Dupla conforme
Recurso de revista
Requisitos
Revista excepcional
Admissibilidade de recurso
Procedimentos cautelares
Arresto
Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
Rejeição de recurso
I - O sistema da dupla conforme – instituído pelo art. 721.º, n.º 3, do CPC – determina que, havendo conformidade entre as decisões da 1.ª instância e da Relação, não é admissível recurso de revista, desde que a confirmação da 1.ª instância tenha lugar por unanimidade.
II - A revista excepcional, prevista no art. 721.º-A do CPC, só poderá ser admitida se, no processo em causa, também o fosse a revista normal, se inexistisse dupla conforme; isto é, os n.ºs 1 a 4 do art. 721.º-A, do CPC, pressupõem a admissibilidade da revista excepcional, verificados os pressupostos que indicam, apenas nas situações em que a revista seria normalmente admissível, só não o sendo por efeito da aplicação da regra da dupla conforme.
III - Dai a afirmação de que os requisitos da revista “normal” sejam também, hoc sensu, requisitos da revista excepcional, requisitos cuja verificação esta necessariamente pressupõe.
IV - Uma vez que, no caso dos autos, estamos perante um recurso interposto de acórdão da Relação que confirmou (sem voto de vencido) a decisão de 1.ª instância proferida em procedimento cautelar de arresto e que, de harmonia com o art. 387.º-A do CPC, das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o STJ, com excepção dos casos em que o recurso é sempre admissível nos termos do art. 678.º, n.ºs 2 e 3 ,do mesmo diploma – sendo certo que nenhuma dessas hipóteses se verifica in casu – está excluída a admissibilidade de recurso de revista e, assim, prejudicada a análise do fundamento da revista excepcional.
Em 20/4/09, AA instaurou a presente providência cautelar de arresto contra BB e CC, a qual, na 1ª instância, veio a ser indeferida.
No subsequente recurso interposto desse despacho para a Relação pelo requerente do arresto, foi aquela decisão confirmada por unanimidade.
É do acórdão que assim decidiu que vem interposta a presente revista excepcional, de novo pelo requerente da providência, que formulou o respectivo requerimento de interposição nos seguintes termos:
“AA, requerente nos autos do processo supra, em que são requeridas BB E OUTRA,
não se podendo conformar com o douto acórdão proferido a fls. que confirmou a sentença proferida em 1ª Instância e por entender que o mesmo entra em contradição com outros Acórdãos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito — periculum in mora -, vem dele interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Assim e porque está em tempo, REQUER a V. Ex.a se digne considerar interposto o presente recurso, que é de REVISTA EXCEPCIONAL, com subida em separado — (artigos 387° - A, 676°, 680°, 685°, 721°, n.° 3, a contrario sensu, 721° - A, n.° 1, al) c), 724° e 726°, todos do CPC).”
Nas suas alegações, volta a invocar como fundamento da presente revista que o acórdão recorrido entra em contradição com outros acórdãos da Relação e do STJ, já transitados em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito; e identifica tais acórdãos como sendo os Acs. da Relação do Porto de 16-01-2003 e de 01-07-2002 e os Acs. da Relação de Lisboa de 09-07-2009 e de 07-05-2009, publicados in www.dgsi.pt, o Ac. da Relação de Coimbra, de 18-06-2002, no âmbito do processo n.° 182/02-1ª Secção, o Ac. do STJ, de 26-02-2009, proferido no Processo n.° 9B0347, e o Ac. do STJ, de 12-12-96, publicado in www.dgsi.pt.
Cabe decidir.
De acordo com o estatuído no n.º 3 do art.º 721º do CPC, não é admitida a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância.
Institui este normativo o sistema da denominada dupla conforme: havendo conformidade entre as decisões da 1ª instância e da Relação, não é admissível a interposição de recurso de revista, desde que a confirmação da decisão da 1ª instância tenha lugar por unanimidade.
O art.º 721°-A do mesmo diploma consagra, porém, uma excepção à inadmissibilidade da revista nos casos de dupla conforme, admitindo, nas situações nele previstas, a chamada revista excepcional, ao dispor:
“1. Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.° 3 do artigo anterior quando:
a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;
c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
2. O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:
a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;
c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.
3. A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n° 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.
4. A decisão referida no número anterior é definitiva”.
Entende-se, porém, ser irrecusável que a revista excepcional só poderá ser admitida se, no processo em causa, também o fosse a revista normal se inexistisse dupla conforme. Ou seja, as antecedentes disposições pressupõem a admissibilidade da revista excepcional, verificados os pressupostos que indicam, apenas nas situações em que a revista seria normalmente admissível, só não o sendo por efeito da aplicação da regra da dupla conforme.
Isto é, para ser admissível a revista excepcional é, antes de mais, necessário que em causa esteja uma decisão que em princípio admita recurso, nos termos do art. 678°, n.° 1, ou em que o recurso é sempre admissível, por força dos n.°s 2 e 3 do mesmo artigo, ou que não se trate de uma decisão que, em razão de disposição especial da lei, não admite recurso para o STJ; e importa ainda que o recurso seja interposto de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância que tenha posto termo ao processo ou sobre despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa, pois o recurso de revista só nestes casos é admissível (art.º 721°/1).
Só verificados estes requisitos - os requisitos da revista “normal” - e se ocorrer ainda qualquer uma das situações previstas no n.° 1 do dito art.º 721°-A, é que, nos casos de dupla conforme, é admissível a revista excepcional. Existindo aqueles requisitos, que conduziriam à admissibilidade da revista nos termos normais, é que, tornando-se inadmissível a revista por ocorrer a dupla conforme absoluta, haverá que apurar se se verifica algum dos pressupostos apontados naquele art.º 721º-A, n.º 1, caso em que haverá lugar à revista excepcional.
Há uma íntima conexão entre o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 721° e os n.ºs 1 e 3 do art. 721°-A: os casos de revista excepcional são hipóteses em que a revista “normal” não é admissível apenas por se verificar uma situação de dupla conforme, ou seja, hipóteses que, não fora a dupla conforme, se reconduziriam a situações de revista “normal”.
Daí que os requisitos da revista “normal” sejam também, hoc sensu, requisitos da revista excepcional - requisitos cuja verificação esta necessariamente pressupõe.
Por isso, para se determinar se é, no caso, de admitir, a título excepcional, a revista, não se pode deixar de começar por apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista, considerada como revista “normal”, rejeitando logo o recurso, sem necessidade sequer de passar à apreciação (que fica prejudicada) dos requisitos especiais ou excepcionais, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos. Entende-se, pois, que a competência desta formação colegial, abrange o conhecimento de todos os pressupostos de admissibilidade da revista excepcional, neles incluídos os requisitos de admissibilidade da revista normal.
Ora, na hipótese dos autos é inadmissível a revista nos termos normais.
Com efeito, no caso em apreço, o recurso vem interposto de acórdão da Relação que confirmou, sem voto de vencido, decisão da 1ª instância proferida em procedimento cautelar de arresto.
Só que, de harmonia com o disposto no art.º 387°-A do Cód. Proc. Civil,
“Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.”
Portanto, nos procedimentos cautelares só é admissível recurso para o STJ nos casos em que o recurso é sempre admissível.
Esses casos são os indicados nos n.°s 2 e 3 do art.º 678° do mesmo diploma. E é indiscutível que nenhuma dessas hipóteses se verifica, nomeadamente por inexistir jurisprudência uniformizada deste Supremo Tribunal sobre a matéria em causa.
Por isso, a admissibilidade do recurso de revista nos presentes autos, que nem sequer foi interposto com invocação de qualquer dessas hipóteses,
está desde logo excluída na situação em análise, pela aplicação da norma especial sobre recursos em matéria de procedimentos cautelares. Encontramo-nos perante uma decisão insusceptível de recurso de revista “normal” para o Supremo mesmo que inexistisse dupla conforme, o que torna dispensável, porque prejudicada, a análise do fundamento da revista excepcional invocado pelo recorrente.
Pelo exposto, acorda-se em rejeitar o recurso de revista excepcional interposto pelo requerente, AA.
Custas pelo requerente/recorrente.
Lisboa, 8 de Outubro de 2009
Silva Salazar (Relator)
Sebastião Póvoas
Santos Bernardino