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EXPECTATIVA JURÍDICA
DIREITO LITIGIOSO
PENHORA
Sumário
1. A penhora do direito de propriedade cujo reconhecimento, o executado pede em acção que para o efeito intentou, é a penhora de um direito litigioso e não de uma expectativa jurídica.
2. Se na execução tal direito é adjudicado e, de seguida, o executado, na referida acção, desiste da instância, a adjudicação deixa de ser eficaz, sem prejuízo do adjudicante poder demandar o executado a título de enriquecimento sem causa.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
AA moveu a presente acção ordinária contra Futebol Clube T..., Herança Aberta por Óbito de BB, CC, D...I...D... SA e I... pedindo que:
Seja declarado e reconhecido que ao réu Futebol Clube T... assiste o direito de poder adquirir por usucapião o direito de propriedade pleno e total sobre o prédio identificado na petição inicial e que, por efeito da adjudicação feita ao autor da expectativa de aquisição desse mesmo prédio, se deva declarar o autor como proprietário legítimo e exclusivo desse mesmo imóvel;
Em alternativa, seja declarado que o réu Futebol Clube T... é o legítimo proprietário e possuidor do prédio identificado, por o haver adquirido por usucapião e que tal direito de propriedade se transmitiu a favor do autor, por haver adquirido a expectativa da sua aquisição por adjudicação;
Sejam todos os réus condenados ao reconhecimento desse direito do autor, devendo ser condenados todos os réus a largar mão do prédio, a desocupá-lo e a fazer a sua entrega ao autor, com a anulação de todos os registos de aquisição a favor dos réus ou de quaisquer outras pessoas e de outros registos posteriores à propositura da acção.
Os réus contestaram, tendo o réu FCT deduzido pedido reconvencional, pedindo, para o caso da acção proceder, a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de € 2.248.196,85.
Houve réplica do autor.
No despacho saneador conheceu-se do mérito, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se, consequentemente, os réus do pedido.
Apelou o autor, mas sem êxito.
Recorre o mesmo novamente, o qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões:
1 Por efeito do título de transmissão que foi passado ao recorrente da compra que realizou em venda judicial da expectativa jurídica de aquisição por usucapião do imóvel que o FCT era titular essa expectativa transferiu-se da esfera jurídica daquele FCT para o ora recorrente.
2 E, a partir desse momento, é em absoluto irrelevante que o FCT venha mais tarde a desistir da instância onde invocava a usucapião.
3 E isto por que, aquando de tal desistência, a dita expectativa já não lhe pertencia, mas antes ao recorrente, a quem fora adjudicada.
4 Pelo que o recorrente adquiriu uma expectativa que sempre existiu na esfera jurídica do CFT, independentemente do desfecho do aludido processo.
5 Futuramente, é o recorrente e não o CFT quem tem legitimidade para propor uma acção em que se peça o reconhecimento do direito de propriedade por usucapião do imóvel em causa.
6 A sustentação da tese sufragada no acórdão recorrido integraria um claro abuso de direito e uma fraude à lei, uma vez que a desistência da instância por parte do recorrido impedia o recorrente de ver concretizado o direito que adquirira, sendo certo que, posteriormente, em nova acção, poderia vir pedir o direito, de cujo reconhecimento agora desistia.
7 A acção deverá prosseguir para o autor poder provar os fundamentos da causa de pedir que invoca, a usucapião.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
As instâncias deram por assentes os seguintes factos:
1 Nos autos de execução sumária com o P. nº 272-B/1999 do 4º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Famalicão, em que C...T... Lda. figura como exequente e Futebol Clube T... figura como executado, em 08.10.97, foi elaborado termo de penhora duma “expectativa de aquisição de um prédio urbano”, com as características referidas no termo de fls. 14, mais aí se indicando que “Tal expectativa de aquisição resulta do pedido nos autos de Acção Ordinária nº 245/96 da 2ª secção deste Tribunal, que o aqui executado, Futebol Clube T..., move contra BB, CC, D...I...D... SA e I....”
2 Em 08.03.01, em auto de abertura de propostas, foi aceite a proposta apresentado pelo aqui autor, no montante de 10.000.000$00, para a aquisição da expectativa mencionada em 1, tendo-lhe, a dita expectativa, sido posteriormente adjudicada, por despacho de 18.04.01.
3 No referido processo ordinário nº 245/96 (posteriormente P. 592/99), do 4º Juízo Cível de Santo Tirso, instaurado pelo Futebol Clube T... contra BB, DD, CC, D...I... SA e I..., em 22.06.01, foi apresentada desistência da instância pelo aí autor, desistência esta que foi homologada por sentença datada de 25.06.01.
III
Apreciando
1 A primeira questão que se nos suscita é a de saber o que é que o recorrente adquiriu na execução em que lhe foi adjudicada a “expectativa de aquisição de um prédio urbano”. Falam as instâncias em expectativa jurídica, mas a verdade é que se configura mais como um direito litigioso. Com efeito, a expectativa jurídica é a esperança de que se venha a constituir no futuro determinado direito, enquanto que no direito litigioso a sua existência já é actual embora controversa. Ou seja, pode não vir a reconhecer-se o direito, mas se for admitido é como um direito que já ocorria em momento anterior.
Ora, no caso em apreço, o direito de propriedade derivado da usucapião pode não vir a ser reconhecido, mas se o for é como um direito já vigente no momento em que a acção foi proposta.
Aliás, o recorrente fala em expectativa jurídica, mas a verdade que o tratamento jurídico que lhe dá é o de verdadeiro direito litigioso, como se efectivamente tivesse adquirido o direito de propriedade sobre o imóvel, nomeadamente, quando invoca a sua legitimidade para em nova acção ser ele a pedir o reconhecimento da titularidade desse direito.
Com isto não se confunda a expectativa jurídica processual de vir a obter ganho de causa, que, obviamente, acompanha o regime do direito litigioso, sendo, porém realidade diversa. Embora tenha existido essa confusão ao ser lavrado o termo de penhora.
2 No entanto, esta diferença na qualificação – se estamos perante um direito litigioso se face a uma expectativa também ela litigiosa – torna-se irrelevante, dado que o regime jurídico de uma e outra são idênticos.
Com efeito, quem adquire uma expectativa litigiosa, adquire-a pelo que ela vale, ou seja, por isso mesmo, como uma expectativa que depende da resolução de um litígio. É tautológico. E não se pode dizer, como o faz o recorrente que, uma vez adquirida, torna-se independente de tal processo. Como se o que se adquiriu fosse a mesma coisa que uma compra e venda feita ao recorrido fora da execução judicial. O que não corresponde à realidade. O direito adjudicado foi-o no âmbito e nos termos da referida execução, especificamente, do termo de penhora de fls. 14., que define os contornos do direito penhorado.
Assim, o adjudicante fica sujeito ao não reconhecimento do direito na acção de que a expectativa jurídica litigiosa de aquisição depende. Seja qual for o modo processual como isso se venha a verificar. Mesmo que se trate duma desistência da instância.
Nas alegações do recurso (e no Parecer junto) procura-se justificar essa desistência dizendo que o recorrido deixava de ter interesse no reconhecimento do seu direito de propriedade, pois que este, por causa da penhora e da adjudicação em causa, não mais viria a entrar na sua esfera jurídica. Isto, é claro, dentro da orientação que defendem de que o direito adjudicado ao recorrente não é dependência exclusiva do processo de execução, cessando a legitimidade do recorrido para litigar, defendendo a existência da usucapião, legitimidade essa que passaria a ser do adjudicante, ora recorrente.
A verdade é que o recorrido mantinha interesse na procedência da acção que intentara. Ao menos, para evitar que, como se consignou no acórdão em apreço, sempre o Recorrente pudesse, “eventualmente, peticionar o valor correspondente à venda – de € 10.000,00, bem como eventuais prejuízos colaterais, alegando que com essa actuação o FCT, acabou eventualmente por incorrer em enriquecimento sem causa, correspondente ao benefício do depósito relativo a essa venda, em sede de execução onde figurava como Executado”.
3 Deste modo, o direito adjudicado pelo recorrente extinguiu-se pela falta do reconhecimento do direito litigioso, cuja expectativa havia adquirido na execução. Logo não o pode fazer valer na presente acção. Assim, é manifesta a sem razão substancial do pedido do autor, face aos próprios termos da petição inicial. Pelo que, o processo tinha todos os elementos para se conhecer do mérito no saneador julgando a acção improcedente, sem necessidade de ulterior prosseguimento. Como se fez.
4 Vem o recorrente falar em abuso de direito e de fraude à lei por parte do recorrido ao ter desistido da instância nos termos em questão.
Ao desistir o recorrido exerceu um direito processual que lhe assiste, mas ao fazê-lo incorreu, como se assinalou em 2, na obrigação de reparar o recorrente de determinados prejuízos ou perdas, a título de enriquecimento sem causa. A responsabilização jurídica do recorrido pela sua conduta faz-se através daquele instituto e não através do abuso de direito ou da fraude à lei, institutos cujo funcionamento não se configura necessário fazer actuar para configurar o desiderato legal, na medida em que este pretende assegurar os legítimos interesses do recorrente.
Termos em que improcede o recurso.
Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.