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CONTRA-ORDENAÇÃO
DESPACHO
OPOSIÇÃO
Sumário
I – No recurso [impugnação judicial] da decisão da autoridade administrativa, o juiz pode entender que, apesar de o arguido ter arrolado testemunhas no requerimento de interposição do recurso, a prova dos factos deve ser feita documentalmente e, por isso, informe o arguido e o Ministério Público de que se acha habilitado a conhecer do mérito da impugnação judicial por simples despacho. II - Deve entender-se que não há oposição da parte do impugnante que, notificado nos termos referidos, nada diz.
Texto Integral
Processo n.º 335/11.7TAVNG.P1
4.º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia
Acordam, em conferência, na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório.
1. B…, S.A. impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pelo Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I. P. pela qual a condenou pela prática, como autora imediata e sob a forma consumada, de duas contra-ordenações, previstos e puníveis pelos art.os 5.º, alínea a), 7.º, n.º 1 e n.º 3 e 10.º, n.º 3, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, com as alterações decorrentes da lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, na quantia de € 1.825,20 (mil oitocentos e vinte e cinco euros e vinte cêntimos), que inclui os valores das taxas de portagem no valor de € 85,70 (oitenta e cinco euros e setenta cêntimos), a coima única no valor de € 1714 (mil setecentos e catorze euros), e das custas no valor de € 25,50 (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos), alegando, em resumo, que o processo contra-ordenacional estava ferido de nulidade uma vez que não foram inquiridas, como deveriam ter sido, as testemunhas por si oportunamente arroladas e que não actuou nem dolosa nem negligentemente.
2. Remetido o procedimento ao Ministério Público, o respectivo Magistrado submeteu-o a apreciação judicial e, uma vez aí, o recurso foi recebido pelo Mm.º Juiz, que se propôs decidi-lo por mero despacho, ao que não foi deduzida oposição.
Na sequência disso, o Mm.º Juiz proferiu despacho no qual julgou a impugnação parcialmente procedente, que alterou e, em consequência, condenou a Impugnante na coima parcelar de € 428,50 (quatrocentos e vinte e oito euros e cinquenta cêntimos) e na coima única de € 640 (seiscentos e quarenta euros), a que acresce o valor fixado na decisão administrativa para as taxas de portagem no valor de € 85,70 (oitenta e cinco euros e setenta cêntimos).
3. Inconformada, recorreu a Arguida para esta Relação do Porto, pugnando para que o despacho seja dado como nulo, rematando a motivação com as seguintes conclusões: A) O Digno Tribunal a quo julgou o mérito da causa sem conhecer, nos termos do artigo 311.º do CPP de questões prévias essenciais, o que fere de nulidade a douta sentença. B) A decisão da autoridade administrativa, valendo como acusação, tem de reunir os pressupostos do artigo 283.º do CPP. Ora tudo indica que a decisão administrativa não conste sequer dos autos. Com efeito, a sua existência é apenas referida no texto da decisão condenatória. Ora, o objecto do processo é delimitado pela decisão administrativa, daí o mesmo carecer de objecto por inexistência de decisão administrativa. A verdade é que a douta sentença não se pronuncia sobre esta questão ponderosa, não obstante a requerente ter informado o Digno Tribunal que não se oponha que o recurso fosse decidido por despacho, atento o facto dos autos não terem sido remetidos ao Digno Tribunal, mas antes um conjunto de folhas impressas daí se colocar a questão da inexistência do mesmo processo. Vide doc. n.º 1. C) Tão-pouco a douta sentença analisa a decisão administrativa, nada dizendo em relação ao elemento subjectivo da alegada infracção. Deste modo, não contendo a douta decisão qualquer referência ao elemento subjectivo da infracção, a mesma mais ferida está de nulidade. D) A recorrente (arguida) foi condenada na coima única de € 640,00 pela prática de duas contra-ordenações, tendo sido invocado o artigo 19.º do RGCO, mas sem que tenha sido previamente fixada a coima correspondente a cada uma das contra-ordenações. Tal facto, configura decisão arbitrária, que coarcta o direito de defesa da recorrente. E) Em suma, além do acima referido, a douta sentença oblitera também o facto da autoridade administrativa ter condenado a arguida (recorrente) sem ter ouvido sequer as testemunhas que arrolou para sua defesa, o que é atentatório a princípios básicos do direito. Efectivamente, em sede do recurso judicial interposto pela recorrente contra a decisão administrativa, o Meritíssimo Juiz não só omite esse facto, como também acaba por não ouvir as testemunhas, sob o invocado pressuposto de sua audição ser redundante, ao que se opõe a recorrente, tanto mais que arrolou as ditas testemunhas para deporem sobre todo o seu alegado.
4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, para o que aderiu aos fundamentos do despacho recorrido.
5. Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recuso, para tal alinhavando os seguintes fundamentos: 2.1 - Quanto à invocada inexistência de decisão administrativa, basta atentar-se nos autos de fls. 25/27, para se concluir pelo manifesto infundado da crítica formulada pela recorrente. Com efeito, esses autos expressam e documentam claramente a decisão administrativa, a qual, aliás, o recorrente não deixou de impugnar judicialmente. É certo que a decisão administrativa, proferida em consonância com a "Proposta de Decisão" junta a fls. 29, se encontra transcrita no instrumento de notificação dirigido à arguida (com a assinatura das entidades competentes). Porém, como nos parece óbvio, a referida forma de processamento não equivale à alegada inexistência da decisão administrativa, nem, em tal contexto, vislumbramos que houvesse razões formais ou substanciais que impusessem ao tribunal a quo qualquer pronúncia sobre tal questão, aliás, não suscitada, desde logo, pela recorrente. 2.2 - No que se refere à alegada insuficiência da matéria provada para preenchimento do elemento subjectivo das infracções, leia-se a seguinte passagem do despacho recorrido: Perscrutando a matéria de facto considerada provada, ter-se-á que concluir que a arguida, em cada uma das situação, agiu sabendo e querendo permitir a transposição da dita barreira de portagem através da via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens, sabendo que o veiculo não estava associado, por força de um contrato de adesão, ao respectivo sistema e, assim, não proceder ao pagamento da taxa de portagem, tendo agido pois de forma dolosa (cfr. art.º 14.º, n.º 1 do CP ex vi art.º 32.º do RGCC)». Não se nos suscitam, portanto, dúvidas de que a matéria dada como provada e toda a factual idade inerente à conduta da arguida demonstram claramente a verificação da respectiva culpa concreta, o que tanto basta para a verificação do pressuposto da punibilidade do ilícito em apreço, à luz do disposto no artigo 8.º do RGCO, o qual faz valer o princípio da culpabilidade (não há pena sem culpa) no sentido de que toda a sanção contra-ordenacional tem por base uma culpa concreta. Como diz Figueiredo Dias, in O Movimento de Descriminalização, Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, pg. 331: «Não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética. dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima». E considerando os conceitos do dolo e da negligência consagrados nos artigos 14.º e 15.º do C. Penal, é inequívoco que a actuação da recorrente só poderá ser qualificada Como dolosa, pois conheciam c representaram correctamente o preenchimento cio tipo objectivo do ilícito contra-ordenacional em causa, actuando com conhecimento (elemento intelectual) e vontade (elemento volitivo) de praticar tais actos. Soçobra, portanto, também nesta parte, de forma que temos por manifesta, a pretensão da recorrente. 2.3 - Afirma a recorrente ter sido condenado na coima única de € 640,00, sem que tenham sido previamente fixadas as sanções parcelares. Mais uma vez nos socorremos (como não poderia deixar de ser) do texto da decisão impugnada, na parte em que se lê o seguinte: «Assim, julgo adequado aplicar o valor mínimo, isto é, € 428,50 para cada uma das coimas, Tendo em conta o disposto no art.º 19.º do RGCC, incorre a arguida numa coima única no valor de € 428,50 e máximo de € 857. Tendo em conta os critérios referidos, julgo adequado fixar a coima única de € 640 (seiscentos e quarenta euros)». Não vislumbramos que a decisão recorrida enfermo do vício que lhe vem imputado pela recorrente e a que, agora, nos referimos.[1] 2.4 - Critica, finalmente, a recorrente o despacho recorrido por não se ter pronunciado sobre a questão da não inquirição das testemunhas que havia arrolado para serem ouvidas na fase administrativa do processo, questão essa suscitada no recurso de impugnação judicial. Novamente remetemos para o texto da decisão recorrida, em especial para o segmento em que, previamente à decisão de fundo, expressa e claramente o tribunal a quo decidiu sobre a suscitada questão da nulidade do procedimento contra-ordenacional, por não terem sido inquiridas as testemunhas oportunamente arroladas (cfr. fls. 744/745). Parece-nos, pois, inquestionável que o tribunal a quo, ao contrário do alegado pela recorrente, pronunciou-se sobre a falta ele produção da prova testemunhal na fase administrativa do processo e a eventual preterição do direito de defesa da arguida, indeferindo ao requerido. E, salvo o devido respeito, não pode a recorrente queixar-se, agora, ele que essas mesmas testemunhas não foram inquiridas no âmbito do recurso de impugnação judicial, uma vez que expressamente aceitou que o recurso fosse decidido por despacho, sem necessidade ele julgamento (cfr. fls. 735). 2.5 - Parece, pois, em face do acima exposto, admissível a conclusão de que a pretensão da recorrente não tem qualquer sustentação legal, o que constitui motivo para considerar o recurso manifestamente improcedente, na esteira da decisão, entre outras, do Ac. do STJ, de 11 de Abril de 2002, proc. n.º 485/02 - 5 secção, que diz: "É manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso." 2.6 - Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que deve ser julgado improcedente o recurso, caso não seja sumariamente rejeitado por manifesta improcedência, nos termos dos artigos 414.º, n.º 3 e 420.º, n.º 1, al. a), do C. P. Penal.
6. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417°, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo a Arguida / Recorrente respondido, reafirmando, em suma, o que já dissera no recurso.
7. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II - Fundamentação. 1. Da decisão recorrida. 1.1. Factos julgados provados: Em 01-09-2008, pelas 08h.00m e 09-09-2008, pelas 05h.35m, o veículo automóvel de matrícula “..-EZ-..”, da marca DAF, modelo …, classe 2, propriedade da arguida, transpôs a barreira de portagem integrada na A1 – Auto-Estrada …, área desta comarca, através de uma via reservada a aderentes via verde para cobrança de portagens, sem que o mesmo se encontrasse associado, por Força de um contrato de adesão válido, ao referido sistema, não tendo por isso procedido ao pagamento da taxa de portagem devida em casa uma dessas situações. O valor máximo cobrável na dita barreira de portagem cifrava-se em € 42,85 (quarenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos). A arguida, em cada uma das referidas situações, agiu sabendo e querendo permitir que fosse transposta a dita barreira de portagem através da via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens, sabendo que o veículo de que era proprietária não se encontrava associado, por força de um contrato válido de adesão, ao respectivo sistema e que, por isso, não seria efectuado o pagamento da referida taxa de portagem. Agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Não lhe são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais. A arguida havia celebrado com a C… contrato de adesão ao sistema electrónico de cobrança de portagens pelo qual o identificador ……….. se encontrava associado ao veículo de matrícula “..-..-SA”, sendo que, a partir de 31-10-2008, por iniciativa da arguida, aquele identificador passou a estar associado à viatura referida nos presentes autos.
1.2. Factos julgados não provados: Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os que foram dados como assentes, nomeadamente, que a arguida não tenha agido dolosamente.
1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto: O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada da prova produzida, designadamente, nos autos de notícia, na factualidade alegada no recurso de impugnação da decisão administrativa e na informação prestada pela C…. No que diz respeito ao circunstancialismo espácio-temporal em causa, o que Foi então percepcionado e o valor máximo cobrável na referida barreira, foi relevante, desde logo, o teor dos autos de notícia que, nos termos do art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, fazem fé sobre os Factos presenciados pelo autuante até prova em contrário, o que, no caso, não Foi efectuado, sendo certo que não foi efectuada qualquer prova sobre o trajecto efectivamente percorrido. Por seu turno, a arguida, no recurso interposto, assumiu-se como proprietária do referido veículo, sendo que da informação prestada pela C… resulta que só em 31-10-2008 o dito veículo passou a estar associado a um identificador que, até então, estava associado a outro veículo. Ora, a eventual utilização do veículo em causa nos autos com o dito sistema electrónico de cobrança sem receber da respectiva entidade exploradora a confirmação da sua associação ao veículo em causa nos autos, faz com que, tendo em conta as condições gerais e específicas de adesão ao serviço via verde que contratou, a arguida tenha agido sabendo que o mesmo não estava associado ao dito sistema de cobrança e, assim, que não poderia utilizar as vias a tal reservadas.
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2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[2] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[3] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, como no caso dos vícios ou as nulidades da sentença ou do acórdão a que se reporta o art.º 410.º, n.os 2, alíneas a), b) e c) e 3 do Código de Processo Penal.[4] Convindo desde já referir que, sem prejuízo do que adiante diremos, se não detecta qualquer vício ou nulidade do despacho recorrido de entre os que se devesse conhecer ex officio.
Daí que as questões a apreciar neste recurso sejam as seguintes: 1.ª A decisão administrativa é inexistente? 2.ª O despacho recorrido é nulo por nada dizer em relação ao elemento subjectivo da alegada infracção? 3.ª A Recorrente foi condenada na coima única de € 640,00 pela prática de duas contra-ordenações, sem que tenha sido previamente fixada a coima correspondente a cada uma das contra-ordenações e, nesse caso, com que consequências? 4.ª A sentença oblitera o facto da autoridade administrativa tê-la condenado sem ter ouvido as testemunhas que arrolou para sua defesa e o mesmo ter feito o tribunal a quo e com que consequências?
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2.2. Vejamos então as questões atrás enunciadas, começando, naturalmente, pela primeira delas. A qual, recorda-se, consistia em saber se a decisão administrativa é inexistente.
Como bem salientou o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação do Porto, basta atentar-se nos autos de fls. 25/27, para se concluir pelo manifesto infundado da crítica formulada pela recorrente. Aí foi proferida e de resto se encontra a decisão final, a qual contém, aliás, todos os requisitos legalmente exigidos.[5] Pelo que se é verdade que o Tribunala quose não pronunciou sobre essa questão, também é certo que não tinha que o fazer pois que a decisão administrativa tinha perfeita existência jurídica. Pelo que nesta parte o recurso carece de fundamento.
2.3. Sustenta a Arguida / Recorrente que o despacho recorrido padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois que não nada terá dito em relação ao elemento subjectivo da alegada infracção.
A relevância desta questão resulta, como está bem de ver, da circunstância de que «só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.»[6] Sendo certo que «age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.»[7] O dolo decompõe-se, assim, de um elemento intelectual (o conhecimentodos factos que se pratica) e de outro volitivo (a vontade de os praticar).
Ora, entre os factos provados o Tribunal a quo considerou os seguintes: A arguida, em cada uma das referidas situações, agiu sabendo e querendo permitir que fosse transposta a dita barreira de portagem através da via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens, sabendo que o veículo de que era proprietária não se encontrava associado, por força de um contrato válido de adesão, ao respectivo sistema e que, por isso, não seria efectuado o pagamento da referida taxa de portagem.
Destarte, o elemento intelectual do dolo deste tipo contra-ordenacional consiste no facto da Arguida / Recorrente, em cada uma das referidas situações, ter agido sabendo que transpunha a dita barreira de portagem através da via reservada a um sistema electrónico de cobrança de portagens, sabendo que o veículo de que era proprietária não se encontrava associado, por força de um contrato válido de adesão, ao respectivo sistema e que, por isso, não seria efectuado o pagamento da referida taxa de portagem»); e o volitivo por ter querido fazer isso.
Acresce, ainda, que aquela agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e, por conseguinte, com plena consciência da ilicitude da sua conduta.[8]
Porque assim é, fica a todas as luzes claro que o Tribunal recorrido se pronunciou sobre estes elementos do tipo contra-ordenacional e, portanto, o sem sentido desta parte do recurso.[9]
2.4. Vejamos agora se a Recorrente foi condenada na coima única de € 640,00 pela prática de duas contra-ordenações, sem que tenha sido previamente fixada a coima correspondente a cada uma das contra-ordenações e, nesse caso, com que consequências.
Seguindo de novo o parecer do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, parece evidente a falta de razão da Arguida / Recorrente, pois que, como oportunamente salientou, quanto a essa matéria o Tribunal a quo incluiu no dispositivo o seguinte: … condeno B…, S. A. pela prática, como autora imediata e sob a forma consumada, de duas contra-ordenações … na coima parcelar de € 428,50… na coima única de € 640 …
Por isso também nesta parte terá que improceder o recurso.
2.5. Finalmente, analisemos agora se a sentença obliterou o facto da autoridade administrativa ter condenado a Arguido / Recorrente sem ter ouvido as testemunhas que arrolou para sua defesa e o mesmo ter feito o tribunala quoe com que consequências.
Ainda aqui Seguimos o parecer do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, porque a todos os títulos esclarecedor da questão que ora nos ocupa a atenção. Assim é que, como bem refere e qualquer um pode constatar do despacho em dissídio, o Mm.º Juiz a quo ali conheceu das questões prévias ao conhecimento do mérito da causa e, no que ora importa, especificamente o fez decidindo o seguinte: «Segundo a própria arguida a inquirição das testemunhas por si arroladas destinava-se a provar que a associação do identificador do sistema electrónico de cobrança de portagens ao veículo em causa nos autos ocorrera antes das datas em causa nos autos. Ora, tal facto seria demonstrável, como veio a ser, por documento, razão pela qual a inquirição das ditas testemunhas não era essencial para a prova daquele, razão pela qual não se verifica a aludida nulidade. Pelo exposto, indefiro o requerido.»
E se o fez com ou sem razão é questão que se prende com a segunda parte da questão ora em apreço, ou seja, saber se poderia dispensar a realização da audiência de julgamento e decidir o litígio por simples despacho.
Para tanto importa ter presente o que a lei estabelece neste domínio, o que no caso é o seguinte: «O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham.»[10]
A existência da copulativa e diz-nos que aqueles dois requisitos são cumulativos.[11] Ou seja, o juiz decide por despacho: a) se considerar desnecessária a audiência de julgamento;[12] e b) O Ministério Público e o Arguido a tal se não oponham.
No caso concreto, o Mm.º Juiz considerou-se habilitado a decidir por despacho e determinou que o Ministério Público e a Arguida fossem notificados para declararem se não se opunham a esse desiderato, sendo certo que, no que importa, esta nada disse.
Acontece, porém, que quando deduziu a impugnação judicial a Arguida havia arrolado testemunhas e isso, para a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, deveria ter sido entendido pelo Mm.º Juiz a quo como a manifestação, implícita embora, de que aquela não pretendia que a impugnação judicial fosse decidida sem audiência de julgamento.[13] Por nós, consideramos que se esta tese, em geral, não merece reparos, no entanto não pode ser aceite irrestritamente. Designadamente em casos, como o sub iudicio, como procuraremos demonstrar.
Com efeito, não temos nenhum pejo em reconhecer que, com a impugnação judicial da coima, é legítima a expectativa do arguido de que o juiz dela não conhecerá por despacho, antes designará data para, em audiência de julgamento, ouvir as testemunhas que ela arrolou. Porém, já não nos parece que as coisas se devam passar da mesma forma quando o juiz informe o arguido e o Ministério Público de que se acha habilitado a conhecer do mérito da impugnação judicial por simples despacho e a prova dos factos deva ser feita documentalmente, pois que então essa expectativa já não é relevante na medida em que a prova testemunhal nada acrescentaria à decisão do litígio.
O que se não pode tolerar é que o contraditório, em toda a sua extensão e, portanto, também no que concerne aos meios de prova, deixe de ser estritamente observado.[14] Porém, isso não acontece quando certas provas, como as documentais, podem ser contraditadas fora da audiência de julgamento, para tanto bastando que o Ministério Público e o arguido delas sejam notificados.[15]
De todo o modo, importa referir que mesmo neste caso consideramos que se o impugnante insistir na realização da audiência de julgamento, dizendo-o no processo na sequência da notificação a dar-lhe conta de que o juiz decidirá por despacho caso a tal se não oponha, sempre ela terá que ter lugar.[16] Fundamental é, portanto, que lhe seja plenamente assegurada a possibilidade de se opor a tal forma de decisão, o que de resto ocorreu no processo. Neste sentido, de resto em termos menos restritivos do que aqui propugnamos, vimos decidido pela Relação do Porto, em aresto assim sumariado: «Não obstante no requerimento de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa o arguido indicar prova a produzir em audiência, deve entender-se que não há da sua parte oposição à decisão por despacho se, notificado para dizer se se opõe a essa forma de decisão, nada diz.»[17]
Sendo as coisas assim, estamos certos de que o douto despacho recorrido não merece qualquer censura e deverá por isso ser confirmado.
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III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pela Arguida / Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC´s (art.os 513.º, n.º 1 e 514º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais).
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Porto, 30-11-2011.
António José Alves Duarte
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
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[1] Admite-se que, invocando a irregularidade em apreço, a recorrente queira referir-se à decisão administrativa. Porém, a interpretar-se dessa forma a pretensão da recorrente, não poderá então deixar de se concluir que estaremos perante questão subtraída ao conhecimento deste Tribunal da Relação, uma vez que essa é questão respeitante ao procedimento administrativo, mais concretamente à eventual irregularidade da respectiva decisão, cujo conhecimento, portanto, seria da competência do tribunal de comarca, em última instância, como resulta do preceituado nos artigos 55.º, n.os 1 e 3, 61.º, 63.º e 73.º, do RGCO.
[2] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[3] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[4] Que assim é decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão do Plenário das Secções Criminais, de 19-10-1995, tirado no processo n.º 46.680/3.ª, publicado no Diário da República, série I-A, de 28 de Dezembro de 1995, mantendo esta jurisprudência perfeita actualidade, como se pode ver, inter alia, do Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, consultado em www.dgsi.pt, assim sumariado: «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 (DR I Série - A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71) que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.» Na Doutrina e no sentido propugnado, vd. o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, página 1049.
[5] Art.º 58.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.
[6] Art.º 8.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações.
[7] Art.º 14.º, n.º 1 do Código Penal, aplicável ex vi do art.º 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.
[8] O que alguns designam por elemento emocional do dolo.
[9] Sendo, pois, de nenhum interesse saber se, no caso de assim ter sido, isso geraria a nulidade do despacho recorrido.
[10] Art.º 64.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações.
[11] Neste sentido, vd. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 31-01-2007, processo n.º 9987/2006 - 3, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Por considerar que os autos contêm todos os factos e os meios de prova que o habilitem a conhecer da impugnação judicial.
[13] Neste sentido, vd. os Acórdãos das Relações de Lisboa, de 04-03-1992, in Colectânea de Jurisprudência, Ano de 1992, Tomo II, página 164 e do Porto, de 25-10-2006, processo n.º 0643695, de 17-09-2008, processo n.º 0842397 e de 04-02-2009, processo n.º 0816413, estes disponíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, de resto, se pronunciam os Cons.os Simas Santos e Lopes de Sousa, em Contra-Ordenações – Anotações ao regime Geral, 5.ª edição, página 550 e os Cons.os Oliveira Mendes e Santos Cabral, em Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª edição, página 228.
[14] Neste sentido se pronunciaram os Cons.os Oliveira Mendes e Santos Cabral, em Notas ao regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª edição, página 227 e seguinte.
[15] AA. e ob. cits., página 228, nota de rodapé número 210.
[16] Nos termos do art.º 64.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações.
[17] Acórdão da Relação do Porto, de 09-02-2009, processo n.º 0846813, disponível em www.dgsi.pt.