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AMEAÇA
Sumário
No caso de ameaça verbal, para aferição da potencialidade intimidatória das expressões proferidas tem de se ter em conta, conjugadamente, a conduta na sua globalidade, o contexto em que a mesma acontece e a idiossincrasia e modos de ser do ameaçante e do ameaçado.
Texto Integral
Proc. Nº 240/09.7TAVNF.P1
1º Juízo do T.J. de Vila Nova de Famalicão
Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
No 1º Juízo do T.J. de Vila Nova de Famalicão, processo supra referido, foi julgado B…, tendo sido proferida Sentença com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto e ao abrigo dos citados preceitos legais:
1-Julga-se procedente por provada a acusação deduzida e, em consequência:
- Condena-se o arguido B… pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153ºnº 1 e 155º, nº1 a) do Código Penal, praticado na pessoa da ofendida C…, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à razão diária de 8 (oito)euros;
- Condena-se o arguido B… pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153ºnº 1 e 155º, nº1 a) do Código Penal, praticado na pessoa do ofendido D…, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à razão diária de 8 (oito) euros;
- Condena-se o arguido B… pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153ºnº 1 e 155º, nº1 a) do Código Penal, praticado na pessoa do ofendido E…, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à razão diária de 8 (oito)euros;
- Condena-se o arguido B… pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153ºnº 1 e 155º, nº1 a) do Código Penal, praticado na pessoa do ofendido F…, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à razão diária de 8 (oito)euros;
- Condena-se o arguido B… pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153ºnº 1 e 155º, nº1 a) do Código Penal, praticado na pessoa do ofendido G…, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à razão diária de 8 (oito)euros;
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condena-se o arguido na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à razão diária de 8 euros, no montante global de 1920 (mil novecentos e vinte) euros.
Custas a cargos do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC e demais encargos.
2- Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado e, em consequência, condena-se o demandado B… a pagar a cada um dos demandantes C…, D…, E…, F… e G… a quantia de 700 (setecentos) euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo-se o demandado do demais peticionado.”
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Desta Sentença recorreu o condenado B…, formulando as seguintes conclusões:
“1) O elemento objectivo do tipo de crime previsto no artigo 153°, n° i do C.P. consiste em ameaçar outra pessoa, ou seja, anunciar, por qualquer meio, a intenção de causar um mal futuro, dependente da vontade do Autor, que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e a autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
II) Sucede que, no presente caso, o Arguido não declarou que iria matar os ofendidos. Na verdade, limitou-se a anunciar que essa possível acção futura ficaria dependente dos queixosos não tirarem o foco de luz que haviam acabado de instalar e que “deitava directamente para a sua residência e lhe retirava privacidade” (15 dos factos assentes). De facto, o Recorrente limitou-se a admitir a mera possibilidade de vir a matar, caso os Queixosos não retirassem do local o foco que aí haviam instalado.
III) O Arguido não anunciou a intenção de matar, nem que este mal fosse inevitável, apenas admitiu a sua possibilidade, caso os ofendidos mantivessem o propósito de deixar o foco de luz virado para a sua casa. Assim, o mal ameaçado — morte — não estava dependente da vontade do Arguido, mas outrossim, da vontade dos ofendidos.
IV) Com efeito, o crime de ameaça, a par de exigir a cominação de um mal futuro, não se compadece com a subordinação da concretização do mal ameaçado a uma condição dependente da vontade do próprio ameaçado.
V) Não constituindo as expressões usadas mais do que um aviso, cuja concretização depende do comportamento dos próprios ofendidos, forçoso se torna concluir pelo não preenchimento do tipo legal do crime de ameaças, previsto e punido pelo artigo 153°, n°1 do C.P..
VI) O tribunal recorrido, ao condenar o Arguido nos crimes por que vinha acusado, bem como no pedido de indemnização civil, violou, assim, o disposto nos artigos 153°, n° 1 do Código Penal e 483° e 496°, n° i e 3 do Código Civil.
Termos em que, dando-se provimento ao recurso, deverá ser revogada a sentença condenatória e absolvido o Arguido, fazendo-se a habitual, sã e serena JUSTIÇA!”
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Em 1ª Instância, o MºPº pronunciou-se pela improcedência do recurso.
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Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, pela improcedência do recurso, escrevendo nomeadamente.
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Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor da Sentença recorrida.
Factos Provados:
“1.A ofendida C… é esposa do ofendido D….
2.Por seu turno, os ofendidos E…, F… e G… são filhos do casal.
3.Os ofendidos são vizinhos do arguido B…, existindo entre eles uma relação conflituosa.
4.No dia 30 de Dezembro de 2008, pelas 18H55m, na Rua …, junto ao n.° …, a ofendida C… encontrava-se a conversar com uma vizinha no pátio da sua residência, quando surgiu de repente o arguido e, dirigindo-se à ofendida C…, lhe disse em voz alta e tom intimidatório e sério: “C1… ou me tiram o foco de luz, ou eu fodo-vos a todos! Eu mato-vos e depois vou para a cadeia. Ouviu? Eu fodo-vos a todos!!
5.Entretanto, a ofendida, atemorizada, foi chamar o seu filho, o ofendido G…, para o colocar ao corrente do que acabara de ouvir, e quando ambos se dirigiram ao terraço da sua residência, o arguido voltou a novamente a ameaçar os ofendidos, proferindo em voz alta a seguinte expressão: “Eu fodo-vos a todos. Á C1…, ao marido e aos seus filhos! Não tenho medo. Eu mato-vos e depois vou para a cadeia. Não tenho medo!”
6.As expressões proferidas chegaram ao conhecimento não só da ofendida C… e do ofendido G… que as ouviram, como dos restantes ofendidos que tomaram conhecimento das mesmas através daqueles (respectivamente, esposa e filho do ofendido D… e mãe e irmão dos ofendidos E… e F…, tanto mais que os ofendidos C… e D… habitam no n.° … da supra referida artéria e o arguido no n.° …, sendo que e para além do mais, todos os ofendidos trabalham numa empresa que fica junto à residência deste arguido.
7.As referidas expressões que o arguido B… proferiu para os ofendidos, bem sabendo que iriam chegar ao conhecimento de todos, sendo essa a sua intenção, levaram estes a concluir que aquele tinha em mente vir a atentar contra as suas vidas ou a sua integridade física, motivando-lhes medo e receio de que viessem a ser concretizados tais propósitos, o que limitou a sua liberdade.
8.Agiu o arguido B… com o propósito alcançado de atemorizar todos os ofendidos, o que conseguiu, os quais ficaram receosos de que aquele efectivamente os molestasse na sua integridade física.
9.O arguido actuou deliberada, livre e conscientemente, ciente que, com os descritos comportamentos agia contra a vontade dos ofendidos e bem sabendo ser tal conduta proibida e punida por lei.
10. O arguido está reformado e recebe de reforma cerca de 800 euros por mês.
11. Reside com a esposa, que recebe de reforma cerca de 300 euros em casa própria.
12. Tem como despesa mais relevante a quantia de 80 euros e de 38 euros, que despende mensalmente pela aquisição de uma mobília e de um frigorífico.
13. O arguido não tem antecedentes criminais.
14.É considerado pelos amigos como uma pessoa séria, trabalhadora e habitualmente pacata.
15.No momento da prática dos factos o arguido estava muito nervoso e perturbado com a instalação, para vigilância da empresa dos ofendidos, de câmaras e um foco de luz que deitava directamente para a sua residência e lhe retirava privacidade.
16.Em data anterior a 30.12.2008, o arguido apresentou uma queixa no Ministério do Ambiente e da Economia e na Câmara Municipal … em consequência do barulho causado pela fábrica dos ofendidos, e requereu um procedimento cautelar não especificado no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão contra a H…, Ldª em consequência do ruído, trepidações e emissões de poeiras decorrentes da actividade exercida pela empresa dos ofendidos.
17.Antes e após os factos que resultaram, provados, o arguido chamou várias vezes a GNR ao local em consequência da vibração e ruído provenientes da fábrica dos ofendidos, que impediam e impedem o descanso da sua família, o que os fez deixar de pernoitar na sua residência, situação que se mantém actualmente.
18.Em consequência da conduta do arguido, os ofendidos C…, D…, E…, F… e G…, que são pessoas educadas e respeitadas, sentiram desgosto, vergonha, humilhação, medo e inquietação, receando que o arguido concretizasse a ameaça proferida, que foi do conhecimento dos vizinhos.”
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Enquadramento Jurídico-Penal:
“Sendo esta a matéria de facto provada e não provada, façamos o seu enquadramento jurídico-penal:
Vem o arguido B… acusado da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real de cinco crimes de ameaça p.s e p.s, pelos art.s 153°, n°1 e 155°, n°1, a), do Código Penal.
Nos termos do disposto no artº 153º nº 1 do C.P. “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de autodeterminação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Quando os factos forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias- artº 155º, nº1, a, do Código Penal.
São assim elementos do tipo: A existência de uma ameaça, que se consubstancia no prometer ou prenunciar um mal futuro que constitua crime. É ainda necessário que essa ameaça seja com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.
Para o preenchimento do tipo de ilícito exige-se ainda que essa ameaça seja adequada a provocar ao ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. Trata-se pois de um crime de perigo abstracto ou de mera actividade e não de um crime de resultado. No tipo subjectivo de ilícito, o crime de ameaça exige o dolo, que exige e se basta com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado.
No caso dos autos, face à factualidade provada, a conduta do arguido preencheu o tipo objectivo e subjectivo de ilícito do crime de ameaça, p. e p. pelo artº 153º, nº 1 do C.P. e 155º, nº1, a), do Código Penal, pois ao dizer, nas circunstâncias que resultaram provadas, e insurgindo-se contra um foco de luz que pretendia que fosse retirado, que matava todos os ofendidos, ameaçou cada um dos cinco ofendidos com a prática de crime contra a vida.
Por outro lado, o arguido sabia que a conduta que adoptou era adequada a provocar medo e intranquilidade nos ameaçados, agindo contudo em conformidade, e com dolo directo (artº 14º, nº 1 do C.P).
Cometeu assim o arguido cinco crimes de ameaça, p. e p. pelo artº 153º, nº 1 e 155º, nº1, a), do C.P.”
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Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
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Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o recorrente B…, circunscreve o seu recurso à matéria de Direito, pretendendo suscitar a seguinte questão:
- Não verificação do elemento objectivo do tipo, em cada um dos cinco crimes de ameaça, por cuja prática o recorrente foi condenado.
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Em síntese encontra-se provado que entre o recorrente, B…, e os seus vizinhos, C…, seu marido D…, e filhos E…, F… e G…, existia uma relação conflituosa.
Em 30/12/2008, enquanto a C… conversava com uma vizinha, o B… surgiu e disse-lhe “em voz alta e tom intimidatório e sério”: “C1… ou me tiram o foco de luz, ou eu fodo-vos a todos! Eu mato-vos e depois vou para a cadeia. Ouviu? Eu fodo-vos a todos!!”.
A C…, atemorizada, chamou o filho G…, e com ambos no terraço da residência, o arguido “voltou novamente a ameaçar os ofendidos”, em voz alta, “Eu fodo-vos a todos. Á C1…, ao marido e aos seus filhos! Não tenho medo. Eu mato-vos e depois vou para a cadeia. Não tenho medo!”.
Estas expressões chegaram ao conhecimento do D…, e do E… e F… que habitam todos na mesma casa e trabalham numa empresa junto à casa do B….
Motivaram-lhes “medo e receio de que viessem a ser considerados tais propósitos, o que limitou a sua liberdade”, o que era a intenção do B….
Na subsunção dos factos ao Direito é considerado que a conduta do recorrente preencheu, por cinco vezes, o tipo do crime de ameaça, p.e.p. pelo art. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1 al. a) do C.P., “ao dizer, nas circunstâncias que resultaram provadas, e insurgindo-se contra um foco de luz que pretendia que fosse retirado, que matava todos os ofendidos, ameaçou cada um dos cinco ofendidos com a prática de crime contra a vida.”.
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Afirma-se na peça de recurso que o arguido «não declarou que iria matar os ofendidos», limitou-se «a admitir a mera possibilidade de vir a matar, caso os queixosos não retirassem do local o foco de luz que «deitava directamente para a sua residência e lhe retirava privacidade».
«Não constituindo as expressões usadas mais do que um aviso, cuja concretização depende do comportamento dos próprios ofendidos», não se encontra preenchido o tipo legal do crime de ameaças p.e.p. pelo art. 153.º, n.º 1, do C.P.
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Vejamos, antes de mais, as normas, do Código Penal, aplicáveis:
Artigo 153.º(Ameaça)
1.Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Artigo 155.º, n.º 1
Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados:
a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena superior a 3 anos; ou (…)
o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º (…)
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Sem entrar numa análise de cariz escolar - não é este o local - da previsão típica do crime de ameaça (art. 153.º, n.º 1), refira-se apenas que com a alteração resultante da revisão do Código Penal do D.L. 48/95 de 15/03, foi introduzida a expressão “de forma adequada a provocar-lhe” medo ou inquietação ou prejudicar a sua liberdade de determinação (antes, a redacção era: “Quem ameaçar outrem com a prática de um crime, provocando-lhe receio, medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a sua liberdade de determinação” – correspondente ao art. 155.º, da versão original do Código), modificando-se a conduta que uma vez verificada, determina a aplicação da estatuição.
Centra-se, agora, a previsão típica na adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou a prejudicar a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, chegue a provocar esses efeitos (do mesmo modo que, se os provocar, mas a ameaça não se mostrar idónea para esse efeito, o crime não se mostra cometido).
Daí que se caracterize agora o crime como sendo de mera actividade e perigo, em que o tipo descreve apenas uma conduta (idónea a provocar os efeitos descritos), independentemente de qualquer situação concreta de perigo (deixando, assim, de ser um crime de resultado).
O recorrente – tal como resulta da supra sintetizada argumentação - circunscreve-se a uma análise da semântica das expressões que assume ter proferido, pretendendo que as mesmas sejam interpretadas no sentido de que não era uma ameaça, era apenas um aviso.
É evidente que a operação de subsunção dos factos à previsão típica não se pode circunscrever a análises de âmbito gramatical, relacionadas com a semântica, ou com os tempos verbais utilizados (v.g. a «vexata quaestio» da distinção entre “mal futuro” e “mal iminente”).
Para aferição da potencialidade intimidatória das expressões proferidas (no caso de ameaça verbal), tem de se ter em conta, conjugadamente – à semelhança dos crimes de injúrias ou difamação – a conduta na sua globalidade, o contexto em que a mesma acontece, e a idiossincrasia e modos de ser e estar do ameaçante (s) e do ameaçado (s).
Aplicando, estes critérios, ao caso concreto, verificamos:
- Existia uma relação conflituosa entre vizinhos, resultante – é lícito deduzir-se - dos incómodos (barulho, ruídos, trepidações, emissões de poeiras), para o recorrente, decorrentes da actividade da empresa dos ofendidos, com instalações junto à sua residência;
- Essa situação tinha gerado várias chamadas da G.N.R., queixas no Ministério do Ambiente e na Câmara Municipal, e uma providência cautelar;
- O recorrente é uma pessoa reformada, séria, e habitualmente pacata, vivendo apenas na companhia da esposa;
- Os ofendidos, constituem uma família, integrada pelos pais e três filhos;
- O recorrente proferiu as expressões, muito “nervoso e perturbado com a instalação” “de câmaras e um foco de luz que deitava directamente para a sua residência e lhe retirava privacidade”.
Neste contexto, com esta idiossincrasia, e o descrito modo de estar e ser, as expressões proferidas não integravam um potencial intimidatório suficiente, para lhes ser conferida relevância penal.
Configuram-se, mais adequadamente, como um desabafo; um desabafo, violento e injurioso, susceptível de causar incómodo e irritação, é certo, mas sem a necessária adequação, idoneidade, a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação dos ofendidos.
Em conclusão, a conduta do recorrente, não integra a previsão típica em causa, merecendo, embora com outros fundamentos, o recurso provimento.
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No seu recurso reporta-se, também, o recorrente ao pedido de indemnização civil, como mera decorrência da absolvição da matéria criminal, não desenvolvendo nenhuma argumentação específica,
Não se pode pois considerar impugnada a Decisão recorrida, nesse segmento, nem a mesma seria susceptível de impugnação considerando o valor da sucumbência - € 700,00, inferior a metade da alçada do Tribunal recorrido, perante o disposto no art. 400.º, n.º 2 do C.P.P.
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No entanto, dispõe o art. 403.º, n.º 3, do C.P.P. que “a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.”
Por outro lado “a Sentença ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização cível, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no art. 82º, nº 3 do CPP (remessa das partes para os Tribunais Cíveis…) – art. 377º, nº 1 do CPP.”
Esta solução foi adoptada na esteira do regime fixado pelo DL 605/75, no seu art. 12º: “nos casos de absolvição da acusação-crime, o Juiz condenará em indemnização civil, desde que fique provado o ilícito desta natureza ou a responsabilidade fundada no risco”.
E a respeito dela, comenta – lapidarmente – Adriano Vaz Serra, na revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 111, pág. 171: “embora não haja responsabilidade criminal, pode existir responsabilidade civil; ou seja, o demandado pode ter tido culpa que o constitua em responsabilidade civil, conquanto não tenha tido culpa que implique responsabilidade criminal da sua parte”.
A esse respeito, o que ficou provado foi que:
- Em consequência da conduta do arguido, os ofendidos “que são pessoas educadas e respeitadas, sentiram desgosto, vergonha, humilhação, medo e inquietação, receando que o arguido concretizasse a ameaça proferida, que foi do conhecimento dos vizinhos.”
O art. 496º do CC, exige que os danos não patrimoniais, tenham suficiente gravidade para merecer a tutela do Direito.
Assim, “o desgosto, vergonha, humilhação, medo, inquietação” dos ofendidos – de acordo com a matéria provada -, sem prejuízo de não revestirem relevância penal, como se procurou demonstrar, merecem a tutela do Direito a nível civil, dado que, tal como dispõe, o art. 70.º, n.º 1, do C.C., no âmbito da tutela dos direitos de personalidade, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à personalidade física ou moral.
Consequentemente, mantém-se a condenação na fixada indemnização civil.
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Nos termos relatados, decide-se julgar procedente o recurso, revogando-se a Sentença recorrida, em matéria penal, e em consequência, absolvendo-se o recorrente da prática dos 5 crimes de ameaça p.e.p. pelos arts. 153.º, n.º1 e 155.º, n.º 1 a) do Código Penal de que estava acusado.
Mantém-se, em matéria civil, o dispositivo da Sentença recorrida.
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Sem custas.
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Porto, 07/12/2011
José Joaquim Aniceto Piedade
Airisa Maurício Antunes Caldinho