas disciplinas.
38 - Quer a autora quer os seus pais perspectivavam a possibilidade da autora de obter curso superior.
39 - O seu irmão, FF, frequenta actualmente o 5º ano de engenharia e informática na Universidade da Madeira.
40 - A autora, em consequência directa e necessária do acidente e as lesões que sofreu nomeadamente o facto de ter ficado paraplégica, ficou impossibilitada de exercer certas profissões nomeadamente aquelas que estão condicionadas à inexistência de incapacidades.(1)
41 - Provado apenas a matéria do art. 44.º.
42 - A autora reside com os seus pais no prédio urbano localizado ao … , Santana.
43 - O facto da autora ter ficado paraplégica faz com que sejam necessárias a realização de obras na sua habitação.
44 - A ré Companhia de Seguros, a título de adiantamento e para que se pudessem dar início aos trabalhos de construção civil pagou a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) comprometendo-se a acompanhar o desenrolar da obra liquidando a parte restante à medida que os trabalhos sejam efectuados.
45 - A demandante era uma pessoa alegre gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico.
46 - A autora foi submetida a dolorosos tratamentos médicos, sofreu intensas dores quer no momento do acidente quer durante o período de internamento e de tratamento médico a que ainda se encontra sujeita.
47 - Às dores físicas que a autora sofreu e sofrerá, acresce o sofrimento psicológico pelo facto de ter ficado paraplégica.
48 - Para toda a sua vida ficará incapacitada.
49 - O acidente que vitimou a autora alterou toda a sua maneira de estar e viver e a forma como os outros a vêem e tratam, pessoas que não conseguem esconder sentimento de pena em relação à demandante.
50 - A demandante terá dificuldade em constituir família, ter ao seu lado um companheiro que a ame e estime.
51 - Passou a necessitar de apoio de terceira pessoa até para realizar as mais elementares tarefas e cuidados diários.
52 - A situação da demandante necessitar de alguém que tome conta de si perdurará para o resto da sua vida.
53 - Sofre de um enorme desgosto e angústia pela incapacidade de que ficou afectada e pelo prejuízo estético causado pelo acidente.
54 - A autora vive com os seus pais, que pouco podem fazer para minorar o seu sofrimento.
55 - Sofre de complexos de inferioridade.
56 - Por vezes recusa-se a sair de casa evitando o convívio com amigos e colegas de escola, fechando-se na sua dor.
57 - Tem pesadelos e recorda permanentemente o acidente.
58 - O facto de ter ficado paraplégica terá obviamente repercussões negativas no seu relacionamento futuro e na possibilidade de ser feliz.
Dos ofendidos DD, EE e FF
59 - Os demandantes, DD e EE são pais da CC e o demandante FF é irmão, tudo conforme certidões que se protestam juntar.
60 - À data do acidente a sinistrada vivia com os seus pais e irmão, pessoas que se ajudavam mutuamente, tinham uma relação de grande proximidade e estima.
61 - Em consequência directa e necessária do acidente e das lesões que a CC sofreu, os ora demandantes sofreram um perfundo desgosto, e angustia.
62 - Pensaram que a sinistrada podia morrer.
63 - Os demandantes sofrem uma enorme angustia por verem uma pessoa que muito amam e estimam “amarrada” a uma cadeira de rodas.
64 - É também certo que a sinistrada precisará para o resto da sua vida de alguém que tome conta de si.
65 - O sofrimento dos pais da sinistrada é agravado pelo facto de em consequência das regras normais da vida perspectivarem falecer antes da sua filha, pelo que viverão na angustia e desespero por não saberem o que acontecerá nessa altura.
66 - A CC era uma jovem promissora, saudável, e com um futuro risonho.
67 - Estes factos também causam aos seus pais e irmão, pessoas que muito a amam, enorme angustia, desespero e tristeza.
68 - Sentem que pouco podem fazer para minorar o sofrimento da CC.
Da contestação da seguradora
Inexistem”
Consideraram-se não provados os seguintes factos (transcrição):
“Da acusação
Inexistem
Do pedido cível da CC
A companhia de seguros assumiu a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos causados por este acidente.
Para o efeito propôs e foi aceite pela CC a realização de obras que orçam em € 18.112,00 (dezoito mil cento e doze euros).
Como consequência directa e necessária do acidente, esteve a autora internada no Centro Hospitalar do Funchal por período superior a 60 dias.
A autora encontra-se permanentemente deprimida e perdeu o interesse e gosto pela vida.
Do pedido cível ofendidos DD, EE e FF
Inexistem
Da contestação
O estabelecimento de ensino onde o acidente ocorreu é todado de duas entradas: uma para os estudantes, outra reservada às viaturas.
No local onde o acidente ocorreu existe um portão para uso exclusivo das viaturas, nomeadamente as pesadas.
Não obstante a existência dessas duas referidas entradas, nesse fatídico dia, a menor CC decidiu aceder à escola através da entrada de viaturas.
A menor sabia da existência das duas entradas.
Tinha a perfeita noção de que não deveria entrar pelo portão reservado às viaturas.
A menor sabia dos perigos que corria quando, não obstante a presença do pesado, decidiu entrar na escola pelo referido portão.
A menor ofendida viu perfeitamente o pesado a efectuar a manobra para aceder ao páteo da escola.
Teve tempo e dispunha de espaço suficiente para fugir.
Não obstante, colocou-se à mercê do alcance do pesado”.
B - RECURSO PARA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO
1) MOTIVAÇÃO DA DEMANDANTE CÍVEL CC
Na sequência da sua motivação a demandante cível apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
“1 - O presente recurso está limitado à parte da decisão respeitante à indemnização cível, mais concretamente ao quantum da indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais (artigos 399, 400º nº 2, 401º nº 1, al. c), 403º, nº 3 al. a), do CPP).
2 - O Ministério público acusou, em Processo Comum e Tribunal Singular, AA, melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p artº 148 nº 1 e 3, com referência às al. b) e c) do artº 144º do CP.
3 - A CC, ofendida, menor, devidamente representada pelos seus pais deduziu contra a companhia de seguros BB – S. A., pedido de indemnização cível, no qual termina peticionando a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de 498.112,00 (quatrocentos e noventa e oito mil e cento e doze euros), 398.112,00 a título de danos patrimoniais e € 100.000,00, a título de danos não patrimonias, acrescidas essas quantias de juros legais a contar da citação.
4 - Paro efeito e em síntese alegou factos tendentes a demonstrar que a ré seguradora estava constituída na obrigação de indemnizar os danos por si sofridos decorrentes de acidente de viação ocorrido no dia 14 de Março de 2005.
5 - O pedido cível foi considerado parcialmente procedente, a ré seguradora foi condenada a pagar à autora a quantia de € 100.000,00, a título de danos morais, e € 150.000,00 a título de danos patrimoniais, resultante da sua IPP, ambas acrescidas de juros legais, desde a citação, até integral pagamento.
6 - A recorrente não se pode conformar com o quantum da indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais resultantes da sua IPP.
7 - Entendimento pacífico que uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que, cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida.
8 - No que respeita à reparação do dano corporal, a jurisprudência tem vindo a adoptar pacificamente, o critério de determinar um capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e ira ser até final da sua vida, através do recurso alguns métodos, sendo que as tabelas financeiras, por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um carácter meramente auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade.
9 - É necessário considerar circunstâncias concretas do caso, nomeadamente o facto da CC, à data do acidente ter 11 anos, frequentar o 6º ano de escolaridade, ser das melhores alunas da escola), sofrer, agora, de uma incapacidade geral permanente parcial de 70%, ter ficado paraplégica, para deslocar-se precisar do uso de cadeira de rodas, fazer auto algaliação, necessitar, para o resto da sua vida, do apoio de terceira pessoa para realizar as mais elementares tarefas e trabalhos diários, ter ficado impossibilitada de exercer certas profissões.
10 - Necessário se torna considerar ainda a descida das taxas de juro verificadas ao longo dos últimos anos, que rondarão actualmente os 3%, a taxa de inflação registada, que ronda actualmente os 3%, o valor do salário mínimo nacional (à data do pedido € 403, actualmente € 434,52), a idade provável de cessação da vida activa da vítima – 70 anos e a esperança média de vida das mulheres em Portugal – mais de 80 anos.
11 - A indemnização de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) arbitrada a título de danos patrimoniais – perda da capacidade de ganho – resultante da IPP, não é justa, pois é manifestamente insuficiente para produzir um rendimento que a ofendida foi privada e irá ser até final da sua vida, pelo que o tribunal a quo violou a lei, jurisprudência e critérios de equidade.
12 - A recorrente defende que o facto de ser menor, estudante, não se poder saber qual seria a sua profissão, remuneração, não a pode prejudicar para efeito de indemnização por danos patrimoniais, indemnização pela perda da capacidade de ganho.
13 - Por tudo o que supra se disse, o valor peticionado de € 398.112,00 (trezentos e noventa e oito mil cento e doze euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais – perda de capacidade de ganho – como capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até ao final da sua vida, está de acordo com a lei, jurisprudência e critérios de equidade.
13 - Normas jurídicas violadas:
Artigos: 483º, 496º, 562º e 566º do Código Civil.
14 - O recurso é legal e tempestivo.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, como é de Justiça”.
2) RESPOSTA DA DEMANDADA CÍVEL BB - COMPANHIA DE SEGUROS, S. A.
A demandada cível respondeu ao recurso interposto, concluindo que (transcrição):
“1. Ficou provado que, à data do sinistro, a Recorrente tinha 11 anos de idade, era estudante, e frequentava o 6º ano de escolaridade, tendo, em consequência do acidente sub judicie, ficado com uma IPP de 70%.
2. Conforme refere a douta sentença recorrida, “embora não fique privada de exercer qualquer profissão, com a competente remuneração, a ofendida ficou limitada no seu direito de escolher a sua profissão, devido à sua incapacidade, que foi fixada em 70%, tendo a douta sentença condenado a Demandada no pagamento de € 150.000,00 pela incapacidade geral permanente parcial.
3. A Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, no art. 4º, al. f) e Anexo I, prevê para os casos em que resulte uma incapacidade permanente absoluta para o lesado que, pela sua idade, ainda não tenha ingressado no mercado de trabalho, a atribuição de uma indemnização a título de incapacidade permanente absoluta em montante até € 150.000,00.
4. Tendo a douta sentença recorrida atribuído a título de incapacidade permanente parcial a quantia máxima prevista na dita Portaria para os casos de incapacidade absoluta nos casos de jovens que não iniciaram a sua vida laboral à data do acidente, pelo que é manifesto que o valor a que a Demandada foi condenada não é irrisório, nem viola juízos de equidade, sendo pelo contrário justo e equitativo.
5. Sendo certo que de acordo com a fórmula de cálculo DPF = { [(1 – ((1 + k)/ (1 + r)) ^ n) / (r – k) ] x (1 + r) } x p, constante do Anexo III, nº 1, da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, sendo p = prestações (rendimentos anuais); r (taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras) = 5%, k (taxa anual de crescimento da prestação) = 2%, e face o salário mínimo nacional vigente à data do acidente - € 374,70 – multiplicado por doze meses, a idade da Lesada à data do acidente e a idade da reforma que se situa, para efeitos do referido cálculo, nos 70 anos, o montante a liquidar a título de lucros cessantes seria de € 128.917,96 (cento e vinte e oito mil novecentos e dezassete euros e noventa e seis cêntimos), montante inferior ao atribuído pela douta sentença recorrida.
6. Por outro lado, considera a Recorrida que o montante de € 398.112,00 peticionado pela Recorrente é excessivo e injusto. Com efeito,
7. A Recorrida desconhece se, ainda que não tivesse ocorrido o acidente sub judicie, a Lesada tiraria efectivamente um curso superior e bem assim se alguma vez ingressaria no mercado de trabalho, sendo certo que existem inúmeras pessoas com curso superior desempregadas ou a auferir o salário mínimo nacional.
8. À data do acidente, bem como actualmente, a Lesada era menor, não auferindo qualquer retribuição por conta própria ou por conta de outrem.
9. O acidente sub judicie ocorreu em 2005, encontrando-se, na altura, o salário mínimo nacional fixado em € 374,70, conforme Decreto-Lei nº 242/2004, de 31 de Dezembro.
10. Salvo o muito devido respeito pelo douto acórdão do STJ de 31-01-2007, Proc. 06A4301, considera a Demandada que ser tomado como valor de referência para fixação da indemnização a atribuir a título de perda de capacidade de ganho uma vez e meia o salário mínimo nacional, pelo facto de o lesado ser menor, é injusto e discriminatório em relação a todos os outros lesados, maiores de idade, que, não auferindo qualquer retribuição, têm como valor de referência o salário mínimo nacional à data do sinistro, bem como os outros lesados que, trabalhando, têm como referência o seu salário líquido, muitas vezes inferiores a € 450,00, não obstante padecerem de incapacidades em consequência de sinistros, alguns com incapacidade total para o trabalho.
11. Ainda que a Recorrente pretenda ingressar num curso superior (pretensão que a referida IPP não impossibilita, sendo certo que dos depoimentos prestados na audiência de julgamento resultou que a Lesada era boa aluna antes do sinistro, situação que se mantém no presente), o certo é que a Recorrente só terminaria a sua formação profissional por volta dos 22 anos.
12. Não obstante a idade de reforma encontrar-se fixada nos 65 anos, atendendo aos critérios fixados na Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, e jurisprudência pacífica, a Recorrida considera adequada como idade de referência os 70 anos para o termo da vida activa, sendo certo que após a reforma (que ocorrerá antes da referida data) a Recorrente irá auferir pensão do organismo para o qual efectuará contribuições.
13. Por fim, a Lesada irá auferir de uma só vez, a título de “perda de capacidade de ganho” aquilo que, em princípio, receberia em fracções mensais, ao longo da sua vida activa, (montante este calculado desde a data do sinistro, data em que a Lesada era menor, não exercendo qualquer profissão) pelo que haveria igualmente de reduzir a indemnização sob pena de manifesto e ilegítimo enriquecimento sem causa.
14. Pelo que deverá ser mantida a douta sentença recorrida, por ser justa e equitativa, tendo sido respeitados o disposto nos arts. 483º, 496º, 562º e 566º do Código Civil.
Termos em que deverá ser declarado improcedente o recurso e mantida a douta sentença recorrida, tudo com as legais consequências, porque só assim será feita Justiça”.
C - ACÓRDÃO RECORRIDO
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, aqui o recorrido, pronunciou-se nos seguintes moldes (transcrição):
“As questões a decidir são apenas as suscitadas nas conclusões das alegações da recorrente, nas quais sintetiza as razões do pedido, (art.° 412°, n° l do CPP), o que significa que se encontra definitivamente assente a culpa do arguido, condutor do veículo, e, consequentemente, a responsabilidade da recorrida/demandada pelas consequências que do acidente resultaram para a recorrente, estando apenas em causa no presente recurso o montante fixado na sentença recorrida a título de indemnização pela IPP de 70% atribuída à recorrente - se deve ser aumentado como esta pretende, ou se deve ser mantido, como defende a recorrida.
Nos termos do art.° 562°, n°l do C. Civil "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação"e o n°2 do mesmo preceito estabelece que "a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos".
No que respeita aos danos patrimoniais a indemnização a arbitrar deve corresponder não só ao prejuízo causado mas também aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, isto é, abrange tanto os danos emergentes como os chamados lucros cessantes onde se inclui a perda da capacidade de ganho e, nos danos não patrimoniais ou morais cabem todos aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito - art.°s 564° e 496° do C. Civil.
A desvalorização física que afecte a capacidade aquisitiva do lesado na medida em que se traduz numa redução da possibilidade de obtenção de valores patrimoniais, isto é, no não aumento do património do lesado constitui um dano (além, de não patrimonial) patrimonial - Vaz Serra, RLJ 102°, 297 - que reveste a forma de lucro cessante, que é indemnizável nos termos dos art.°s 562°, 563° e 564°, todos do Cód. Civil, ainda que, no momento em que tal perda seja produzida, aquela capacidade não estivesse ainda a ser exercida mediante a prática de trabalho remunerado.
Dada a natureza não palpável da capacidade laboral e porque os chamados lucros cessantes futuros que resultam da redução ou afectação dessa capacidade, são sempre contingentes e aleatórios, a atribuição de uma indemnização justa e correcta deve assentar em juízos de equidade, nos quais naturalmente se deve considerar como elemento auxiliar da decisão quaisquer tabelas financeiras ou fórmulas matemáticas, de forma a que a indemnização atribuída represente um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual durante o período de tempo provável de vida activa do lesado.
Neste contexto, Jorge Arcanjo in "Notas Sobre a Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação", Revista do CEJ, 2º semestre de 2005, Número 3, pág. 55/57, aponta para a "determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, os seguintes tópicos:
- o período provável da vida activa, bem como a esperança média de vida;
- a evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório;
- a taxa de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade;
- a percentagem de IPP, que pode traduzir-se em incapacidade total no ofício, sem possibilidade reconversão, ou ser possível com ou sem diminuição salarial, ou corresponder sensivelmente igual percentagem na capacidade de ganho.
A jurisprudência tem procurado estabelecer critérios de apreciação e de cálculo dos danos que, citando o Ac. do STJ de 17/06/2008 proferido na revista n° 08A1266, acessível em http://www.dgsi.pt.jstj, reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjectivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis. Assim, citando o mesmo aresto, assentou-se de forma bastante generalizada nas seguintes ideias:
1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e deforma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4ª) Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;
5ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
6ª) Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)".
Na sua petição a recorrente computou a indemnização pela diminuição da sua capacidade profissional decorrente da IPP de 70% que lhe foi atribuída em 390.000,00€ e a sentença recorrida fixou tal montante em 150.000,00€, por considerar que embora não fique privada de exercer qualquer profissão, com a competente remuneração, a ofendida ficou limitada no seu direito de escolher a sua profissão, devido à sua incapacidade, que foi fixada em 70%.
A sentença recorrida deu como provados os factos que a seguir se transcrevem na parte em que são relevantes para a apreciação do recurso:
(...)
12. Em consequência directa e necessária do embate que sofreu do veículo conduzido pelo arguido, sofreu a CC escoriações ligeiras no abdómen, com palpação profunda ligeiramente dolorosa, hematoma na face interna da coxa direita, sem mobilidade e com ausência de reflexos osteotendinosos dos membros inferiores. Medula deD2a D12 com área de hiposinal nas imagens em T1 e lesão isquémica.
13. Apresenta paraplegia com nível de sensibilidade D11 e sem controlo e esfincteres. Politraumatizada com isquémia medular e secundária paraplegia de forma definitiva. A menor para se deslocar precisa do uso de cadeira de rodas e faz auto - algaliação.
14.Do evento resultaram para a ofendida CC, as consequências acima descritas que lhe retiram de maneira grave a capacidade de trabalho, a possibilidade de utilizar o seu corpo e lhe provocam doença permanente.
(...)
15. Tais lesões foram causa directa e necessária de 37 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho geral e para as actividades escolares.
(...)
31 - Em consequência do acto lesivo a CC sofreu lesões que lhe determinam uma IPP de 70% (art. 35°).
33 - A autora nasceu em 02/06/1993 pelo que, há data do acidente, tinha 11 anos (art.º 37°).
34 - Não apresentava qualquer defeito físico nem era portadora de qualquer incapacidade (art.° 38°).
35 -A data do acidente frequentava o 6o ano de escolaridade (art.° 39°).
36 - Era uma aluna muito interessada com bom aproveitamento escolar, sendo reconhecida como uma das melhores alunas da escola (art.° 40°).
37 - A autora em consequência das lesões sofridas viu afectada a possibilidade de estudar e de frequentar determinadas disciplinas (art.° 41°).
38 - Quer a autora quer os seus pais perspectivavam a possibilidade da autora de obter curso superior (art.° 42°).
39 - O seu irmão, FF, frequenta actualmente o 5º ano de engenharia e informática na Universidade da Madeira (art.° 43°).
40 - A autora, em consequência directa e necessária do acidente e das lesões que sofreu nomeadamente o facto de ter ficado paraplégica, ficou impossibilitada de exercer certas profissões nomeadamente aquelas que estão condicionadas à inexistência de incapacidades (art.° 44°).
42-A autora reside com os seus pais no prédio urbano localizado ao …., … (art.° 46°).
43 - O facto da autora ter ficado paraplégica faz com que sejam necessárias a realização de obras na sua habitação (art.° 47°).
44 - A ré Companhia de Seguros, a título de adiantamento e para que se pudessem dar inicio aos trabalhos de construção civil pagou a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) comprometendo-se a acompanhar o desenrolar da obra liquidando a parte restante à medida que os trabalhos sejam efectuados (art.° 49°).
Não está propriamente em causa a perda de salário ou rendimento da lesada posto que a mesma era ainda menor e estudante à data do acidente, e vai continuar a ser durante alguns anos, não exercendo pois qualquer actividade profissional, sendo incerto e imprevisível o futuro que a menor teria se não tivesse sofrido o acidente. O que está antes em causa é a própria afectação pessoal do ponto de vista funcional, na envolvência do que vem sendo defendido por dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da actividade geral da lesada, o que implica a sua ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial futuro, para além da sua valorização enquanto dano não patrimonial, com recurso às regras da equidade (neste sentido autor citado e, além do aresto citado também o Ac. RL de 29/05/2008 e Acs. do STJ de 15/01/04 e de 25/09/07, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt).
No caso presente, a sentença recorrida fixou em 150.000,00€ a indemnização a título de danos patrimoniais futuros por considerar que embora não fique privada de exercer qualquer profissão, com a competente remuneração, a ofendida ficou limitada no seu direito de escolher a sua profissão, devido à sua incapacidade, que foi fixada em 70%.
Ora, não está só em causa o facto de a ofendida ter ficado limitada no seu direito de escolher a sua profissão mas também a própria possibilidade de exercer em pleno a profissão pela qual opte livremente pois que ficou com a sua capacidade funcional reduzida a 30%, até ao final da sua vida activa, que ainda nem sequer começou.
A recorrente é ainda muito jovem (tem agora 15 anos), tendo toda a vida à sua frente e uma IPP de 70%, que se traduzirá no futuro, não só na impossibilidade da mesma poder optar livremente por uma profissão e na impossibilidade de realizar tarefas ou profissões que qualquer pessoa, no uso das suas faculdades mentais e capacidades físicas, consegue realizar, mas também numa deficiente capacidade de utilização do seu corpo no desenvolvimento das actividades em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade da execução de tarefas que se lhe irão deparar no futuro. Sendo certo que não serão só as dificuldades de locomoção que irão condicionar o percurso profissional da ofendida mas todo o processo psicológico traumático inerente à condição física a que foi votada e que a acompanhará para o resto da sua vida.
A autonomia da capacidade de ganho da recorrente, está, pois, à partida, fortemente condicionada, tendo a mesma de despender um esforço suplementar e acrescido no desempenho das tarefas ou ocupações a que se consiga ainda assim dedicar. Esforço esse que tem também de ser traduzido na indemnização a atribuir.
É certo que a IPP de que a recorrente padece não determinará nos próximos anos uma diminuição da sua capacidade de ganho, posto que a mesma é menor e viveria, enquanto estivesse a estudar, na dependência dos seus pais e, por outro lado, apesar da mesma ser uma boa aluna, não há a certeza sobre se a mesma se tornaria uma profissional de alta competência, com elevados rendimentos, havendo por isso que partir, não de um salário mínimo, com pretende a recorrida, mas sim de um salário médio na medida em que o normal, e portanto o previsível, nos termos do art.° 564°, n.° 2, do Cód. Civil, é que as pessoas vão, ao longo da sua vida, obtendo aumentos salariais, seja por força da antiguidade seja como resultado de promoções, que ultrapassam o salário mínimo.
Nesta perspectiva, e dada a impossibilidade de, neste momento, se determinar quer a profissão que a recorrente terá capacidade de exercer, quer os salários que a mesma conseguirá obter ao longo da sua vida, tendo como referência o valor do salário médio dos portugueses (que actualmente se situa entre 800 a 900 €), sopesados os demais factos provados à luz das diversas "variáveis" a considerar acima referidas, em função da equidade e tendo em conta que a tabela referida pela recorrida é meramente indicativa, entendemos que a indemnização por danos futuros deve ser fixada, em 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros).”
D - RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL
1) MOTIVAÇÃO DA DEMANDANTE CÍVEL
A recorrente concluiu a sua motivação do seguinte modo (transcrição):
“A) Por douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi arbitrada à recorrente a indemnização, a titulo de danos patrimoniais futuros no montante de 180.000,00€ (Cento e oitenta mil euros);
B) O dano patrimonial abrange não só o dano biológico como também o dano patrimonial propriamente dito;
C) A recorrente, que ficou paraplégica, aos 11 anos, não pode ser prejudicada no cálculo da indemnização a que, inbubitavelmente, e, sobretudo, infelizmente, tem direito, pelo facto de não exercer qualquer profissão à data do infortúnio;
D) Inexiste qualquer forma legal que se enquadra na situação da recorrente para determinar o cálculo da indemnização, sendo que a Portaria 377/2008, de 26/05, é meramente indicativa conforme bem sublinha o aresto recorrido.
E) - A recorrente não se pode conformar com o quantum da indemnização arbitrada a titulo de danos patrimoniais resultantes da sua IPP. Este compreende o dano biológico e o dano patrimonial.
F) - Entendimento pacifico que uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que, cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional activa do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida.
G) - No que respeita à reparação do dano corporal, a jurisprudência tem vindo a adoptar pacificamente, o critério de determinar um capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e ira ser até final da sua vida, através do recurso alguns métodos, sendo que as tabelas financeiras, por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um carácter meramente auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade.
H) - É necessário considerar circunstâncias concretas do caso, nomeadamente, o facto da CC, à data do acidente ter 11 anos, frequentar o 6º ano de escolaridade, ser das melhores alunas da escola), sofrer, agora, de uma incapacidade geral permanente parcial de 70%, ter ficado paraplégica, para deslocar-se precisar do uso de cadeira de rodas, fazer auto algaliação, necessitar, para o resto da sua vida, do apoio de terceira pessoa para realizar as mais elementares tarefas e trabalhos diários, ter ficado impossibilitada de exercer certas profissões.
I) - Necessário se torna considerar ainda a descida das taxas de juro verificadas ao longo dos últimos anos, que rondarão actualmente os 3%, a taxa de inflação registada, que ronda actualmente os 3%, o valor do salário mínimo nacional (à data do pedido 403€, actualmente, 434,52€), a idade provável de cessação da vida activa da vítima - 70 anos e a esperança média de vida das mulheres em Portugal - mais de 80 anos.
J) - A indemnização de 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros) arbitrada a título de danos patrimoniais - perda da capacidade de ganho - resultante da IPP, não é justa, pois é manifestamente insuficiente para produzir um rendimento que a ofendida foi privada e irá ser até final da sua vida, pelo que o tribunal a quo violou a lei jurisprudência e critérios de equidade.
K) - A recorrente defende que o facto de ser menor, estudante, não se poder saber qual seria a sua profissão, remuneração, não a pode prejudicar para efeito de indemnização por danos patrimoniais, indemnização pela perda da capacidade de ganho.
L) - A equidade impõe, dadas as circunstâncias dramáticas do caso concreto, uma indemnização por dano patrimonial futuro superior a 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros).
M) Por tudo o que supra se disse, o valor peticionado de 398.112,00€ (trezentos e noventa e oito mil cento e doze euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais - perda de capacidade de ganho - como capital que produza rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até ao final da sua vida, está de acordo com a lei, jurisprudência e critérios de equidade.
N) - NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:
Artigos: 483°, 496°, 562° e 566° do Código Civil.
O) - O recurso é legal e tempestivo.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, como é de, JUSTIÇA.”
2) MOTIVAÇÃO DA DEMANDADA CÍVEL
A demandada finaliza a sua motivação extraindo as seguintes conclusões (transcrição):
“1. No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente nas conclusões, as quais delimitam o objecto do recurso, a Lesada solicitou o pagamento de uma indemnização a título de perda de capacidade de ganho resultante da sua IPP, não tendo peticionado quaisquer quantias a título de dano biológico, entendido como ofensa do direito à integridade física e psíquica, sendo certo que o mesmo já foi ressarcido através da indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, a qual contemplou, designadamente, as lesões apresentadas pela Recorrida em consequência do acidente sub judicie, dores, incómodos, alterações funcionais e psicológicas e dano estético, conforme douta sentença proferida em primeira instância, a qual se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
2. Salvo o muito devido respeito, não pode a Demandada Civil, ora Recorrente, concordar com douto acórdão recorrido que aumentou a indemnização devida a título de danos patrimoniais - perda da capacidade de ganho - de €150.000,00 para €180.000,00, por considerá-la excessiva.
3. Ficou provado que, à data do sinistro, a Recorrida tinha 11 anos de idade, era estudante, e frequentava o 6o ano de escolaridade, tendo, em consequência do acidente sub judicie, ficado com uma IPP de 70%.
4. Conforme referiram a douta sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, bem como o douto acórdão recorrido, a Lesada não ficou privada do exercício de uma profissão em consequência do acidente de viação sub judicie, não obstante a sua referida incapacidade.
5. A Portaria n°377/2008, de 26 de Maio, não é vinculativa para os tribunais, no entanto, da mesma, constam critérios que a Recorrente considera exactos e objectivos, tais como a aplicação do salário mínimo nacional à data dos factos, no caso de inexistir qualquer outro elemento de referência, sendo que o acidente sub judicie ocorreu em 2005, encontrando-se, na altura, o salário mínimo nacional fixado em €374,70, conforme Decreto-Lei n° 242/2004, de 31 de Dezembro.
6. À data do acidente, bem como actualmente, a Lesada era menor, não auferindo qualquer retribuição por conta própria ou por conta de outrem.
7. Não obstante a idade de reforma encontrar-se fixada nos 65 anos, atendendo aos critérios fixados na Portaria n°377/2008, de 26 de Maio, e jurisprudência pacífica, a Recorrida considera adequada com idade de referência os 70 anos para o termo da vida activa, sendo certo que após a reforma (que ocorrerá antes da referida data) a Recorrida irá auferir pensão do organismo para o qual efectuará contribuições.
8. De acordo com a fórmula de cálculo do dano patrimonial futuro = {[ (1- ((1 + k) / (1 + r)) A n) / ( r - k)] x (1 +r)} x p, constante do Anexo III, n°1, da Portaria n°377/2008, de 26 de Maio, sendo p= prestações (rendimentos anuais); r (taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras) = 5%, k (taxa anual de crescimento da prestação) = 2%, e face o salário mínimo nacional vigente à data do acidente - €374,70 - multiplicado por doze meses, a idade da Lesada à data do acidente e a idade da reforma que se situa, para efeitos do referido cálculo, nos 70 anos, o montante a liquidar a título de dano patrimonial futuro seria de €128.917,96 (cento e vinte e oito mil novecentos e dezassete euros e noventa e seis cêntimos).
9. Sucede que, atendendo que apenas a partir da entrada na vida activa existirá uma efectiva perda de capacidade de ganho, se tomarmos como início da vida activa os 18 anos, e o tempo que falta para a reforma (52 anos), de acordo com a fórmula de cálculo DPF supra referida, e mantendo-se as restantes variáveis, o montante a liquidar a título de dano patrimonial futuro seria de € 122.516,33 (cento e vinte e dois mil, quinhentos e dezasseis euros e trinta e três cêntimos)
10. Por outro lado, a Lesada pretende ingressar num curso superior (pretensão que a referida IPP não impossibilita, sendo certo que dos depoimentos prestados na audiência de julgamento resultou que a Lesada era boa aluna antes do sinistro, situação que se mantém no presente), pelo que só terminaria a sua formação profissional por volta dos 22 anos, faltando, desde esta data para a reforma 48 anos, pelo que, de acordo com a fórmula de cálculo DPF supra referida, e mantendo-se as restantes variáveis, o montante a liquidar a título de dano patrimonial futuro seria, na verdade, de € 118.230,93 (cento e dezoito mil duzentos e trinta euros e noventa e três cêntimos).
11. A Recorrente desconhece se, ainda que não tivesse ocorrido o acidente sub judicie, a Lesada tiraria efectivamente um curso superior e bem assim se alguma vez ingressaria no mercado de trabalho, reconhecendo somente que nesta data existem inúmeras pessoas com curso superior desempregadas ou a auferir o salário mínimo nacional.
12. Salvo o muito devido respeito pelo douto acórdão do STJ de 31-01-2007, Proc. 06A4301, bem como pelo douto acórdão recorrido, considera a Recorrente que tomar como valor de referência para fixação da indemnização a atribuir a título de perda de capacidade de ganho uma vez e meia o salário mínimo nacional, quando o lesado é menor, conforme defende o douto acórdão do STJ de 31-01-2007, Proc. 06A4301, ou a adopção do salário médio nacional à data da prolação da decisão, conforme defende o douto acórdão recorrido (que segundo o douto acórdão recorrido, a págs. 12, se situa entre €800,00 e €900,00), é injusto e discriminatório em relação a todos os outros lesados, maiores de idade, que, não auferindo qualquer retribuição, têm como valor de referência para efeitos de indemnização o salário mínimo nacional à data do sinistro, bem como os outros lesados que, trabalhando, têm como referência o seu salário líquido, muitas vezes inferiores a €450,00, não obstante padecerem de incapacidades em consequência de sinistros, alguns com incapacidade total para o trabalho, sendo certo que o salário médio nacional referido na douta sentença recorrida resulta da existência de muitas empresas multinacionais em Portugal, as quais oferecem aos seus quadros elevados rendimentos, em completa dissonância com a maioria da população portuguesa que, na sua maioria aufere o salário mínimo nacional vigente ou salário inferior a €500,00 (quinhentos euros), pelo que a adopção de um valor de referência superior ao salário mínimo nacional (ou o salário líquido) à data do sinistro, pelo facto de o lesado ser menor é inconstitucional, porque violador do princípio da igualdade ínsito no art. 13° da C.R.P.
13. Por outro lado, refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2007, Proc. n° 07B3026, in. www.dgsi.pt que para calcular a perda de ganho da lesada, deverá ser atendido, na falta de outro elemento, o valor do salário mínimo nacional à data da prolação da sentença.
14. Face ao exposto, ainda que não se considerasse o salário mínimo nacional à data do acidente (sendo que se trata do critério adoptado pela referida Portaria n°377/2008, que a Recorrente considera isenta e ponderada), o certo é que, atendendo ao facto de a Recorrida não auferir qualquer rendimento à data do sinistro, (o que se mantém actualmente atenta a sua menoridade), tendo como elemento de referência o salário mínimo nacional vigente à data da prolação da douta sentença e/ou acórdão - 2008 – o qual segundo o Decreto-lei n° 397/2007, de 18 de Dezembro, encontrava-se fixado em €426,00, e o facto de a Recorrida terminar a sua formação profissional por volta dos 22 anos, sendo que até à referida altura seria financeiramente dependente dos Pais, mantendo-se as restantes variáveis referidas no ponto 8 destas conclusões, o valor devido a título de dano patrimonial futuro (perda de capacidade de ganho) segundo a fórmula DPF atrás referida constante da Portaria n°377/2008, seria de €134.417,87 (cento e trinta e quatro mil quatrocentos e dezassete euros e oitenta e sete cêntimos).
15. Sendo certo que a Lesada irá auferir de uma só vez, durante a sua menoridade, a título de "perda de capacidade de ganho" aquilo que, em princípio, receberia em fracções mensais, ao longo da sua vida activa (a qual só se iniciará daqui a muitos anos), pelo que sempre haveria igualmente de reduzir a indemnização sob pena de manifesto e ilegítimo enriquecimento sem causa, redução esta que já se encontra contemplada na referida fórmula.
16. Por outro lado, a Portaria n°377/2008, de 26 de Maio, no art. 4º, al. f) e Anexo I, prevê para os casos em que resulte uma incapacidade permanente absoluta para o lesado que, pela sua idade, ainda não tenha ingressado no mercado de trabalho, a atribuição de uma indemnização a título de incapacidade permanente absoluta em montante até €150.000,00.
17. Conforme referido, a Recorrida não padece de incapacidade absoluta para o exercício de uma profissão, sendo portadora de uma IPP de 70%, sendo que a douta sentença proferida em primeira instância atribuiu a título de incapacidade permanente parcial a quantia máxima prevista na dita Portaria para os casos de incapacidade absoluta nos casos de jovens que não iniciaram a sua vida laboral à data do acidente, quantia muito superior a que resultaria do cálculo do dano patrimonial futuro constante da fórmula constante do Anexo III, n°1, da Portaria n°377/2008, conforme atrás exposto.
18. Ainda que a Portaria n°377/2008, de 26 de Maio, não seja vinculativa para os Tribunais, podendo ser arbitrados valores superiores, considera a Recorrente que o valor de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de indemnização por dano patrimonial futuro, resultante da sua IPP justo e equitativo, pelo que deverá o douto acórdão recorrido ser revogado, mantendo-se a indemnização fixada em primeira instância, sendo certo que o montante ora defendido não se trata do mero resultado da aplicação de fórmulas matemáticas, dado que, caso se seguisse exclusivamente as referidas fórmulas, o montante indemnizatório seria inferior.
19. Caso se considere não ser inconstitucional a adopção como valor de referência o salário médio nacional quando o lesão é menor, o que só se concede como mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que o Tribunal a quo ao fixar a indemnização em €180.000,00 (cento e oitenta mil euros) tendo como referência o salário médio nacional à data da prolação do douto acórdão recorrido, procedeu à actualização do montante do dano liquidado para reparação do prejuízo que o lesado sofreu (actualização que não tinha ocorrido na douta sentença proferida em primeira instância), pelo que os juros moratórios deveriam ser contabilizados desde o trânsito em julgado da decisão, conforme acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ n°4/2002, de 9 de Maio, e não da data da notificação da Recorrente do pedido de indemnização civil deduzido, não sendo aplicável o disposto no art. 805°, n°3 do Código Civil.
20. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 483°, 496°, 562°, 566°, 805°, n°3 do Código Civil, art. 13° da C.R.P., bem como acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ n°4/2002, de 9 de Maio.
Termos em que, deverá ser declarado procedente o presente recurso subordinado e, em consequência, revogado integralmente o douto acórdão recorrido, mantendo-se a indemnização devida a título de danos patrimoniais em €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros);
Caso assim não se considere, deverá o douto acórdão recorrido ser revogado na parte em que dispõe que os juros moratórios se vencem nos termos que constam da decisão proferida em primeira instância, ou seja, a partir da notificação, fixando-se que estes deverão ser contabilizados a partir do trânsito em julgado da decisão, atenta a actualização do montante indemnizatório operada, porque só assim será feita JUSTIÇA
Pede deferimento.”
Por não ter sido requerida a realização de Audiência de Julgamento e cumpridas as formalidades legais, foi realizada Conferência.
E – APRECIAÇÃO
1) A demandante e ofendida CC, devidamente representada por seus pais, deduziu pedido cível, em processo crime, contra a demandada Companhia de Seguros BB, reclamando a título de danos patrimoniais, decorrentes do acidente sofrido, a quantia de 398 112 €. A sentença proferida em primeira instância condenou a demandada, a tal título, mais especificamente, por danos patrimoniais futuros derivados da perda da capacidade de ganho, em 150 000 €. Em virtude de recurso da demandante, que se não conformou com aquela quantia, o Tribunal da Relação de Lisboa subiu o montante em causa para 180 000 €. Ainda inconformada, a demandante recorreu para este S.T.J. pretendendo uma indemnização na quantia inicialmente pedida, enquanto que a demandada, em recurso subordinado, pugnou pela manutenção do montante da condenação em 1ª instância, ou seja, 150 000 €.
Com a determinação do montante indemnizatório devido, por danos patrimoniais futuros, fica delimitado, pois, o objecto do presente recurso.
2) A doutrina vem distinguindo o dano real, enquanto perda in natura que o lesado sofreu, em virtude de certo facto, nos interesses que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, do dano patrimonial, definido como reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado. No âmbito do dano patrimonial pode fazer-se a diferença, ainda, entre dano emergente ou perda patrimonial e lucro cessante ou lucro frustrado. Este último, analisado num dano patrimonial futuro, abrange todos os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão. (2)
O artº 562 do C. C. estipula que "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".
O preceito seguinte diz-nos que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
O artº 564º, sempre do C.C., prevê no seu nº 1 que “O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão”. E no nº 2 diz-se que “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.
O artº 566º do C.C., depois de ressalvar que a indemnização deverá ser fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, se mostre insuficiente ou excessivamente onerosa, determina:
“(…) a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado , na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que existiria nessa data se não existissem danos. ”
Mas acrescenta no seu nº 3:
“Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”
3) A questão que se coloca respeita à determinação de um certo montante indemnizatório, relativo a danos futuros, que não seja de tal modo escasso que torne a reparação meramente simbólica, e, por outro lado, não seja tão elevado que possa encarar-se como um autêntico enriquecimento sem causa da lesada. Dentro destas balizas, importa apurar o quantum indemnizatório, sem excluir que se possam ter em conta critérios dotados de objectividade, como fórmulas e tabelas financeiras normalmente usadas no foro laboral, ou disponibilizadas pela Portaria 377/2008 de 26 e Maio, sem porém ficar refém dos mesmos.
Note-se, aliás, que nos termos desta Portaria, o que está em causa é o montante de propostas tidas por razoáveis, para efeitos de composição amigável, e só se considera dano patrimonial futuro o que decorra de incapacidades permanentes absolutas, sendo as parciais enquadradas na acepção de “dano biológico”.
Importa pois apelar para critérios de equidade, como única forma de encarar as dificuldades colocadas pela inultrapassável imprevisibilidade, incerteza, ou carácter aleatório de alguns factores, e, sobretudo, para atender à especificidade do caso.
Particularmente sensível a este último aspecto se mostrou o Ac. deste S.T.J. de 4/2/93 (Col. Jur. Ac. S.T.J. Ano I, Tomo I, pag. 129), quando refere que “na avaliação dos prejuízos verificados o juiz tem de atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente”.
Seja como for, o que está em causa é a “quantificação da vantagem patrimonial que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso o lesado teria obtido, não fora a acção e/ou a omissão lesiva que o afectou” (do Ac. deste S.T.J. de 29/10/2008, Pº 3458/08-3ªSecção).
Como se referiu no recente acórdão deste S. T. J. de 14/05/2009, Pº 271/09.7YFLSB - 3.ª Secção, numa
linha basicamente retomada no acórdão de 18-06-2009, Pº 81/04.8PBBGC.S1, também da 3.ª Secção,
“(…) Estando em causa a fixação de indemnização decorrente de danos futuros, abrangendo um longo
período de previsão, a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento da avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.
- Em sede jurisprudencial tem obtido consagração na prática quotidiana a utilização de fórmulas e tabelas financeiras de variada índole, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que se não coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, impondo-se, antes, e essencialmente, a valorização do critério da equidade.
- O principal eixo de tal definição fundamenta-se no pressuposto de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho.
- Nesse quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores como a idade da vítima, as suas condições de saúde ao tempo do decesso, o tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social,
o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.
- Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, em concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
- Essencialmente, o que está em causa é o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (…)”.
E como ficou consignado no recentíssimo acórdão deste S.T.J., de 24/9/2009, Pº 37/09-7ªSecção,
“(…) Para o cálculo da indemnização correspondente a danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho, deve tomar-se como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente, a idade normal da reforma, o tempo provável de vida posterior e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez”.
4) Viu-se que a menor tinha onze anos quando sofreu o acidente, da responsabilidade única do condutor do veículo que a atropelou (ponto 16 da matéria de facto). Ficou paraplégica de forma definitiva, desloca-se em cadeira de rodas e faz auto algaliação (ponto 13). Foi-lhe atribuída uma incapacidade parcial permanente de 70% (ponto 31).
Também se deu por provado que a CC não apresentava qualquer defeito físico nem era portadora
de qualquer incapacidade, à data do acidente frequentava o 6º ano de escolaridade, era uma aluna muito interessada e com bom aproveitamento escolar, sendo mesmo reconhecida com uma das melhores alunas da escola (pontos 34, 35 e 36 ).
Quer a autora quer os seus pais perspectivavam a possibilidade da autora obter curso superior, á
semelhança do que já acontece com o irmão FF, que frequenta actualmente o 5º ano de
engenharia informática na Universidade da Madeira (pontos 36, 38 e 39). A menor, em
consequência do acidente e das lesões que sofreu, nomeadamente o facto de ter ficado paraplégica,
ficou obviamente impossibilitada de exercer certas profissões (ponto 40).
Foi necessário fazer obras na sua habitação (pontos 43 e 44), terá dificuldade em constituir família,
e no entanto, passou a necessitar de apoio de terceira pessoa até para realizar as mais elementares tarefas. A situação da demandante necessitar de alguém que tome conta de si perdurará para o resto da sua vida, e esse alguém deverá ser, naturalmente, pago (pontos 50, 51e 52).
Seria perspectivável uma vida activa até aos 70 anos, e a longevidade média das pessoas do sexo feminino é, entre nós, de cerca de 80 anos.
5) Tendo em conta os elementos de que se dispõe, é verosímil pensar que a demandante iria estudar, até obter uma licenciatura num curso superior. O que aponta para um auferimento de vencimentos a partir dos seus 22 anos. Tendo em conta um período de vida activa até aos 65 anos, estarão em causa os rendimentos que a demandante iria auferir durante 43 anos. Não é normal, antes será excepção, que o ordenado de um licenciado se reduza entre nós ao salário mínimo nacional. Daí que nos não repugne aceitar a opção do acórdão recorrido em pautar o rendimento previsível que a demandante pudesse obter, num montante mensal entre 800 e 900 €.
Começar-se-á então por ter em conta o rendimento anual perdido, calculado com base no grau de incapacidade sofrido, de 70%, multiplicado pelo vencimento médio mensal previsível de € 850, e pelo número de mensalidades anuais, ou seja, 14, do que resulta o valor de 8 330 €. Multiplicado este, pelo factor de conversão matemático de unificação, para pagamento imediato de 43 prestações anuais (65 anos correspondente ao fim provável de vida útil, menos 22, assinalado como início da vida activa), no caso, factor 24,936812 (cfr. Anexo III da Portaria 377/2008 de 26 de Maio da 2008), obtém-se o montante de 207 723,64 €.
Interessa por último lembrar que se assiste a uma tendência para a descida das taxas de juros, existe inflação, e, sobretudo, a normal progressão e valorização profissionais leva, previsivelmente, a aumentos no vencimento. Não se olvidará também que a demandante passa a poder dispor daquele capital desde já.
Daí que, ponderado tudo isto, se entenda que a indemnização justa a atribuir por danos patrimoniais futuros, é, no caso, de 220 000 € (duzentos e vinte mil euros).
Resta referir, por último, que tal quantitativo vence juros contados desde a data do trânsito em julgado desta decisão da decisão. Tendo em conta a doutrina do acórdão de uniformização de jurisprudência 4/2002 de 9 de Maio de 2002, e sabido que a decisão proferida nesta instância de recurso pondera os factores de contabilização da indemnização com referência à actualidade.
F – DECISÃO
Tudo visto, decide-se neste S.T.J., e em conferência da 5ª Secção, conceder provimento parcial ao recurso principal, e negar totalmente provimento ao recurso subordinado, e alterar a decisão recorrida, condenando a demandada “Companhia de Seguros BB S.A.” a pagar à demandante CC a quantia de duzentos e vinte mil euros, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes da incapacidade funcional permanente de 70% sofrida pela autora, com juros de mora contados a partir do trânsito desta decisão.
Custas do recurso principal pela demandante recorrente e pela demandada recorrida na proporção do decaimento.
Custas do recurso subordinado pela demandada recorrente.

Lisboa, 1 de Outubro de 2009
Souto de Moura (Relator)
Soares Ramos
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1- Corresponde ao art. 44.º do Pedido de Indemnização Cível.
2- Cf. Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pag. 591 a 593.