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CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA TÁCITA
CLÁUSULA ACESSÓRIA
NEGÓCIO REAL
TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE
Sumário
I - A condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico, por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva). II - A razão de ser da estipulação condicional radica na incerteza do declarante de alcançar os fins a que se propõe com o negócio, porquanto, embora seja provável que venham a ser alcançados, não está afastada a dúvida sobre a sua futura verificação, uma vez que, na sua perspectiva, a finalidade a que se dirige o negócio depende de circunstâncias futuras que ele não domina e se lhe afiguram de verificação incerta. III - Nos negócios reais, que envolvem a transmissão do direito de propriedade, sendo a condição suspensiva, durante a pendência da condição, o credor condicional detém uma simples expectativa de vir a adquirir o direito, verificada a condição. Não pode ainda exercitar o seu direito, visto que não pode exigir do devedor condicional o cumprimento da prestação prometida. IV - Sendo resolutiva a condição, na pendência desta, o negócio produz todos os efeitos que lhe são próprios, os quais, porém, desaparecerão, serão destruídos retroactivamente, se a condição se verificar. V - A condição legal ou conditio juris é o elemento do conteúdo do negócio por via do qual a lei sujeita os efeitos desse negócio a um facto futuro e incerto; difere da verdadeira condição que se traduz num elemento acidental ou secundário do negócio jurídico, nele introduzido pela vontade das partes no uso pleno do princípio da liberdade negocial (art. 405.º do CC). VI - Dentro deste conceito genérico de condição legal cabe a condição resolutiva tácita: elemento inserto por lei nos contratos sinalagmáticos, segundo o qual se uma das partes não cumprir, a outra pode resolvê-lo, dá-lo por ineficaz. VII - In casu, o contrato de compra e venda celebrado entre as partes produziu todos os seus efeitos típicos – transferência da propriedade dos lotes e pagamento do preço – só que, no que concerne à transferência da propriedade, ela ficou na dependência da verificação de um facto futuro e incerto – a implantação nos lotes de uma unidade industrial – de modo que, não se verificando esse facto, ocorreu a condição resolutiva que desencadeará automaticamente a resolução do contrato e, em sua consequência, a reversão da propriedade para a vendedora (devedora condicional). VIII - A cláusula acessória que as partes introduziram no contrato de compra e venda que celebraram traduz uma verdadeira e própria condição, aplicando-se, por conseguinte, o respectivo regime jurídico – art. 270.º e segs. do CC.
Texto Integral
Relatório
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A Câmara Municipal de Pombal intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra AA… – Fábrica Portuguesa de Redes Ld.ª ,
alegando em resumo:
— A. e Ré outorgaram escritura de compra e venda, por via da qual a A. vendeu à Ré e esta comprou , 3 lotes de terreno, sitas no Parque Industrial concelhio, destinados à implantação de unidades industriais, pelo preço de 4.162.000$00.
— ficou ainda convencionado que os projectos deveriam estar implantados no terreno no prazo de 180 dias e as unidades a construir deviam estas em laboração ao cabo de 12 meses após a emissão da licença de construção.
— clausulou-se, também que o não cumprimento de qualquer dos referidos prazos implicava que a Câmara tomasse posse dos lotes no estado em que se encontrarem, sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes à data daqueles tomados de posse.
— A Ré não cumpriu com os referidos prazos.
Pedia, então, a A., se declarasse resolvido o contrato, condenando-se a Ré a reconhecer a A. como dona dos mencionados lotes, com o cancelamento dos registos efectuados em função da compra e venda.
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Entretanto, tendo sido decretada a falência da Ré (1996) foi citado o liquidatário nomeado, tendo este contestado.
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Uma vez que os lotes em causa foram apreendidas para a massa falida, foi a acção apensada ao processo de falência e notificado a A. para fazer intervir os credores.
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Requerida e deferida tal intervenção, veio o credor BB-Banco … Português S.A., fazer seu o articulado de contestação da massa falida, alegando, além disso, que a cláusula resolutiva não lhe era oponível pois tinha registo da hipoteca sobre os lotes em causa, anterior ao registo da acção.
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Proferida sentença final, declarou que “verificada a condição resolutiva aposta no contrato ... a A. tem direito a fazer seu o preço de venda”.
Condenou-se a Ré “a restituir os ... lotes de terreno, abstendo-se, no futuro de praticar quaisquer actos sobre os mesmos ... a reconhecer que, em consequência da resolução do contrato, não lhe assiste o direito de pedir qualquer indemnização à A.”.
Determinou-se ainda “o cancelamento dos registos originados no contrato de compra e venda em causa, designadamente o registo da aquisição a favor da falida, de hipoteca voluntária a favor do BB-… e de duas penhoras registadas sobre os lotes em causa”.
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Inconformados recorreram a massa falida e o credor BB-… .
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A Relação, apreciando as apelações e divergindo da qualificação jurídica assumindo pela 1ª instância (que teve o negócio como condicional) qualificou a cláusula em questão como cláusula resolutiva expressa (ou resolução contratual) validamente convencionada e sujeita ao regime dos Art.sº 432 e seg. do C.C..
Julgou improcedente a apelação de massa falida, mas teve por procedente a apelação do credor BB-…, revogando a sentença na parte em que ordenou o cancelamento do registo da hipoteca voluntária a favor do apelante e, consequentemente, declarou a ineficácia da resolução decretada relativamente a tal garantia.
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Inconformado, é agora o Município de Pombal (A.) quem recorre de revista para este S.T.J..
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Conclusão
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Apresentadas tempestivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões:
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Conclusões de Revista
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«CONCLUSÕES:
A- Ao decidir o acórdão por aplicar no caso sub judicie os art. 434 e segs do CC e não os art. 270 e segs do mesmo diploma legal, praticou um erro na determinação da norma aplicável
B- A cláusula corresponde a uma verdadeira condição resolutiva, cuja verificação importa a cessação do contrato e os seus efeitos operam em relação a todos os actos dispositivos praticados na pendência da condição, nos termos do art. 270.° e n.° 1 do art. 274.° do CC.
C- Segundo o douto entendimento do ilustre Prof. Manuel de Andrade, podemos definir condição (\...)como a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que só se verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos , ou então, nessa eventualidade deixará de os produzir (condição resolutiva). A. condição exprime uma vontade hipotética, (.....) subordinada a um dado evento que se prevê como possível, mas não certo (...)
D- A condição, é considerada, como um elemento voluntário dos negócios jurídicos, pela qual a produção ou extinção dos respectivos efeitos fica dependente de um acontecimento futuro e incerto e "faz corpo com o negócio a que é aposta".
E- Verificada a condição, os efeitos do negócio jurídico deixam de existir a condição opera ipso iure mesmo em confronto com terceiros, e tal como foi decido pelo tribunal de 1ª instância, que o terem as partes – Recorrente e Recorrida/Massa Falida, estipulado no contrato de compra e venda, a cláusula já descrita, que corresponde a uma condição resolutiva cuja verificação importa a cessação do contrato e que o regime aplicável é o do n.° 1 do art. 274.° do CC que estabelece " ...os actos dispositivos praticados na pendência da condição ficam sujeitos à eficácia ou ineficácia do próprio negócio"
F- A resolução do contrato deve-se unicamente à existência do evento condicionante, que consiste nos termos apostos na cláusula; cláusula essa devidamente registada na Conservatória de Registo Predial competente antes do registo das hipotecas, porquanto as partes, sem qualquer dúvida, quiseram que contrato produzisse, desde logo, os seus efeitos - transmissão da propriedade - sujeitando, porém, o comprador a cumprir com os prazos clausulados, sob pena de resolução por parte da vendedora.
G- Na esteira deste correcto entendimento, resolução do contrato e a consequente a operância dos seus efeitos jurídicos, nos termos do n.° 1 do art. 274.° do CC. atinge a hipoteca constituída a favor do Recorrido /BB. E por isso mesmo ser a mesma cancelada.
Nestes termos e melhores de direito e com o mui douto suprimento de V. Exas, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto Acórdão proferido e só assim se fará JUSTIÇA!»
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Nas suas contra-alegações, defende o credor BB-… – S.A. a confirmação do julgado.
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OS FACTOS
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As instâncias tiveram por provada a seguinte factualidade.
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São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância:
«1) Por escritura pública celebrada em 10/05/1991, pelo preço de Esc. 4 162 000$00, a Autora declarou vender, e a falida declarou comprar, os seguintes imóveis: lote de terreno, destinado a construção urbana, com a área de 5776m2, designado por lote número … e … do Parque Industrial M… da M…, sito na Q… da G…, freguesia e concelho de Pombal, inscrito na matriz respectiva sob o art. …, descrito na CRPredial de Pombal sob o n° 0…; Lote de terreno, destinado a construção, com a área de 5292m2, designado por lote número … e … do Parque Industrial M… da M…, sito na Q… da G…, freguesia e concelho de Pombal, inscrito na matriz respectiva sob o art. 7 816, descrito na CRPredial sob o n° 0…; lote de terreno, destinado a construção, com a área de 5580m2, designado por lote número … e … do Parque Industrial M… da M…, sito na Q… da G…, freguesia e concelho de Pombal, inscrito na matriz respectiva sob o art. …, descrito na CRPredial sob o n° 0… .
2) Na sua reunião ordinária do dia 21 de Dezembro de 1990, a Câmara Municipal de Pombal deliberou proceder à venda dos lotes de terreno ditos em A).
3) Na escritura dita em A) a Autora e a falida declararam ainda que: "Os lotes destinam-se à implantação de indústria que obedeça a todos os requisitos exigidos pelos vários Departamentos Estatais envolvidos e que tenha ausência total de poluição do meio ambiente".
4) Mais declararam que "No prazo máximo de cento e oitenta dias a contar da data da assinatura da. presente escritura, deverá o segundo outorgante (a Ré) dar início à implantação dos projectos no terreno".
5) E que: "Doze meses após da data do alvará-licença de construção, deverão as unidades estar em completa laboração dentro dos moldes apresentados pelos projectos aprovados e licenciados".
6) Declararam, igualmente, que: "O não cumprimento de qualquer destes prazos implica que a Câmara Municipal de Pombal tome posse dos lotes no estado em que os mesmos se encontrem, sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes às datas daquelas tomadas de posse".
7) Mais declararam que: "Em tudo o que não estiver expresso na presente escritura, serão aplicadas as cláusulas do Regulamento do Parque Industrial M… da M…, aprovado pela Câmara Municipal de Pombal nas suas reuniões de 11 de Agosto de 1988 e 29 de Setembro do mesmo ano e pela Assembleia Municipal na sessão de 27 de Setembro de 1988 e pelo Regulamento do respectivo loteamento".
8) A Ré entregou à Autora, a título de pagamento do preço dos lotes ditos em 1), a quantia de 4 162 000$00.
9) Os lotes ditos em A) encontram-se inscritos na CRPredial de Pombal a favor da Ré, pela inscrição G…, apresentação …/…, constando de tal inscrição no registo que: "O não cumprimento dos prazos estipulados no regulamento do loteamento implica que a Câmara Municipal de Pombal tome posse dos lotes no estado em que os mesmos se encontrem, sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes às datas daquelas tomadas de posse".
10) Os prazos estipulados no Regulamento do Parque Industrial M… da M…, aprovado pela Câmara Municipal de Pombal e pela Assembleia Municipal de Pombal, são os mesmos que aqueles ditos em 4) e 5).
11) A Ré foi declarada falida por sentença proferida em 22/04/1996, já transitada em julgado.
12) Através de apresentação …/0… foram registadas a favor do então CC-… (hoje BB) hipotecas voluntárias até ao montante de 36 000 000$00, para segurança e garantia do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir pela falida.
13) O BB incorporou, por fusão, os já extintos CC-…, Banco P… e S… M… e U…de B… P… .
14) A falida procedeu à execução, em data não apurada, nos lotes ditos em A), de 38 sapatas de betão armado, tendo cada uma as dimensões de l,10mxl,10mxl,10, que correspondem à implantação de uma edificação com a área de 4 375,00m2.
15) A Ré, aquando da celebração da escritura pública dita em A), sabia que a Autora visava fomentar a instalação de projectos industriais no concelho de Pombal, sendo por esse motivo que a autora procedia à venda dos lotes do Parque Industrial M… da M… ao preço de 250$00 o m2.
16) Aquando da celebração da escritura dita em A), a Autora encontrava-se a dotar o Parque Industrial M… da M… de infra-estruturas.
17) A falida não continuou a obra dita em 1), devido às dificuldades económicas que sentia.
18) Na data da celebração da escritura dita em A) o valor do m2 no Parque M... da M... era de 250$00.
19) Para proceder à implantação das sapatas nos lotes de terreno ditos em A), em 1991 seria necessário despender o valor de €4 237,00.
20) O preço do m2 dos lotes ditos em A), em 30 de Agosto de 1998, era de 1.500$00.
21) Aquando da constituição das hipotecas ditas em A) o CC-… tinha conhecimento de que a falida laborava com normalidade e que dispunha de crédito.
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Adita-se a este acervo o seguinte:
22) A presente acção foi registada em 24 de Fevereiro de 1997.»
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Fundamentação
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Como facilmente se vê das conclusões da revista a questão colocada traduz-se em saber se estamos perante um negócio condicional, traduzindo-se, pois, a cláusula em questão, numa verdadeira e própria condição resolutiva a que se aplica o regime dos Arts. 270 e seg. do C.C., ou, como decidiu o acórdão recorrido, se estamos perante um vulgar contrato de compra e venda, traduzindo-se a cláusula referida numa simples cláusula resolutiva expressa (ou resolução convencionada), aplicando-se, em consequência o regime dos Art.ºs 432º e segs. do C. C.
Da qualificação porque se optar, dependerá à oponibilidade ou inoponibilidade da resolução decretada ao banco credor (quanto à hipoteca voluntária de que dispõe), questão essencial, que justifica a revista.
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Vejamos então.
Dispõe o Art. 270 do C.C. que “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo resolutiva”.
Ora, como é entendimento unânime na doutrina e jurisprudência, a condição é uma cláusula acessória típica, um elemento acidental do negócio jurídico (não é pois, seguramente, um elemento típico do tipo negocial).
Definindo a condição, ensina Manuel de Andrade (Teoria-Geral – II – 356), é “uma cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneiro que, ou só verificado tal acontecimento futuro e incerto é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então, só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva).
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Salienta ainda o referido mestre que a condição exprime “uma vontade hipotética”, mas “actual e efectiva, embora subordinada a um dado evento que se prevê como possível, mas não como certo” e que “não se desdobra em duas declarações de vontade, sendo a segunda limitativa da primeira. Constitui uma declaração de vontade única e incidível ... A condição faz corpo com o negócio em que é aposta”.
Deste modo, o negócio condicional “constitui um todo único, um bloco, um monólito”.
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Note-se que esta última ideia de incindibilidade da declaração de vontade e, portanto, da unidade do negócio condicional, só pode aceitar-se (e, salvo melhor opinião será esse o sentido da afirmação do autor citado) no sentido de que o declarante apenas quis celebrar o negócio como negócio condicional. Só quer a produção dos efeitos do negócio propriamente dito se verificada a condição, ou só quer que esses efeitos se tornem definitivos e se consolidem, verificada a condição.
Fora do alcance deste sentido, parece que terá de convir-se que o acontecimento futuro previsto, não faz parte do contrato, antes é algo que simplesmente lhe acresce, com a única função de condicionar os seus efeitos.
Aceitamos, assim, a doutrina perfilhada pelo Prof. Galvão Teles (Manual dos Contratos em Geral) quando ensina com grande clareza que “O eventual acontecimento futuro previsto na condição não se encorpora no contrato, não se integra ou deixa absorver nele, nem mesmo na condição suspensiva, em que simplesmente acresce ao negócio, fechado o ciclo de um facto complexo de produção sucessiva, de que são peças ou elementos o contrato condicionado e o facto condicionante. Entre estes dois factos há um desnível de importância; não têm a mesma função; o elemento primordial é o contrato, verdadeira fonte dos efeitos jurídicos que a cláusula suspende e cuja livre expansão, até aí reprimida, se torna realidade com a verificação do evento previsto, que não tem outro papel senão esse. Tratando-se de condição resolutiva, menos ainda se pode afirmar que ela constitui com o negócio um todo único, um bloco, dado a sua finalidade ser precisamente a de, uma vez verificada, destruir os efeitos negociais entretanto em curso”.
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Seja como for, vê-se claramente que a razão de ser da estipulação condicional radica na incerteza do declarante de alcançar os fins a que se propõe com o negócio, porquanto, embora seja provável que venham a ser alcançados, não está afastada a dúvida sobre a sua futura verificação, uma vez que, na sua perspectiva, a finalidade a que se dirige o negócio depende de circunstâncias futuras que ele não domina e se lhe afiguram de verificação incerta.
Como brilhantemente sintetiza o mestre citado “A dúvida é a raiz psicológica dessa cláusula. É, pode dizer-se, a mãe da condição”.
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Assim, através da estipulação condicional o declarante pode prevenir eventualidades futuras (de verificação incerta), mas pode igualmente influenciar o comportamento da outra parte, no sentido por ele pretendido, atribuindo-lhe uma determinada vantagem ou impondo-lhe uma desvantagem.
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Analisemos agora os efeitos da condição.
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Antes de mais deve ter-se presente que, nos negócios reais, que envolvem a transmissão do direito de propriedade, assume a posição de credor condicional o adquirente e de devedor o transmitente que se obrigou, sob condição, a dispor da coisa a favor do primeiro.
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Ora, sendo a condição suspensiva, durante a pendência da condição, o credor condicional detém uma simples expectativa de vir a adquirir o direito, verificada a condição, não pode ainda exercitar o seu direito, visto que não pode exigir do devedor condicional o cumprimento da prestação prometida.
Mas, face à expectativa de que já dispõe, a lei permite-lhe, como permite ao devedor condicional, praticar diversos actos jurídicos legalmente tutelados.
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Assim, ambos podem praticar actos dispositivos sobre os bens ou direitos objecto do negócio condicional.
Podem, portanto, alienar aqueles bens ou direitos assim como onerá-los (por ex. com hipotecas voluntárias), embora tais actos fiquem dependentes da verificação ou não da condição.
Verificada esta, ficam sem efeito as disposições assumidas pelo devedor condicional, surgindo com plena validade os provenientes do credor condicional, ocorrendo a situação inversa se a condição não se verificar.
É que, no primeiro caso (verificação da condição) todos os efeitos do negócio que se encontravam suspensos, produzem-se imediatamente, ipso jure ou ipsa vi legis com efeito retroactivo ao momento da celebração do negócio, enquanto na segunda, (não verificação da condição), o negócio desaparece, assim como todos os efeitos provisórios ou preparatórios que ocorreram na pendência da condição.
Tudo se passa como se o negócio não tivesse sido celebrado.
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Sendo resolutiva a condição, na pendência deste o negócio produz todos os efeitos que lhe são próprios, os quais, porém, desaparecerão, serão destruídos retroactivamente, se a condição se verificar.
A respeito da condição resolutiva, costumam os autores chamar a atenção para que, na pendência da condição (resolutiva), o devedor condicional se encontra numa situação idêntica à de um credor sob condição suspensiva já que, como observa Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil – 3ª ed.) “... a condição resolutiva é suspensiva da dissolução do negócio condicionado”.
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Também aqui (no domínio da condição resolutiva) ambas as partes podem praticar actos dispositivos ou de oneração.
Porém, verificada a condição, os efeitos do negócio que até aí se estavam produzindo, cessam, deixam de existir no mundo jurídico.
O negócio fica destruído retroactivamente.
Tal efeito, tal como na condição suspensiva opera ipso jure, portanto, sem necessidade de qualquer acto das partes (por exemplo notificação à parte contrária) ou intervenção judicial.
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E o referido efeito retroactivo produz-se mesmo em confronto com direitos de terceiros (Cof. Art.º 276 e 274 do C.C.).
É o que a doutrina denomina de “eficácia real”.
Consequentemente, verificada o condição resolutiva, os actos de disposição ou de oneração provenientes do devedor condicional, durante a pendência da condição, serão plenamente válidas e eficazes, enquanto os provenientes do credor condicional perdeu a sua eficácia.
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Mas, a respeito do efeito retroactivo da condição é necessário notar-se que sendo esse o princípio geral, não é imposto por lei (é supletivo visto poder ser afastado por vontade das partes). Como a respeito observam A. Varela e P. Lima (C.C. anotado) em anotação ao Art.º 276 do C.C. “Formula-se o princípio geral da retroactividade, mas mostra-se, pela excepção admitida, que a retroactividade dos efeitos não é da natureza própria da condição.
Pode estipular-se a não retroactividade, ou uma retroactividade limitada, e pode a não retroactividade resultar da natureza do próprio acto ...”.
Há, portanto, aqui, um regime semelhante ao que se estipulou para a resolução do contrato, onde também a rectoactividade delineada como regra geral pode ser afastada pela vontade das partes (Art. 434 do C.C.).
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Falamos, até aqui, do regime geral da condição verdadeira e própria, tal como ele resulta do disposto nos Art.ºs 270 a 277 do C.C..
Porém, a par desta figura típica, surgem inúmeras situações que embora mantendo com ela pontos de contacto, não preenchem todos os seus requisitos.
Interessa-nos aqui considerar apenas duas dessas situações: Condições legais. Condição resolutiva tácita.
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A condição legal ou condicio juris é o elemento do conteúdo do negócio, por via do qual a lei sujeita os efeitos desse negócio a um facto futuro e incerto.
Difere, desde logo da verdadeira condição, que se traduz num elemento acidental ou secundário do negócio jurídico, nele introduzido pela vontade das partes no uso pleno do princípio da liberdade negocial (Art. 450º do C.C.).
Dentro deste conceito genérico de condição legal cabe a chamada condição resolutiva tácita.
Define-a Castro Mendes da seguinte forma:
“Chama-se condição resolutiva tácita ao elemento inserto por lei nos contratos sinalagmáticos, segundo o qual se uma das partes não cumprir, a outra pode resolvê-lo, dá-lo por ineficaz”.
(Cof. Teoria Geral – II).
Consiste, portanto, no direito conferido por lei a um dos contraentes de ter o contrato por resolvido em virtude da outra parte, por sua vez, não ter cumprido a sua obrigação.
É o sinalagma genético que liga as duas prestações que explica o regime legal. (cof. Art. 432º n.º 1 – primeiro segmento – e 801 n.º 2 do C.C.).
Tal direito está, assim, limitado a uma situação de inadimplência e traduz-se num direito potestativo que o beneficiário pode exercer ou não.
Quer dizer, ocorrendo o não cumprimento por uma das partes, surge para a outra um duplo direito, já que tanto pode exigir a realização da prestação em falta (e portanto, o cumprimento do contrato) como pôr fim ao negócio, resolvendo-o.
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Vê-se assim que a condição resolutiva tácita não constitui uma verdadeira condição no sentido do Art. 270º do C.C..
Trata-se da figura que a doutrina costuma denominar de condição imprópria.
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Por um lado funda-se directamente na lei e não na vontade das partes, pelo que não necessita de ser convencionada (embora possa sê-lo, o que, porém, não altera a sua natureza).
Não opera “ipso jure”, isto é, automaticamente, conferindo tão só o direito à parte inocente de invocar a resolução, o que pode fazer judicialmente ou extrajudicialmente, mediante declaração à outra parte (Art. 801 n.º 1 e 436º do C.C.) e, por outro lado, não produz efeitos em relação a terceiros a não ser, nos casos excepcionais referidos no n.º 2 do Art. 435 (o registo da acção de resolução referente a direitos sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, torna o direito de resolução oponível a terceiros que não tenham registo dos seus direitos anteriores ao registo da acção).
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Finalmente, há-de ter-se presente que a chamada condição resolutiva tácita não se confunde com a convenção de resolução que a lei também admite (parte final do n.º 1 do Art. 432º do C.C.).
Trata-se, também aqui, de destruir a relação contratual com base num facto posterior à celebração, só que agora tal facto não tem de estar ligado necessariamente ao incumprimento, podendo consistir numa simples razão de conveniência.
A revogação pode ser convencionada entre as partes para o caso de se verificar determinada situação previamente prevista na cláusula e, se normalmente se trata de um poder vinculado, devendo, por isso, a parte que pretende operar a resolução, provar a verificação do fundamento previsto na convenção, nada impede que seja confiado um poder discricionário a um dos contraentes.
(Cf. A. Varela – Das Obrig. em Geral – II).
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De notar, finalmente, que, diferentemente da condição verdadeira é própria, a revogação convencional não prejudica os direitos entretanto adquiridos por terceiros (Art.º 435º do C.C.).
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Expostos assim, ainda que resumidamente, os princípios que caracterizam a figura jurídica da condição e a distinguem de outras figuras próximas, mas diversas, é tempo de nos reportarmos à situação concreta dos autos.
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Sabemos que, por escritura pública de 10/5/91 e pelo preço de 4.162.000$00 a Câmara Municipal de Pombal, vendeu à AA-… (actualmente no estado de falência) que lhe comprou, 3 lotes de terreno situados no Parque Industrial M… da M…, com destino à implantação de indústria que obedeça a todos os requisitos exigidos pelos vários departamentos estatais envolvidos e que tenham ausência total de poluição do meio ambiente, sujeitando-se a todas as cláusulas do Regulamento do respectivo loteamento.
Com o negócio, visava a Câmara Municipal fomentar s instalação de projectos industriais na área do respectivo concelho, sendo em atenção a essa política de fomento que foi deliberado pela Câmara a venda de lotes no referido Parque pelo preço de 250$00/m2.
Por isso mesmo, para garantir o fim visado, introduziu-se no contrato uma cláusula explicitando o fim a que se destinavam os lotes, clausulando-se ainda (aliás de acordo com o Reg. do Parque Industrial) que:
“No prazo máximo de cento e oitenta dias a contar da data da assinatura, da presente escritura, deverá o segundo outorgante (Ré) dar início à implantação dos projectos no terreno”
e que
“Doze meses após a data do alvará-licença de construção, deverão as unidades estar em completa laboração dentro dos moldes apresentados pelos projectos aprovados pelos projectos aprovados e licenciados”,
E ainda que
“O não cumprimento de qualquer destes prazos implica que a Câmara Municipal de Pombal tome posse dos lotes no estado em que os mesmos se encontrem, sem qualquer direito à importância já entregue ou a qualquer indemnização por parte do adquirente, bem como das benfeitorias existentes às datas daquelas tomadas de posse”
A Ré pagou o preço convencionado e registou as aquisições na Conservatória Registo Predial de Pombal a seu favor.
Porém, embora tenha iniciado a construção, não continuou a obra, devido a dificuldades económicas.
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Está também provado que sobre os lotes se encontra registada hipoteca voluntária a favor do então CC-…, hoje BB-…, para, até ao montante de 36.000.000$00, garantir o bom pagamento e liquidação de todos e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir pela Ré, ora falida.
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Como se deixou referido no relatório inicial, a Relação qualificou a cláusula de reversão da propriedade para A. como uma cláusula resolutiva expressa ou convenção resolutiva, sujeita ao regime dos Art.ºs 432 e seg. do C.C. e consequentemente, embora mantendo a condenação proferida em 1ª instância, quanto à restituição dos lotes à A. cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré e perda do preço pago pela ré compradora, revogou-a na parte em que ordenou o cancelamento do registo da hipoteca voluntária a favor do BB-…, por entender que a resolução convencionada do contrato por incumprimento não afecta os direitos entretanto adquiridos por terceiros, com a única excepção do n.º 2 do Art. 435º, que não se verifica no caso concreto.
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Portanto interessa agora apreciar e qualificar tal cláusula e daí retirar as devidas ilações.
Interessa, no fundo, saber se, no caso, a resolução do contrato é ou não oponível ao BB-… .
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Vejamos
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Saber se estamos perante uma cláusula acessória que íntegra uma condição resolutiva verdadeira e própria, ou perante uma cláusula resolutiva expressa ou resolução convencional, passa pela interpretação normativa do contrato, visto que não está provada qual tenha sido a vontade real das partes.
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Ora, tendo em conta a finalidade mediata (ou fim atípico) que se encontra na base do contrato de compra e venda que a A. (Município de Pombal) celebrou com a Ré (AA-R…), isto é, sabendo-se que a Câmara Municipal deliberou vender um conjunto de lotes de terreno (entre os quais os 3 aqui em causa) por um preço convidativo, tendo como objectivo a implantação na área do Parque Industrial de indústrias capazes de contribuir para o desenvolvimento económico do concelho, objectivo esse que era do conhecimento da Ré/compradora, percebe-se claramente que a cláusula de reversão que a A. inseriu no contrato, com o acordo da Ré compradora, se identifica com a razão de ser que justifica o regime jurídico da condição.
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Quiseram as partes, sem qualquer dúvida, celebrar um contrato de compra e venda, que é um contrato típico, por via do qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço (Art. 874º do C.C.), mas, atento o interesse público que esteve na génese da decisão camarária de proceder à venda daqueles 3 lotes (e de outras situados na área do Parque Industrial) e que, tal como resulta inequivocamente dos autos, se traduzia num plano de desenvolvimento Industrial do concelho, havia que garantir a efectiva execução e concretização de tal plano, contra todas as incertezas que logicamente podiam colocar-se, no momento da celebração do contrato.
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Na verdade, nada garantia à Câmara Municipal que a compradora dos lotes iria implementar a construção das instalações industriais pretendidas nos prazos clausulados no contrato.
Essa implementação e concretização, como acontecimento futuro, embora fosse previsto como possível, não podia ter-se como certo, Daí que, juntamente com os prazos de implementação e concretização da obra, se tivesse previsto a reversão da propriedade para a Câmara para o caso de a adquirente não apresentar os projectos no prazo convencionado ou não se encontrar em plena laboração também no prazo referido na cláusula.
Trata-se claramente de uma cláusula acessória, visto que não faz parte do conteúdo necessário do contrato de compra e venda, nem sequer do seu conteúdo normal, mas que pode ser convencionada ao abrigo do princípio da liberdade contratual, e que apresenta todas as características de uma verdadeira e própria condição, sujeita ao regime definido nos Art.ºs 270º e seg.do C.C..
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De facto, o que a A. fez foi “tomar em conta o futuro que se apresenta como incerto e realizar o negócio em termos de estar sempre de acordo com o que julga ser os seus interesses, seja qual for o rumo das coisas, o curso das acontecimentos, no que toca ao ponto ou pontos sobre os quais não se supunha habilitada a fazer previsões seguras”, no dizer de Manuel de Andrade (Cfr. Teoria Geral da Rel. Jurídica – II – pag. 357).
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O que a Câmara Municipal pretendeu com a Cláusula em questão, foi garantir a prossecução do seu plano de fomento industrial e assim poder realizar o negócio com a certeza de que se tal plano não fosse concretizado pela Ré/compradora, poderia sê-lo por outro qualquer futuro adquirente, visto que, verificada a condição, a propriedade dos lotes reverteria automaticamente ao património da vendedora, livre de ónus ou encargos.
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É este o sentido que qualquer declaratório normalmente diligente retiraria do negócio em causa, sendo certo que, conhecendo a compradora (credora condicional) toda esta motivação, podia e devia contar com o referido sentido interpretativo (Art. 236º n.º 1 do C. C.).
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Estamos, assim, de pleno, perante a figura da condição, tal como inicialmente o caracterizamos, aplicando-se, por isso, o respectivo regime típico.
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E não descaracteriza a figura o facto de se ter convencionado a perda do preço pago ou das benfeitorias entretanto realizadas, visto que, como vimos já, a retroactividade da condição uma vez verificado o facto condicionante, pode ser afastada ou limitada pela vontade das partes.
No caso, ficou limitada aos efeitos translativos da propriedade.
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Entendeu o acórdão recorrido, com douta argumentação, que, desde logo “o acontecimento cujo desencadear envolve o cumprimento das prestações negociais de qualquer das partes não pode ser incluído na categoria de condição”.
Ora, no caso, o que aconteceu foi que a Ré não implantou no terreno os projectos, nem iniciou a laboração da unidade industrial que se propunha construir nos prazos convencionados no contrato.
Assim, ao não prestar esses factos de índole positiva a que se vinculou, incorreu a falida AA-R… na violação de uma importante obrigação por si assumida.
“Cumprir ou não cumprir as obrigações contratuais nunca se pode integrar o acontecimento incerto a que se reporta o art.º 270º do C.C.”.
Daí que se tenha concluído estar-se, não perante uma verdadeira condição, mas perante uma cláusula visando convencionar a resolução do negócio nos termos do Art.º 432º ou seja, perante uma cláusula resolutiva expressa ou resolução convencionada.
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Pese embora a douta argumentação não será esta, a melhor interpretação da cláusula em questão como resulta do que já se deixou referido.
Cumpre, porém, em contra-argumentação, explicitar melhor o nosso pensamento.
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É que, salvo melhor opinião, não nos parece que possa falar-se de cumprimento ou não cumprimento em relação à dita cláusula, que tem de ser vista e interpretada unitariamente.
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Cumprir uma obrigação traduz-se na realização voluntária da prestação debitória. O devedor cumprirá a obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou (Art.º 762º do C.C.).
Ao contrário, não cumprirá a obrigação quando não realiza a prestação e a obrigação não se extinguiu por nenhuma das outras causas de satisfação do interesse do credor, para além do cumprimento.
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Ora, no caso concreto a Ré/compradora não se vinculou para com a A/vendedora, a construir e instalar nos lotes vendidos as unidades industriais a que os mesmos se destinavam, dentro dos prazos convencionados na cláusula, em termos de, fazendo-o, cumprir o contrato ou não o fazendo incumpri-lo. Dito por outras palavras, a implantação nos lotes daquelas unidades não pode ser vista (não é) uma prestação devida pela compradora à vendedora. Essa implantação ou não implantação constituía, isso sim, um facto condicionante de que dependia a consolidação do negócio ou a sua destruição retroactiva.
Não estamos, aqui, no domínio do cumprimento ou não cumprimento das obrigações.
O contrato de compra e venda celebrado entre as partes, produziu todos os seus efeitos típicos – transferência da propriedade dos lotes e pagamento do preço – só que, no que concerne à transferência da propriedade, ela ficou na dependência da verificação de um facto futuro e incerto – no caso a implantação nos lotes da referida unidade industrial – de modo que, não se verificando esse facto, está verificada a condição resolutiva que desencadeará automaticamente a resolução do contrato e em sua consequência a reversão da propriedade para a Câmara vendedora (devedora condicional).
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Por outro lado, também não descaracteriza a condição a circunstância de o evento condicionante ficar na dependência total ou parcial da vontade dos sujeitos da relação condicional.
Na verdade, uma das classificações tradicionalmente tratada na doutrina, tem como critério, exactamente o nexo entre o evento condicionante e a vontade das partes.
Nesta perspectiva costuma classificar-se as condições como:
- casuais,
- potestativas e
- mistas.
São casuais quando o evento previsto é estranho à vontade das partes.
São potestativas quando esse evento está na dependência de um dos sujeitos da relação condicional. São mistas quando o evento condicionante depende apenas parcialmente da vontade de um dos sujeitos encontrando-se também dependente de um facto natural ou de um facto de terceiro.
(Cof. Manuel de Andrade – ob. Cit. Mota Pinto – Teoria Geral e Costa Mendes – Teoria Geral).
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No caso concreto, não pode dizer-se que a implantação dos projectos, a construção da unidade industrial e a sua laboração efectiva nos prazos previstos na cláusula, sejam actos exclusivamente dependentes da vontade da ré compradora, já que na execução dos actos necessários à efectivação da referida finalidade, muitos imponderáveis podem surgir, independentemente da vontade da Ré e que concorrem, com a sua vontade, para a verificação ou não verificação da condição.
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Diríamos, assim, que estamos perante uma condição resolutiva MISTA, como, aliás aponta a prova disponível visto que se sabe que a verificação da condição (NEGATIVA), isto é, a não implantação nos lotes em causa da unidade industrial prevista se ficou a dever a dificuldades económicas da compradora, o que, por certo, não poderá ter-se como um facto voluntário
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Concluímos, portanto, que a cláusula acessória que as partes introduziram no contrato de compra e venda que celebraram traduz uma verdadeira e própria condição, aplicando-se, por conseguinte, o respectivo regime jurídico – Art. 270 e seg. do C.C..
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Em consequência, verificada que foi a condição, o negócio ficou automaticamente destruído (caducou, considerando-se aqui a caducidade como modo de extinção dos negócios jurídicos e não como um modo de extinção de um direito pelo seu não exercício durante certo prazo) pelo que respeita ao seu efeito translativo da propriedade, que reverte para a Câmara vendedora, que, no negócio condicional era a devedora condicional.
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Da mesma forma, deixou de produzir efeitos a hipoteca que o credor condicional (comprador) havia convencionado com o BB-…, durante a pendência da condição, que não pode subsistir face ao regime do Art-º 274º n.º 1 do C.C., uma vez que inexiste qualquer estipulação que salvaguarde a subsistência daquele acto de oneração.
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Procedem, assim, as conclusões da revista.
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DECISÃO
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Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista, e, consequentemente:
- revogam o acórdão recorrido na parte em que, revogando a decisão de 1ª instância, declarou a ineficácia da resolução do contrato relativamente à hipoteca registada a favor do BB-… .
- fica a valer o decidido em 1ª instância, pelo que se determina o cancelamento do referido registo da hipoteca voluntária a favor do BB-… .