Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PETIÇÃO DE HERANÇA
HERDEIRO
INVENTÁRIO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
POSSE
PARTILHA DA HERANÇA
POSSE TITULADA
POSSE DE MÁ FÉ
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Sumário
I - A acção de petição da herança a que se refere o art. 2075.° do CC pode ser proposta por um só herdeiro - art. 2078.° do CC - sem que o demandado possa opor ao demandante que os bens não lhe pertencem por inteiro. II - Essencial na petição de herança é o duplo fim que visa: por um lado, o reconhecimento judicial do título ou estatuto de herdeiro que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro. III - A acção de petição da herança tem, como pedido principal, o reconhecimento judicial da qualidade sucessória do herdeiro; diversamente, a acção de reivindicação tem como pedido principal o reconhecimento do direito de propriedade; ainda assim, em ambas as acções, a pretensão da restituição da coisa é um pedido derivado daqueles pedidos principais IV - Daí que, antes da partilha, o herdeiro use a acção de petição de herança; partilhada a herança, quem quiser pedir a restituição de um bem que herdou há-de usar a reivindicação, porque então é já proprietário. V - Embora o direito à herança não prescreva, o exercício do direito de petição da herança, com vista à restituição ou entrega de bens hereditários, pode, como acontece com o direito de propriedade na reivindicação, soçobrar perante a usucapião invocada pelo demandado. VI - Esta invocação da usucapião, para produzir os seus efeitos, pode ser implícita ou tácita, desde que se aleguem os factos e os requisitos que revelem inequivocamente a intenção de nela se fundamentar o pretendido direito de propriedade. VII - A usucapião vive de dois elementos nucleares: posse e decurso do tempo. VIII - A posse boa para usucapião há-de ser, pelo menos, pública e pacífica; a posse violenta ou tomada a ocultas não merece a tutela do direito, antes sofre a sua reprovação. IX - Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados, isto é, por todos quantos, face ao circunstancialismo concreto envolvente, são directa ou indirectamente afectados pelo exercício do corpus possessório; não é necessário, contudo, que a posse seja exercida à vista dos interessados, mas que o seja de forma a poder ser deles conhecida. X - A partilha não converte em titulada uma posse que o não era: o inventário e a partilha não são negócios translativos, pois falta neles o transmitente de que fala o art. 1259.º, n.º 1, do CC. XI - Não sendo titulada a posse do réu, presume-se de má fé, presunção esta que é ilidível.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I.
A ASSOCIAÇÃO PROMOTORA DO ENSINO DOS CEGOS, instituição particular de solidariedade social, intentou contra INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, ISSS, pessoa colectiva de direito público, acção sob a forma ordinária, pedindo:
- Se reconheça a autora como herdeira testamentária de D. AA e não o Instituto de Solidariedade e Segurança Social - ISSS e seus antecessores, declarando-se sem efeito a atribuição dessa qualidade ao CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE LISBOA, feita no processo de inventário nº 836/81 da 2ª Secção do 4° Juízo cível de Lisboa;
- Sejam restituídos pelo réu os bens que, naquele processo, foram adjudicados ao «Instituto BB», como integrado no «Centro de Educação Especial de Lisboa», posteriormente integrado no «Centro Regional de Segurança Social de Lisboa»;
- Seja o réu condenado a restituir à autora os rendimentos ou rendas correspondentes àqueles direitos, desde o início da sua posse (22.05.1984);
- Seja ordenado o cancelamento da inscrição de transmissão «G000000000000-AP 14 de 1992 da 5ª CRP de Lisboa, na parte em que os 6% do prédio da C....... do T..... estão registados a favor do «Centro Regional de Segurança Social de Lisboa» e ordenado que, por averbamento, aquele direito fique registado em nome e a favor da autora;
- Seja ordenado o cancelamento das inscrições matriciais respeitantes aos dois prédios na parte em que, quanto ao prédio da Calçada do......., n° ..., está averbado como titular ao direito de 6% dos rendimentos (artigos matriciais 2.154-A a 2.154-1) o «Centro Regional da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e, quanto ao prédio da Rua A..................., em que está averbado como titular dos 12% do direito aos rendimentos (artigo matricial n° 136) o «Instituto BB»;
- Que seja ordenado, por averbamento à inscrição matricial, que aquele direito fique em nome e a favor da autora.
Em síntese, alega que foi fundada em 12.03.1888.
«Asilo-Escola BB» era a designação do estabelecimento da autora, que, 1967, passou a denominar-se «Instituto BB», continuando sua pertença.
Em 1975, o referido Instituto foi oficializado (DL. 337/75), ficando integrado no «Centro de Educação Especial de Lisboa», que, sua vez, foi integrado no «Centro Regional de Segurança Social de Lisboa».
O DL. 1236/83, de 21 de Março, transferiu para os Centros Regionais de Segurança Social todos os bens das instituições, estabelecimentos e serviços neles integrados.
O DL. 260/93, de 23.07, extinguiu os Centros Regionais de Segurança Social e criou o «Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo».
O DL. 316-A/2000, de 7.12, aprovou os Estatutos do «Instituto de Solidariedade e Segurança Social - ISSS», extinguiu o «Centro Nacional de Pensões» e os «Centros Regionais de Segurança Social» e determinou que fosse transmitido para este o património de que eram titulares aqueles organismos extintos.
Erradamente, fundado em que o «Instituto BB» era um estabelecimento do Estado, integrado na Segurança Social, o Estado, através daqueles seus organismos, desde a publicação do DL. 337/75, tem-se habilitado a heranças e legados deixados à autora, sob a designação, entre outras, de «Asilo de Ceguinhos», «Asilo - Escola BB» e «Instituto BB».
No inventário obrigatório n° 836/81, em que foi inventariada AA, o CRSS de Lisboa habilitou-se e foi julgado habilitado como herdeiro testamentário, sendo-lhe adjudicados direitos imobiliários, que foram deixados à autora.
A composse do réu é de má fé, porquanto não podia ignorar que lesava os direitos da autora.
O réu contestou, dizendo que o pedido judicial de reconhecimento da qualidade de herdeira não poderá afectar uma decisão judicial transitada em julgado, de 09.05.1984, que reconheceu essa qualidade a outra pessoa. O réu entrou na posse dos bens em causa em Maio de 1984, altura do trânsito em julgado da adjudicação dos bens e sempre se comportou como titular do direito de propriedade, tendo já decorrido o prazo da usucapião.
Em reconvenção, pede que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre os bens em causa.
Replicou a autora.
Foi proferido saneador-sentença em que se admitiu o pedido reconvencional, se julgou improcedente a excepção de «caso julgado», se julgou improcedente a acção e se absolveu o réu do pedido, com fundamento em que «não se enquadra no instituto jurídico que é a petição de herança a impugnação duma partilha judicial, pelo facto de ter intervido como herdeiro quem não o era».
Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve a decisão recorrida.
Interposto recurso de revista para o STJ, este Supremo Tribunal ordenou que os autos prosseguissem com a fixação da base instrutória e demais termos.
Saneado, decidido e julgado o processo, foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedente e, em consequência, reconheceu a autora como herdeira de AA, qualidade que decorre do testamento outorgado pela última, a 23 de Agosto de 1957, no 4° Cartório Notarial de Lisboa, e improcedentes todos os demais pedidos.
Julgou, ainda, procedente a reconvenção e declarou que o réu adquiriu, por usucapião, o direito de propriedade, na proporção de 6%, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na ...........l, n° ..., descrito na 5ª Conservatória do Reg. Predial de Lisboa, sob o n° ......./......,, e o direito de propriedade, na proporção de 12%, do prédio sito na Rua ........... (antiga Rua Casas ...............) n°s ..a ...., em Lisboa, descrito na 3ª CRP sob o n° 0000000000000000.
Inconformada, a autora apelou novamente para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou parcialmente procedente o recurso (só não procedeu na parte em que se invocou a interrupção do prazo da usucapião) e revogou a sentença recorrida na parte em que julgou provada a reconvenção.
Em sua substituição, julgou improcedente o pedido reconvencional e condenou o réu:
- a restituir à autora o direito a 6% no prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Calçada d..............., freguesia de Benfica, sob a descrição n° 12801 a fol. 70 do Lv. B-37, inscrito na matriz urbana sob os art. 2.154-A a 2.154-1;
- a restituir à autora o direito a 12% do prédio urbano, sito na Rua .................. (antiga Rua ..................) nºs....a ....., em Lisboa, freguesia de Belém, descrito na 3a CRP de Lisboa sob a descrição n° 3417, a fol. 58 Lv B-21, inscrito na matriz urbana sob o art. 136 (antigo 209);
- condenar o réu a restituir à autora os rendimentos ou rendas correspondentes àqueles direitos, por si recebidos, deduzidos os encargos com as obras por si suportadas nos mesmos prédios, valor a liquidar posteriormente;
- ordenou o cancelamento da inscrição de transmissão «G-00000000000 14-AP 14 de 1992 da 5a CRP de Lisboa, na parte em que os 6% do prédio da C....... do T..... estão registados a favor do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, sendo aquele registo feito a favor da autora;
- ordenou o cancelamento das inscrições matriciais respeitantes aos dois prédios na parte em que, quanto ao prédio da C....... do T....., nº 46, está averbado como titular do direito de 6% dos rendimentos (artigos matriciais 2154-A a 2154-1) o Centro Regional da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo e, quanto ao prédio da Rua .................. n°s....a ....., em que está averbado como titular dos 12% do direito aos rendimentos (artigo matricial nº 136) o «Instituto BB e ordenou, ainda, que, por averbamento à inscrição matricial, aquele direito fique em nome e a favor da autora;
- revogou a condenação em custas da apelante, por das mesmas estar isenta;
- condenou nas custas a apelada.
Irresignado, o réu pede revista, tendo concluído a alegação do recurso pela seguinte forma:
Não sendo a composse do recorrente violenta, mas sendo de boa fé, como se prova (assim ficando afastada a presunção do art. 1260°, nº 2, do CC), a usucapião ocorreu no termo de 15 anos;
Efectuando-se a contagem dos 15 anos desde Janeiro de 1985, a usucapião dá-se em Janeiro de 2000;
Do exposto, resulta que, sendo a composse do recorrente de boa fé, pública e pacífica, tendo a mesma tido início em Janeiro de 1985 e perdurado por mais de 15 anos, o recorrente adquiriu o direito de propriedade, na proporção de 6% do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na C....... do T....., n° 46 e o direito de propriedade, na proporção de 12%, do prédio sito na Rua .................., nºs....a ....., em Lisboa, por usucapião, em Janeiro de 2000.
Nas contra-alegações, a autora pronunciou-se pela manutenção da decisão impugnada.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Estão provados os seguintes factos:
1- A autora foi fundada em Lisboa, a 12 de Março de 1888, e continua a existir com a mesma denominação que, outrora, tinha o subtítulo "Asilo-Escola BB”.
2- O Asilo-Escola BB era a designação do estabelecimento de ensino da autora.
3- A autora, desde sempre, foi conhecida e tratada por "Asilo-Escola BB", "Asilo dos Cegos BB", "Asilo de Ceguinhos Feliciano de Castilho", "Instituto de Cegos Feliciano de Castilho", "Asilo de Cegos", "Asilo de Cegos de Campo de Ourique», «Asilo Feliciano Castilho".
4- Os fins da autora eram os de promover o ensino e amparo de cegos de ambos os sexos, menores ou adultos, criando, designadamente, escolas e asilos exclusivamente destinados àquele ensino, a moldarem-se pelo Asilo-Escola BB, fundado em Lisboa.
5- Os estatutos da autora foram alterados em 1967 e o estabelecimento de ensino da autora, até aí denominado Asilo- Escola BB , passou a denominar-se Instituto BB.
6- O DL. 337/75, de 2 de Julho, oficializou o Instituto BB, integrando-o no Centro de Educação Especial de Lisboa
7- E determinou que o edifício em que estava instalado o Instituto BB pudesse ser utilizado, com a mesma finalidade e gratuitamente, pelo Centro de Educação Especial de Lisboa.
8- E que todas as obras necessárias à conservação e melhoramento do edifício fossem suportadas pelo Estado.
9- E que, no caso de o edifício deixar de ser utilizado para fins de educação especial, fosse entregue à Associação Promotora de Ensino de Cegos, com todas as benfeitorias que lhe fossem introduzidas.
10- E que os bens pertencentes à Associação Promotora do Ensino de Cegos e afectos ao Instituto Feliciano de Castilho, que não constituíssem parte integrante daquele nem fossem indispensáveis ao seu funcionamento, continuassem a ser administrados pela mesma Associação.
11- E que a Associação promotora do Ensino de Cegos deverá promover a revisão dos seus estatutos, por forma que, das necessidades neles previstas, sejam excluídas as relativas à manutenção de estabelecimentos para internamento e educação especial de menores deficientes.
12- A autora tinha a sua sede na Rua ................. nº 95, em Lisboa.
13- No mesmo prédio, estava instalado o Instituto Feliciano de Castilho.
14- Em execução do Decreto-Lei nº 337/75, de 2 de Julho, o Centro de Educação Especial de Lisboa ocupou o referido prédio, tendo a autora instalado a sua sede, os seus serviços de secretaria e tesouraria e a passado a centralizar as suas actividades, não abrangidas pela oficialização do Instituto, no 1° andar dt.o do prédio com o nº 42 da Rua ................., tornejando para a ................. a 91, em Lisboa.
15- A Portaria nº 197/81, de 28 de Janeiro de 1981, integrou o Centro de Educação Especial de Lisboa no Centro Regional de Segurança Social de Lisboa.
16- O Decreto-Lei nº 1236/83, de 21 de Março, transferiu para os Centros Regionais de Segurança Social todos os bens das instituições, estabelecimentos e serviços neles integrados.
17- O Decreto-Lei n° 260/93, de 23 de Julho, criou o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, com sede em Lisboa e âmbito territorial nos distritos de Lisboa, Setúbal e Santarém.
18- O Decreto-Lei nº 316-A/2000, de 7 de Dezembro, extinguiu o Centro Nacional de Pensões e os Centros Regionais de Segurança Social e determinou que lhes sucedesse o ISSS e que fosse transmitido para este o património de que eram titulares aqueles organismos extintos, incluindo activos e passivos, sem dependência de qualquer formalidade.
19- A 23 de Agosto de 1957, no 4° Cartório Notarial de Lisboa, AA outorgou testamento, exarado de fls. 71 verso a 73, do livro de notas para testamentos públicos nº 39, tendo disposto dos seus bens da seguinte forma:
- com exclusão das pratas e jóias, que, para ser feito um lampadário e um cálice para a Igreja Nova da Amadora ou do Santo Condestável, se aquela não estivesse construída, deixou metade dos seus bens ao sobrinho dela, .................;
- com exclusão de 50.000$00, em dinheiro, que legou ao afilhado dela e do marido,.DD, deixou a restante parte desta metade, nas seguintes proporções às seguintes entidades: 50%, em partes iguais, à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, às Oficinas de São José e aos Inválidos do Comércio; 20%, em partes iguais, ao Asilo de Ceguinhos Feliciano de Castilho, ao Orfanato de Nossa Senhora dos Milagres, ao Asilo de Santa Catarina, à Casa da Nazaré e ao Lar de Santana; 30%, a D. EE, sua sobrinha.
20- A referida AA veio a falecer a 11 de Outubro de 1980.
21- A 06 de Abril de 1981, ................. instaurou inventário obrigatório para partilha dos bens deixados pela referida AA, o qual correu termos na 2ª Secção do 4° Juízo Cível de Lisboa, sob o nº 0000000.
22- Ali foi nomeado cabeça de casal ................., o qual prestou declarações de cabeça de casal a 08 de Junho de 1981.
23- Ali declarou o cabeça de casal que a inventariada faleceu no estado de viúva, não deixou descendentes e deixou testamento, no qual instituiu como herdeiros: .................; Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; Oficinas de S. José; Inválidos do Comércio; Asilo BB; Lar de Santana; Asilo de Santa Catarina, integrado na Casa Pia de Lisboa; EE; Orfanato Nossa Senhora dos Milagres; Casa da Nazaré.
24- A 16 de Junho de 1981, o Centro de Educação Especial de Lisboa endereçou ao processo de inventário supra referido o oficio fotocopiado a fls. 63, em que comunica que o Instituto BB fora oficializado, sendo integrado naquele Centro, Serviço Regional de Educação Especial do Ministério dos Assuntos Sociais, dotado de autonomia administrativa.
25- A 26 de Junho de 1981, foi lavrada a certidão, fotocopiada a fls. 64, com o seguinte teor: «Certifico que citei o Asilo BB, com sede na Rua ......., 95, na pessoa de FF, Director do Asilo, citado na qualidade de interessado no Inventário Obrigatório nº 836, em que é inventariante ................. e inventariada AA, inventário que corre termos neste tribunal, na 2ª Secção. Ficou bem ciente, recebeu nota legal e vai comigo assinar ".
26- Procedeu-se à descrição dos bens, ficando descritos sob as verbas nºs 21 e 22 os seguintes bens:
- 21 Prédio urbano, sito na C....... do T....., n° 46, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Benfica, sob o art. 1977 e descrito na 5ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° 12.801, a fls. 70 do livro B-37, com o valor matricial de 1.919.020$00;
- 22 Prédio urbano, sito na Rua .................., nºs....a ....., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Belém, sob o artigo n° 209, descrito na 3a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° 3.417, a fls. 58, do livro B-21, com o valor matricial de 881.780$00.
27- A 04 de Janeiro de 1983, 09 de Fevereiro de 1983 e 27 de Abril de 1983, teve lugar a conferência de interessados.
28- Na sessão que teve lugar a 27 de Abril de 1983, foi acordada a adjudicação das verbas nºs 21 e 22 da seguinte forma:
- a) a verba n° 21, na proporção de metade, será adjudicada, por um lado, à interessada EE e, por outro lado, para os interessados Oficinas de São José, Inválidos do Comércio e Asilo BB, agora denominado Instituto, cabendo a cada um destes e respectivamente as quotas de 22%, 22% e 6%;
- b) a verba n° 22 será adjudicada às Oficinas de São José, Inválidos do Comércio e Instituto BB o, nas proporções de respectivamente 44%, 44% e 12%.
29- Naquela sessão da conferência de interessados, o representante do Instituto BB, FF, declarou que a instituição que representava pertencia ao Centro de Educação Especial de Lisboa, órgão regional do Ministério dos Assuntos Sociais, directamente subordinado ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, que assegurava a tutela do dito Instituto.
30- Em consequência, o Mº Juiz determinou se oficiasse ao mesmo Centro, com objectivos de notificação e ratificação do deliberado pelo instituto em causa naquela conferência, com vista a assegurar-se a validade da atinente aceitação necessária.
31- A 16 de Agosto de 1983, a Comissão Instaladora do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa remeteu aos autos de inventário a "Acta" junta por cópia a fls. 112, onde consta que "delibera aceitar o legado de AAnos termos propostos na conferência de interessados realizada na presença do Sr. Juiz de Direito do 4° Juízo Cível da Comarca de Lisboa, na proporção de 6% de metade da verba n° 21 da descrição de bens e de 12% da verba n° 22 da mesma descrição".
32- Foi elaborado o mapa da partilha dos bens da herança, em que o quinhão do Instituto BB na herança foi integrado com 6% da verba nº 21 e 12% da verba nº 22, com tornas de 9.786$77 ao interessado CC e esposa.
33- A partilha foi homologada por sentença de 9 de Maio de 1984, transitada em julgado em 22 de Maio de 1984, adjudicando aos interessados os bens que lhes foram atribuídos no mapa da partilha.
34- O CRSS de Lisboa e, actualmente, o ISSS, tem vindo a fruir, na respectiva proporção, dos rendimentos dos prédios sitos na C....... do T....., n° 46, em Lisboa, e na Rua .................., nºs....a ....., em Lisboa.
35- A aquisição de 6% do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na C....... do T....., n° 46, encontra-se registada a favor do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, sob a apresentação nº 14, do livro G0000000000, de 12 de Março de 1992, e encontra-se inscrita a favor dele na mesma proporção na inscrição matricial nºs 23.154- A a 2.154-1, da freguesia de Benfica, do concelho de Lisboa.
36- O prédio sito na Rua .................. (antiga Rua ..................), nºs....a ....., em Lisboa, ainda se encontra inscrito na CRP a favor da testadora.
37- O referido prédio está inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Belém, do concelho de Lisboa, sob o artigo 136, desde 1984.
38- Desde 1984 que ali se encontra inscrito que titular de 12% é o Instituto BB.
39- O Decreto- Lei nº 1/2000, de 12 de Janeiro, determinou que a titularidade da denominação "Instituto BB" é devolvida à Associação Promotora do Ensino dos Cegos, que passa a dispor dela para todos os fins e nos termos legalmente admitidos.
40- No respectivo Preâmbulo consta: "A oficialização do IAFC teve lugar num momento em que os pressupostos sócio-económicos e a praxe política eram distintos, nalguns casos antagónicos, dos actuais. A evolução do pensamento e organizações sociais, da estrutura económica e até da mundividência impôs novas reformas de enquadramento das instituições da sociedade civil. Com a devolução das instalações, deveria ter sido devolvido à titularidade da AP EC o estabelecimento de ensino, como unidade jurídica, incluindo denominação, insígnias, logótipo, etc. Porque tal não ocorreu, pretende-se com o presente diploma, sanar a situação”.
41- Estando o prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na C....... do T....., n° 46, arrendado, desde Janeiro de 1985, o réu vem recebendo o valor das rendas correspondente à quota parte de 6% do referido prédio e vem suportando o custo, correspondente à quota parte de 6%, das obras realizadas no mesmo prédio.
42- Em 2004 e 2006, o réu pagou a taxa de esgotos relativamente ao prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na C....... do T....., nº 46.
43- O réu vem actuando da forma descrita na resposta aos artigos 1°, 2° e 3° da BI (pontos 41° e 42º desta fundamentação de facto) à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém até 2002 e ininterruptamente (após alteração da matéria de facto pela Relação).
44- Estando o prédio sito na Rua .................. (antiga Rua ..................), nºs....a ....., em Lisboa, arrendado, desde Janeiro de 1985 que o réu vem recebendo o valor das rendas correspondente à quota parte de 12% no referido prédio e vem suportando o custo, correspondente à quota parte de 12%, das obras realizadas no mesmo prédio.
45- O réu vem actuando da forma descrita na resposta aos artigos 8° e 9° da BI (ponto 44 da fundamentação de facto), à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e ininterruptamente (após alteração da matéria de facto pela Relação).
III. O Direito.
A Relação revogou a decisão da 1ªinstância, considerando que a posse invocada pelo recorrente não pode qualificar-se de pública, mas de oculta.
Para além disso, a posse é de má fé, porquanto se afigura de grosseiro o erro em que o réu laborou.
A única questão que importa apreciar é, pois, a de saber se estão reunidos todos os pressupostos susceptíveis de conduzir à aquisição, por usucapião, por banda do réu, do direito de propriedade, na proporção de 6%, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na C....... do T....., n° 46, e o direito de propriedade, na proporção de 12%, do prédio sito na Rua .................., nºs....a ....., em Lisboa.
Mas, antes, importa ter presente que, dentro da matéria da administração da herança, a acção de petição da herança a que se refere o art. 2075° do C.Civil (diploma a que pertencerão as demais disposições legais a citar sem menção em contrário) e que, como acontece com a generalidade de contitulares de direitos (1286° - composse e 1405° - compropriedade), pode ser proposta por um só herdeiro - 2078° - sem que o demandado possa opor ao demandante que os bens não lhe pertencem por inteiro.
Essencial na petição de herança é o duplo fim que visa: por um lado, o reconhecimento judicial do título ou estatuto de herdeiro que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro.
Tal como na reivindicação, pede-se a restituição de uma coisa. Mas enquanto que na reivindicação o pedido de restituição assenta na prévia declaração de proprietário do autor, na petição de herança, a restituição pressupõe a declaração prévia da qualidade de herdeiro.
Na verdade, a petição da herança «é a acção por meio da qual aquele que pretende ser chamado a uma herança reclama o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro. Esta acção não tende tanto à entrega das coisas como ao reconhecimento da qualidade de herdeiro, com o propósito de recuperar, no todo ou em parte, o que constituir o património hereditário». (Rodrigues Bastos, "Direito das Sucessões", 1981, pág.158).
Já Cunha Gonçalves (Tratado, Vol. X, pag. 479), ao tratar da natureza desta acção, opinava que ela não era pessoal, nem real, mas mista: «é pessoal, quanto ao reconhecimento da qualidade de herdeiro; é real, quanto à entrega do quinhão de herança, pertencente a este herdeiro».
Nas acções de petição de herança, a causa de pedir consiste na sucessão mortis causa e na subsequente apropriação por outrem de bens da massa hereditária. (Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", Vol. VI, pág. 131; Capelo de Sousa, "Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, pág. 41, nota 598).
Diversamente, na acção de reivindicação, são dois os pedidos que a caracterizam: o reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e a restituição da coisa, por outro - art. 1.311°.
Enquanto a acção de petição da herança tem, como pedido principal, o reconhecimento judicial da qualidade sucessória do herdeiro, já a acção de reivindicação tem como pedido principal o reconhecimento do direito de propriedade, sendo, em ambas as acções, a pretensão da restituição da coisa um pedido derivado daqueles pedidos principais (cfr. Ac. STJ, de 2.3.2004, CJ, 2004-1-87).
Antes da partilha, o herdeiro usa a acção de petição de herança; partilhada a herança, quem quiser pedir a restituição de um bem que herdou há-de usar a reivindicação, porque então é já proprietário.
Dispõe o art. 2.075º que o «herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento do direito da sua qualidade sucessória e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou, por outro título, ou mesmo sem título».
Foi o que autora fez: pediu judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória e a consequente restituição de parte dos bens da herança.
O Supremo Tribunal de Justiça, em recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, considerou que a pretensão da autora tinha acolhimento no instituto da petição da herança.
Embora o direito à herança não prescreva, o exercício do direito de petição da herança, com vista à restituição ou entrega de bens hereditários, pode, como acontece com o direito de propriedade na reivindicação (art. 1313º), soçobrar perante a usucapião invocada pelo demandado.
Deste modo, impunha-se averiguar, desde logo, se a autora devia ser reconhecida como herdeira de AA e, de seguida, se tinha direito à restituição dos bens que foram adjudicados ao réu.
Abreviando caminho, já que, quanto à primeira questão, foi decidido, sem impugnação pelo recorrente, que, à data da abertura da sucessão de AA, beneficiária da disposição testamentária por ela feita ao Asilo de Ceguinhos Feliciano de Castilho era a autora e não o CRSS de Lisboa, uma vez que o citado estabelecimento, então denominado Instituto BB, não integrava o património do CRSS de Lisboa, antes continuando a ser propriedade da autora, sendo apenas e tão só objecto de utilização, ao abrigo do DL. nº 337/75, pelo Centro de Educação Especial de Lisboa, diploma que não expropriou à autora o referido estabelecimento, como não conferiu outros direitos que não fossem o da pura e simples utilização, importa que nos concentremos no segmento decisório que julgou improcedente a reconvenção.
Como é sabido, o direito de propriedade, que tem assento constitucional (art. 62º da CRP), adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei - art. 1316º.
Está em causa, no caso ajuizado, a usucapião, que carece de ser invocada pelo interessado para produzir os seus efeitos - art. 303º -, podendo essa invocação, como é jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal de Justiça, ser implícita ou tácita, desde que se aleguem os factos e os requisitos que revelem inequivocamente a intenção de nela se fundamentar o pretendido direito de propriedade.
Chamava-lhe o antigo direito prescrição aquisitiva e, porque o registo predial não era obrigatório e ainda hoje tem natureza essencialmente declarativa, quase sempre as questões da titularidade do direito se resolviam por apelo à usucapião, forma de aquisição originária do direito de propriedade e de outros direitos reais de gozo.
A usucapião - modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação em jurídica de uma situação de facto, em benefício daquele que exerce a gestão económica da coisa - vive de dois elementos nucleares, que são a posse e o decurso do tempo (art. 1287º).
O instituto da posse está ligado a interesses fundamentais, tais como o valor da organização (permitindo estabelecer e manter a continuidade entre os valores de um património e até a constituição de novos valores, quer do ponto de vista da órbita interna de cada particular, quer do ponto de vista da economia colectiva) e o valor do conhecimento (na medida em que é um sintoma normal do direito à utilização das coisas, quer dizer, é normalmente um sintoma de quem tem um direito sobre as coisas).
As estatísticas demonstram-nos que à posse corresponde, na maioria dos casos, um direito e às mudanças de posse, correspondem, normalmente, mudanças de direito. E é justamente este dado sociológico da posse como valor de conhecimento, como algo que indica ou presume a existência de um autêntico direito, que justifica que a posse possa ser não apenas um substituto do direito, quando ele falte, mas ainda um caminho para a dominialidade.
A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua sobre uma coisa por forma correspondente ao exercício de determinado direito real (corpus) e o faz com a intenção de agir como titular desse direito (animus) - art. 1251º.
Trata-se da consagração do sistema subjectivo, de raiz romanística, assim designado pela escola histórica, de que sobressai Savigny, por oposição à concepção objectiva, surgida nos finais do sec. XIX, na doutrina alemã, de que se destaca von Ihering, segundo a qual a posse consiste no exercício de um poder de facto sobre uma coisa, e que veio a ser consagrada no Código Civil Alemão, em cujo art. 874º se determina que a posse de uma coisa se adquire pela obtenção do poder de facto (fatsachliche gewalt) sobre a coisa.
Refere o Prof. Orlando de Carvalho que “é do cruzamento dos dois elementos (corpus e animus) e da sua limitação recíproca que vem o conceito de posse relevante no nosso sistema jurídico.
O corpus é um poder empírico, um poder de facto, com as características de efectividade, imperiosidade e de estabilidade, que o torna incompatível com um puro poder fugaz, com um contacto com as coisas ocasional ou incidental e animus é a intenção de exercer aquele poder de facto de acordo ou em termos do direito real correspondente”.
O acto de aquisição da posse que releva para a usucapião terá de conter, pois, os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus ou poder de facto, o exercício, a prática ou possibilidade de prática de actos materiais, externos, virados para o exterior, visíveis por toda a gentee o animus, elemento psicológico, vontade, intenção de agir como titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados.
Embora não expressamente dito na lei, é pelo animus que se distinguem as situações de posse verdadeira e própria das de mera detenção - art. 1253º - tal como é pelo animus que se sabe que direito é possuído.
Se só o primeiro elemento se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade, à aquisição do direito de propriedade.
Mas por ser difícil, senão impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente, estabelece o nº 2 do art. 1252º, como já o fazia o § 1º do art. 481º do Código de 1867, uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus) e que a posse continua em nome de quem a começou (art. 1257º, nº2).
Divergências de interpretação destas normas levaram a Ac. Un. de Jur., no D.R. de 24.6.96, segundo o qual podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.
A posse boa para usucapião há-de ser, pelo menos, pública e pacífica; a posse violenta ou tomada a ocultas não merece a tutela do direito, antes sofre a sua reprovação.
Daí que se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública - art. 1297º.
Os restantes caracteres da posse constituem simples factores de diminuição do tempo de posse (arts. 1294º a 1296º).
Expostos os princípios, vejamos o caso concreto.
Entendeu a Relação qualificar de oculta a posse do réu.
Para tanto, desenvolveu o seguinte raciocínio: “No caso presente, temos uma situação em que a R. (apelada) se habilitou em processo de inventário, na qualidade de herdeira, qualidade essa que deriva de testamento, em que é herdeira a apelante (Autora). A Autora não conhecia a existência do testamento nem foi admitida a intervir no inventário. Assim, embora a R., no seu círculo social, tivesse passado a comportar-se como proprietária (na respectiva quota) dos prédios em causa, e dessa forma exercesse a posse publicamente, nunca a apelante se poderia aperceber de que em causa estava um direito seu. Nestas circunstâncias a posse, como já se referiu, não pode qualificar-se de «pública», mas de «oculta». Por muito diligente que fosse a apelante, não teria possibilidades de ter consciência da situação, não podendo, consequentemente, reagir a uma posse por parte da apelada”.
Com o devido respeito, não podemos acompanhar esta posição.
Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados - art. 1262º -, isto é, por todos quantos, face ao circunstancialismo concreto envolvente, são directa ou indirectamente afectados pelo exercício do corpus possessório.
Não é necessário, contudo, que a posse seja exercida à vista dos interessados, mas que o seja de forma a poder ser deles conhecida.
Como ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (Anotado, III vol., 2ª ed., pags. 24 e 25), “A posse oculta ou clandestina pressupõe um comportamento tendente a esconder o objecto sobre que incide ou os actos em que se traduz. Mas não basta a intenção ou o propósito de ocultar: é ainda necessário que os actos possessórios sejam praticados em termos que não possibilitem o seu conhecimento pelos interessados. Se alguém, por exemplo, se aproveita, habitualmente, das águas de uma fonte existente em prédio vizinho, fazendo-o, no entanto, apenas de noite ou a horas mortas, com o intuito de evitar a reacção do proprietário, a respectiva posse é oculta. Mas se um proprietário usurpar, lenta e gradualmente, pequenas faixas do terreno confinante, igualmente com o propósito de evitar a reacção do vizinho com tais actos, a posse será pública, pois o proprietário afectado, se for normalmente diligente, pode tomar dela conhecimento”.
Vendo os factos dados como assentes, designadamente os pontos 41 a 45, temos que, estando o prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa, na C....... do T....., n° 46, arrendado, desde Janeiro de 1985, o réu vem recebendo o valor das rendas correspondente à quota parte de 6% do referido prédio e vem suportando o custo, correspondente à quota parte de 6%, das obras realizadas no mesmo prédio, sendo também certo que, em 2004 e 2006, réu pagou a taxa de esgotos.
Ademais, o réu vem actuando pela forma descrita, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém até 2002 e ininterruptamente.
De igual modo, estando o prédio sito na Rua .................. (antiga Rua ..................), nºs....a ....., em Lisboa, arrendado, desde Janeiro de 1985, o réu vem recebendo o valor das rendas correspondente à quota parte de 12% no referido prédio e vem suportando o custo, correspondente à quota parte de 12%, das obras realizadas no mesmo prédio, fazendo-o à vista de toda a gente, sem oposição até 2002 e ininterruptamente.
Em nenhum destes factos é possível surpreender qualquer intenção do réu tendente a esconder o objecto sobre que incide a posse, ou melhor, a composse - sobre os prédios em causa recai simultaneamente a posse de diversas pessoas, sendo certo que os seus direitos são qualitativamente iguais, mas quantitativamente diferentes - ou os actos em que se traduz.
Como também não se vislumbra qualquer actuação do réu que impossibilite o conhecimento dos actos possessórios pelos interessados.
É verdade que a composse é exercida, no caso ajuizado, por intermédio de outrem, isto é, dos arrendatários (art. 1252º); porém, havendo representação, a posse produz todos os efeitos na esfera jurídica do representado, quer se trate da prática de negócios jurídicos, quer de simples actos jurídicos, quer de simples actos materiais (cfr. ob. e loc. cit. de Pires de Lima e A. Varela, pag. 6).
Assentemos, pois, que a posse do réu é pacífica (o que nem sequer está em causa) e pública.
Só que tal não basta para que o réu possa obter ganho de causa.
Com efeito, e como se referiu, a usucapião vive de dois elementos nucleares, que são a posse e o decurso do tempo.
Relativamente a este último elemento, impõe-se analisar os restantes caracteres da posse, ou seja, se a mesma é ou não titulada (art. 1259º) e se estamos perante posse de boa ou má fé (art. 1260º)
Nenhum vício de fundo afasta hoje categoricamente a titularidade da posse, incluindo, entre eles, a simulação - embora, na simulação absoluta, seja difícil ocorrer o animus possidendi - o erro, a coacção, a ofensa de lei de ordem pública, etc. A lei prescinde da validade substancial do negócio jurídico. Mas, se o acto é nulo por vício de forma, a posse que daí deriva é não titulada.
No caso de partilha, como ao caso importa, não haverá justo título; a partilha não converte em titulada uma posse que o não era; o inventário e a partilha não são negócios translativos, pois falta neles o transmitente de que fala o art. 1259º, nº1.
“…o escopo do inventário e da escritura de partilhas é apenas o de fixar ou concretizar em bens determinados a quota ideal ou abstracta de cada um dos contitulares do acervo patrimonial a partilhar” (Anotado, III vol. pag 19).
Não sendo titulada a posse do réu, presume-se de má fé (art. 1260º,nº 2).
Trata-se, contudo, de uma presunção ilidível (art. 350º), ao contrário do que sucede com a do nº 3 daquela disposição legal, que é uma presunção juris et de jure.
A 1ª instância caracterizou a posse do réu como sendo de boa fé, apoiando-se, certamente, na factualidade assente e de onde decorre que ele agia convicto de estar a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar interesses alheios, designadamente da autora.
Estes factos, no segmento decisório que alterou a matéria de facto, foram dados como não provados pela Relação.
Cabe, agora, ao STJ, como tribunal de revista, aplicar definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável (art. 729º, nº1, do CPC), pois não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 729º, nº 2 e 722º, nº 2, do mesmo diploma), o que não é o caso.
Resta, portanto, saber se, perante os factos dados como assentes pela Relação, o réu logrou ilidir a referida presunção.
“A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem” (art. 1260º, nº1).
Trata-se de um conceito de natureza psicológica, e não de índole ética ou moral, embora não esteja divorciado de um fundamento de carácter ético (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. citados, pag. 20 e Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, pag. 292).
Carvalho Fernandes perfilha, no entanto, um entendimento não meramente psicológico, mas ético, da boa fé. Por isso, se alguém ignorar, com culpa, que está a violar o interesse de outrem, não pode considerar-se de boa fé (v. Lições de Direitos Reais, 2ª ed., pag. 276).
No mesmo sentido se pronunciam Menezes Cordeiro (Da boa fé, vol. I, pag. 437) e Oliveira Ascensão (Reais, 4ª ed., pags.104 e 105).
Independentemente da posição que se tome sobre esta questão, porque a posse do réu é não titulada, presume-se de má fé; cabia-lhe, portanto, ilidir essa presunção, o que não fez.
Com efeito, revisitando os factos assentes, nenhuma prova se fez no sentido de que o réu ignorasse, ao adquirir a posse, que lesava o direito de outrem.
E à mesma conclusão chegaremos, seguindo a corrente doutrinal em que a Relação se ancorou (natureza ética ou moral da boa fé).
Efectivamente, o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa foi chamado à sucessão, por se ter considerado que o Asilo de Ceguinhos Feliciano de Castilho, entretanto Instituto, fazia parte integrante do Centro de Educação Especial de Lisboa, Serviço Regional de Educação Especial do Ministério dos Assuntos Especiais, directamente subordinado ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, que assegurava a tutela do dito Instituto.
Todavia, o DL. nº 337/75 (v. factos assentes) não procedeu à expropriação do estabelecimento em causa; o que esse diploma legal fez foi a requisição desse estabelecimento.
Como se refere na sentença da 1ª instância, o citado diploma tem implícito que o direito de propriedade do dito estabelecimento continua a pertencer à autora, pois prevê que, no caso do edifício deixar de ser utilizado para fins de educação especial, fosse entregue à Associação Promotora de Ensino dos Cegos, com todas as benfeitorias que lhe fossem introduzidas (art. 2º, nº 3).
Deste modo, não podia o réu habilitar-se à herança, pois não tinha a qualidade que se arroga.
Fazendo-o, laborou, como refere a Relação, em erro grosseiro.
Sendo a posse do réu pública, pacífica, não titulada e de má fé, a usucapião só podia dar-se no termo de vinte anos (art. 1296º), que não decorreram.
IV.
Face ao exposto, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes, decide-se negar a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 29 de Outubro de 2009
Oliveira Rocha (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista