Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
UNIÃO DE CONTRATOS
TRANSMISSÃO DE DÍVIDA
Sumário
I - Está-se assim, pois, perante uma união de contratos, em que existe entre estes um nexo funcional que influi na respectiva disciplina, que cria uma relação de interdependência. II - A outorga da procuração irrevogável no uso da qual «o segundo outorgantes procederá à venda do imóvel a si próprio (…)» e a estipulação de que «O segundo outorgante poderá optar entre negociar com a terceira e o quarto outorgantes o pagamento das dívidas em causa ou em lhes dar em pagamento, um prédio a destacar daquele que é objecto do presente contrato (…)» (cfr cláusula 4 do documento) vão claramente no sentido de que o contrato de transmissão das dívidas produziu os seus efeitos de imediato.
Texto Integral
Apelação
Proc. 402/07.1TBCNF-B.P1
Acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I – Relatório
Por apenso à execução comum instaurada por B…, Lda vieram os executados C… e D… deduzir oposição à execução alegando, em síntese:
- o documento em que se apoia a exequente é um simples contrato-promessa de compra e venda em que o executado marido se obrigava a pagar os débitos que o pretenso vendedor teria ou dizia ter sobre a B…. e o Dr E…, em vez de pagar a totalidade do preço ao promitente-vendedor;
- ou seja, esse documento não contém nenhuma declaração de dívida e seu reconhecimento;
- além disso a transmissão das dívidas ficou condicionada à efectivação do contrato prometido;
- o contrato prometido não chegou a ser celebrado e consequentemente, não se efectivou a transmissão das dívidas;
- entretanto, a promitente-vendedora vendeu o imóvel a terceiros,
- tendo o ora executado, o Dr E… e a exequente B… instaurado acção para anulação dessa venda, que terminou por desistência em documento no qual os referido autores declararam que tinham ajustado entre si uma forma de resolver extrajudicialmente as questões que tinham entre si, ou seja, os falados créditos e débitos referidos no contrato-promessa;
- tal resolução concertada daquelas questões tirou toda a validade à referida transmissão de dívida que, por isso, ficou sem efeito;
- aliás, o próprio gerente da B…, F…, nessa qualidade, declarou no documento 3 que se junta que a dita sociedade não tinha qualquer crédito sobre os executados;
- mesmo a admitir-se que se mantinha a cessão de débitos, eles só se venceriam em prazo que fosse estabelecido ou na data em que fosse feita a escritura de venda, pelo que inexiste obrigação de juros.
*
Contestou a exequente tendo pugnado pela improcedência da oposição. Alegou para tanto, em resumo:
- no documento que constitui o título executivo o executado obrigou-se a liquidar as dívidas ali mencionadas e em contrapartida a promitente-vendedora declarou considerar-se integralmente paga e outorgou a favor do executado procuração irrevogável com poderes sobre o imóvel em causa;
- tal declaração da G… só se justifica porque o executado assumiu de forma irrevogável e sem nenhuma condição, o pagamento das referidas dívidas, em compensação de parte do preço;
- os credores ratificaram expressamente a transmissão singular de dívida, aceitando a substituição da G… pelo executado e declararam expressamente que liberavam a G… das suas obrigações;
- apesar de ter recebido a dita procuração irrevogável para outorgar a escritura de compra e venda a seu favor ou de terceiro, o executado nada fez porque não quis;
- as dívidas foram transmitidas no dia 31/5/1995 pelo que os juros contam-se a partir dessa data.
*
Na pendência da causa faleceu o executado C…, tendo sido deduzida incidente de habilitação de herdeiros.
*
Realizada audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a oposição procedente e determinou a extinção da execução.
Inconformada, apelou a exequente e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
I. O Tribunal a quo devia ter dado como provado que “O primeiro A. e mulher acordaram com os demais AA. a composição extraprocessual dos seus interesses, de forma a poderem pôr termo a esta acção.” (art. 52° da contestação à oposição). E o exacto meio probatório que o impõe é a certidão judicial de fls. junta pela recorrente no início da audiência de discussão e de julgamento.
II. No caso em apreço estamos perante um contrato no qual intervieram o antigo devedor, o novo devedor (o executado, ora recorrido) e o credor (a exequente, ora recorrente).
III. A transmissão de dívida não ficou sujeita a qualquer condição, sendo que do contrato dado à execução resulta que: “A primeira outorgante tem com a terceira outorgante diversos débitos relativos a serviços que lhe foram prestados em subempreitada”, consagrando-se na cláusula número dois que o montante da dívida é de 2.649.299$00;
- A primeira outorgante transmite ao terceiro outorgante (o executado) as dívidas referidas na cláusula anterior comprometendo-se ele a solvê-las nos termos neste contrato estipulados.
IV. Na sequência do contrato junto aos autos, o executado, ora recorrido, obrigou-se expressamente a liquidar estas dívidas e, em contrapartida, a G… (1) considerou-se integralmente paga, declarando-o para tal expressamente através do documento que enforma o título que ora se executa, e (2) outorgou a favor do executado procuração irrevogável com poderes ilimitados sobre o imóvel em causa.
V. A declaração da G… - considerando-se integralmente paga - e a outorga de procuração irrevogável ao executado só se justificam porque o executado assumiu, de forma irrevogável e sem nenhuma condição o pagamento das referidas dívidas, em compensação de parte do preço.
VI. E, em vez de pagar à G…, no imediato o montante de 5.649.200$00 (para que lhe fosse dada inteira quitação do preço e outorgada a referida procuração irrevogável) o executado comprometeu-se a pagar esses montantes à exequente e a E…, respectivamente 2.649.299$00 e 2.500.000$0.
VII. A assunção destas obrigações constitui, por um lado, sinalagma natural e lógico da declaração de quitação aceite pela G…; e, por outro lado, a outorga da referida procuração irrevogável, no interesse do mandatário aqui recorrido, conferindo-lhe poderes plenos para o exercício de todos os direito sobre o imóvel em causa.
VIII. A compensação foi operada no próprio momento do contrato e sem qualquer condição ou termo.
IX. A G… e o executado negociaram o que se consignou no contrato promessa, transmitindo a primeira outorgante ao segundo outorgante as dívidas que tinha para com a recorrente, a exequente, e o Dr. E…. Estes credores ratificaram expressamente a transmissão singular de divida, aceitando a substituição da G… pelo executado e declararam expressamente que liberavam a G… das obrigações. O primitivo devedor ficou absolutamente desonerado do pagamento das dívidas, que foram assumidas pelo executado, ora recorrido.
X. Não seria minimamente razoável considerar-se que a recorrente (credora) liberava o primitivo devedor da sua obrigação se o recorrido (novo devedor) não estivesse ainda obrigado naquele pagamento, uma vez que a alegada condição a que estaria sujeita a assunção da dívida ainda não tinha ocorrido e poderia não vir a ocorrer.
XI. As relações entre os antigos devedores e credores, desde que o seu fundamento seja posterior à assunção de dívida, não são oponíveis ao credor, in casu, a recorrente.
XII. Isto apesar de, como contrapartida da quitação de pagamento integral do preço, o executado ter recebido da G… procuração irrevogável com os mais amplos poderes para o exercício do direito de propriedade do imóvel, isso em 1 de Junho de 1995, o executado nada fez, não chegando sequer a promover a remoção das dúvidas do registo a que procedeu na Conservatória do Registo Predial de Aljezur.
XIII. Tendo sido o recorrido que promoveu o pedido de registo da aquisição provisória, só ele poderia saber se o mesmo tinha sido lavrado. E tendo tido conhecimento de que havia sido lavrado provisório por dúvida tinha a obrigação de ter diligenciado pela remoção das mesmas.
XIV. O recorrido alegou que o Dr. E… havia ficado incumbido de proceder à remoção das mesmas, sendo certo que se assim fosse - o que não se concede, mas se pondera por mero dever de patrocínio - tal era completamente alheio à recorrente, não inviabilizava a outorga da escritura definitiva e não foi produzida qualquer prova sobre tal matéria, sendo certo que era o oponente que tinha o ónus da prova.
XV. A transmissão de dívidas foi feita sem qualquer condição, obrigando-se o executado a pagar as dívidas em substituição da G… e declarando expressamente os credores que renunciavam ao direito de pedir o seu pagamento do devedor originário.
XVI. A dívida em causa foi transmitida no dia 31/5/1995, passando nessa data o recorrido a ser o novo devedor, pelos valores titulados no contrato e contando-se a partir dessa data juros a favor dos credores, porquanto tais dívidas eram líquidas, certas e exigíveis.
XVII. A decisão recorrida viola os artºs 236º, 238º, 342º, 559º e seguintes e 595º do CC.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida ser substituída por outra que julgue improcedente, por não provada, a oposição à execução.
Assim se fará a tão costumada Justiça.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 684º nº 3, 690º nº 1 e 660º nº 2 do CPC), pelo que as questões a decidir são estas:
- se na matéria de facto deve ser incluído mais um facto como pretende a recorrente
- se a eficácia da transmissão das dívidas ficou ou não condicionada à celebração do contrato prometido de compra e venda.
- se são devidos juros de mora e desde quando
*
III – Fundamentação
Na sentença recorrida vem dado como provado:
1) Mostra-se junto aos autos de execução um documento intitulado de “Contrato-Promessa de Compra e Venda e Transmissão Singular de Dívidas”, subscrito pela sociedade G…, Limitada (como primeira outorgante), C… (como segundo outorgante), B…, Limitada (como terceira outorgante) e E… (como quarto outorgante), em 31 de Maio de 1995, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido, com o seguinte teor
a. “Um - 1. A sociedade primeira outorgante é dona e legítima possuidora de um prédio designado por lote de terreno para construção urbana - área 181 m2, descrito sob a ficha n.º00362/ 081093 da Conservatória do Registo Predial de Aljezur, antigo n.º 000120/24/11/86 da Conservatória do Registo Predial de Lagos, prédio esse situado na Rua …, com os n.º … e …, em …”;
b. “2. Consta da descrição predial a demolição dos edifícios existentes, sendo certo que a mesma ainda não se processou, existindo ali, uma casa de habitação e um conjunto urbano que foi uma obra de reconstrução, entretanto embargada pela Câmara Municipal …”;
c. “3. Por contrato promessa celebrado com um antepossuidor em 1988, o segundo outorgante prometeu comprar pelo preço de dois milhões e quinhentos mil escudos a casa com o n.º … da Rua …, em …, casa essa resultante da primeira fase de reconstrução do referido imóvel, perfeitamente habitável com todos os devidos cómodos, cuja posse lhe foi transmitida, nesse estado no ano de 1989”;
d. “4. Em consequência da crise da construção civil, a primeira outorgante não se encontra em condições de prosseguir as obras que tinha em curso naquele prédio, tanto mais que não tem a garantia de conseguir vender em tempo útil as habitações, atenta a crise no mercado da habitação de férias”;
e. “5. A primeira outorgante tem diversos débitos para com a sociedade terceira outorgante, resultantes de serviços que lhe foram prestados em subempreitadas»;
f. “6. A primeira outorgante deve ao quarto outorgante o montante de 2.500.000$00, relativo aos fundos que esse quarto outorgante disponibilizou para a aquisição do prédio”;
g. “Dois - Pelo presente contrato a primeira outorgante promete vender ao segundo ou a quem ele indicar, o identificado prédio pelo preço de 7.649.298$00, correspondente a - valor da casa prometida vender em 1988: 2.500.000$00; valor da dívida à terceira outorgante: 2.649.299$00; valor da dívida ao quarto outorgante: 2.500.000$00”.
h. “Três - 1. A primeira outorgante considera-se integralmente paga no tocante aos montantes que tinha de receber no quadro do anterior contrato promessa, declarando expressamente que nada tem a exigir”;
i. “Três - 2. Por compensação de parte do preço, a primeira outorgante transmite ao segundo outorgante as dívidas referidas na cláusula anterior, comprometendo-se ele a solvê-las nos termos neste contrato estipulados”.
j. “Três - 3. A terceira e quarto outorgantes, dão o seu assentimento à transmissão singular de dívidas de que são credores, aceitando a substituição da devedora G… nos termos agora contratados e liberando-a a ela G… das suas obrigações”.
k. “Quatro - 1. Na data deste contrato a primeira outorgante outorga a favor do segundo procuração com poderes bastantes para prometer vender, vender, onerar por todo e qualquer modo, doar, arrendar ou celebrar qualquer negócio que tenha como objecto o identificado prédio, bem como para requerer o que for necessário nas repartições públicas, sendo tal procuração irrevogável e não caducando nem por morte do mandante nem por qualquer outra situação que altere a estrutura da gerência da sociedade mandante”.
l. “Quatro - 2. No uso de tal escritura, o segundo outorgante procederá à venda do imóvel a si próprio, podendo previamente pedir as alterações registais e cadastrais que mais lhe convierem”.
m. “Quatro - 3. O segundo outorgante poderá optar entre negociar com a terceira e o quarto outorgante o pagamento em causa ou em lhes dar em pagamento, um prédio a destacar daquele que é objecto do presente contrato, retirada que seja dele a habitação já ocupada pelo segundo outorgante, ficando, nessa hipótese, dada a coisa na proporção dos respectivos créditos”.
2) Subscrita pela aqui exequente, pelos executados e por E… foi intentada acção no Tribunal Judicial do Barreiro contra a sociedade G… e H…, I…, porquanto tomaram conhecimento que a sociedade G… vendeu aos demais réus naquela acção o prédio prometido vender pelo acordo referido em 1.
3) O processo supra mencionado terminou com um requerimento apresentado pelos ali autores, além do mais, com o seguinte teor: “(…)
1. Este processo entrou em juízo em Julho de 1997. 2. Os primeiros autores, não se antevendo decisão judicial em tempo útil negociaram com os réus H… e mulher a compra e venda a seu favor do imóvel em causa nestes autos. 3. O primeiro autor e a mulher acordaram com os demais autores a composição extraprocessual dos seus interesses, de forma a poderem pôr termo a esta acção. 4. Tomando em consideração os pressupostos denunciados os autores desistem conjuntamente do pedido (...)”.
4) Mostra-se junta aos autos cópia de certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Aljezur relativamente ao prédio descrito sob o n.º 00120/081093, freguesia de …, além do mais que aqui se dá por integralmente reproduzido, com o seguinte teor:
a. “F 3 AP. 19/03108 - Aquisição a favor de G…, Limitada (…) - por compra”;
b. “F-1 AP. 03/070695 - Promessa de alienação - provisória por dúvidas, feita por G… Limitada, a favor de C… c.c. D… - comunhão de adquiridos (...);
c.“ F1 130696 - Caducou”;
d. “G 4 Ap. 03/270397 - Aquisição a favor de J… c. c K… (...) - por compra”
e. “F-2 Ap. 06/100797 – Acção - Provisória por natureza, alínea a) do n.º 1 - movida por C… e mulher D… casados na comunhão de adquiridos (...), B…, Limitada (...) e E… (...) contra G…, Limitada (...) e H… e mulher I… - pedido: declarada nula a escritura de compra e venda, cancelamento de seu registo, assim como os registos de alteração à descrição do prédio 00362/081093, freguesia de …”;
f. “G 5 Ap. 04/991013 - Aquisição a favor de J… (...) por compra - provisória por natureza - (alínea b) do n.º 2 do art. 92)”;
g. “F 2 An. 01 – 020509 - caducou”
h) “F 5 Av. 01 – Of. – 020509 - Convertida” - cfr. fls. 198 a 200.
*
B) Sustenta a recorrente na conclusão I que deve ser dado como provado: «O primeiro A. e a mulher acordaram com os demais AA. a composição extraprocessual dos seus interesses de forma a poderem pôr termo a esta acção».
Alegam que o meio probatório que o impõe é a certidão judicial que juntou no início da audiência de discussão e julgamento.
Porém, atento o que já consta no ponto 3) dos factos provados e que corresponde ao que foi declarado pelos autores na acção que correu termos no Tribunal do Barreiro, não se vê necessidade de alterar a decisão sobre a matéria de facto, face ao que dispõe o art. 376º nº 1 e 2 do Código Civil.
*
C) O Direito
C) 1. Na sentença recorrida, fazendo-se apelo ao disposto nos art. 270º, 236º e 238º do Código Civil entendeu-se que a eficácia da transmissão das dívidas ficou condicionada à celebração do contrato definitivo de compra e venda, argumentando-se, entre o mais:
«(…) de outro modo, porque razão haveriam os opoentes de assumir a dívida para com a exequente?
Pois não obstante a exequente sustentar a autonomia do acordo nesta parte, a realidade é que um declaratário normal colocado na posição do declaratário real não poderia, na perspectiva deste Tribunal, deixar de considerar que o acordo celebrado ficou dependente da outorga do contrato prometido, de outro modo, ficaria por perceber, à luz das regras da experiência comum, porque razão assumiria o executado marido o pagamento imediato da dívida da G… para com a exequente.
E muito embora o Tribunal não ignore que a G… outorgou uma procuração a favor do executado a conferir-lhe poderes irrevogáveis para celebrar o contrato prometido, certo é que tal circunstância, por si só, em nada influi na interpretação deste Tribunal, pois que essa procuração não substitui de forma alguma a celebração do contrato definitivo, nem tão pouco se pode considerar que os interesses do executado ficaram plenamente salvaguardados com a outorga da mesma. Tanto assim é que o prédio acabou por ser vendido pela promitente vendedora a um terceiro, pouco tempo depois de celebrado o contrato promessa.
Além disso, mas não menos relevante, não ressuma dos autos que a culpa da não celebração do contrato definitivo possa ser imputada aos opoentes, uma vez que da simples caducidade do registo provisório do contrato não se pode concluir, sem mais, que foi por culpa e/ou negligência daqueles que o contrato definitivo não foi celebrado.
Por fim, importa ainda não ignorar que a referida transmissão de dívidas consta de um contrato-promessa, não podendo a declaração nesta parte ser analisada como se de uma declaração autónoma se tratasse.
(…)
Está-se assim, pois, perante uma união de contratos, em que existe entre estes um nexo funcional que influi na respectiva disciplina, que cria uma relação de interdependência.
Dependência esta que acaba por ter, inevitavelmente, consequências a nível de ambos os contratos, já que as vicissitudes de um se repercutem necessariamente sobre o outro.
(…) a transmissão de dívidas e a sua eficácia ficou definitivamente comprometida com a impossibilidade de celebração do contrato de compra e venda prometido.
(…)».
Vejamos.
O art. 595º do Código Civil prevê:
1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do devedor.
2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo devedor».
O art. 598º prescreve:
«Na falta de convenção em contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-lhe os meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à assunção da dívida e se não trate de meios de defesa pessoais do antigo devedor».
Explicam Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil anotado, Vol I, 4ª ed, pág. 611/612 e 615):
«(… a assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (assuntor) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem.
A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação.
(…)
Verdadeira assunção (liberatória) de dívida existe no caso de o antigo devedor ser exonerado e ficar apenas vinculado o novo devedor.» (pág. 611/612)
(…)
«A posição do novo devedor é equiparada, nas suas relações com o credor, à posição do primitivo obrigado. Desde, portanto, que o meio de defesa seja anterior à assunção da dívida e não respeite pessoalmente ao devedor originário, pode ser invocado pelo novo devedor. A este pode aproveitar, por exemplo, a nulidade formal do acto, a prescrição da dívida, etc., mas não lhe será permitido invocar a incapacidade do primitivo obrigado.
Esta é a doutrina da segunda parte do artigo. A primeira inibe o novo devedor de invocar meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor. Não pode, por exemplo, invocar a coacção que porventura tenha sido exercida sobre ele para assumir a dívida (sem prejuízo do possível direito de anulação por outras vias), a promessa do devedor originário de saldar a obrigação, o não cumprimento duma contraprestação por parte deste». (pág. 615).
No caso concreto estamos perante uma assunção liberatória da dívida, pois os credores declararam que «dão o seu assentimento à transmissão singular de dívidas de que são credores, aceitando a substituição da devedora G… nos termos agora contratados e liberando-a a ela G… das suas obrigações.».
Por outro lado, visto não haver convenção em contrário que o permita, o novo devedor (o executado C…) não tem o direito de opor à credora (exequente) os meios de defesa baseados nas relações entre ele e a antiga devedora (G…). Assim, não podem os executados opor à exequente o não cumprimento duma contraprestação - no caso, a celebração do contrato prometido de compra e venda - por parte da devedora originária (G…).
Mas, vieram os executados invocar no seu articulado de oposição à execução que a transmissão das dívidas ficou pendente da condição suspensiva da transmissão do imóvel, ou seja, da celebração do contrato de compra e venda prometido, dizendo: «Enquanto se não efectivasse aquela compra e venda prometida a transmissão da dívida não teria qualquer efeito», «o prometido contrato de venda nunca chegou a ser efectivado» e «Consequentemente, não se efectivaram as transmissões da dívida que tinham ficado condicionadas àquela compra e venda» (art. 7, 8 e 9 desse articulado).
O art. 270º do Código Civil prevê:
«As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva».
Porém, no texto do documento não consta qualquer declaração fazendo depender a transmissão das dívidas do cumprimento do contrato-promessa, ou seja, da celebração do contrato de compra e venda.
Será possível então, por via das regras da interpretação da declaração negocial invocadas na sentença recorrida, sustentar que a transmissão das dívidas ficou condicionada à celebração do contrato de compra e venda?
Estabelecem os art. 236º e 238º do Código Civil:
Art. 236º: «1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ela.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida».
Art. 238: «1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.».
Sobre o art. 238º referem Pires de Lima e Antunes Varela (in ob cit., pág. 225):
«1. A doutrina formulada no nº 1 identifica-se com a regra de interpretação da lei estabelecida no nº 2 do art. 9º e com a da interpretação dos testamentos contida no nº 2 do artigo 2187º. A base é comum: não há sentido possível que não tenha no texto do preceito um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, a não ser que se trate de matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei (nº 2).
2. Afastam-se, por conseguinte, dois resultados:
a) O de a declaração de vontade valer com o sentido correspondente aos termos objectivos da declaração – o sentido objectivo normal desta – se ele não corresponder ao sentido legalmente exigido da declaração (apurado este nos termos do art. 236º);
b) O de a declaração valer de harmonia com esta vontade real, quando a vontade do declarante não encontre na declaração uma expressão adequada e as razões justificativas do formalismo negocial se oponham à validade de um sentido que, no ponto considerado, exorbite da declaração.».
No caso dos autos temos um contrato-promessa de compra e venda de um prédio em que se declarou, quanto ao pagamento do preço de 7.640.289$00 o seguinte:
a) o preço corresponde a:
- valor da casa resultante da primeira fase da reconstrução do referido imóvel prometida vender em 1988 (no âmbito de um contrato-promessa celebrado entre o executado e um antepossuidor em 1988) – 2.500.000$00
- valor da dívida da G… (promitente vendedora) à ora exequente (B…) – 2.649.299$00
- valor da dívida da G… (promitente vendedora) a E…,
b) a promitente vendedora considera-se integralmente paga no tocante aos montantes que tinha de receber no quadro do anterior contrato-promessa, declarando que nada tem a exigir
c) por compensação de parte do preço, ou seja, dos restantes 5.149.299$00 (2.649.299$00 + 2.500.00$00) a promitente vendedora (G…) transmite ao promitente comprador (executado C…) as referidas dívidas de 2.649.299$00 e 2.500.000$00, comprometendo-se este a solvê-las nos termos estipulados nesse documento
d) a ora exequente B… e E… dão o seu assentimento à transmissão singular de dívidas de que são credores, aceitando a substituição da devedora G… nos termos contratados e liberando esta das suas obrigações.
O nº 2 do art. 410º do Código Civil preceitua que «a promessa respeitante à celebração de contrato pelo qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral».
Estamos, pois, perante um negócio formal por imposição legal.
Quanto ao contrato de transmissão singular de dívidas não depende de forma especial, mas no caso concreto, os outorgantes quiseram reduzi-lo a escrito, pelo que é também, neste caso, um negócio formal (art. 222º do Código Civil).
No contrato-promessa dos presentes autos vem declarado pela promitente-compradora que se considera integralmente paga de uma parte do preço (2.500.000$00); quanto à parte restante do preço, vem declarado por aquela e pelo executado promitente-comprador que «Por compensação de parte do preço, a primeira outorgante transmite ao segundo outorgante as dívidas referida na cláusula anterior, comprometendo-se ele a solvê-las nos termos neste contrato estipulados.».
Portanto, o executado promitente-comprador comprometeu-se, sem quaisquer reservas, a efectuar o pagamento da parte restante do preço através do pagamento das dívidas da promitente-vendedora aos credores desta.
Por sua vez, no âmbito desse mesmo acordo sobre o preço os credores da promitente-vendedora declararam dar o seu assentimento à transmissão das dívidas, aceitando também sem quaisquer reservas a substituição da devedora G… «nos termos agora contratados e liberando-a a ela G… das suas obrigações».
Vemos assim, que a interpretação destes dois negócios formais com o sentido de que a eficácia da transmissão das dívidas ficou subordinada à celebração do prometido contrato de compra e venda não tem o mínimo de correspondência no texto do documento.
De notar que também nenhum facto se provou que permita concluir que a vontade real das partes foi a de sujeitar a produção dos efeitos do contrato de transmissão de dívidas a essa condição suspensiva. Mas, ainda que tal prova tivesse sido efectuada, nem mesmo assim as declarações dos outorgantes poderiam valer com esse sentido, face ao que dispõe o nº 2 do art. 238º do Código Civil. Na verdade, o preço é um elemento essencial do contrato de compra e venda e, portanto, do contrato-promessa; por outro lado, a estipulação de uma condição suspensiva no contrato de transmissão de dívidas influencia decisivamente o seu conteúdo, pelo que as razões que levaram à redução a escrito desse contrato opõem-se a que as declarações dos outorgantes possam valer com um sentido que não tem a mínima correspondência no texto do documento, ou seja, com a estipulação dessa condição suspensiva.
Aliás, a outorga da procuração irrevogável no uso da qual «o segundo outorgantes procederá à venda do imóvel a si próprio (…)» e a estipulação de que «O segundo outorgante poderá optar entre negociar com a terceira e o quarto outorgantes o pagamento das dívidas em causa ou em lhes dar em pagamento, um prédio a destacar daquele que é objecto do presente contrato (…)» (cfr cláusula 4 do documento) vão claramente no sentido de que o contrato de transmissão das dívidas produziu os seus efeitos de imediato.
Decorre do exposto, que se incumprimento houve por parte da promitente-vendedora G…, não pode o mesmo ser oposto como meio de defesa pelos executados à credora B….
*
C) 2. Dos juros de mora
Nos termos do nº 2 do art. 804º do Código Civil o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi feita no tempo devido.
E o art. 805º prevê:
«1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:
a) Se a obrigação tiver prazo certo,
(…)».
No documento nada consta sobre a data em que deveria o executado pagar aos credores e ao que importa, concretamente à credora B… as dívidas que assumiu, sendo que no ponto 3 da cláusula 4 diz-se o seguinte: «O segundo outorgante poderá optar entre negociar com a terceira e o quarto outorgante o pagamento em causa ou em lhes dar em pagamento, um prédio a destacar daquele que é objecto do presente contrato, retirada que seja dele a habitação já ocupada pelo segundo outorgante, ficando, nessa hipótese, dada a coisa na proporção dos respectivos créditos».
Portanto, embora em 31/5/1995 o executado C… tenha passado a ser o novo devedor, a obrigação de pagamento da dívida à exequente B… não tem prazo certo.
Resulta do articulado de oposição à execução que os recorridos não celebraram nem vão celebrar o contrato de compra e venda com a G…. Assim, os recorridos constituíram-se em mora com a interpelação na acção executiva, pelo que é desde essa data e não desde a data de 31/5/1995 que são devidos os juros de mora à taxa legal a que se refere o art. 559º do Código Civil.
*
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e em consequência, revogando-se a sentença recorrida, ordena-se que a execução prossiga para pagamento da quantia de 13.214,64 € a título de capital acrescida dos juros de mora às sucessivas taxas legais a que se refere o art. 559º do Código Civil, que se venceram desde a data da citação na execução e que se vencerem até efectivo pagamento.
Custas pela recorrente e pelos recorridos na proporção de vencido.
Porto, 05 de Dezembro de 2011
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos