CONTRA-ORDENAÇÃO
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
RESPONSABILIDADE
EMPREGADOR
Sumário

I - O art. 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, na redacção dada pelo art. 26º do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, dispõe que o condutor “deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo” as folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores (a partir de 01.01.2008), constituindo, nos termos do art. 25º, nº 1, al. a), a Lei 27/2010, de 30.08, contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, dessas folhas.
II - Tais registos devem estar na posse do trabalhador/condutor de modo a que, quando lhos sejam solicitados em fiscalização em estrada, possam ser apresentados de imediato.
III - Nos termos do art. 13º, nºs 1 e 2, da Lei 27/2010, o empregador é o responsável por tal contra-ordenação, a menos que demonstre que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no citado art. 15º, nº 7, caso este em que tal responsabilidade é excluída.
IV - Para tal exclusão, não basta a prova de que o trabalhador assinou uma instrução de serviço de onde constava que se devia fazer acompanhar dos referidos registos, tanto mais alegando o empregador que os mesmos se encontravam na empresa.

Texto Integral

Procº nº 68/11.4TTVCT.P1 Recurso Social
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 472)
Adjunto: Des. António José Ramos

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Não se conformando com a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que lhe aplicou a coima € 3.060,00 pela prática, imputada a título de negligência, da contra-ordenação muito grave p.p. pelos arts. 25º, nº 1, al. b) e 14º, nº 4, ambos da Lei 27/2010, de 30.08, a arguida B…, Ldª impugnou judicialmente tal decisão junto do Tribunal do Trabalho.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença julgando improcedente a referida impugnação e mantendo a condenação da arguida na referida coima.

Inconformada com tal decisão, veio a arguida recorrer, tendo formulado, a final da sua motivação, as seguintes conclusões:
1. De harmonia com o disposto no n° 7 do artigo 15° do Regulamento (CEE) n° 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, com as as alterações introduzidas pelo n° 4 do artigo 26° do Regulamento (CE) n° 561/2006 de 15 de Março de 2006, o condutor deve estar em condições de apresentar, a qualquer pedido dos agentes encarregados do controle, as folhas de registo do dia em curso e os 28 dias anteriores.
2. O referido normativo legal prescreve, "o condutor deve estar em condições de apresentar....".
3. Ou seja, a norma em causa não especifica qual o modo, em termos de forma, tempo e lugar, de apresentação das folhas do registo do tacógrafo. Pelo que,
4. no modesto entendimento da arguida, o legislador, ao redigir desta forma o normativo em causa pretendeu unicamente acautelar a existência das folhas de registo, ou seja que os registo estejam a ser efectuados, e não a sua imediata apresentação aquando da solicitação.
5. Nessa medida, não se impõe ao condutor a sua apresentação imediata em termos absolutos, limitando-se a lei com a possibilidade de apresentação efectiva.
6. Sendo certo que, a arguida fez prova inequívoca da existência das folhas de registo solicitadas aquando da fiscalização, conforme consta de fls. .... dos autos.
7. Aliás, o anexo III da Directiva 2009/5/CE da Comissão de 30 de Janeiro de 2009, ao dividir por grupos a categoria das diversas infracções, refere, quanto aos grupos das infracções ao Regulamento (CEE) n° 3821, nomeadamente ao n° 7 do artigo 15°, a incapacidade de apresentar os registos.
8. No entanto, no caso dos autos, o condutor tinha capacidade e possibilidade de apresentar os registos, uma vez que eles, efectivamente, existiam e existem.
9. Assim, no modesto entendimento da arguida não se verifica a prática de qualquer contra-ordenação, pelo que os autos devem os autos ser arquivados.
10. Acresce que, o n° 1 do Artigo 130 da Lei 27/2010, de 30 de Agosto, prescreve que "A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional."
11. No entanto, de harmonia com o disposto no n° 2 do referido preceito legal "A responsabilidade da empresa é excluído se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n° 3821/82, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n° 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março."
12. Ora, conforme consta da matéria dada como provada o condutor tinha total e perfeito conhecimento da obrigatoriedade de apresentar os registos do tacógrafo, na medida em que tal facto lhe foi comunicado, por escrito.
13. Pois que, conforme consta dos factos provados "O citado motorista assinou a instrução de trabalho constante de fls. 56 do p.p., como tendo tomado conhecimento.
14. Não pode a arguida ser responsabilizada por factos praticados pelo seu funcionário em desrespeito pelas instruções por aquela emanadas.
15. Assim sendo, deve a arguida ser absolvida da prática da contra-ordenação que lhe é imputada, ordenando-se o arquivamento dos autos.
Sem prescindir
16. Nos termos do disposto no n° 1 alínea c) do artigo 379° do Código de Processo Penal "É nula a sentença: Quanto o Tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento."
17. A arguida alegou na sua impugnação que, aquando da fiscalização, o condutor do veículo de matrícula MQ-..-.., solicitou aos agentes autuantes a possibilidade de solicitar, via telefone, à empresa que lhe trouxesse os registos em falta, o que não foi aceite, tendo referido que a sede da empresa se localizava a um percurso de cerca de 10 minutos daquele local, podendo, por isso, facilmente obter os registos solicitados, ainda durante aquela operação de fiscalização.
18. Alegou ainda que tal solicitação não foi aceite, exigindo, assim, os senhores agentes a apresentação imediata das folhas de registo do tacógrafo.
19. No modesto entendimento da arguida, a matéria supra citada é de todo importante para a decisão a proferir no presente processo.
20. Todavia, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a referida matéria.
21. Pelo que, nos termos do disposto no n° 1 alínea c) do artigo 379° do Código de Processo Penal a sentença é nula.
NESTES TERMOS
e mais de direito que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto com as legais consequências.”

O Ministério Público contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso.

Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual a recorrida, notificada, não se pronunciou.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*
II. Matéria de Facto:
Matéria de Facto Provada:
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1 – No dia 23 de Setembro de 2010, pelas 14,10 horas, na E.N. .., km. 116,50, Valença, circulava o veículo automóvel pesado de mercadorias, matrícula MQ-..-.., propriedade da arguida.
2 – Esse veículo era então conduzido pelo trabalhador ao serviço da arguida C…, com a profissão de motorista.
3 – Nessa ocasião, o referido motorista não se fazia acompanhar de todas as folhas de registo de tacógrafo relativas aos 28 dias anteriores.
4 – O citado motorista assinou a instrução de trabalho constante de fls. 56 do p.p., como tendo tomado conhecimento.
*
Matéria de facto não provada:
Na sentença recorrida, consignou-se ainda que:
“Factos Não Provados (com relevância para a decisão da causa e que não tenham recebido resposta restritiva)
a) – que as folhas de tacógrafo se encontrassem no interior do veículo e só não tivessem sido apresentadas por o motorista não se ter apercebido da sua existência.”
*
Não constando do nº 4 dos factos provados a transcrição do teor da instrução de trabalho nele referido, adita-se o nº 5, com o seguinte teor:
5 – Na instrução de trabalho mencionada no nº 4 dos factos provados refere-se o seguinte:
“INSTRUÇÃO DE TRABALHO: 02/2006
Assunto: Tacógrafo Analógico e Digital – Integridade e conservação de registos
De acordo com o Regulamento (CE) 561/2006 de 15 de Março de 2006
Os registos do tacógrafo devem ser mantidos na empresa em bom estado de conservação durante um ano após a sua utilização;
Devem os condutores conservar os registos em bom estado de conservação entregando-os na empresa para esta os manter arquivados cronologicamente para uma fácil consulta.
Actualmente e até 31/12/2007 devem os condutores se fazerem acompanhar na cabina do veículo para actos de fiscalização em estrada dos registos da semana em curso e dos 15 dias anteriores;
A partir de 01/01/2008 os condutores devem se fazer acompanhar na cabina do veículo para apresentação à autoridade nas fiscalizações em estrada dos registos do dia em curso e dos 28 dias anteriores;
(...)
Data: 21/12/2006
Tomei Conhecimento:
(...)”.
*
III. O Direito.

1. Atentas as conclusões do recurso, as questões suscitadas pela arguida são as seguintes (pela ordem por que as apreciaremos):
a. Nulidade da sentença;
b. Se a arguida não cometeu a contra-ordenação que lhe foi imputada;
c. Se a responsabilidade pela prática da referida contra-ordenação não pode ser imputada à arguida.

2. Da 1ª Questão

Tem esta questão por objecto a nulidade da sentença, que a arguida invocou argumentando para tanto que: na impugnação judicial da decisão administrativa alegou que o condutor do veículo em questão solicitou aos agentes autuantes a possibilidade de, via telefone, pedir à empresa que lhe trouxesse os registos em falta e lhes disse que a sede da empresa se localizava a cerca de 10 minutos daquele local podendo, por isso, facilmente obter os registos solicitados ainda durante a operação de fiscalização, o que não foi aceite, exigindo os Srs. Agentes a apresentação imediata das folhas de registo do tacógrafo; tal matéria é essencial, sendo que a sentença recorrida sobre ela não se pronunciou, pelo que é, nos termos do art. 379º, nº 1, al. c), do CPP, nula.
Nas contra-alegações, o MP concluiu no sentido da improcedência de tal nulidade, alegando para tanto que, nos termos do art. 39º, nº 4, da Lei 107/09, de 14.09, a sentença pode basear-me em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa, pelo que às contra-ordenações laborais não é aplicável o citado art. 379º do CPP.
Por sua vez, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto junto desta Relação, no seu douto parecer, acrescentou que: o disposto no art. 379º, nº 1, al. c), do CPP tem por objecto questões, que não factos, sendo que a alegada omissão se reporta a factos; e que o Tribunal da Relação apenas conhece em matéria de direito.

2.1. De harmonia com o disposto no art. 379º, nº 1, als. a) e c), do CPP, aplicável ao processo contraordeancional ex vi do disposto no art. 41º do DL 433/82, é nula a sentença que, respectivamente, “ não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º;” e “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”. E, por sua vez, de harmonia com o art. 374º, nº 2, na sentença, após o relatório, deverá seguir-se “a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, (...)”.
Por outro lado, dispõe o art. 410º, nº 2, al. a), do CPP, que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o que é o caso do recurso para a Relação no âmbito do processo de contra-ordenação – cfr. art. 51º da Lei 107/2009 e 75º do DL 433/82), o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
E o Acórdão do STJ de 19.10.1995, un DR, I Série, de 28.12.1995, fixou jurisprudência no sentido de que o conhecimento dos vícios referidos no nº 2 do citado art. 410º do CPP é oficioso, mesmo nos caos em que o recurso se encontra limitado à matéria de direito.
Sendo, na decisão da matéria de facto constante da sentença, omitido, como provado ou não provado, facto que haja sido alegado pela acusação e/ou pela defesa que se mostre relevante para a decisão da causa e sem o qual o tribunal de recurso não possa decidir da causa (cfr. art. 426º do CPP), entendemos que, seja por via do art. 379º, nº 1, al. a), seja do art. 410º, nº 2, al. a), que tal vício poderá ser, no âmbito do recurso contra-ordenacional, conhecido pela Relação.
E a isso não pode obstar o argumento retirado do art. 39º, nº 4, da Lei 107/2009, de 14.09, o qual dispõe que: “4. O juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinam a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa.”.
Se se poderá aceitar a possibilidade dessa adesão no caso de estar em causa apenas matéria de direito, já não nos parece que tal seja possível quando esteja em questão a apreciação e decisão de matéria de facto que seja posta em causa pelo arguido na impugnação judicial da decisão administrativa ou que seja por este alegada em sua defesa quer no que se reporta aos factos integradores da contra-ordenação, quer nos relativos ao apuramento da sua responsabilidade ou outros relevantes, sob pena de inconstitucionalidade da norma ou da interpretação que dela fosse feita por preterição do direito de defesa do arguido e do direito a um processo equitativo que garanta a sua efectiva realização (art. 20º, nºs 1, 3 e 5 e 32º, nºs 1, 5, 7 e 10, da CRP), bem como do direito a uma decisão fundamentada (art. 205º da CRP). Alegando o arguido, em sua defesa, factualidade que contraria e extravasa a constante da acusação, sendo-lhe garantida a possibilidade de oferecer prova e sendo obrigatória a realização da audiência de julgamento, mal se compreenderia que pudesse o Tribunal, depois, não se pronunciar e/ou não fundamentar a sua decisão no que se reporta à factualidade alegada, limitando-se à mera adesão à decisão administrativa.
Por outro lado, dispõe o art. 39º da citada Lei 107/2009 que, em caso de absolvição, o juiz deverá indicar por que não considera provados os factos (ou por que não constituem uma contra-ordenação); ora, em caso de condenação, também mal se compreenderia que não tivesse que indicar e fundamentar, de entre os factos alegados pela defesa, os que considera provados e não provados, sendo que interpretação contrária violaria os princípios do direito a um processo equitativo e justo, da “igualdade de armas” e da fundamentação das decisões judiciais.
Aliás, mesmo no âmbito do processo civil, veja-se que o art. 713º, nº 5, do CPC permite à Relação a decisão por mera adesão à sentença da 1ª instância, mas apenas e tão- só quando a matéria de facto não tenha sido impugnada, nem haja qualquer alteração da matéria de facto. Ora, se assim é, senão até por maioria de razão, pelo menos por identidade de razão, não poderá a sentença, em 1ª instância, que aprecie a impugnação judicial da decisão administrativa remeter-se a mera adesão à decisão administrativa quando, nessa impugnação, o arguido suscite, em sua defesa, matéria de facto que seja relevante.
Consideramos, pois, que a simplificação processual prevista no nº 4 do art. 39º da Lei 107/2009, não poderia ir tão longe quanto o aparentemente defendido nas contra-alegações.

2.2. No caso, a arguida havia alegado na impugnação judicial da decisão administrativa que a obrigação de o condutor apresentar as folhas de registo dos tacógrafos consagrada no art. 26º, nº 4, do Regulamento (CE) nº 561/2006, de 15.03 (“ o condutor deve estar em condições de apresentar...(...)” não especifica o modo, forma, tempo e lugar dessa apresentação e que o legislador pretendeu apenas acautelar a existência dessas folhas e não a sua imediata apresentação aquando da solicitação. E, a este propósito, referiu que, aquando da fiscalização, o condutor do veículo em questão solicitou aos agentes autuantes a possibilidade de solicitar, via telefone, à empresa que lhe trouxesse os registos em falta e lhes disse que a sede da empresa se localizava a cerca de 10 minutos daquele local podendo, por isso, facilmente obter os registos solicitados ainda durante a operação de fiscalização, o que não foi aceite, exigindo os Srs. Agentes a apresentação imediata das folhas de registo do tacógrafo. E, daí, conclui, que tal matéria é essencial, sendo que a sentença recorrida sobre ela não se pronunciou, razão pela qual invoca a sua nulidade.
Com efeito, a sentença recorrida não se pronunciou sobre tal factualidade, seja dando-a como provada ou como não provada, uma vez que ela não consta do elenco seja dos factos provados ou não provados.
E se, porventura, considerassemos relevante tal factualidade, impor-se-ia, a nosso ver, seja ao abrigo do disposto no citado art. 379º, nº 1, al. a), seja do art. 410º, nº 2, al. a), ambos do CPP, a anulação da sentença com vista à ampliação e apuramento do facto em questão.
Acontece que entendemos que tal facto é irrelevante para a apreciação da referida questão, pois que mesmo que provado tivesse ficado, como pretende a arguida, ele em nada alteraria a decisão recorrida, mormente no que se reporta à verificação da existência da contra-ordenação. Com efeito, não acolhemos a interpretação que a arguida faz do art. 26º, nº 4, do Regulamento (CE) nº 561/2006, conforme o que de seguida se dirá a propósito das segunda questão elencada que, de imediato, se passará a apreciar e para onde se remete.

3. Da 2ª questão

Tem esta questão por objecto saber se a arguida não cometeu a contra-ordenação que lhe foi imputada.
A seu propósito, alega a arguida o que acima referimos, no ponto 2.2.
Com efeito, retoma a arguida, agora no recurso, o que já havia alegado em sede de impugnação judicial, no sentido de que a obrigação de o condutor apresentar as folhas de registo dos tacógrafos consagrada no art. 26º, nº 4, do Regulamento (CE) nº 561/2006, de 15.03 (“ o condutor deve estar em condições de apresentar...(...)”) não especifica o modo, forma, tempo e lugar dessa apresentação e que o legislador pretendeu apenas acautelar a existência dessas folhas e não a sua imediata apresentação aquando da solicitação.
O art. 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, na redacção dada pelo art. 26º do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006 dispõe que o condutor “deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo” [sublinhado nosso] as folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores (a partir de 01.01.2008, sendo que, até esta data, os registos reportavam-se às utilizadas na semana em curso e nos 15 dias anteriores).
Refira-se também que a Directiva nº 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15.03.2006 (alterada pelas Directivas 2009/04/CE da Comissão, de 23.01.2009 e 2009/5/CE da Comissão, de 30.01.2009) prevê a existência de controlos na estrada (art. 4º e Parte A do Anexo I) e controlos nas instalações da empresa (art. 6º e Parte B do Anexo I), sendo que:
-Relativamente aos controlos na estrada, na Parte A do Anexo I refere-se que “Os controlos na estrada incidirão, em geral, sobre os seguintes elementos:
1. Tempos de condução (...); igualmente, folhas de registo dos dias precedentes, que têm de ser conservadas a bordo do veículo por força do nº 7 do artigo 15º do Regulamento /CEE) nº 3821/85, (...);
(...)”.
- Relativamente aos controlos em instalações de Empresas, a Parte B do referido Anexo I refere que:
“Para além dos elementos referidos na parte A, os controlos nas instalações de empresas incidirão sobre os seguintes elementos:
1. Periodos semanais de descanso e tempos de condução entre esses períodos de descanso;
2. Limitação bissemanal dos tempos de condução;
3. Folhas de registo, dados da unidade-veículo e do cartão de condutos e respectivas folhas impressas.
(...)”.
Por sua vez, do Anexo III da referida Directiva 2006/22/CE , na redacção dada pela Directiva 2009/5/CE da Comissão, de 30.01.2009, que a arguida invoca nas suas alegações, consta um quadro que “contém orientações sobre uma gama comum de infracções aos Regulamentos (CE) nº 561/2006 e (CEE) nº 3821/85, divididas por categorias segundo a respectiva gravidade”, quadro esse que, relativamente ao art. 15º, nº 7 do Regulamento (CEE) nº 3821/85 prevê, como tipo de infracção, a “incapacidade de apresentar registos do dia em curso” e “incapacidade de apresentar registos dos 28 dias anteriores”.
Finalmente, a Lei 27/2010, de 30.08, que veio estabelecer o “regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo de utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva nº 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas 2009/04/CE da Comissão, de 23 de Janeiro e 2009/5/CE da Comissão, de 30 de Janeiro”, dispõe no seu art. 25º que:
“1 Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
a) De folhas de registo e impressões, bem como de dados descarregados do cartão do condutor;
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;
c) (...)
2. (...)”.
Ora, do referido decorre, indubitavelmente, que o legislador não pretendeu assegurar, apenas, a existência dos registos em questão, mas sim e também a sua imediata apresentação às autoridades competentes quando tal lhes seja solicitado no controlo em estrada.
É o que decorre da letra da lei, ao referir-se no art. 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, que o condutor “deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo” [sublinhado nosso], da obrigação de conservar a bordo as folhas de registo dos dias precedentes a que se reporta esse art. 15º, nº 7, e do facto de o controlo dever ser feito em estrada (por contraposição ao controlo nas instalações da empresa). A lei dispõe, pois, sobre o momento da apresentação dos mesmos, na medida em que deverão estar a bordo por forma a poderem ser apresentados às autoridades que procedem à fiscalização em estrada.
E a isso não obsta, nem tem qualquer relevância, o facto de o Anexo III da Directiva 2006/22/CE, na redacção introduzida pela Directiva 2009/5/CE, no quadro que contempla uma tipologia de infracções, fazer referência à “incapacidade” de apresentação dos registos; os condutores incapacitados dessa apresentação serão aqueles que não têm os registos a bordo por forma a poder apresentá-los quando a tal solicitados pela fiscalização em estrada ou, dito de outra forma, os condutores que os não têm estão incapacitados de os apresentar aquando dessa fiscalização.
Ou seja, não procede a tese da arguida de que não estaria obrigada a ter os registos no veículo por forma a, aquando da fiscalização efecutada, poderem ser de imediato apresentados e, bem assim que, por se encontrarem os registos na empresa, os agentes fiscalizadores deveriam aguardar por essa apresentação, esteja a empresa localizada, ou não, a 10 minutos. O dever de serem mantidos no veículo e da sua apresentação imediata não depende da maior ou menor proximidade, em relação à empresa, da localização do véiculo aquando da fiscalização.

3.1. Ora, assim sendo, mostra-se irrelevante o facto referido no ponto 2.2., sendo que, mesmo que os registos se encontrassem na empresa, como alega a arguida, e que a mesma se encontrasse a 10 minutos de distância, a contra-ordenação sempre se verificaria, na medida em que o condutor, por os registos não se encontrarem no veículo, não estava em condições de os poder apresentar no momento em que lhe foram solicitados aquando da fiscalização, em estrada, levada a cabo.
Por consequência e como referido no ponto 2.2., não há, por essa razão, fundamento para anular a sentença, sendo que o facto não se mostra relevante, nem se verifica insuficiência da matéria de facto.

3.2. Em conclusão, face ao referido nos nºs 1, 2 e 3, foi cometida a contra-ordenação imputada na decisão administrativa e confirmada na decisão recorrida.
Assim sendo, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.

4. Da 3ª questão

Tem esta questão por objecto saber se a responsabilidade pela prática da referida contra-ordenação não pode ser imputada à arguida.
A questão da imputabilidade à empregadora das contra-ordenações praticadas pelos motoristas ao seu serviço (designadamente no âmbito do então art. 7º do DL 272/89, de 19.08), foi alvo de vicissitudes legislativas e interpretativas variadas, a saber e em síntese:
- O art. 4º, nº 1, al. a), da Lei 116/99, de 4.06, ao abrigo da qual a jurisprudência se dividia entre a que considerava que o empregador, por via de uma responsabilidade objectiva e/ou presumida, seria o responsável pela contra-ordenação e a que entendia que, detendo o motorista o controle do veículo e estando ele também obrigado à observância das normas existentes nessa matéria, a responsabilidade do empregador dependia da prova da verificação da materialidade da infracção e da culpa do mesmo na sua ocorrência,
- Após, com o CT/2003[1], perante a revogação da citada Lei 116/99 e da inexistência de norma idêntica ao mencionado art. 4º, passou-se a entender ser necessária a demonstração da imputabilidade ao empregador da autoria material da contra-ordenação,
- Posteriormente, com o Regulamento (CE) nº 561/2006 (art. 10º, nº 3) e DL 237/2007, de 19.06 (art. 10º), a jurisprudência dividiu-se:
a. Entendendo, uns, que o referido Regulamento era de aplicação imediata e consagrava a responsabilidade objectiva do empregador pelos factos praticados pelos seus condutores[2];
b. E, outros, que a responsabilização objectiva do empregador prevista pelo citado Regulamento carecia, face ao disposto no seu art. 19º, de previsão e regulamentação no ordenamento jurídico nacional, quer quanto à consagração dessa responsabilidade, quer quanto ao quadro sancionatório correspondente, entendimento este que foi o sufragado no Acórdão desta Relação, de 19.10.09, Processo nº 20/09.0TTMTS.P1, in www.dgsi.pt, relatado pela ora relatora [3] e em que se referiu que dos arts. 10º e 19º desse Regulamento, bem como do seu considerando preambular nº 26 se podia concluir que:
“(…) foi intenção desse Regulamento prever como princípio/regra a responsabilidade objectiva dos empregadores transportadores pelas infracções cometidas pelos respectivos trabalhadores; não obstante, aí se admitiu também que os Estados-Membros, no âmbito do poder/dever de regulamentação do quadro sancionatório, viessem a prever formas atenuadas dessa responsabilidade objectiva, mormente: (a) enquadrando-a no âmbito de uma verdadeira responsabilidade subjectiva, ao fazer depender a sua responsabilidade da violação, por si cometida, dos deveres previstos nos nºs 1 e 2 do art. 10º do Regulamento; (b) ou, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento.
Certo é que o citado Regulamento não é, nessa parte, directamente aplicável em todos os Estados-membros, já que, contendo normas que carecem de regulamentação pelo direito nacional, necessita de ser concretizado por cada um desses mesmos Estados, nomeadamente no que se reporta à responsabilização objectiva do empregador pelas infracções cometidas pelo condutor.”.
- Seguiu-se o CT/2009[4], em que o seu art. 551º, nº 1, veio adoptar regime semelhante ao que constava do art. 4º da Lei 116/99,
- E, finalmente, surgiu a Lei 27/2010, de 30.08 que, como acima referido, veio estabelecer o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo de utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, assim criando o quadro sancionatório e dando, por consequência, execução aos arts. 10º, nº 3 e 19º do Regulamento 561/2006 (e revogando o DL 272/89, de 19.08), diploma esse que entrou e vigor aos 05.09.2010 e que é o aplicável ao caso em apreço.
Ora, o art. 13º da citada Lei veio dispor que:
1 – A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2 – A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3 – O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.
4 – (...)
Ou seja, a Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais.

4.1. No caso, e com vista à desresponsabilização da arguida pela contra-ordenação em apreço, apenas se provou que o motorista assinou a instrução de trabalho, datada de 21.12.2006, referida nos nºs 4 e 5 da matéria de facto provada como tendo dela tomado conhecimento, instrução essa onde se refere que a partir de 01.01.2008 os condutores se devem fazer acompanhar na cabina do veículo para apresentação à autoridade nas fiscalizações em estrada dos registos do dia em curso e dos 28 dias anteriores, facto este que, como considerado na sentença recorrida, se nos afigura insuficiente no sentido de se poder concluir que a arguida organizou devidamente o trabalho de modo a que o motorista pudesse dar cumprimento à obrigação de apresentação dos registos tacógrafos aquando da fiscalização.
Com efeito, para tanto, não basta a prova da assinatura dessa instrução, sendo que se desconhece quais seriam, na prática e efectivamente, os procedimentos instituídos ou praticados pela arguida, se os fiscalizava, qual o destino que o motorista dava aos discos tacógrafos no final do período das 24 horas, qual a razão por que, no caso, não estava o trabalhador na posse dos referidos registos, designadamente se o condutor os havia, ou não, entregue à arguida. Aliás, tal como referido no ponto 2.2., foi a própria arguida quem alegou que os registos se encontrariam na empresa, pelo que mal se compreende que estando eles, como diz, na empresa, tivesse organizado o trabalho de molde a permitir ao condutor a sua apresentação ou tivesse fiscalizado devidamente a organização do trabalho.
Deste modo, entende-se que é a arguida responsável pela contra-ordenação em apreço, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela arguida, condenando-se a mesma em 4 UC de taxa de justiça.

Porto, 05-12-2011
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
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[1] Abreviatura do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08.
[2] Cfr. Acórdãos da RC de 15.07.09, Porc. 81/09.1TTAVR.C1, de 22.10.09, Proc. 326/09.9TTCBR.C1 e de 11.03.10, Proc. 608/09.9TTVIS.C1 e da RL de 17.06.09, Proc. 656/08.6TTSNT.L1-4 e de 24.06.09, Proc. 102/09.8TTVD.L4, citados por João Soares Ribeiro, in Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, 2011, 3ª Edição, p. 648.
[3] Bem como no Acórdão., também da RP, de 25.01.2010, Proc. 756/08.2TTOAZ.P1, relatado pelo Desembargador Fernandes Isidoro, este último referido in ob. acima citada.
[4] Abreviatura de Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02.
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SUMÁRIO
I. O art. 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, na redacção dada pelo art. 26º do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, dispõe que o condutor “deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo” as folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores (a partir de 01.01.2008), constituindo, nos termos do art. 25º, nº 1, al. a), a Lei 27/2010, de 30.08, contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, dessas folhas.
II.Tais registos devem estar na posse do trabalhador/condutor de modo a que, quando lhos sejam solicitados em fiscalização em estrada, possam ser apresentados de imediato.
III. Nos termos do art. 13º, nºs 1 e 2, da Lei 27/2010, o empregador é o responsável por tal contra-ordenação, a menos que demonstre que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no citado art. 15º, nº 7, caso este em que tal responsabilidade é excluída.
IV. Para tal exclusão, não basta a prova de que o trabalhador assinou uma instrução de serviço de onde constava que se devia fazer acompanhar dos referidos registos, tanto mais alegando o empregador que os mesmos se encontravam na empresa.

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho