CONTRATO DE TRABALHO
MOTORISTA
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
TRABALHO SUPLEMENTAR
RETRIBUIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

A retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU consiste numa retribuição complementar destinada a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro e pela disponibilidade para uma tal prestação de trabalho, fazendo, assim, parte da retribuição global, cabendo no conceito legal de retribuição, não tendo que ver com a realização efectiva de trabalho extraordinário, aproximando-se da figura da compensação, ou “retribuição estabelecida” aos trabalhadores em geral pela isenção de horário de trabalho.
II - Assim, desempenhando o trabalhador – ao abrigo do contrato de trabalho firmado com a entidade empregadora – as suas funções de motorista nos transportes rodoviários de mercadorias, é-lhe devida a sobredita retribuição, independentemente das suas concretas deslocações ao estrangeiro.
III - O pagamento de tal retribuição, porque mensal e, por isso, regular e permanente, deve reportar-se a todos os dias do mês e não apenas a 22 dias úteis de trabalho.
IV - Por outro lado, a dita retribuição deve ser calculada com base na remuneração efectivamente auferida pelo trabalhador em decorrência do seu contrato de trabalho, abrangendo, assim, as diuturnidades que lhe sejam efectivamente devidas.
V - O reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a alegação e prova de dois factos, que dele são constitutivos: a prestação efectiva de trabalho suplementar; a determinação, prévia e expressa, de tal trabalho por banda da entidade patronal ou, pelo menos, a sua efectivação com conhecimento (implícito ou tácito) sem oposição dessa entidade.
VI - A actividade do trabalhador motorista dos transportes rodoviários internacionais envolve, nas deslocações, não apenas a condução da viatura, mas também a sua guarda e manutenção em boas condições e, particularmente no estrangeiro, a permanente disponibilidade ao serviço do empregador, perdendo o trabalhador a auto-disponibilidade para usufruir os dias de descanso com a família e os amigos, que só adquire com o regresso.
VII - Desta forma, os dias de sábado, domingo ou feriado em que o motorista está retido no estrangeiro, por razões de organização ou por imperativo da legislação rodoviárias, têm que ser encarados como de prestação de trabalho efectivo, uma vez que o motorista está disponível para o fazer.
VIII - Neste contexto, o direito ao pagamento da compensação devida pelo trabalho prestado em dias de descanso ou em dias feriados apenas pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de que as viagens efectuadas – necessariamente por determinação da entidade patronal – coincidiram com tais dias.
IX - Por outro lado, no cálculo dos valores devidos a tal título devem incluir-se todas as prestações que congreguem as características da regularidade e periodicidade, donde emerge que a retribuição especial prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 , deve ser considerada para os referidos efeitos.
X - A Jurisprudência constante deste Supremo Tribunal evidencia que a entidade patronal, por regra, não pode unilateralmente modificar o sistema retributivo dos seus trabalhadores, no que concerne aos elementos que derivam de lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva.
XI - Apesar disso, nada impede que tal retribuição seja alterada por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade patronal, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador, sendo que a prova dessa favorabilidade compete ao empregador (art. 342.º, n.º 2, do CC).

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
1 – Relatório
1.1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Matosinhos, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Transportes …, Lda.”, pedindo, na sequência da resolução, que operou, do contrato de trabalho celebrado entre as partes, que a Ré seja condenada a pagar-lhe as prestações retributivas e moratórias discriminadas na petição inicial, quantificando as primeiras no montante global de € 12 715,84, bem como o trabalho prestado em dias de descanso e feriados e os dias de descanso compensatório não gozados desde o início do contrato até final de 2003, “a liquidar até à audiência de julgamento ou até execução de sentença”.
Em síntese útil, invoca que:
- foi admitido ao serviço da Ré por contrato a termo celebrado em 01/08/2000, convertido em contrato por tempo indeterminado, para exercer as funções de motorista de transportes internacionais de mercadorias, tendo o contrato cessado por sua iniciativa em 20/11/2005;
- além da remuneração base e do “prémio TIR”, a Ré sempre lhe pagou uma verba por quilómetro, em substituição do pagamento das refeições mediante apresentação de factura, tendo deixado de lhe pagar o trabalho prestado aos domingos a partir de Janeiro de 2002, que era anteriormente incluído nas ajudas de custo internacionais, sendo que nunca lhe pagou o trabalho prestado aos sábados e feriados;
- a quantia paga pela Ré, a título de cláusula 74.ª, n.º 7, sempre foi inferior à que era devida;
- a Ré não lhe pagou integralmente os subsídios de Natal de 2001, de férias de 2002 e de férias de 2005;
- tendo o Autor feito cessar o vínculo a partir de 21/11/2005, não cumpriu o aviso prévio a que estava obrigado, correspondendo a respectiva indemnização a € 1 118,20, em lugar dos € 1 955,62 que a Ré lhe descontou.

A Ré, por seu turno, sustenta que sempre pagou integralmente ao Autor todas as quantias que lhe eram devidas, especificando que a retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, deve ser calculada em função dos dias úteis – ainda que paga todos os meses do ano, independentemente dos dias que o trabalhador passa no estrangeiro – e que todo o eventual trabalho suplementar prestado pelo Autor, em dias úteis ou não, estava já incluído nas ajudas de custo, que eram contabilizadas por um valor ao Km, conforme acordado entre as partes.
Se se entender que esse convénio é nulo, mais sustenta que a presente demanda configura um manifesto abuso do direito por parte do Autor, de quem reclama, em sede reconvencional subordinada à eventual procedência da acção, a reposição das ajudas de custo internacionais entre Agosto de 2000 e Novembro de 2005, num total de € 49 845,68.

1.2
Instruída e discutida a causa, decidiu a 1.ª instância, na procedência parcial da acção:
“I – Condenar a Ré … a pagar ao Autor …:
a) a quantia de € 837,42, a título de restituição do valor que lhe foi descontado em excesso relativo ao período de aviso prévio em falta;
b) a quantia de € 264,36, relativa às diferenças no pagamento da retribuição específica da cláusula 74.ª, n.º 7, do C.C.T.;
c) a quantia de € 7 977,51, relativa ao trabalho prestado em dias de descanso e feriados;
d) a quantia de € 2 213, 12, relativa à remuneração dos descansos compensatórios não gozados;
e) e juros de mora vencidos e vincendos, calculados sobre as quantias supra mencionadas, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
II – Absolver a Ré dos demais pedidos contra ela formulados;
III – Absolver o Autor do pedido reconvencional”.

Sob apelação da Ré, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença da 1.ª Instância, com excepção do segmento decisório supra referido em I d) – pagamento dos descansos compensatórios não gozados, no valor de € 2 213,12 – que revogou, absolvendo a demandada desse pedido.

1.3
Continuando irresignada, a Ré pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1 – a aqui recorrente discorda expressamente da aplicação e interpretação do direito feita na sentença e no acórdão recorridos;
2 – a recorrente não aceita a sua condenação no pagamento da quantia de € 264,36 relativa às diferenças no pagamento da retribuição específica da cláusula 74.ª, n.º 7, do C.C.T.;
3 – com efeito, não está em causa sequer o pagamento desta cláusula pelo mês de trabalho, ou seja, por 30 dias, mas sim o critério dualista como se efectuam as contas e o não respeito pelos mesmos factores (regras básicas das ciências ditas exactas);
4 – a Ré está de acordo que o pagamento daquela retribuição é mensal e certa, isto é, independentemente dos dias passados no estrangeiro e por referência ao mês de trabalho, ou seja, 30 dias, mas não com o valor mensal daquela retribuição;
5 – assim, as duas horas de trabalho suplementares devem obedecer a uma fórmula de cálculo;
6 – a lei expressa a fórmula de cálculo da retribuição horária do seguinte modo (RM x 12) : (52 x n) [RM = Retribuição mensal e n é igual a período normal de trabalho semanal] – art. 264.º do C.T., o que, no caso do A., resulta na retribuição horária de € 3,15, assim obtida: € 546,18 x 12 : 52 x 40 = € 6 554,16 : 2080 = € 3,15;
7 – o que perfaz, para as duas horas extraordinárias, o valor de € 10,24, assim obtido: € 3,15 x 1,5 = € 4,73 + € 3,15 x 1,75 = € 5,51 = € 10,24;
8 – o que resulta no valor mensal de € 225,28, assim obtido: € 10,24 x 22 = € 225,28;
9 – não se trata aqui de considerar que A. só recebe 22 dias, mas sim que o cálculo é feito por 22 dias úteis, já que para se achar as duas horas extra o foi com referência aos 22 dias úteis e obviamente temos que utilizar sempre os mesmos valores e factores;
10 – como qualquer trabalhador, que tem a sua referência aos 22 dias úteis mas recebe a sua retribuição mensal por referência ao mês de trabalho, ou seja, 30 dias, e não ganha só os dias úteis mas sim o mês completo de serviço;
11 – temos que equacionar sempre os mesmos factores, sob pena de ser injusto, podendo, aliás, fazer-se o contrário para melhor se perceber: o A. aufere, como já vimos, € 3,15/hora de trabalho x 8 (horas de trabalho/dia) = € 25,20 por dia; se recebesse esta retribuição vezes os 30 dias do mês daria € 756,00 e não o vencimento que efectivamente aufere de € 546,18;
12 – mesmo que o tribunal não concorde com o que parece ser a lógica do óbvio, só restaria a alternativa de utilizar a fórmula estabelecida no n.º 2 da cláusula 41.ª A do mesmo ACTV, segundo a qual o cálculo da remuneração diária é igual à retribuição mensal a dividir por 30, o que corresponde, no caso do Autor, a € 546,18 : 30 = € 18,20/dia : 8 = € 2,28 x 1,5 = € 3,42 + € 2,28 x 1,75 = € 3,99 = € 7,41 x 30 = € 222,30, sendo que aqui já se equacionavam os 30 dias, obviamente utilizando os mesmos factores;
13 - daí que seja evidente que o Autor recebeu tudo a que tinha direito enquanto cláusula 74.ª, n.º 7, e, quanto a esta parte da sentença, tem a mesma que ser revogada, absolvendo-se a recorrente desse pedido e dessa condenação;
14 – a recorrente não aceita a sua condenação no pagamento ao recorrido da quantia € 7 977,51, relativa ao trabalho prestado em dias de descanso e feriados;
15 – com efeito, o trabalho ao sábado, domingo e feriados, ainda que no interesse e por conta da Ré, não era por esta ordenado, nem imposto, mas sim previamente conhecido do Autor, quando entrou para a Ré e ordenado por transitário escolhido pelo Autor;
16 – o que determina que a recorrente não tenha obrigação de pagamento de qualquer trabalho suplementar e, nessa medida, deva ser absolvida;
17 – o mesmo se diga em relação a qualquer eventual pagamento ou compensação desse trabalho suplementar, pois qualquer eventual trabalho que se desenvolvesse ao sábado, domingo ou feriado, em resultado da viagem ao estrangeiro, estava incluído nas ajudas de custo ao quilómetro;
18 – o que foi expressamente referenciado pelo Autor em depoimento de parte, que disse que acordou não receber da Ré qualquer sábado e feriado;
19 – pelo que, ao pedir agora esse pagamento, incorre em abuso do direito, razão pela qual sempre deverá ser negado ao Autor o direito a esses pagamentos e, nessa medida, ser a Ré absolvida de tal pedido;
20 – é que ao invocar, nesse sentido, quaisquer direitos consubstanciados em factos por si constituídos, criados ou consentidos, o Autor viola o “princípio da confiança em estado puro”, que conduz à paralisação do exercício do direito por ferir o “sentimento jurídico socialmente dominante”, constituindo um abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium” – art. 334.º do CC;
21 – e também se dirá que deve ser inequívoco que o Autor fazia viagens de cerca de 8 ou 9 dias e, por obrigatoriedade, descansava 24 horas ao fim do sexto dia, tendo sempre um dia de descanso, até porque não estava efectivamente a trabalhar nesse dia, podendo utilizá-lo em proveito próprio; como aliás, foi referenciado por testemunhas e consta da matéria provada, bastantes dias houve em que o Autor esteve parado e não a trabalhar, pelo que jamais poderá a recorrente ser condenada no pagamento desse dias;
22 – sucede que a douta sentença não descontou quaisquer dias e condenou a Ré no pagamento de todos aqueles que se incluíssem nas viagens, o que não é legalmente aplicável;
23 – o que determina, também por essa razão, que a recorrente não tenha obrigação de pagar o trabalho suplementar em que foi condenada;
24 – e, sem prescindir, também se dirá, em qualquer circunstância, jamais se mostra correcto o quantitativo da condenação;
25 – por um lado, o próprio Autor admite que os domingos vinham incluídos no item ajudas de custo, pelo que não deverá haver lugar a qualquer pagamento de domingos e, quanto aos sábados e feriados, o próprio Autor negociou o seu pagamento, recebendo ao quilometro;
26 – ademais, na douta sentença estabelece-se uma fórmula de cálculo com violação expressa da lei laboral – art. 250.º do CT;
27 – com efeito, para o cálculo do valor de cada dia do trabalho suplementar, a sentença considerou não só a retribuição base e diuturnidades, como também o valor recebido a título de cláusula 74.ª, n.º 7;
28 – desde logo, esta clausula é uma espécie de retribuição pelo trabalho suplementar;
29 – pelo que é considerar o trabalho suplementar como valor de cálculo de outro trabalho suplementar;
30 – assim, nada justifica a inclusão daquele valor para efeito de cálculo do valor do trabalho suplementar;
31 – tanto mais que, nos termos do n.º 2, da cláusula 41.ª A, para efeitos de cálculo, o valor do dia será determinado pela fórmula “remuneração diária = retribuição mensal : 30”, nada referindo de especial em relação à remuneração diária;
32 – a qual, nos termos daquele art. 250.º deverá ser a retribuição base mais diuturnidades, o que, no caso, corresponde a € 18,64 (€ 546,18 + € 12,92 : 30);
33 – portanto, mesmo contabilizando alguns dias de serviço prestado, jamais poderá a Ré ser condenada na quantia em que o foi pela sentença, devendo ser absolvida;
34 – aliás, seria manifestamente desadequado o Autor, que diz ter recebido domingos, sob a designação de ajudas de custo, que diz que acertou com a Ré em não receber sábados e domingos, receber agora tudo com um acréscimo de 200%, quando a lei (CT) fala até num acréscimo de 100%;
35 – é que não podemos esquecer que 100% o Autor ganha sempre, pois é o seu vencimento, que também representa nos dias de descanso;
36 – daí ser evidente que o Autor recebeu tudo a que tinha direito enquanto trabalho suplementar que tenha demonstrado prestar; quanto a esta parte da sentença, tem a mesma que ser revogada e a Ré absolvida dessa condenação;
37 – a sentença e o acórdão absolveram o Autor do pedido reconvencional da Ré, que pedia a condenação do autor no pagamento da quantia de € 49 835,68, a título de reposição das ajudas de custo internacionais, desde Agosto de 2000 a Novembro de 2005, acrescida dos juros legais desde a notificação da contestação até à integral liquidação;
38 – esse pedido foi elaborado no caso de procedência da acção e, nessa medida, continua no recurso;
39 – está provado nos autos que a Ré pagou ao Autor aquela quantia a título de ajudas de custo internacionais;
40 – resulta inequívoco do depoimento de parte do Autor que este acordou não receber da Ré qualquer sábado e feriado, tal como os domingos não apareciam discriminados, mas sim encobertos na rubrica ajudas de custo;
41 – é inequívoco, também, o facto de aquele pagamento ser mais favorável para o Autor, pois de ajudas de custo o Autor recebeu € 49 835,68, e pelo serviço suplementar teria direito entre € 7 000,00 e € 8 000,00;
42 – pelo que é inequívoco que existe um duplo pagamento;
43 – nesse sentido, deverá o Autor ser condenado na devolução à Ré da aludida quantia, caso seja considerado que lhe assiste o direito de receber o que peticionou;
44 – muito embora se defenda – no sentido da mais actual Jurisprudência – que o mais correcto será não conceder ao Autor o direito que pretende por ter um acordo com a entidade patronal que melhor o beneficia, como é evidente pelos valores em questão e dados como provados;
45 – tendo em conta o presente recurso, e de forma inerente, também deve a Ré ser absolvida dos juros em que veio condenada;
46 – assim, o tribunal “a quo” violou os arts. 249.º, 250.º e 264.º do CT e as cláusulas 41.ª A, 20.ª A e 74.ª A do C.C.T..

Termina pedindo que o Acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que absolva a recorrente dos pagamentos em que vem condenada.
Subsidiariamente, para o caso de assim não acontecer – com excepção da condenação referida na alínea a), da sentença – deverá o Autor ser condenado no pagamento constante do pedido reconvencional.

1.4
O Autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.

1.5
No mesmo sentido – e sem reacção das partes – se pronunciou a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta.

1.6
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Factos
A primeira instância, com a expressa anuência da Relação – que rejeitou a alteração reclamada pela Ré – fixou a seguinte factualidade:
1 – Por contrato de trabalho a termo, que constitui o documento de fls. 15 e 16, cujo teor se reproduz, celebrado em 01/08/2000, o Autor foi admitido ao serviço da Ré, para, sob as ordens, direcção e fiscalização dos seus legais representantes, exercer as funções de motorista de transportes internacionais de mercadorias;
2 – A partir de 01/08/2000, o Autor passou a exercer as funções de motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias, o que fez ao serviço da Ré até 20/11/2005;
3 – Por carta registada com a/r, datada de 21/11/2005, que constitui o documento de fls. 18, cujo teor se reproduz, que a Ré recebeu em 22/11/2005, o Autor comunicou-lhe que “a partir de 22/11/2005, deixo de prestar serviços na vossa empresa… por motivo de emigrar para o estrangeiro, sendo-me impossível de dar o tempo à empresa que é devido”;
4 – A Ré dedica-se à actividade da indústria de transportes rodoviários de pesados de mercadorias e encontra-se inscrita na ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias;
5 – O Autor é associado do STRUN – Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte;
6 – Ao serviço da Ré o Autor auferiu os seguintes vencimentos mensais ilíquidos:
- de 01/08/2000 a 30/11/2001: 109 500$00;
- de 01/12/2001 a 31/07/2003: € 546,18;
- de 01/08/2003 a 21/11/2005: € 559,10, correspondente a € 546,18 de vencimento base e € 12,92 de uma diuturnidade;
7 – A partir de 01/08/2003, a Ré passou a pagar ao Autor a primeira diuturnidade, no valor mensal de € 12,92, até ao termo do contrato;
8 – A título de ajuda de custo TIR e discriminados nos recibos como “prémio TIR”, a Ré pagou ao Autor os seguintes valores mensais:
- de 01/08/2000 a 30/11/2001: 25 000$00;
- de 01/12/2001 até ao final do contrato: € 124,70;
9 – Em substituição do pagamento das refeições mediante a apresentação de facturas durante as deslocações ao estrangeiro, a Ré sempre pagou ao Autor uma verba por cada quilómetro percorrido nas viagens correspondentes a cada mês, que discriminava nos recibos como ajudas de custo internacionais em valor inicialmente nunca inferior a 12$00 por quilómetro, passando posteriormente a ser de 13$00 e sendo, pelo menos, desde Janeiro de 2003, no valor de € 0,06;
10 – Até Dezembro de 2001, a Ré procedeu ao pagamento dos Domingos trabalhados pelo Autor, no valor unitário de 9 000$00, deixando de fazer tal pagamento daí em diante;
11 – A título de pagamento da cláusula 74.ª, n.º 7, a Ré pagou ao Autor, mensalmente, as seguintes quantias:
- de Agosto a Dezembro de 2000: 61 534$00, sendo 25 640$, no subsídio de Natal;
- de Janeiro a Dezembro de 2001: 61 534$00, incluindo no subsídio de Natal de 2001;
- de Janeiro a Dezembro de 2002: € 306,93, incluindo nos subsídios de férias e de Natal;
- de Janeiro a Dezembro de 2003: € 306,93, incluindo nos subsídios de férias e de Natal;
- de Janeiro a Dezembro de 2004: € 306,93, incluindo nos subsídios de férias e de Natal;
- de Janeiro a Outubro de 2005: € 306,93, incluindo no subsídio de férias;
- em Novembro de 2005: € 204,62;
12 – Além da cláusula 74.ª e do prémio TIR, a Ré pagou ao Autor a título de subsídio de Natal relativo ao ano de 2001, a quantia de 109 500$00;
13 – Em 2002, além da cláusula 74.ª e do prémio TIR, a Ré pagou ao Autor, a título de subsídio de férias, a quantia de € 546,18;
14 - Em 2005, além da cláusula 74.ª e do prémio TIR, a Ré pagou ao Autor, a título de subsídio de férias, a quantia de € 559,10;
15 – No período compreendido entre 08/01/2004 e 10/01/2005, por determinação da Ré, o Autor efectuou 33 viagens ao estrangeiro que incluíram um total de 77 sábados, domingos e feriados;
16 – No período compreendido entre 10/01/2005 e o final do contrato, por determinação da Ré, o Autor efectuou 26 viagens ao estrangeiro, que incluíram um total de 60 sábados, domingos e feriados;
17 – Na remuneração relativa ao mês de Novembro de 2005, a Ré deduziu ao Autor a quantia de € 1 955,62, a título de indemnização pelo período de aviso prévio em falta;
18 – Pelo menos nos dias 11/01/2004 (domingo), 25/01/2004 (domingo), 01/02/2004 (domingo), 29/02/2004 (domingo), 14/03/2004 (domingo), 08/05/2004 (sábado), 16/05/2004 (domingo), 30/05/2004 (domingo) e 01/11/2004 (feriado), o camião conduzido pelo Autor esteve parado;
19 – A Ré pagou ao Autor a quantia, discriminada nos recibos a título de ajudas de custo internacionais, de € 49 835,68.

São estes os factos.
3 – Direito
3.1
Relativamente à discussão desenvolvida nas instâncias, não se questiona já, na vertente revista, a problemática atinente à remuneração do descanso compensatório não gozado – cujo segmento decisório, favorável ao Autor na sentença, foi revogado pela Relação em termos por aquele pacificamente aceites – e, bem assim, ao montante do aviso prévio inobservado pelo trabalhador aquando da resolução do vínculo – cuja matéria a Ré, vencida nas instâncias, expressamente descartou nesta fase recursória.
Na verdade, e conforme deflui da sua síntese conclusiva, a censura do recorrente reconduz-se agora às questões de saber:
1.ª – se a retribuição especial prevista no n.º 7, da cláusula 74.ª, do C.C.T. celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, aplicável à relação laboral em apreço, deve ser paga tendo como critério de cálculo 22 dias úteis de trabalho, conforme defende a recorrente, ou, se, ao invés, deve ser paga ponderando 30 dias, conforme decidido pelas instâncias;
2.ª – se o Autor tem direito ao pagamento do trabalho prestado em dias de descanso e em dias feriados e, em caso afirmativo, se o cálculo da remuneração correspondente deve incluir, ou não, a retribuição especial prevista na sobredita cláusula;
3.ª – se o Autor, ao peticionar o pagamento do trabalho prestado naqueles dias, agiu com abuso do direito;
4.ª – se o pedido reconvencional deduzido pela Ré deve ser julgado procedente.
3.2
Conforme decorre da alegação conjugadamente trazida às conclusões 2.ª a 13.ª, o reparo dirigido pela recorrente às decisões das instâncias, no tocante à retribuição específica da cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT (pacificamente) convocado, focaliza-se nos dias do mês a que concretamente importa atender para esse efeito: 22 dias (úteis), em lugar dos 30 dias coligidos pelas sobreditas decisões.
Sob a epígrafe “regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro”, dispõe a referida cláusula 74.º, na parte ora útil:
“1 – Para que os trabalhadores possam trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, deverá existir um acordo mútuo para o efeito. No caso de o trabalhador aceitar, a empresa tem de respeitar o estipulado nos números seguintes. (…).
7 – Os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.”
Como se vê, a cláusula em análise começa por pressupor um acordo mútuo entre as partes no sentido de que o motorista possa trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias (n.º 1) e, uma vez aceite essa possibilidade por banda do trabalhador, fica a entidade patronal obrigada a pagar-lhe “… uma retribuição mensal … não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”.
Tem este Supremo Tribunal vindo a entender, pacífica e reiteradamente, que a enunciada “retribuição” se destina a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro, certo que esse desempenho “… implica uma prestação de trabalho extraordinário de difícil controlo, não dependendo, pois, de uma efectiva prestação deste tipo de trabalho – extraordinário”, conforme se observa no Acórdão desta secção de 12/09/2007, na revista n.º 1803/07.
“Trata-se [discorre, logo a seguir, o mesmo Aresto], enfim, de uma «retribuição» complementar destinada à indicada compensação e à disponibilidade para uma tal prestação de trabalho, e que faz parte da retribuição global, cabendo no conceito legal de retribuição, não tendo a ver com a realização efectiva de trabalho extraordinário, aproximando-se da figura da compensação, ou «retribuição estabelecida» aos trabalhadores em geral pela isenção de horário de trabalho…”.
É dizer que o direito à falada compensação não exige um efectivo e ininterrupto desempenho de funções no estrangeiro, bastando a vinculada disponibilidade do trabalhador para esse efeito.
Ora, estando provado que o Autor foi contratado para exercer as funções de motorista nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias (facto n.º 1), e que veio efectivamente a fazê-lo ao longo de todo o contrato (facto n.º 2), só podemos concluir que a mencionada subvenção lhe era efectivamente devida, independentemente das suas concretas deslocações ao estrangeiro.
Também a Ré não dissente deste juízo.
O que está em causa é a abrangência temporal para o cômputo da subvenção.
Neste particular, e estando adquirido que se trata de uma retribuição mensal, logo regular e permanente, somos a entender, à semelhança das instâncias, que o seu pagamento deve reportar-se a todos os dias do mês e não apenas, como parece resultar dos cálculos apresentados pela recorrente, a 22 dias úteis de trabalho. Com efeito, a recorrente, alicerçando esta sua convicção, alega uma suposta desarmonia nos critérios utilizados pelas instâncias na fixação do valor hora atendível para efeitos de cálculo da cláusula 74.ª, n.º 7.
Porém, tal desarmonia inexiste, sendo certo que é, ao invés, a recorrente que lança mão de critérios distintos para sustentar a sua tese, ao chamar à colação o cálculo do valor diário da retribuição e o cálculo do valor hora.
Na verdade, distinto do cálculo do valor diário da retribuição – esse sim, a efectuar nos termos em que defende a recorrente – é o cálculo do valor hora, a efectuar nos termos enunciados pelo art. 264.º, do CT: ora, este último cálculo, conforme deflui da fórmula respectiva, não atende a qualquer critério fundado em 22 dias úteis de trabalho (muito pelo contrário, já que as 52 semanas aí aludidas correspondem exactamente a 365 dias, isto é, ao ano completo).
Demonstrativo do exposto é que também por via do critério defendido pela recorrente se não alcança o valor da retribuição mensal auferida pelo Autor, como tentaremos demonstrar.
Refere a recorrente que o Autor aufere € 3,15/hora de trabalho, sendo que tal valor multiplicado por oito horas de trabalho ascende a € 25,20 por dia. Mais refere que, se recebesse esta retribuição vezes os 30 dias do mês, o seu salário ascenderia a € 756,00 e não aquele que efectivamente lhe era devido, no montante de € 546,18.
Sucede, no entanto, que também os ditos € 25,20, por dia, multiplicados por 22 dias úteis, não ascendem a € 546,18, antes ascendem a € 554,40.
Vale, pois, o que vem de ser dito que o valor diário de retribuição e o valor horário da retribuição são realidades cujo cálculo obedece a critérios distintos, espelhando, pois, as decisões as instâncias essa mesma distinção, donde emerge a solução correcta que alcançaram.
Por outro lado, a dita subvenção deve ser calculada com base na remuneração efectivamente auferida pelo trabalhador em decorrência do seu contrato de trabalho, abrangendo, assim, as diuturnidades que lhe sejam efectivamente devidas.
Improcede, deste modo, a tese da recorrente quanto à questão em análise.
3.3.1
A Recorrente também não aceita a sua condenação no pagamento ao Autor da quantia atinente ao trabalho prestado em dias de descanso e feriados.
Nesse sentido, começa por aduzir que o trabalho desempenhado nesses dias, ainda que no interesse e por conta da Ré, não era por esta ordenado, nem imposto, sendo previamente conhecido do Autor quando entrou ao serviço da empresa.
Ademais, sustenta que qualquer pretenso trabalho que se desenvolvesse naquele espaço temporal estava incluído nas ajudas de custo ao quilómetro.
Vejamos.
Na parte ora útil, o mencionado C.C.T. confere aos motoristas de transportes internacionais de mercadorias, quando deslocados no estrangeiro, o direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso semanal ou complementar, seja remunerado com acréscimo de 200% (cláusula 41.ª, n.º 1).
Por via de regra, o reconhecimento do direito à retribuição por trabalho suplementar pressupõe a alegação e prova de dois factos, que dele são constitutivos:
- a prestação efectiva de trabalho suplementar;
- a determinação, prévia e expressa, de tal trabalho por banda da entidade patronal ou, pelo menos, a sua efectivação com conhecimento (implícito ou tácito) e sem oposição dessa entidade.
Todavia – e como bem pondera a Exma. Procuradora-Geral Adjunta – “… tratando-se de um motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias, se a entidade patronal o encarrega de realizar um serviço no estrangeiro e trabalha em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, intercalados entre outros que correspondem a dias de trabalho semanal, é lícito inferir – tendo em conta o normal funcionamento e o desenvolvimento económico de uma empresa de transportes internacionais de mercadorias – que a entidade empregadora sabia que aquele se encontrava a prestar serviço no seu interesse e que não se opôs a que tal serviço fosse prestado” (sublinhado nosso).
De resto – e como sublinha, desta feita, o Acórdão desta secção de 22/11/2007, na Revista n.º 1935/07 – “… a actividade objecto do contrato de trabalho em causa envolve, nas deslocações, não apenas a condução da viatura, mas também a sua guarda e manutenção em boas condições e, particularmente no estrangeiro, a permanente disponibilidade ao serviço do empregador, perdendo o trabalhador … a auto-disponibilidade para usufruir os dias de descanso com a família e os amigos, que só se adquire com o regresso.
Daí que … os dias de sábado, domingo ou feriado, em que o motorista está retido no estrangeiro, por razões de organização ou por imperativo da legislação rodoviária, têm de ser encarados como de prestação de trabalho efectivo, uma vez que o motorista está disponível para o fazer”. (sublinhado nosso).
Neste contexto, o direito à reclamada compensação apenas exigia do Autor a alegação e subsequente prova de que as viagens efectuadas – necessariamente por determinação da Ré – coincidiram com os dias de descanso semanal e feriados a que reporta a sua pretensão.
Foi, patentemente, o caso, conforme se alcança da factualidade vertida nos pontos números 15 e 16, da decisão de facto. Em contrapartida, a Ré não provou, como lhe cabia, o correspondente pagamento com o acréscimo de 200%.
De resto, nem a sua defesa, passa por aí, como vimos.
E, quanto ao segundo argumento coligido, mal se entende a sua adução nesta fase recursória, tanto quanto é certo que o pagamento ao quilómetro, discriminado nos recibos como “ajudas de custo internacionais” se destinava a custear o pagamento das refeições, dispensando a apresentação de facturas – ponto número 9. da referida decisão de facto.
3.3.2
Para além de questionar o pagamento do analisado trabalho suplementar, a recorrente também censura, subsidiariamente, o cálculo de que as instâncias se socorreram para alcançar o montante condenatório. Refere-se, em concreto, à retribuição especial prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, que as instâncias avocaram para apurar o aludido montante, fazendo-o erradamente, segundo a Ré, na medida em que estamos, segundo diz, perante “… uma espécie de retribuição pelo trabalho suplementar” que, por isso, não pode ser incluída no cálculo de “outro trabalho suplementar”.
Mas não tem razão.
A propósito da questão inicialmente versada, já se anotou o entendimento deste Supremo Tribunal sobre a natureza da subvenção prevista na mencionada cláusula.
Ora, se o seu pagamento se há-de reportar a todos os dias do mês, independentemente de serem úteis, de descanso semanal ou complementar e feriados, importa reconhecer que a falada subvenção congrega as características de regularidade e periodicidade que demandam a sua obrigatória inclusão no conceito de “retribuição normal”, à luz do Código do Trabalho de 2003, como, no pretérito, à luz do art. 82.º da LCT.
Tal inclusão consequencia, por necessário, que a mesma deva ser considerada em quaisquer circunstâncias em que é convocada a “retribuição normal” do trabalhador, designadamente para efeitos de remuneração do trabalho suplementar.
É notório, aliás, que a referência feita na dita cláusula ao “trabalho extraordinário” nada tem a ver com a qualificação da subvenção mas apenas com o cálculo do respectivo montante.
3.4
Afadiga-se a recorrente em coligir o “depoimento de parte” prestado pelo Autor, anunciando que ali se reconhecera a existência de um acordo entre as partes no sentido do não pagamento dos “sábados” e “feriados”, bem como em inclusão dos “domingos” no item “ajudas de custo”.
Ao assim esgrimir, pretende a recorrente significar que o Autor incorre em abuso do direito, na justa medida em que vem agora reclamar da Ré o pagamento do trabalho prestado nesses dias.
Sucede que o pressuposto anunciado não tem a menor correspondência na matéria factual vinda das instâncias, que não noticia a existência de qualquer acordo ou confissão nos termos e com o alcance ora pretendidos pela Ré.
Tanto basta para concluir que a tese expendida está necessariamente votada ao fracasso.
3.5
O pedido reconvencional da Ré, subordinado à procedência da acção, acoberta um entendimento de que as partes haviam convencionado um sistema retributivo diverso daquele que consta da regulamentação colectiva atendível, sendo que o êxito da demanda não pode deixar de implicar a reposição das quantias resultantes desse convénio, sob pena de “duplo pagamento” e do consequente “enriquecimento sem causa” por banda do Autor.
A Jurisprudência constante deste Supremo Tribunal evidencia que a entidade patronal, por regra, não pode unilateralmente modificar o sistema retributivo dos seus trabalhadores, no que concerne aos elementos que derivam da lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva.
Apesar disso, nada impede que tal retribuição seja alterada por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade patronal, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador.
À data da celebração do contrato ajuizado vigorava, neste domínio, a disciplina normativa emergente dos arts. 12.º, 13.º e 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, e 14.º, n.º 1, da LRCT (Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro) referindo expressamente aquele último preceito “… a regulamentação estabelecida por qualquer dos modos referidos no número dois (convenção colectiva, decisão arbitral ou acordo das partes) não pode ser afastada pelos contratos individuais de trabalho, salvo para estabelecer condições mais favoráveis para os trabalhadores”.
A prova dessa favorabilidade compete ao empregador – art. 342.º, n.º 2, do Código Civil.
À luz destes princípios, é plenamente admissível o aprazamento de um sistema retributivo, para os motoristas “TIR”, diverso do que se acha consagrado no C.C.T. celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU: ponto é que o sistema convencionado lhes seja mais favorável.
No caso dos autos – e segundo a própria tese da Ré – o sobredito acordo substituía apenas parcialmente a estrutura retributiva plasmada na convenção: em lugar do pagamento devido pelo trabalho prestado em dias de descanso e feriados, a empresa pagaria as denominadas “ajudas de custo internacionais”, que tinham por referencial os quilómetros percorridos e, em abono desse convénio, volta a convocar o depoimento de parte do Autor em termos que, já o dissemos, não têm a menor correspondência na factualidade dada como provada.
O que essa factualidade evidencia – bem pelo contrário – é que as mencionadas “ajudas de custo internacionais” se destinavam a custear o pagamento das refeições em substituição do pagamento à factura, previsto na cláusula 47.ª A, do aludido C.C.T..
É dizer que a substituição operada se reporta a um direito retributivo que em nada se confunde com o direito ao pagamento previsto na cláusula 42.ª, n.º 1 (trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriado).
Tanto basta para afastar o suposto enriquecimento indevido do Autor e implicar o consequente fracasso do pedido reconvencional.
4 – Decisão
Em face do exposto, nega-se a Revista e confirma-se o Acórdão impugnado.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2009

Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis