SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
SEGURO DE GARAGISTA
ACÇÃO DE REGRESSO
SUB-ROGAÇÃO
Sumário


1.Estando definido, por força do caso julgado formado em precedente acção, que é a seguradora do proprietário do veículo ( e não o Fundo de Garantia Automóvel) que, perante a inexistência de seguro obrigatório da responsabilidade civil do garagista, deve garantir o ressarcimento dos danos causados ao terceiro lesado, apenas cabe decidir, no âmbito da acção de reembolso do valor de tal indemnização, efectivamente paga, se se verificam os pressupostos do direito de regresso ou da sub-rogação legal da empresa seguradora.

2.Não estando, nesta concreta situação, o direito de regresso da seguradora tipificado no elenco de situações definidas pelo art. 19º do DL522/85, aplicável ao caso dos autos, o seu direito ao reembolso encontra fundamento bastante na figura da sub-rogação legal, como decorrência da posição de garante que lhe assiste perante os terceiros lesados quanto ao pagamento das indemnizações devidas.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1.A... P... – C... de S... S.A. instaurou , no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, acção de condenação, com processo ordinário, contra os réus B... e I... Lda e AA, peticionando, a título de reembolso, a condenação destes no pagamento da quantia de 52.110,02 euro e respectivos juros; como fundamento da pretensão que deduz, alega que, em consequência de anterior condenação, proferida noutra acção, teve, na qualidade de seguradora dos riscos do veículo ...-...-... e por força do contrato de seguro obrigatório da responsabilidade civil do proprietário de tal viatura – a empresa D... Lda – de suportar o pagamento da indemnização dos danos causados por tal veículo ao lesado BB, em acidente culposamente causado pelo 2º réu, gerente da sociedade ré, quando a viatura a esta estava confiada para reparação, sem que tivesse sido celebrado o contrato de seguro obrigatório da responsabilidade civil da empresa reparadora de veículos, imposto pelo art. 2º, nº3, do DL 522/85.
Findos os articulados, foi proferido saneador-sentença, absolvendo da instância o 2º réu, por ilegitimidade, e julgando improcedente o pedido de reembolso deduzido contra a sociedade ré.
Inconformada, a autora apelou, tendo a Relação de Coimbra julgado procedente o recurso, considerando que o direito ao reembolso da quantia paga ao lesado pela seguradora da responsabilidade civil do proprietário do veículo automóvel, como consequência do incumprimento da obrigação que impendia sobre a empresa reparadora de veículos de celebrar o seguro obrigatório e específico da responsabilidade civil do garagista, encontra fundamento bastante na figura da subrogação legal.

2.É desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista, que a recorrente – a 1ª ré -- encerra com as seguintes conclusões, que , como é sabido, delimitam o respectivo objecto:

1 - O Seguro Obrigatório, regulado ao tempo dos factos pelo D.L. 522/85, cobre a responsabilidade do segurado como de quaisquer legítimos detentores ou condutores de veículo.

2 - A autora, ora recorrida, pagou as indemnizações arbitradas no processo 5477/04.2TBLRA que correu termos pelo 4o Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, no âmbito do contrato de seguro que celebrou com o proprietário do veículo causador do acidente de matrícula ...-...-... .
3 - Esta obrigação resulta das disposições combinadas dos artigos 5º, 8º, 15° e 19° do D.L. 552/85 - Seguro Obrigatório.
4 - O cumprimento desta obrigação pela autora, ora recorrida, não lhe confere o direito de ser reembolsada, seja pela via do Direito de Regresso, seja pela via da Sub-Rogação.
5 - O artigo 19° do D.L. 552/85, vigente ao tempo dos factos, enumera taxativamente as situações em que a seguradora que pague a indemnização tem direito de regresso.
6 - Desse elenco não faz parte o incumprimento da obrigação de segurar por parte do garagista prevista no n° 3 do artigo 2° daquele diploma legal.
7 - Por outro lado, na disciplina do mesmo diploma legal a figura da sub-rogação de direitos só existe em relação ao Fundo de Garantia Automóvel.
8 - Acresce que os requisitos de que depende a sub-rogação são os enunciados nos artigos 589°, 590°, 591° e 592°, todos do Código Civil.
9 - A sub-rogação voluntária prevista no artigo 589° do Código Civil (quando provém da vontade do credor) e nos artigos 590° e 591° do Código Civil (quando provém da vontade do devedor) encontra-se liminarmente afastada no caso dos autos.
10 - A sub-rogação legal (artigo 592° do Código Civil) inclui dois grupos de situações em que a lei sub-roga nos direitos do credor o terceiro que cumpriu no lugar do devedor, a saber:
a) o primeiro grupo é constituído pelos casos em que o solvens tenha garantido antes do cumprimento, através de hipoteca, penhor ou caução;
b) o segundo grupo é formado pelos casos em que o solvens tem interesse directo na satisfação do crédito.
11 - Ou seja, o artigo 592°, 1 do Código Civil limita a sub-rogação aos casos de cumprimento efectuado por terceiro e restringe-a dentro dessas situações aos terceiros que:
a) tenham garantido o cumprimento;
b) tenham interesse próprio na satisfação do crédito.
12 - A autora, ora requerida, não garantiu o cumprimento, nem tem interesse próprio na satisfação do crédito, sendo que este visa evitar a perda ou limitação dum direito que lhe pertence e também, acautelar a consistência económica do seu direito.
13 - O caso dos autos não enquadra nenhuma das situações previstas no artigo 592° do Código Civil.
14 - Por isso, não pode a autora, ora recorrida, ser sub-rogada nos direitos do credor para obter o reembolso das importâncias que pagou.
15 - O douto acórdão sob recurso violou por erro de interpretação e/ou de aplicação o disposto nos artigos 2°, 5° 8, 15° 19° e 25° do D.L.522/85 (Seguro Obrigatório) vigente à data dos factos e os artigos 589°, 590°, 591° e 592° todos do Código Civil.
Termos em que e no muito que V.Exas. se dignarão suprir deve ser concedida a Revista e revogar-se o douto acórdão recorrido, absolvendo-se a recorrente B... - I..., Lda do pedido.

Não foram apresentadas contra-alegações pelos recorridos.


3.As instâncias consideraram fixada a seguinte matéria de facto:

. No proc. n° 5477/04.2TBLRA que correu termos pelo 4o juízo deste Tribunal o ali A. BB propôs acção ordinária emergente de acidente de viação contra a aqui A. A... P...-C.... de S.... SA.
2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, na qual foram dados como provados os seguintes factos:
- No dia 17 de Abril de 2004, cerca das 16 horas e 30 minutos, ocorreu um acidente de viação na rua de .... e largo fronteiro à oficina de carroçarias B.... e I... Limitada, em Caranguejeira, comarca de Leiria.

- Foram intervenientes o autor e o veículo ligeiro de mercadorias de caixa aberta, de matricula ...-...-..., pertencente a D...-C... Lda e conduzido por AA.
- Na circunstância de tempo e lugar acima mencionados, o autor [BB] encontrava-se no largo fronteiro à oficina de B... e I... Limitada, a verificar o nível de valvulina da freze atrelada ao seu tractor agrícola de matrícula ...-...-... .
- O veículo ...-...-... fora estacionado no mesmo largo fronteiro à dita oficina, destinando-se a ser recolhido por esta para ser objecto de reparação na parte de trás do seu taipal.
- O gerente da B... e I... Limitada, AA, pôs o dito veiculo em andamento para o conduzir para o interior da oficina.
- Porém, no exercício desta manobra, não atentou que, poucos metros à frente do veiculo em causa (cerca de 7 metros), se encontrava já o autor.
- Por isso, ao conduzir o dito veículo ...-...-... embateu com a respectiva frente no A, apertando-o pelas pernas de encontro à freze, cuja valvulina este verificava.
- A responsabilidade por acidente de viação do veículo ...-...-... encontrava-se transferida para a Ré por contrato de seguro titulado pela apólice nº .... .
- À data do acidente, B... e I..., Limitada, não tinha qualquer seguro válido no que respeita à responsabilidade civil em que incorria quando utilizava os veículos no âmbito da sua actividade profissional.
- Na sentença, a Autora, ali Ré, veio a ser condenada a pagar ao Autor BB a quantia de 46.428,48€, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre a quantia de trinta e um mil quatrocentos e vinte e cinco euros e cinco euros e quarenta e oito cêntimos desde a citação até efectivo pagamento e calculados sobre a quantia de quinze mil euros desde a data da decisão até efectivo pagamento.
- A aqui Autora foi também condenada a pagar ao Hospital de Santo André a quantia de 1.347,79€.
- A Autora veio a ser condenada por seguro de responsabilidade civil celebrado entre a proprietária do veículo em causa no sinistro, sociedade D....-C... Lda., e a aqui Autora enquanto seguradora, garantir a responsabilidade civil em que incorram os garagistas ou aqueles que habitualmente exercem a actividade de reparação de veículos quando utilizem estes, por virtude das suas funções e no âmbito da sua actividade profissional.
- No caso em apreço, mesmo perante a falta de seguro obrigatório de garagista por parte da sociedade B... e I... Lda, foi entendido na sentença que a Autora respondia pelo ressarcimento dos danos no âmbito do contrato de seguro geral, no caso o contrato de seguro celebrado entre a Autora e a proprietária do veículo interveniente.
-Vindo por via de tal a Autora a ser condenada no pagamento a BB Vindo das quantias acima já enunciadas.
- A Autora a pagar em 05 de Dezembro de 2007 ao ali Autor BB, a quantia de € 50.762,23€.
- Como pagou ainda em 04 de Dezembro de 2007 ao Hospital de Santo André a quantia de 1.347,79€.
- Decorrente do sinistro apreciado no processo 5477/04.2 TBLRA que correu termos pelo 49 juízo cível deste tribunal, pagou a Autora a quantia total de 52.110,02€.

4.Salienta-se que ao presente recurso – inserido na tramitação de acção iniciada em 30/5/08 - já é aplicável o regime definido pelo DL 303/07, envolvendo o ónus de cumulação da alegação do recorrente no próprio requerimento de interposição do recurso, (art. 684º-B,nº2, do CPC), a aplicação do novo valor fixado para a alçada da 2ª instância pelo art. 5º do referido diploma legal ( que deu nova redacção ao art.24º da Lei 3/99) e a subordinação da recorribilidade às regras estabelecidas no art.721º do CPC, nomeadamente à inadmissibilidade de acesso ao Supremo quando ocorra «dupla conforme» das instâncias: no caso dos autos, tal regime não veda o acesso ao Supremo, já que as instâncias dirimiram de modo totalmente diferenciado o litígio, tendo a Relação, ao julgar a apelação, revogado a sentença proferida em 1ª instância.

5.Note-se que, na peculiar situação dos autos - e como consequência do caso julgado formado pela sentença proferida no p.5477/04.2TBLRA - ficou assente que , não tendo o garagista -a empresa ou entidade que exerce habitualmente a actividade de reparação ou desempanagem de veículos cumprido a obrigação de segurar a responsabilidade civil em que incorra quando os utilize, por causa das suas funções e no âmbito da sua actividade, imposta pelo preceituado no nº3 do art. 2º do DL 522/85, incumbe à seguradora de responsabilidade civil do proprietário do veículo – e não ao Fundo de Garantia Automóvel – ressarcir , em primeira linha, o lesado dos danos causados com a utilização da viatura ; ou seja: por virtude do que se decidiu definitivamente naquela outra acção, a circunstância de o garagista não ter acatado a obrigação legal de segurar a responsabilidade em que pode incorrer quando, no âmbito da sua actividade empresarial, usa os veículos que repara, não exime a seguradora do proprietário do veículo de responder , no confronto do terceiro lesado, pelos danos com ele provocados – não sendo, consequentemente, chamado a intervir o FGA, com fundamento na inexistência de seguro válido e eficaz.
Deste modo, e na particular situação deste processo, a única questão controvertida é a que se traduz em saber se, tendo a seguradora da responsabilidade civil do proprietário do veículo que causou o acidente quando circulava sob a direcção efectiva do garagista satisfeito efectivamente a indemnização devida ao terceiro lesado, na sequência da precedente condenação judicial definitiva, tem direito ao reembolso das quantias pagas, relativamente ao garagista que , além de ter agido culposamente, omitiu a celebração do contrato de seguro obrigatório que - se existente - deveria garantir prioritariamente, nessas circunstâncias, o ressarcimento do lesado.

Como dá nota a decisão recorrida, esta questão de direito mostra-se actualmente resolvida por via legislativa, tendo o DL 291/07 optado por perspectivar o direito ao reembolso da seguradora do proprietário do veículo sobre a empresa de reparação de veículos que omitiu a feitura do seguro obrigatório especial da sua responsabilidade civil como mais uma das situações, tipicamente previstas, que se consubstanciam na figura do «direito de regresso» da seguradora (art.27º, nº1, alínea f) : não sendo, porém, tal regime normativo aplicável retrospectivamente ao caso dos autos , importa perspectivar tal questão à luz do quadro normativo aplicável à data em que se verificou o acidente, o que implica a consideração dos regimes traçados pelo DL 522/85, cujo art. 19º não inclui nos casos de direito de regresso, facultados à seguradora, a hipótese de a mesma ter tido de assumir, perante o lesado, indemnização que, em princípio, deveria ter sido satisfeita a coberto do seguro especial do garagista.

As figuras do direito de regresso e da sub-rogação legal, diferenciando-se claramente na sua estrutura e fisionomia jurídica, desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efectivamente , na veste de garantes ou interessados directos no cumprimento, a prestação devida, -permitindo que o interessado que, no plano das «relações externas»,satisfez um valor superior ao correspondente à sua quota de responsabilidade nas «relações internas» possa repercutir tal valor sobre os restantes co-obrigados ou sobre o principal e definitivo devedor.

No CC, a figura do direito de regresso aparece coligada à modalidade e ao regime das obrigações solidárias: a satisfação do direito do credor por um dos devedores solidários produz, nos termos do art. 523º, a extinção da obrigação,. outorgando o art. 524º um inovatório direito de regresso ao devedor que satisfez o direito do credor para além da quota que, nas relações internas, lhe cumpria suportar a título definitivo.
Por outro lado, e como é sabido, nas situações de «solidariedade própria» em que todos os devedores solidários assumem definitivamente uma quota parte do débito comum, o co-devedor que satisfez na íntegra o direito do credor pode sempre repercutir sobre os restantes uma parcela do valor que foi obrigado a suportar perante o titular activo da obrigação solidária ; pelo contrário, nas situações qualificadas como de «solidariedade imprópria», os vários devedores não estão situados num mesmo plano, incumbindo a um deles, em primeira linha, assegurar perante o credor a plena e total realização da prestação devida, mas podendo, num segundo momento, repercutir a totalidade daquilo que foi chamado a pagar sobre o património do devedor, principal e definitivo: há, pois, neste tipo de situações configuráveis como de solidariedade imprópria, um escalonamento ou hierarquização de responsabilidades, incumbindo a um dos devedores assumir ou garantir transitoriamente a satisfação do direito do credor, mas beneficiando, num segundo momento, logo após o cumprimento, da faculdade de se reembolsar inteiramente à custa do património do devedor principal e definitivo da obrigação.


Por seu lado ,a figura da sub-rogação legal tem o seu assento normativo no âmbito do instituto da transmissão de créditos e dívidas envolvendo, deste modo, quando se verifiquem os respectivos pressupostos, a sucessão do terceiro que cumpriu a obrigação no próprio direito do credor que, deste modo, se não extingue com o cumprimento, nos termos do art. 593º do CC.
E, por força do preceituado no art. 592º,nº1, a sub-rogação legal ocorre:
-nos casos especialmente previstos na lei;
-quando terceiro, directa e juridicamente interessado na satisfação do crédito, realiza o interesse do credor;
-quando o sujeito que tiver realizado a prestação devida tiver garantido o cumprimento da obrigação.

Importa ainda realçar que, fora das situações típicas de solidariedade passiva própria - em que o direito ao reembolso do devedor se opera inquestionavelmente ao abrigo da figura do direito de regresso – e de cumprimento da obrigação por um terceiro, não vinculado no confronto do credor, ou típico devedor «subsidiário» e mero garante pessoal do débito – em que tal direito se efectiva claramente no quadro do instituto da sub-rogação (cfr,v. g., as situações previstas respectivamente nos arts.477º, nº2 , e 644º do CC)- nem sempre é evidente e incontroversa a qualificação do meio jurídico idóneo e adequado para se efectivar o dito reembolso: vejam-se, por exemplo, as dúvidas suscitadas a propósito da efectivação pelo Estado do direito a repercutir no responsável por acidente, simultaneamente de viação e de serviço, as quantias dispendidas com vencimentos processados ao funcionário público , incapacitado para o serviço; ou a oscilação legal acerca da qualificação do instrumento adequado para a entidade patronal repercutir a indemnização devida a título de acidente laboral sobre o terceiro que causou culposamente as lesões sofridas pelo trabalhador, vítima de acidente configurável como de viação e simultaneamente de trabalho, perspectivado no âmbito da sub-rogação na Lei 1942, mas já sob a égide da figura do direito de regresso na Lei 2127, que lhe sucedeu.
Por outro lado, a circunstância de os pressupostos da figura da sub-rogação legal serem definidos pelo citado art. 592º com razoável amplitude, com base em conceitos relativamente indeterminados (interesse «directo» no cumprimento, posição de «garante » da obrigação) ,tem levado a jurisprudência, com fundamento em razões de equidade e razoabilidade, a configurar como sendo a sub-rogação o instrumento jurídico adequado para - fora do domínio da típica solidariedade passiva e na ausência da previsão legal de um direito de regresso, constituído «ex novo» no momento do cumprimento – o devedor que, cumprindo a obrigação, não deva ser definitivamente responsabilizado pelo valor da prestação , se reembolsar à custa de quem deva, segundo juízos de justiça e equidade, em última análise, suportar a prestação devida, evitando, nomeadamente, um injustificado benefício do lesante: em paradigmática aplicação desta orientação, veja-se o Acórdão. uniformizador de 14/1/97, em que o Supremo fixou jurisprudência no sentido de que o Estado tem o direito de ser reembolsado, por via da sub-rogação legal, do total dispendido com vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado da prestação de contrapartida laboral por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro.

Esta perspectiva é obviamente relevante no caso dos autos, já que traduziria seguramente solução normativa pouco conforme aos princípios da justiça e da proporcionalidade a que se traduzisse em isentar de qualquer consequência jurídica desfavorável a «dupla ilicitude»cometida pela empresa garagista, - expressa, por um lado, na produção culposa das lesões emergentes do acidente e, por outro, no incumprimento do dever de segurar a respectiva responsabilidade, expressamente imposto por lei, levando a que fosse terceiro a ter de suportar definitivamente o valor da indemnização devida, em injustificado e inadmissível benefício do lesante.

Perante a tipificação legal dos casos de direito de regresso da seguradora, resultante da previsão normativa contida no art.19º do DL 522/85,importa começar por verificar se o eventual direito ao reembolso da seguradora do proprietário do veículo pode encontrar suporte legal no estatuído no art.592º, nº1, do CC.
É certo que a seguradora «geral» do proprietário do veículo que causou o acidente sob a direcção efectiva da empresa garagista não é propriamente um «terceiro directamente interessado» no pagamento da indemnização devida ao lesado, mas antes, na interpretação normativa definitivamente fixada no caso dos autos, o próprio devedor ou responsável pelo pagamento de tal indemnização .
Poderá, no entanto, considerar-se que a seguradora do proprietário do veículo detinha uma posição de «garante» do cumprimento da indemnização devida ao lesado, em termos de subsumir o caso à previsão normativa ínsita na segunda parte do nº1 do referido art. 592º, legitimando o apelo ao instituto da sub-rogação legal?
A resposta a esta questão é claramente afirmativa se se tiver, desde logo, em linha de conta a clara analogia que se verifica entre a posição da seguradora, que é compelida a assegurar os direitos do lesado, na falta do seguro válido e eficaz que devesse responder prioritariamente pelos danos
emergentes do acidente, e a que cabe ao Fundo de Garantia Automóvel, em idênticas situações de incumprimento do dever de segurar a responsabilidade civil – sendo certo que a lei (art. 25º do DL522/85)expressamente configura tal direito ao reembolso no âmbito do instituto da sub-rogação.

Na verdade, a função social atribuída ao seguro obrigatório da responsabilidade civil automóvel conduziu, por um lado, a desvincular a responsabilidade da seguradora da responsabilidade que estritamente incidiria sobre o seu segurado, ainda que apenas no plano da responsabilidade pelo risco (como paradigmaticamente sucede no caso de danos causados a terceiros com veículo furtado, em que está inquestionavelmente arredada a «direcção efectiva do veículo» pelo proprietário , tomador do seguro); e, por outro lado, ultrapassando uma visão estritamente contratualista do seguro de responsabilidade civil, a criar mecanismos jurídicos de garantia na efectivação dos direitos dos lesados mesmo nos casos de incumprimento do dever de realização do contrato de seguro Só que tal função social e de garantia dos direitos dos terceiros lesados não envolve – nem pode envolver – a outorga ao lesante de um injustificado benefício, eximindo-o de qualquer responsabilidade, - a efectivar subsidiariamente, após a seguradora ter satisfeito o direito de indemnização, - apesar do incumprimento do dever de segurar e do ónus de pagamento dos prémios que funcionam como contrapartida da assunção dos riscos pela entidade seguradora.
O direito ao reembolso da seguradora que - perante a inexistência do seguro «especial» que deveria, se o respectivo contrato tivesse sido celebrado, assumir prioritariamente o ressarcimento do lesado – é compelida a satisfazer a indemnização tem, deste modo, subjacente uma verdadeira posição de garante das indemnizações devidas a terceiros, nela se fundando a sub-rogação legal, como consequência do pagamento realizado.


6.Nestes termos e pelos fundamentos expostos improcede totalmente a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Novembro de 2009

Lopes do Rego (Relator)
Pires da Rosa
Custódio Montes