I - A absoluta falta de gravação da audiência final, apesar de tal gravação ter sido requerida, por ambas as partes, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 512.º do CPC, produz uma nulidade, pois a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa – art. 201.º, n.º 1, do CPC –, impossibilitando qualquer das partes de impugnar a decisão sobre a matéria de facto – cf. arts. 690.º-A e 712.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC.
II - Tendo o mandatário judicial do autor estado presente nas sessões de julgamento em que foi cometida a nulidade, teria, inevitavelmente, de arguir a nulidade da falta de gravação da audiência até ser dada por finda a audiência final de julgamento, o que não sucedeu.
III - Assim, ficou sanada a nulidade, pelo que não poderia nunca o recorrente vir depois, em alegações apresentadas no recurso de apelação, interposto da sentença proferida na 1.ª instância, arguir tal nulidade, pois ficou precludido o seu direito à arguição dessa mesma nulidade – cf. art. 205.º, n.º 1, do CPC.
IV - Mesmo que se admitisse que a nulidade se não encontrava sanada, aceitando-se que o advogado só se apercebeu da falta absoluta de gravação da audiência aquando da necessidade de proceder à audição da gravação para impugnação da matéria de facto, a atitude do autor não deveria ser arguir a nulidade nas alegações do seu recurso; deveria, antes, vir arguir a nulidade através do competente requerimento e, depois, a ser indeferida a arguição, interpor recurso de agravo de tal despacho.
V - Concluindo, a nulidade cometida encontra-se definitivamente sanada, sendo certo que a situação não tem qualquer similitude com o caso previsto no art. 9.º do DL n.º 39/95, de 15-02, em que se trata, não de uma falta absoluta de gravação, mas de anomalias ocorridas na gravação.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos (com tramitação posterior no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde, após ter sido declarada a incompetência territorial daquele tribunal), AA, em acção com processo ordinário, para efectivação da responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, intentada contra BB, Companhia de Seguros, S.A. (agora, Companhia de Seguros T…, S.A.), pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia global de € 92.562,50, acrescida de juros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em acidente de viação ocorrido no dia 18 de Dezembro de 2002, cerca das 11.30 horas, na freguesia de Lage, do concelho de Vila Verde, em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula …-…-HF, conduzido por CC e segurado na Ré, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …-…-CP, conduzido por pessoa que se desconhece, e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula RC-…-…, conduzido pelo aqui Autor.
Na sua contestação, a Ré, além de excepcionar a incompetência territorial do tribunal, defendeu que a acção seja julgada em função da prova a produzir em audiência de julgamento.
Declarado o Tribunal de Matosinhos territorialmente incompetente para o julgamento da presente causa, foram os autos remetidos ao Tribunal Judicial de Vila Verde, considerado competente para o efeito.
Neste último Tribunal, foi proferido o despacho saneador, foi declarada a matéria de facto assente e foi elaborada a base instrutória.
Ao abrigo do disposto no artigo 512º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), Autor e Ré requereram a gravação da audiência final.
Em 22.01.2007, data designada para a audiência de julgamento, o Senhor Juiz, com a presença dos Exmºs Mandatários das partes, depois de ter procedido a um aditamento à base instrutória, passou a ouvir as testemunhas.
Foram, então, inquiridas a toda a matéria as testemunhas M… da C… S… N… C… e F… B… P…, arroladas pelo Autor, tendo esta segunda testemunha, presente no Tribunal Judicial de Matosinhos, sido ouvida por videoconferência, após o que o Senhor Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Uma vez que não se encontra presente o Sr. Perito e atenta a posição assumida pelo ilustre mandatário da ré, declaro suspensa a presente audiência de julgamento, designando para sua continuação o próximo dia 15 de Março de 2007, pelas 14.30 horas.
Notifique, sendo o Sr. Perito numa das moradas referidas a fls. 234”.
Como se depreende da respectiva acta (cfr. fls. 237 a 239), nada ficou consignado sobre a gravação da audiência.
Depois de diversos adiamentos, procedeu-se à continuação da audiência de julgamento em 11.04.2008, com a presença dos Exmºs Advogados das partes, tendo, por videoconferência, nas Varas Cíveis do Porto, o perito Dr. A… M… prestado todos os esclarecimentos que lhe foram solicitados, após o que foi dada a palavra aos ilustres mandatários para alegações orais, findas as quais o Senhor Juiz designou o dia 18 de Abril, pelas 14h30m, “para leitura da resposta à matéria de facto controvertida, declarando encerrada a presente audiência”.
Igualmente como decorre da correspondente acta (cfr. fls. 336), nada foi registado sobre gravação da audiência.
Em 18.04.2008, tendo em conta a ausência dos Senhores Advogados, o Senhor Juiz procedeu “à entrega da Resposta aos Quesitos na respectiva secção de processos” (cfr. acta de fls. 341).
Em 21.04.2008, foi proferida a sentença de fls. 342 a 348, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi a Ré condenada “a pagar ao A. a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral reembolso” (tendo-se fixado em € 22.500,00 o valor da indemnização, deduziu-se a quantia de € 5.000,00 já entregue pela Ré ao Autor).
Por cartas registadas de 22.04.2008, foram os Exmºs Advogados das partes notificados da sentença, tendo o Autor, por requerimento de 02.05.2008, e a Ré, por requerimento de 08.05.2008, dela interposto recurso de apelação, tendo sido proferido despacho a admitir ambos os recursos (apesar de o Senhor Juiz aludir apenas a “recurso”, depreende-se que se reportou a ambos os recursos).
Os Senhores Advogados foram notificados do despacho de admissão de recurso por cartas registadas remetidas em 13.05.2008.
Em 16.06.2008, o Autor apresentou as suas alegações e respectivas conclusões, pedindo o Autor que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que decida, em via principal, a renovação dos depoimentos das testemunhas do recorrente, com gravação desses depoimentos, ou, em alternativa, que se julgue a acção totalmente procedente, e pedindo a Ré que se reduza de € 22.500,00 para € 7.500,00 o montante correspondente à indemnização por danos não patrimoniais (só a este título se arbitrou indemnização).
Foi proferido, no Tribunal da Relação de Guimarães, acórdão, nos termos do qual se decidiu julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e procedente o recurso de apelação interposto pela Ré, revogando-se parcialmente a sentença, reduzindo-se de € 22.500,00 para € 7.500,00 o valor da indemnização.
Inconformado, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.
O recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Autor e Ré requereram no devido tempo a gravação da audiência final, nos termos do artº 512º/nº 1, do Código de Processo Civil.
2ª – Contudo, o registo dos depoimentos prestados na audiência final não se encontra gravado.
3ª – A falta de gravação é susceptível de produzir nulidade por poder influir na decisão da causa, sendo certo que o Juiz, na decisão da matéria de facto do caso concreto, se baseou nos depoimentos das testemunhas que foram inquiridas.
4ª – Assim, tal nulidade, tendo sido tempestivamente arguida, acarreta a anulação, quer do acto de inquirição das testemunhas arroladas, quer da decisão de facto com base nos respectivos depoimentos proferida, quer da decisão final.
5ª – A falta de gravação da prova importa unicamente a anulação do(s) depoimento(s) que não tenha(m) sido gravado(s) e não propriamente a anulação do julgamento.
6ª – Tal desiderato resulta precisamente da 2ª parte do nº 2 do artº 201º do CPC, já que a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
7ª – O mesmo regime está estatuído no artº 9º do Dec.-Lei 39/95, segundo o qual, verificando-se ter sido omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade.
8ª – O que se exigia ao Advogado foi aquilo que ele fez, requerendo a gravação da audiência final.
9ª – O Advogado confia, pressupõe que a gravação é feita de forma adequada, sem imperfeições ou defeitos, na medida em que, conforme resulta dos arts. 4º a 6º do Dec.-Lei 39/95, a gravação é monitorizada por um funcionário judicial, que deve zelar pela observância de todos os requisitos de ordem técnica conducentes a um registo sonoro que permita a posterior reprodução e eventual transcrição dos depoimentos prestados, a fim de obviar à repetição da prova produzida, nos termos do artº 9º do mesmo diploma.
10ª – Se a lei obriga, ao funcionário que monitorize tal gravação, que zele pela observância de todos os requisitos de ordem técnica conducentes a um registo sonoro que permita a posterior reprodução e eventual transcrição dos depoimentos prestados, não se entende que o Douto Acórdão sob recurso pretenda que tal tarefa deva ser incumbida ao Advogado.
11ª – É excessivo exigir-se ao Advogado que vigie e fiscalize os actos dos senhores funcionários, e estamos convictos que abre um grave precedente que vai obrigar, no futuro, ao Advogado a vigiar e fiscalizar a distribuição do processo, se as moradas constantes das notificações feitas pela secretaria estão correctas, se os processos são conclusos ao Juiz dentro do prazo legal, etc..
12ª – Não tendo sido apenas o Advogado que esteve presente na audiência de discussão e julgamento, mas também um funcionário judicial e um Senhor Juiz, a questão que se coloca é saber se, pelo facto de não ter sido efectuada a gravação da audiência, apesar de requerida, e de tal falha não ter sido nem do Advogado nem do recorrente, se é este quem deve sofrer as consequências de uma falha do Tribunal.
13ª – Pretendendo fundamentar a impugnação da matéria de facto dada como provada quanto ao facto de, em 1 de Dezembro de 2002, ter celebrado com DD, LDA, um contrato de concessão e distribuição de produtos de panificação, que juntou à p.i., e do qual decorria que o Autor iria desempenhar a função de distribuição diária de pão e pastelaria, sendo os custos com o transporte e as despesas daí inerentes assumidas pelo Autor, que receberia, por este serviço, a quantia de € 1.500.00 (mil e quinhentos euros) mensais, e que esse serviço iria durar por, pelo menos, 60 meses.
14ª – Por causa do acidente, o Autor não conseguiu cumprir o supra referido contrato, devido a ter permanecido de baixa médica por mais de um ano e também pelo facto de hoje, já após a Ré lhe ter dado alta clínica, lhe ser fisicamente impossível permanecer a conduzir por 8 ou nove horas seguidas, face às dores que sente no pé direito.
15ª – Consequência directa do acidente o não cumprimento do aludido contrato, existindo nexo de causalidade entre o acidente e as razões que o obrigam a não cumprir e a deixar de ganhar as quantias que, esperançosamente, julgava vir a receber, e que, face à sua idade e diminuição física, se vê impossibilitado de encontrar outro trabalho.
16ª – Tal meio probatório – um contrato de concessão e distribuição de produtos de panificação, que o recorrente juntou à p.i. – constante do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impõe decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
17ª – O recorrente invocou o incumprimento desse contrato, por ser uma consequência directa do acidente o não cumprimento do aludido contrato, existindo nexo de causalidade entre o acidente e as razões que o obrigam a não cumprir e a deixar de ganhar as quantias que, esperançosamente, julgava vir a receber.
18ª – O recorrente defende que a sentença é nula, na medida em que esta não podia ter deixado de condenar a Ré no pagamento das contrapartidas estabelecidas em tal contrato, uma vez que tal contrato existiu (aliás, encontra-se junto aos autos) e o legal representante de “DD, LDA”, sociedade aí contratante com o recorrente, depôs em juízo de forma clara, inequívoca e com conhecimento efectivo do lucro cessante que o acidente produziu na esfera jurídica do recorrente.
19ª – Trata-se de uma questão essencial e, relativamente a ela, a sentença recorrida é totalmente irrecorrível, uma vez que a prova não se encontra gravada.
20ª – Tais factos não constituem matéria de excepção e, nos termos do artº 511º/nº 3, do CPC, esta questão só poderá ser apreciada no presente recurso, o que se vem pedir passem a constar dos factos provados.
21ª – E, porque estes factos, alicerçados em prova documentada, foram provados pelo recorrente, acrescendo que a recorrida não contrapôs nenhuma prova de valor igual contra tal contrato, deve concluir-se que o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre uma questão que deveria ter apreciado, pelo que a sentença sob recurso é NULA.
22ª – Em primeira instância, ponderadas as lesões sofridas pelo recorrente, as dores que padeceu durante o período de convalescença, bem como as sequelas de que ficou afectado, designadamente as dificuldades na marcha e a desvalorização funcional que as mesmas lhe determinam, viu-lhe ser arbitrada a quantia de € 22.500,00, a título de compensação por danos não patrimoniais.
23ª – O douto acórdão recorrido entende tal valor como demasiado alto para o que aconteceu ao recorrente e, por conseguinte, decide atribuir uma indemnização de € 7.500,00.
24ª – Decide baixar tal valor para um terço do que havia sido arbitrado em 1ª instância, independentemente das lesões sofridas pelo recorrente, as dores que padeceu durante o período de convalescença, bem como as sequelas de que ficou afectado, designadamente as dificuldades na marcha e a desvalorização funcional que as mesmas lhe determinam e que estão já dadas como provadas.
25ª – A decisão sub judice reduz-se a um abuso de direito que viola as mais elementares noções de justiça e equidade do A..
26ª – O Tribunal pode, por si e em qualquer momento, ponderar os valores fundamentais do sistema, que tudo comporta e justifica, e, além disso, não fica vinculado às alegações jurídicas das partes – vide, nesse sentido, Ac. RL, de 15-03-1988, in BMJ 375º-435, e também Vaz Serra, in RLJ, 112º-131.
27ª – Não se suscitando dúvidas acerca do direito do R. (?) em ver definido o seu prejuízo declarado em sentença no valor de € 540.715,00, e porque, quanto a esta matéria, a douta sentença, bem como o douto acórdão da Relação, são absolutamente omissos.
28ª – Uma vez que constam do processo documentos que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração, nos termos do preceituado na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.
29ª – A nulidade de acórdão, por omissão de pronúncia (1ª parte da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC), resulta da infracção do dever consignado no 1º período do nº 2 do artigo 660º do predito Corpo de Leis.
30ª – Disposições legais violadas do Código de Processo Civil: arts. 202º, 203º, nºs 1 e 2, a contrario, 205º, nº 1, 153º, 386º, nº 4, 690º-A/nº 1, 668º/nº 1, alínea d), 660º/nº 2, e 511º/nº 3, e ainda os arts. 6º, nº 1, e 9º do D-L nº 39/95, de 15 de Fevereiro.
Pede, assim, a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que decida, em via principal, a renovação dos depoimentos das testemunhas do recorrente, com gravação desses depoimentos, ou, em alternativa, que se julgue a acção totalmente procedente.
A recorrida não contra-alegou.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – No acórdão recorrido, foram considerados os seguintes factos:
1 - No dia 18 de Dezembro de 2002, cerca das 11 horas e 30 minutos, na Estrada Nacional n.º 201, no lugar de Rio Nogueira, freguesia de Lage, neste concelho e comarca de Vila Verde, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo pesado de mercadorias de matrícula …-…-HF, um Renault Magno 425 conduzido por CC, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-…-CP, um Opel Astra conduzido por um individuo cuja identidade não foi possível apurar, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula RC-…-…, um Alfa Romeo, modelo 33, conduzido pelo A. - alínea A) da mat. facto assente;
2 - O veículo tripulado pelo A. circulava no sentido Vila Verde-Braga e os dois restantes em sentido inverso, o HF atrás do CP - alínea B) da mat. facto assente;
3 - Ao chegar ao entroncamento existente no lugar de Rio Nogueira, o CP, cujo condutor pretendia mudar de direcção para a esquerda, foi embatido na respectiva traseira pelo HF - alíneas C) e D) da mat. facto assente;
4 - Mercê do embate, o CP foi arremessado para a faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário, onde foi embater frontalmente no RC - alínea E) da mat. facto assente;
5 - O RC circulava pela metade direita da faixa de rodagem, conforme o seu sentido de marcha, a uma velocidade não excedente a 50 Kms por hora - alínea F) da mat. facto assente;
6 - As partes sinistradas dos veículos foram a parte frontal do veículo pesado, as partes traseiras e frontal do CP e as partes frontal, lateral e superior do RC - alínea G) da mat. facto assente;
7 - Na altura estava bom tempo e o piso encontrava-se seco - alínea H) da mat. facto assente;
8 - Em consequência do acidente, o A. sofreu fracturas da base do 4º metatarsiano e da cabeça dos 2º e 3º metatarsianos do pé direito - resp. às bases 1ª e 2ª;
9 - Foi submetido a tratamento conservador, atendendo a que se encontrava em pós-operatório inerente a um transplante hepático realizado cerca de 3 meses antes, o que complicou a medicação analgésica - resp. à base 3ª;
10 - Não obstante clinicamente curado, o A. apresenta diversas sequelas ao nível do pé direito, a saber: amiotrofia dos gémeos, dor à pressão dos metatarsianos 2º a 4º, hipostesia na zona das cabeças dos metatarsianos e limitação dos movimentos das articulações metatarso-falângicas de D2 e D3, que se repercute nos movimentos tendinosos de flexão/extensão dos dedos de D2 a D4, sequelas essas que lhe provocam dores que se agravam com a marcha - resp. à base 4ª;
11 - As referidas sequelas determinam-lhe uma incapacidade permanente geral de 10%, impedindo-o de se dedicar profissionalmente à condução de veículos automóveis - resp. à base 5ª;
12 - Esteve absolutamente impossibilitado de exercer qualquer actividade profissional até 6 de Janeiro de 2004, num total de 385 dias - resp. à base 8ª;
13 - Sofreu dores, quer no momento do embate, quer durante os tratamentos a que foi submetido, dores essas fixáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7 - resp. à base 16ª;
14 - Sente desgosto por se ver limitado na sua capacidade funcional - resp. à base 18ª;
15 - À data do sinistro, encontrava-se reformado por invalidez - resp. à base 19ª;
16 - Nasceu no dia 24 de Maio de 1959;
17 - A responsabilidade civil emergente da circulação do …-…-HF encontrava-se transferida para a Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 310516968 - alínea I) da mat. facto assente;
18 - A Ré entregou ao A., a título de adiantamento da indemnização que vier a ser-lhe arbitrada, a quantia de €5.000,00 - alínea J) da mat. facto assente.
III – 1. Sabido que as conclusões das alegações delimitam objectivamente o âmbito do recurso (cfr. artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), diremos não compreender o que pretende o recorrente com a conclusão 27ª, onde faz alusão a € 540.715,00 como valor do seu prejuízo (certamente, esta conclusão será de outro recurso…), sendo certo que até refere R. e não A..
Posto isto, podemos concluir que as questões suscitadas no presente recurso são as seguintes:
- Total omissão de gravação da audiência final - prazo de arguição e suas consequências.
- Valor da indemnização por danos não patrimoniais.
2. No tocante à 1ª questão, em que a Relação não deu razão ao recorrente, pode ler-se no acórdão recorrido:
“O diploma que regula a documentação e o registo da prova é o Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2.
O referido Decreto-Lei veio estabelecer a possibilidade de as audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados serem gravados, regulamentando a documentação da prova por via de gravação áudio e vídeo, e tal como se refere no preâmbulo do citado Decreto-Lei, com vista a pôr “termo ao peso excessivo que a lei processual vigente confere ao princípio da oralidade e concretizando uma aspiração de sucessivas gerações de magistrados e advogados”, e, consequentemente, com vista a garantir a efectiva possibilidade de um 2º grau de jurisdição em sede de reapreciação da matéria de facto.
Este diploma veio aditar ao Código de Processo Civil os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, referentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo processualmente previsto para se proceder à impugnação a matéria de facto em sede de recurso.
E, assim, após a Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil, o art. 690º-A, que se reporta à impugnação da matéria de facto, passou a ter a seguinte redacção:
“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto:
1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente.
4 - O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso nos termos do nº 2 do art. 684º-A”.
O nº 2 do citado normativo veio, por sua vez, a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10/8, em vigor desde 1/1/2001, e que substituiu a obrigação de transcrição dos depoimentos pelo dever do recorrente, que pretenda impugnar a matéria de facto, de, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda a discordância por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, preceito também alterado por aquele Decreto-Lei n.º 183/2000 e que impõe que o registo áudio ou vídeo seja assinalado na acta no início e termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.
Nos termos do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, a gravação é feita, em regra, com equipamento existente no Tribunal e executada por funcionários de justiça – arts. 3º, nº1, e 4º do citado Decreto-Lei.
O diploma não contempla qualquer normativo destinado a, no final da gravação, as partes e o Tribunal poderem aferir da efectiva gravação e da sua qualidade, limitando-se a regular o modo como a gravação deve ser efectuada (art. 6º, nºs 1 e 2, 7º e 8º).
E, relativamente a anomalias que venham a ocorrer na gravação, dispõe-se em tal diploma legal que “se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade” (art. 9º).
Entende-se, assim, por um lado, que as partes não podem ser prejudicadas pelos erros e omissões praticadas pelos funcionários judiciais, ainda que involuntários, e, ainda, não lhes incumbe o ónus de controlar a qualidade das gravações realizadas, pois que a lei preceitua que serão realizadas pelo próprio Tribunal.
Por outro lado, entende-se ser indiscutível que, quando ocorre durante a realização da gravação omissão ou erro ou falha técnica na gravação da prova, tal constituirá nulidade, nos termos do art.º 201º-n.º1 do Código de Processo Civil, por se tratar de irregularidade que influi no exame e decisão da causa, desde logo por retirar à parte que pretende impugnar em sede de recurso a matéria de facto o direito de ver reapreciada pelo Tribunal da Relação o julgamento da matéria de facto levado a cabo pelo tribunal “a quo”.
E, considera-se, ainda, até, que tratando-se de nulidade decorrente de anomalias que venham a ocorrer na gravação, leia-se “durante a gravação (por omissão ou erro)” a mesma será do conhecimento dos tribunais, mediante a arguição das partes, mesmo que nas próprias alegações de recurso, por força do preceituado nos art.º 9º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15.2, na sua conjugação com o art.º 201º-n.º1 do Código de Processo Civil. (V. neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 23/10/08; 15/5/08; 7/6/08; Ac. TRL, de 13/5/09; Ac. TRL de 10/5/07; Ac. TRP de 22/1/07 e de 19/12/05, todos in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, porém, é distinta a situação.
Trata-se não de “anomalias na gravação (por omissão ou erro)”, mas antes, e distintamente, de falta de gravação.
Com efeito, verifica-se, que tendo sido requerida por ambas as partes e ordenada por despacho judicial a gravação dos actos da Audiência de Julgamento, tal gravação não chegou a realizar-se.
Nesta situação, considera-se que, não obstante tal falta seja imputável, em primeira linha, ao próprio Tribunal e Srs. funcionários, e, se trate, igualmente, de irregularidade geradora de nulidade processual nos termos do art.º 201º-n.º1 do Código de Processo Civil, tratar-se-á já de nulidade sujeita ao prazo de arguição previsto no n.º1 do art.º 205º do Código de Processo Civil, o qual estatui:
“Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; (…)”.
Com efeito, no caso em apreço, tratando-se de absoluta falta de gravação, tendo tal forma de documentação da Audiência sido requerida por ambas as partes, e, assim, também pelo próprio recorrente, por via do seu Ilustre mandatário, e tendo este Sr. Advogado estado presente no Julgamento, tendo tido a possibilidade de verificar, pessoalmente, que tais gravações não decorriam, facto de que muito facilmente se aperceberia o Sr. Advogado do recorrente, dada a sua prática judiciária e normal formalismo do acto de gravação (utilização do equipamento respectivo, colocação dos microfones, interrupções, verificações, reinícios, etc…) deve considerar que a parte esteve presente, por via de mandatário, no momento em que a nulidade foi cometida, devendo tal nulidade ter sido arguida até ao terminar do acto, sob pena de se ver precludido tal direito.
Com efeito, no caso em apreço não se trata de falta ou irregularidade de gravação, em consequência de deficiência técnica do equipamento sonoro, situação que a parte não tem possibilidade de sindicar, distintamente, o que se verifica é que não foram praticados quaisquer actos materiais correspondentes à gravação da prova.
Assim, conclui-se, não se tratando de nulidade de conhecimento oficioso e tendo o Autor vindo a arguir tal nulidade após ter-se concluído o Julgamento e apenas em sede de alegações do recurso que veio a interpor da sentença proferida, é extemporânea tal arguição, nos termos do art.º 205º-n.º1 do Código de Processo Civil, encontrando-se sanada a nulidade. (v. no mesmo sentido Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no P.661/08.1 e P. 609/08.1).
Nestes termos, não sendo já possível reapreciar a matéria de facto, mantendo-se esta, consequentemente, inalterada, improcede o recurso de Apelação do Autor”.
3. Diremos – e com o muito devido respeito por entendimento diferente – que o acórdão recorrido demonstra claramente a falta de razão do recorrente, pelo que pouco mais haverá a dizer sobre a argumentação do recorrente, tendente a querer demonstrar o contrário.
De qualquer forma, há aqui que acentuar o que dispõe o artigo 159º do CPC (serão deste diploma todos os artigos que referiremos sem menção da sua origem).
Segundo o nº 1 deste preceito legal, “A realização e o conteúdo dos actos processuais presididos pelo juiz são documentados em acta, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido”.
“A redacção da acta incumbe ao funcionário judicial, sob a direcção do juiz” – nº 2 do mesmo artigo.
Ora, a assinatura de uma acta respeitante a qualquer acto presidido por um juiz tem garantida a fidelidade da reprodução de tudo o que nesse acto se passou através da assinatura do respectivo juiz (cfr. artigo 157º, nº 3, na redacção anterior à Reforma introduzida pelos DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e DL 180/96, de 25 de Setembro, onde se aludia à necessidade de se lavrar auto ou acta).
Sendo assim, se uma acta não é fidedigna, ou seja, não reproduz correctamente tudo o que se passou, qualquer das partes ou o próprio juiz poderão (e deverão) tomar a iniciativa de providenciar pela correcção dessa mesma acta (cfr. artigo 159º, nº 3).
Daqui decorre – e tal não é questionado nos presentes autos – que as actas de fls. 238 e 239 e 336, referentes a sessões de julgamento em que se procedeu a inquirição de testemunhas e de um perito, bem como a um aditamento à base instrutória e às alegações orais (as demais actas referentes à audiência de julgamento limitam-se a reproduzir adiamentos do julgamento), onde estiveram presentes os Senhores Advogados das partes, constituem a reprodução integral e correcta de tudo o que se passou nessas audiências.
Logo, é ponto assente que estamos perante uma absoluta falta de gravação da audiência final, apesar de tal gravação ter sido requerida, por ambas as partes, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 512º.
Aliás, “quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado no acto o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento” – artigo 522º, nº 2 (com o DL 303/2007, de 24 de Agosto, a este texto foi acrescentada a expressão “de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos”).
A omissão de tal acto de gravação produziu uma nulidade, pois a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa – artigo 201º, nº 1.
Tal nulidade nada tem a ver com a nulidade da sentença (ou do acórdão) a que o recorrente, indevidamente, alude (cfr. conclusões 28ª e 29ª, onde se faz referência ao artigo 668º, nº 1, d), do CPC, preceito que respeita a sentenças e a acórdãos e não a vícios processuais).
No caso concreto, impossibilitou qualquer das partes de impugnar a decisão sobre a matéria de facto – cfr. artigos 690º-A e 712º, nºs 1, a), e 2.
Só que há que atender ao preceituado no artigo 205º.
Estando a parte presente, por si ou por mandatário, no momento em que a nulidade foi cometida – e já vimos que o mandatário do ora recorrente esteve presente nas sessões de julgamento –, a mesma podia ser arguida enquanto o acto não terminasse; se não estivesse presente, teria o prazo de 10 dias para tal arguição, a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte haja intervindo em algum acto praticado no processo ou haja sido notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – nº 1 do referido artigo e artigo 153º, nº 1.
Daqui resulta que, tendo o Exmº Advogado do Autor estado presente nas sessões de julgamento em que foi cometida a nulidade, teria, inevitavelmente, de arguir a nulidade de falta de gravação da audiência até ser dado por finda a audiência final de julgamento, o que não sucedeu.
Assim, ficou sanada a nulidade, pelo que não poderia nunca o ora recorrente vir depois, em alegações apresentadas no seu recurso de apelação, interposto da sentença proferida na 1ª instância, arguir tal nulidade, pois ficou precludido o seu direito à arguição dessa mesma nulidade.
De qualquer forma, mesmo que se admitisse que a nulidade se não encontrava sanada, aceitando-se que o Senhor Advogado só se apercebeu da falta absoluta de gravação da audiência aquando da necessidade de proceder à audição da gravação para impugnação da matéria de facto (situação que se nos afigura completamente irrealista, mas que, a ter acontecido, teremos de reconhecer que tal falta só poderá ser-lhe imputável, pois não só não é crível que um advogado presente em duas sessões de julgamento, em que se procedeu à audição de duas testemunhas e de um perito, actuando com a diligência que o exercício do seu mandato forense lhe impunha, se não tivesse apercebido de que a audiência não estava a ser gravada, como ainda, tendo mediado cerca de 15 meses entre as duas sessões de julgamento, período em que se adiou por várias vezes a sessão seguinte da audiência, com a sua presença, em que foram proferidos diversos despachos, alguns tendo em vista a possibilidade de ouvir o sr. Perito através de videoconferência, não pode aceitar-se que se não tenha apercebido do teor da acta respeitante à primeira sessão de julgamento – precisamente aquela onde se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pelo ora recorrente –, onde não consta – como não podia constar – que tenha havido gravação dessa mesma sessão de julgamento), a atitude do Autor não deveria ser arguir a nulidade nas alegações do seu recurso.
Deveria, antes, vir arguir a nulidade, através do competente requerimento, e, depois, a ser indeferida a arguição, interpor recurso de agravo de tal despacho.
É que das nulidades reclama-se e dos despachos recorre-se.
4. Podemos, assim, concluir que a nulidade cometida se encontra definitivamente sanada, sendo certo que a situação dos presentes autos não tem qualquer similitude com o caso previsto no artigo 9º do DL 39/95, de 15 de Fevereiro, em que se trata, não de uma falta absoluta de gravação, mas de anomalias ocorridas na gravação, como bem se diz no acórdão recorrido.
Logo, aqui não assiste a mínima razão ao recorrente.
IV – 1. 2ª questão: montante indemnizatório dos danos não patrimoniais (únicos que foram considerados nos autos).
A 1ª instância arbitrou o valor de € 22.500,00 para a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, ora recorrente, enquanto que a Relação considerou ajustado o montante de € 7.500,00 a esse título, havendo, em ambos os casos, a deduzir a quantia de € 5.000,00 que a Ré havia já entregue ao Autor.
Para fundamentar a posição tomada, na sentença proferida na 1ª instância, depois de aludir ao artigo 496º do Código Civil, escreveu o Senhor Juiz:
“Assim, ponderando as lesões sofridas pelo A., as dores que padeceu durante o período de convalescença, bem como as sequelas de que ficou afectado, designadamente as dificuldades na marcha, e a desvalorização funcional que as mesmas lhe determinam, reputo adequado e equitativo arbitrar-lhe a quantia de € 22.500,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, quantia essa reportada à data da citação”.
Após recurso da Ré, o acórdão recorrido reduziu o montante fixado na 1ª instância para 7.500,00, podendo, em fundamentação de tal decisão, aí, a dado passo, ler-se:
“Nos termos do n.º 3 do art.º 496º do Código Civil, acima indicado, a indemnização correspondente a tais violações deverá ser calculada segundo critérios de equidade (v. P.Lima e A. Varela, in Código Civil, anotado, volume I, pg. 474), devendo atender-se às circunstâncias previstas no art.º 494º do C.Civil, nomeadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias concretas do caso.
No caso em apreço, no tocante às circunstâncias legalmente previstas e a valorar, deverá atender-se, em particular, à natureza das lesões provocadas no Autor e suas consequências e temporalidade e à total ausência de culpa do autor na produção do acidente (factos provados – n.º 5, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15).
Considerando o factualismo concreto apurado, e consequências decorrentes e sua gravidade, e, por outro lado, os critérios e valores de indemnização que vêm sendo atribuídos, nomeadamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça, em casos de responsabilidade civil pelo mesmo tipo de danos, em casos similares de maior, menor ou idêntica gravidade, julga-se justa e adequada a quantia de € 7.5000, indicada pela recorrente, a título de indemnização por danos morais, fixando-se neste valor a indemnização devida pela Ré ao Autor em substituição do valor de € 22.500,00 fixado na sentença recorrida, e, tendo já a Ré procedido ao pagamento de € 5.000,00, restar-lhe-á pagar € 2.500,00”.
2. A indemnização por danos não patrimoniais destina-se a, na medida do possível, proporcionar ao lesado uma compensação que lhe permita satisfazer necessidades consumistas que constituam um lenitivo para o mal sofrido.
Deve uma tal compensação abranger as consequências passadas e futuras das lesões emergentes do facto danoso – artigo 496º, nº 1, do Código Civil.
Trata-se, num e noutro caso, de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro.
Na jurisprudência, já há muito vem sendo acentuada a ideia de que tais compensações devem ter um alcance significativo e não meramente simbólico (cfr., entre outros, acórdão deste STJ de 11.10.1994, in CJ/STJ, Ano II-1994, Tomo III, pág. 89).
O critério de fixação é o recurso à equidade (artigos 494º e 496º do Código Civil).
Para tanto, não podem deixar de ser ponderadas circunstâncias como a natureza e o grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas sofridas e os internamentos, o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior do ofendido em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver – seu diferencial global –, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras (cfr. acórdão deste STJ de 15.12.1998, in CJ/STJ, Ano VI-1998, Tomo III, pág. 156).
3. Postos estes princípios, vejamos a factualidade que releva para a fixação do montante indemnizatório.
- Em consequência do acidente (ocorrido a 18.12.2002), o Autor sofreu fracturas da base do 4º metatarsiano e da cabeça dos 2º e 3º metatarsianos do pé direito.
- Foi submetido a tratamento conservador, atendendo a que se encontrava em pós-operatório inerente a um transplante hepático realizado cerca de 3 meses antes, o que complicou a medicação analgésica.
- Não obstante clinicamente curado, o Autor apresenta diversas sequelas ao nível do pé direito, a saber: amiotrofia dos gémeos, dor à pressão dos metatarsianos 2º a 4º, hipostesia na zona das cabeças dos metatarsianos e limitação dos movimentos das articulações metatarso-falângicas de D2 e D3, que se repercute nos movimentos tendinosos de flexão/extensão dos dedos de D2 a D4, sequelas essas que lhe provocam dores que se agravam com a marcha.
- As referidas sequelas determinam-lhe uma incapacidade permanente geral de 10%, impedindo-o de se dedicar profissionalmente à condução de veículos automóveis.
- Esteve absolutamente impossibilitado de exercer qualquer actividade profissional até 6 de Janeiro de 2004, num total de 385 dias.
- Sofreu dores, quer no momento do embate, quer durante os tratamentos a que foi submetido, dores essas fixáveis no grau 3 numa escala de 1 a 7.
- Sente desgosto por se ver limitado na sua capacidade funcional.
- À data do sinistro, encontrava-se reformado por invalidez.
- Nasceu no dia 24 de Maio de 1959.
Ponderando todos estes elementos, temos de concluir que, se é exagerada a verba de € 22.500,00 arbitrada na sentença proferida na 1ª instância, também é demasiado exíguo o montante fixado no acórdão recorrido.
Antolha-se-nos como mais equilibrada a quantia de € 12.500,00, com juros desde a citação.
A este valor haverá que deduzir os € 5.000,00 já recebidos pelo recorrente.
Colhem, assim, nesta parte, parcialmente as conclusões do recorrente.
V – Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, decide-se elevar de € 7.500,00 para € 12.500,00 (a que há que deduzir os € 5.000,00 já pagos) o montante da indemnização a pagar pela Ré ao Autor, a título de danos não patrimoniais, mantendo, no demais, o acórdão recorrido.
Custas do presente recurso pelo recorrente e pela recorrida, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente, continuando as da apelação do Autor a seu cargo e sendo as da apelação da Ré e as da 1ª instância pela Ré e pelo Autor, na proporção do respectivo decaimento, tudo sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido ao Autor.
Lisboa, 3 de Novembro de 2009
Moreira Camilo (Relator por vencimento)
Moreira Alves (vencido conforme declaração que anexo)
Alves Velho (vencido quanto à questão da omissão de gravação da prova, aderindo, nessa parte, à declaração de voto do Exmº Conselheiro Moreira Alves)
Urbano Dias
Paulo Sá