CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
DEVEDOR
LOCADOR FINANCEIRO
LOCATÁRIO FINANCEIRO
OBRIGAÇÕES «PROPTER REM»
AMBULATORIEDADE
Sumário


I) - O contrato de locação financeira (imobiliária) (leasing) por alguns considerado um contrato de crédito ao consumo, não obstante pressupor que em campos jurídicos distintos se situam o dono/locador da coisa e o locatário financeiro/fruidor, constitui uma realidade económica que tendo de muito relevante o financiamento da aquisição de bens, estabelece um regime legal que visa, em função do nodal aspecto de fruição económica em vista da expectativa de aquisição do direito de propriedade, que constitui um direito potestativo do locatário contra o qual o locador nada pode, impõe ónus e riscos que, na pura lógica do direito de propriedade, ainda que comprimido, por outro direito real ou obrigacional, mal se compreenderiam.

II) – Na locação financeira imobiliária, existe um contrato de financiamento, visando, tendencialmente, um contrato de compra e venda; mas, enquanto este contrato perdurar a relação jurídico-negocial tem notória afinidade com o contrato de arrendamento.

III) – Durante o tempo por que perdura, o locatário entra na posse material do imóvel dado em locação (i)mobiliária e, tal como um mero arrendatário, tem poderes de fruição temporária – medida esta pelo período de duração do contrato – mediante o pagamento de uma renda.

IV) – Sendo traço comum da locação financeira, mobiliária e imobiliária, a fruição onerosa e temporária de um bem, o legislador quis colocar a cargo do locatário de fracção autónoma o pagamento das despesas comuns do edifício e os serviços de interesse comum, certamente em homenagem à vocação do tipo contratual, que visa o financiamento do locatário.

V) - Daí que o regime das obrigações propter rem deva ter aqui em atenção a especificidade do contrato e o fim económico que o tipo contratual visa.

VI) – Sendo as obrigações propter rem excepcionais, já que quanto a elas a autonomia privada se mostra cerceada, em salvaguarda à livre e plena fruição dos bens e das suas vantagens económicas, importa saber se obrigação de pagamento das despesas de interesse comum e do condomínio, sendo em regra uma obrigação real inerente à titularidade do direito de propriedade, pode ser desligada dele e atribuída a quem tenha sobre a coisa um poder causal (factual e jurídico em virtude de um contrato).

VII) – Estamos imersos na vertente da ambulatoriedade da obrigação propter rem, ou seja, na questão da transmissibilidade dessa obrigação que nasce por causa da titularidade do direito real sobre a coisa.

VIII) - Sendo a obrigação propter rem, conexa, dependente e acessória de um direito real, em princípio, acompanharia as vicissitudes deste, mormente, através da sua transmissão para adquirentes ou beneficiários do direito transmitido.

IX) - Tendo em conta a especificidade do contrato de locação financeira imobiliária, a sua função económica e o facto do locatário financeiro assumir uma posição muito próxima da do arrendatário vinculístico, mormente, quanto ao uso e fruição do imóvel (na locação financeira com a expectativa de se tornar dono do imóvel), e sendo certo que até no arrendamento pode o arrendatário convencionalmente arcar com as despesas de condomínio, não é cabido considerar-se como não ambulatória a obrigação de pagamento das despesas condominiais, para as fazer recair sobre o locador financeiro, que não é o “dono económico” do imóvel, nem beneficia de qualquer vantagem directa inerente à respectiva fruição.

X) – Compete ao locatário financeiro imobiliário o pagamento dos encargos relativos ao condomínio, em caso de locação financeira imobiliária de prédio constituído em regime de propriedade horizontal.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Banco ..., S.A., deduziu, em 11.9.2007, no 1º Juízo de Execução da Comarca do Porto, Oposição à Execução – Processo nº5662/07.5YYPRT-A – contra si deduzida pela Exequente:

O... Manager (Porto)-Gestão de Empresas, Lda.

Para fundamentar a sua pretensão de extinção da execução, alegou, em síntese, que não recai sobre si a obrigação de pagar os encargos relativos ao condomínio das fracções identificadas no requerimento executivo, incumbindo tal obrigação ao locatário.

As referidas fracções estavam dadas em locação financeira a um terceiro, facto conhecido do exequente.

Mas, mesmo admitindo que tais créditos existissem, teriam entretanto prescrito os relativos aos últimos cinco anos, concretamente as contribuições vencidas em data anterior a 19 de Julho de 2002.

A exequente contestou.

Alegou que o opoente não desconhece que correu termos uma acção judicial onde foi discutida a mesma questão de direito e onde foi decidido que o proprietário das fracções era responsável pelo pagamento do condomínio relativo às fracções, independentemente da existência de contrato de locação financeira.

Por outro lado, quanto à invocada prescrição, não pode o opoente invocar a mesma, porquanto foi o único responsável pela demora da exequente em propor a execução.

Desde 2002 que o B... Leasing vem sendo interpelado pela administração do condomínio para pagamento das prestações em dívida, tendo ainda, em Julho de 2006, agendado uma reunião com a exequente para discutir o pagamento das contribuições de condomínio em débito.

O opoente andou literalmente a entreter a exequente, tendo esta, em função das decisões proferidas pelos tribunais superiores na acção judicial que correu termos na 2ª Vara Cível do Porto sob o nº 771/00, considerado altamente provável que a opoente efectuasse o pagamento das facturas em débito.

Só em 12 de Fevereiro de 2007 é que o opoente efectuou o pagamento parcial da factura 48/2005, só nessa altura tendo ficado ciente que o opoente não tencionava pagar as restantes contribuições em débito.

Só, então, houve possibilidade de convocar a assembleia de condóminos para instauração de execução com vista à cobrança do débito.

Alega que o comportamento do opoente configura abuso de direito.

Excepcionou, ainda, a existência de caso julgado, por força da decisão prolatada na 2ª Vara Cível do Porto, na acção nº771/00 que considerou o proprietário como parte legítima para ser demandado.

Defende ainda que o encargo decorrente das despesas de condomínio incumbe ao proprietário.

Foi elaborado despacho saneador.

Procedeu-se à realização de julgamento com observância do formalismo legal aplicável, tendo sido considerada provada a matéria constante do despacho datado de 25 de Junho p.p. Mantém-se a validade e a regularidade da instância, inexistindo obstáculos ao conhecimento do mérito da causa.
***

A final foi proferida decisão que julgou a oposição procedente e, consequentemente, extinta a execução.
***

Inconformada a opoente, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª. A apelante demonstrou em juízo, com correspondência na matéria assente e nos documentos carreados para os autos, que este litígio não é inédito entre as partes, já tendo recaído sobre este decisão judicial favorável à apelante, o que, por ofensa do caso julgado, prejudicava o conhecimento da pretensão deduzida pela apelada na oposição a fls.

2ª. Com efeito, a oposição deduzida a fls. pela apelada, configura, nos termos do nº1 do art. 498° do Código de Processo Civil, uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

3ª. Conforme demonstrado, há identidade de sujeitos, para efeito do n°2 do art. 498° do Código de Processo Civil, porquanto a apelada, conforme resulta das certidões juntas a fls. e dos factos assentes em B), incorporou, por fusão, a B... Leasing, S.A. que, por sua vez, havia antes incorporado, igualmente, por fusão a M... LEASING, SOCIEDADE DE LOCAÇÂO FINANCEIRA, S.A. e a apelante é a administração do condomínio do Edifício Scala, Rua de Vilar, no ..., Porto, na altura a cargo dos condóminos Instituto Nacional de Estatística e Águas Douro e Paiva e, actualmente, exercida pela O... MANAGER (PORTO) – GESTÃO DE EMPRESAS, LDA. (cfr. acta junta a fls. _)

4ª. Também há identidade de pedido para efeito do disposto no n°3 do citado artigo, porquanto, se continua a sustentar que a responsabilidade pelas despesas de conservação e fruição das partes comuns, no caso de locação financeira de fracção autónoma, recai sobre o locatário, nos termos da al. b) do art. 10° do DL. n°149/95, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo DL. 265/97, de 2 de Outubro, não obstante estejam em causa contribuições de montante diferente e vencidas em período posterior às peticionadas na acção executiva que correu termos sob o n° 771/2000.

5ª. Não merece, assim, acolhimento a posição do meritíssimo juiz a quo de fls._ quando julga improcedente a excepção de caso julgado, com fundamento na inexistência de identidade de pedidos pelo facto de as dívidas, nos embargos apresentados no processo n°771/2000 e os ora deduzidas pela apelada, se reportarem a períodos temporalmente distintos. Nesse sentido, vd. o douto Ac da RP de 17/02/97, publicado sob o n° convencional JTRP00020272, em www.dgsi.pt/jtrp.

6ª. Também há identidade de causa de pedir para efeito do nº4 do art. 498º do Código de Processo Civil, já que, tal como nos embargos deduzidos pela locadora M... LEASING -SOCIEDADE DE LOCAÇAO FINANCEIRA, S.A., a apelada vem fundamentar a exoneração da responsabilidade pelo pagamento das contribuições de condomínio com fundamento no contrato de locação financeira, celebrado em 30/12/1997, com a M...- INVESTIMENTOS E SERVIÇOS IMOBILIÁRIOS, S.A., alegando que, nos termos da al. b) do art. 10º/1 do DL 149/95, de 24 de Junho, com alterações posteriores, apenas a locatária seria responsável pelo pagamento das contribuições de condomínio.

7ª. Verifica-se, assim, que a oposição deduzida pela apelada viola o princípio do caso julgado, constituindo uma excepção dilatória que acarreta a absolvição da apelada da instância (cfr. n°2 do art. 493°, alínea i) do art. 494°, art. 497° e art. 498°, todos do Código de Processo Civil).

8ª. A qualidade de condómino, nos termos do art. 1420° do Código Civil, é inerente à propriedade exclusiva das fracções autónomas, recaindo sobre o proprietário a obrigação de pagar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício, identificadas no art. 1424° do Código Civil.

9ª. As obrigações referidas no art. 1424° do Código Civil constituem exemplo típico de obrigação “propter rem”, ou seja, é “aquela cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa” (Menezes Cordeiro, “Direitos Reais”, Reprint, 366-367)

10ª. É entendimento pacífico na doutrina que a obrigação propter rem tem sempre como devedor o titular do direito real, mesmo que os actos que a originam sejam praticados por terceiro (por um possuidor, por um detentor legítimo ou ilegítimo ou por qualquer outra pessoa) igualmente vinculado ao cumprimento. (cfr. Henrique Mesquita, ob. cít, p. 311.)

11ª. As dúvidas que a doutrina, nomeadamente, Henrique Mesquita, ob. cit., p. 312, levantam relativamente à ambulatoriedade da obrigação propter rem cingem-se às hipóteses de sucessão singular e aquisição originária.

12ª. O citado autor, ob. cit., p. 319 e ss, propõe-se demonstrar que se há obrigações em que a ambulatoriedade se impõe, outras existem, pelo contrário, que devem considerar-se intransmissíveis, por ser essa a solução que melhor se harmoniza com os vários interesses a que importa conferir tutela adequada.

13ª. O autor, ob cit, p. 319 e ss, partindo do pressuposto que, no art. 1424º do Código Civil está em causa uma obrigação propter rem, que decorre directamente do estatuto de um direito real e uma obrigação de dare, ou seja, os condóminos são obrigados a contribuir, proporcionalmente ao valor das respectivas fracções autónomas, para as despesas necessárias à prática de qualquer acto conservatório, demonstra a não ambulatoriedade da obrigação propter rem na situação de alienação da fracção autónoma, depois de vencidas as quotas-partes do condómino alienante referentes a despesas necessárias à conservação ou à fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.

14ª. Nesse sentido, refere o autor, ob. cit., p. 321-322, que, tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção, acrescentado que este não dispõe de quaisquer elementos objectivos que revelassem ou indicassem a existência das dívidas.

15ª. Por outro lado, refere o autor, ob.cit. p. 322, que tais prestações representam, em regra, na economia do instituto, a contrapartida de um uso de fruição (das partes comuns do edifício) que couberam ao alienante e, por conseguinte, só a este deve competir o respectivo pagamento.

16ª. É, neste sentido, que o autor, ob cit. p. 323, conclui que é de rejeitar a doutrina (tradicional) que considera a ambulatoriedade uma característica de todas as obrigações propter rem, no sentido de que a transmissão do direito real de cujo estatuto a obrigação emerge, implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular ius in re.

17ª. No entanto, já não será possível extrair desta posição que a obrigação do locatário financeiro de contribuir para o pagamento das despesas do condomínio seja uma obrigação propter rem não ambulatória, conforme propugnado no aresto citado na sentença.

18ª. É pacifico quer a obrigação propter rem tem sempre como devedor o titular do direito real – cfr. Henrique Mesquita, ob cit, p. 301 e 311.

19ª. Na hipótese de não ambulatoriedade da obrigação prevista no art. 1424º do Código Civil referente à alienação de fracção autónoma, analisada por Henrique Mesquita, quer o transmitente, quer o adquirente têm o mesmo direito, sendo que apenas diferente o momento temporal em que o mesmo é exercido.

20ª. Ora, esta questão não tem qualquer analogia com a relação locador e locatário financeiro, no âmbito da qual apenas ao locador assiste o direito de propriedade e, portanto, a condição de condómino, face ao art. 1420° do Código Civil, sendo manifestamente contra legem a interpretação em sentido contrário.

21ª. Com efeito, ambos os sujeitos têm direitos de características diversas, nomeadamente, o locador tem o direito real de propriedade, com base na qual adquire a qualidade de condómino e o dever de pagar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, enquanto ao locatário apenas assiste um direito obrigacional, não lhe podendo ser reconhecida a qualidade de condómino e, portanto, a obrigação de proceder ao pagamento das despesas previstas no art. 1424º do Código Civil.

22ª. Nesse sentido, refere Henrique Mesquita, ob. cit. p.301, que “A constituição de um direito pessoal de gozo (através v.g., de um contrato de locação ou comodato) nenhuns reflexos produz sobre o sujeito passivo das obrigações propter rem relacionadas com a coisa a que aquele direito se reporte. Decorrendo a obrigação propter rem, por definição, do estatuto de um direito real, o respectivo devedor há-de ser forçosamente o titular desse direito.

23ª. Nesse sentido, numa situação de propriedade horizontal, em que um condómino tenha arrendado a sua fracção não poderá recusar-se a contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum (cfr. o art. 1424º), alegando que essa contribuição incumbe ao arrendatário, ainda que no contrato de arrendamento se convencione que, enquanto a relação locativa durar, as referidas despesas, na parte que couber à fracção autónoma arrendada, serão suportadas pelo arrendatário.

24ª. Tal acordo é inoponível aos demais condomínios, ainda que o ratifiquem e adquiram, em consequência disso, o direito de agir directamente contra o arrendatário, pois, deverá entender-se que a ratificação não exonera o condomínio-locador (cfr. o art. 595º, nº 2), pois, isso equivaleria a modificar o regime da propriedade horizontal.
Nesse sentido, Henrique Mesquita, ob. cit. p. 301 e 302 e art. 1078° /3 e 5 do Código Civil.

25ª. Ora, conforme decidiu o Ac. da RP de 4/06/2001, este regime é aplicável ao caso de o gozo da fracção se basear em contrato de locação financeira, aplicação que se mantém.
Nesse sentido, Pedro Romano Martinez, Contratos Comerciais, Principia, 2001, Lisboa, p. 61

26ª. Também não procede a comparação com o usufrutuário, porque o usufruto é um direito real limitado, enquanto da locação financeira nasce apenas um direito obrigacional, tendo o primeiro uma eficácia erga omnes e o segundo eficácia apenas inter partes.

27ª. Ora, exercendo o titular de um direito real limitado, em concorrência com o proprietário, determinada soberania, deverão competir-lhe aquelas obrigações propter rem que devam considerar-se conexas com essa soberania.

28ª. No silêncio da lei, impõe-se para a determinação da responsabilidade do titular de um direito real limitado relativamente a uma obrigação, originariamente a cargo do proprietário pleno, averiguar se os poderes compreendidos naquele direito constituem a razão determinante do vínculo obrigacional.

29ª. Nesse sentido, concluiu, Henrique Mesquita, ob cit, p. 304, que “o titular de um direito real limitado ao qual pertença certa utilização ou mesmo a disponibilidade da coisa é o devedor das obrigações reais conexas com essa utilização ou disponibilidade, de que resultava a vinculação do proprietário.”

30ª. Assim, conclui o autor, ob cit, p. 305, que ao usufrutuário, a quem a lei confere o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio (art. 1439°), deverão incumbir todas as obrigações que têm como causa o ius utendi e o ius fruendi, onde se incluem as previstas no art. 1424° do Código Civil, sendo certo que o disposto no art. 1472° do Código Civil reforça esta posição.

31ª. A mesma solução já não poderá ser aplicada ao arrendamento ou a locação financeira, como já demonstrámos, por, nestes casos, estarem em causa direitos obrigacionais, com eficácia inter partes, em que o locador mantém a propriedade plena, não exercendo o locatário soberania em concorrência com o proprietário.

32ª. Se a razão determinante da imputação ao usufrutuário das despesas previstas no art. 1424º do Código Civil residisse apenas no facto de este ter uso e fruição do imóvel, conforme expendido no aresto em análise, sem levar em linha de conta que está em causa um direito real limitado em concorrência com o direito de propriedade, ainda que comprimido, também o arrendatário teria de ser, o responsável pelo pagamento das despesas de conservação e fruição previstas no art. 1424º do Código Civil, o que, como já demonstrámos, não se verifica. (cfr. art. 1078°/3 e 5 do Código Civil).

33ª. A norma do art. 10º/1, al. b) é de natureza obrigacional, vinculativa “inter-partes”, enquanto a norma do art. 1424º nº1 do Código Civil é de natureza real, vinculativa “erga omnes”, pois, como vimos, dada a conexão funcional entre a obrigação e o direito real é obrigado quem é titular do direito real, neste caso o titular do direito de propriedade.

34ª. A norma constante da al. b) do art. 10º do DL 149/95, de 24 de Junho, com as alterações posteriores, será, assim, apenas aplicável nas relações entre locador e locatário, sendo que as relações entre estes são de natureza obrigacional, enquanto as relações entre os condóminos são de natureza real.

35ª. Se é certo que o regime legal do contrato de locação financeira que incida sobre fracção autónoma (art. 10º/1 al. b) do DL. 149/95, de 24 de Junho, com alterações posteriores) atribui ao locatário a obrigação de pagar as despesas de condomínio, não é menos certo que não impede que as partes convencionem de forma diferente, sendo, por isso, um regime negociado e acordado “inter partes”, que apenas a estas diz respeito e vincula, e que não interfere nem pode interferir com os direitos de terceiros totalmente alheios a esse contrato.

36ª. Por outro lado, se é certo que o n.° 1 do art. 1424.° do Código Civil permite que a obrigação de pagar as designadas “despesas de condomínio” seja transferida pelo proprietário para um terceiro, isso não significa que o proprietário fique desvinculado dessa obrigação perante a Assembleia de Condóminos, ainda que essa transmissão decorra da lei.

37ª. Sendo as relações entre os condóminos de natureza real, os preceitos legais que regulam as relações de natureza obrigacional são-lhe inaplicáveis, o que significa que, no caso de contrato de locação financeira, a obrigação resultante do art. 10º, nº l, alínea b) do DL 149/95 é inoponível aos restantes condóminos, continuando o condómino-locador a responder directamente por esse pagamento e só dele poderá ser exigido.

38ª. Num quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar.

39ª. Por força da al. b) do art. 10º do citado DL 149/95, depois de efectuado esse pagamento pela condómina-locadora, aqui a apelada, poderá exigir do locatário, por via de regresso, o que tiver pago.

40ª. É, assim, possível conciliar ambos os normativos no sentido de a obrigação de pagamento das despesas comuns recair sobre o proprietário /locador, tendo este o direito de regresso sobre o locatário relativamente aos montantes que haja pago. (cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/03/2002, da RP de 4/06/2001 e Ac da RL de 27/06/2006.)

41ª. Estando as despesas do condomínio relacionadas à manutenção, conservação e reparação dos imóvel, é o proprietário o principal interessado em que essas despesas se realizem e daí que a lei lhe imponha, em primeira mão, o dever de contribuir para essas despesas.

42ª. O reconhecimento ao locatário do direito de participar nas reuniões da assembleia, onde exercerá o seu voto, ao abrigo do disposto art. 10º/ 1, al. e) do DL n° 149/95, de 24 de Junho, com as alterações posteriores, viola o regime da propriedade horizontal, no sentido em que a qualidade de condómino é inerente à propriedade da fracção, sendo o direito a participar nas assembleias de condóminos e a exercer direito de voto exclusivo dos proprietários das fracções. (cfr. 1420° e 1431° do Código Civil)

43ª. Esta tese também viola o art. 10°, al e) do DL 149/95, porquanto a participação na assembleia de condóminos e o exercício de direito de voto, enquanto direitos inerentes à qualidade de titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, revestem um carácter pessoal, não sendo, por isso, susceptíveis de ser exercidos pela locatário.

44ª. Também milita a este favor o facto de o legislador, quando adaptou o regime previsto no DL 149/95, através do DL 265/97, de 2 de Outubro, não consagrou o disposto no art. 9º do Dec-lei 10/91, que, expressamente, reconhecia nas situações de propriedade horizontal, que o locatário assume, em nome próprio, todos os direitos e obrigações do locador relativos às partes comuns do edifício, suportando as despesas de administração, participando e votando nas assembleias de condóminos e podendo, nelas, ser eleito para os diversos cargos.

45ª. Por outro lado, esta posição também falece quando confrontada com o art. artigo 10º, nº1, alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho, que considera ser obrigação do locatário pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, na medida em que nega ao locador a participação na assembleia de condóminos onde também são discutidas as despesas de conservação das partes comuns, as quais são de valor muito mais elevado do que as despesas referentes à fruição da das partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum, referidas na citada al. b) do n° 1 do art. 10º.

46ª. Assim, a tese que considera a proprietária e condómina excluída da assembleia de condóminos, em detrimento da participação do locatário, por força da al. b) e e) do art. 10º, mostra-se contrária ao fim sócio-económico do contrato e despojada de qualquer apoio legal, quer no regime da propriedade horizontal, quer no regime da locação financeira, previsto Decreto-Lei no 149/95, de 24 de Junho, com alterações posteriores.

47ª. Relativamente à finalidade do registo, imposta pelo n°3 do artigo 3° do Decreto-Lei nº149/95, de 24 de Junho, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº265/97, de 02 de Outubro e pela al. 1) do n° 1 do artigo 2° do Código de Registo Predial, esta é a que subjaz a maior parte dos factos sujeito a registo: dar segurança ao comércio jurídico, nomeadamente, revelando aos credores do locatário a situação jurídica dos bens que estes habitualmente trata como seus, assim evitando a concessão de crédito acima da capacidade do locatário, com as inevitáveis consequências funestas para os credores.

48ª.Também milita a favor da responsabilidade do proprietário pelo pagamento das contribuições de condomínio, o nº1 do art. 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro, que expressamente considera que “a reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui titulo executivo contra o proprietário que deixar de pagar no prazo estabelecido, a sua quota-parte” (subl. nosso), sendo certo que o número dois do artigo 1º, deste diploma, estatui que “as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções”.

49ª. No cumprimento do disposto no art. 46º, n°1, alínea d) do Código de Processo Civil e 6°, n°1, do Decreto-Lei nº268/94, de 25 de Outubro, a locadora financeira consta do título executivo junto aos autos, como proprietária e devedor das contribuições reclamadas, também identificadas no título executivo, ao contrário do que se verifica no caso a que se reporta o aresto do Supremo Tribunal de Justiça citado na sentença de fls., sendo que as convocatórias efectuadas pela Administração do Condomínio para as assembleias-gerais, as facturas referentes as quotas partes, as actas, todos os contactos e diligências relativas ao condomínio foram dirigidos directamente para a apelada, conforme resulta dos factos assentes em L) e J) e K).

50ª. Isto significa que a obrigação da locador proceder ao pagamento das despesas comuns resulta tanto do disposto no art. 1424º, do Código Civil, como do disposto no art. 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 268/94, de 25 de Outubro, sendo certo que o número dois do artigo 1°, deste diploma, estatui que “as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções”.

51ª. A interpretação propugnada no aresto de 10/7/2008, no sentido de “ser contemplada na previsão do citado artigo 1424º, n° 1, do Código Civil, a figura do locatário financeiro como sendo (como é) um verdadeiro condómino” não goza na lei letra na lei o mínimo apoio legal. O mesmo se verificando quando considera que o art. 10º al. b) do DL 145/95, a qual apenas produz efeitos inter partes, podendo mesmo ser afastada por vontade das partes, se sobrepõe ao regime da propriedade horizontal, ao qual é reconhecida eficácia erga omnes.

52ª. Esta tese viola o disposto no art. 9º do Código Civil no que concerne as directrizes que devem ser seguidas pelo interpretação da lei.

53ª. A referida interpretação sustenta a interpretação revogatória do disposto no art. 1420° e 1424° do Código Civil, sem existir contradição insanável entre estas normas e a al. b) do art. 10º do DL 145/95, assim, facilitando o casuísmo, com prejuízo da segurança jurídica, e, por conseguinte, da Justiça, essência do Direito.

54ª. A tese perfilhada na sentença ora posta em crise com fundamento no aresto de 10/7/2008, por assentar na derrogação do regime da propriedade horizontal, compromete a segurança jurídica, a qual é indissociável da Justiça, essência do Direito.

55ª. Sendo pacífica no Ac. de 10/7/2008, a responsabilidade do locador pelas despesas previstas no art. 1424º do Código Civil referentes à conservação das partes comuns, face à redacção do art. 10º/1 da al. b) do DL no 149/95 que se cinge as despesas referentes à fruição das partes comuns e serviços de interesse comum, as facturas juntas a fls. 150 a 165, sendo referentes a despesas de conservação identificadas nos respectivos orçamentos, juntos a fls. 180 a 197 e aos discriminados fundos de reserva comum, no valor de € 6.243,01, são da responsabilidade da locadora.

56ª. A prescrição das facturas juntas a fls. 150 e 151 não pode ser invocada pela apelada, porque tal configura uma situação de abuso de direito, nos termos do art. 334º do Código Civil, porquanto a apelante – “Até meados de Fevereiro de 2007 estava convencida que o opoente iria liquidar as contribuições vencidas desde Abril de 2002, conforme resulta do facto assente em K), acedendo a apelada a marcar reuniões em 2006, conforme resulta de J).”

57ª. Por outro lado, ainda que assim se não entenda, à data da propositura da acção, 6/7/2007, não tinha decorrido o prazo de 5 anos identificado no art. 310°, g) do Código Civil sobre a data de vencimento das aludidas prestações, face à suspensão da prescrição, nos termos do art., 318º, al c) do Código Civil.

58ª. No caso concreto das facturas juntas a fls. 150 e 151 o prazo de prescrição começou a correr no dia 28 de Janeiro de 2003, data em que foram aprovadas as contas relativas a 2002, conforme resulta da acta junta a fls. 25.

59ª. Tal significa que quando a acção foi instaurada, 2 Julho de 2007, aplicado o disposto no art. 323º do Código Civil, ainda não tinha decorrido o prazo de 5 anos sobre as referidas facturas, devendo, assim, improceder a prescrição invocada.

60ª. O valor da causa sub iudice é superior à alçada da Relação no valor de € 14. 963,94 (art. 20°/4 da LOFTJ na redacção anterior ao DL. 303/2007, de 24 de Agosto) e a sucumbência da apelante é claramente superior à metade da alçada da Relação.

61ª. Por outro lado, neste recurso apenas são levantadas questões de direito atinentes à responsabilidade do locador, no âmbito do contrato de locação financeira, cujo regime está disciplinado no DL. 149/95, de 24 de Junho, com posteriores alterações.

62ª. Ora, face à verificação destes pressupostos, e ao facto de não existirem agravados retidos que devam subir à Relação, pode o presente recurso subir, nos termos do disposto no art. 725º/1 do Código de Processo Civil, directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, o que, desde já, se requer.

53ª. Há oposição de julgados nesse Venerando Tribunal, relativamente à responsabilidade do locador, no âmbito de contrato de locação financeira de fracção autónoma, pelas despesas de fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, previstas no art. 1424° do Código Civil, no domínio da al. b) do art. 10º/1 do DL 149/95, de 24 de Junho, que institui o regime da locação financeira, patente nas soluções antagónicas constantes dos Ac. de 19/3/2002 e nos Acs. de 10/7/2008 e de 11/6/2008.
64ª. Existindo duas decisões contraditórias no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito, requer-se, por forma a evitar o conflito jurisprudência, nos termos e abrigo do disposto no n°2 do art. 732°-A do Código de Processo Civil, julgamento ampliado de revista para uniformização de jurisprudência.

65ª. A sentença posta em crise viola o nº2 do art. 493º, alínea i) do art. 494°, art. 497° e art. 498°, todos do Código de Processo Civil, o disposto nos arts. 9°, 318° al. c), 334°, 1420°, 1424°, 1431° do Código Civil, no art. 6°, n.°1, do Decreto-Lei n.° 268/94, de 25 de Outubro e no art.10º, al b) do DL. 149/95, com alterações posteriores.

Termos em que deve ser revogada a sentença.

O exequente contra-alegou, batendo-se pela confirmação da sentença.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a sentença considerou provados os seguintes factos:

A) O opoente é proprietário das fracções A, B, C, D, E, F, G, H, 1, J, K, L, M, BJ, BK, BL, BM, BN, BO, BP, OE, OF, OG, OH, 01, OJ, 0K, OL, OM, ON, 00, OP, OQ, OR, OS e OT do prédio urbano denominado Edifício Scala, sito na Rua de Vilar, n ..., no Porto, descrito sob o nº185/1 9950710 na segunda conservatória do registo predial do Porto.

B) O Banco ... incorporou, por fusão, a então denominada B... Leasing, S.A., que por sua vez antes havia incorporado por fusão a M... Leasing - Sociedade de Locação Financeira, S.A.

C) Por contrato de locação financeira celebrado em 30 de Dezembro de 1997, pelo prazo de 10 anos, a então M... Leasing deu de locação financeira à sociedade M... Investimentos e Serviços Imobiliários, S.A., com sede na Rua Dr. Farinhote, 1129, Moreira, Maia, todas as fracções referidas em A).

D) O referido contrato de locação financeira foi levado ao registo predial de cada uma das respectivas fracções através da apresentação 28, de 12 de Fevereiro de 1998.

E) Por contrato de 31 de Outubro de 2005 outorgado pelo opoente na qualidade de proprietário das fracções referidas em A), o contrato de locação financeira de 30 de Dezembro de 1997 foi rescindido por acordo das partes.

F) Na sequência daquela rescisão, locador e locatária emitiram declaração conjunta destinada a autorizar o cancelamento do registo de locação, extinção essa averbada no registo predial de cada uma das fracções através da apresentação 5 de 15 de Novembro de 2005.

G) A exequente recebeu do opoente e fez sua a quantia de € 21.016,21 destinada a pagar as contribuições devidas a partir do dia imediato ao da cessação da locação financeira.

H) A exequente no recibo 12/2007 abateu ao valor alegadamente em dívida o que o opoente lhe pagou a título das contribuições de condomínio relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2005, as primeiras posteriores à extinção da locação financeira.

I) A opoente, desde 2002, vem sendo interpelada pela administração do condomínio da Rua de Vilar, ..., no Porto, para efectuar o pagamento das contribuições de condomínio, nomeadamente das facturas 18/2002 e 30/2002 com data de 12 de Abril de 2002.

J) Em 21 de Junho de 2006 a exequente enviou à opoente o e-mail junto a fls. 80 e 81, com o conteúdo ali referido.

K) Até meados de Fevereiro de 2007 a exequente estava convencida que o opoente iria liquidar as contribuições vencidas desde Abril de 2002.

L) A administração do condomínio do Edifício Scala instaurou contra a então denominada M... Leasing, Sociedade de Locação Financeira. S.A., e M... - Investimentos e Serviços Imobiliários, S.A., uma acção executiva que correu termos na 2ª Vara Cível do Porto sob o nº 771/00.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente (1) que, em regra, se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa saber:

- se existe caso julgado entre a execução ora embargada e aqueloutra que correu termos na 2ª Vara Cível do Porto, sob o nº 771/00, movida pela antecessora legal da ora exequente à oponente executada;

- se no contrato de locação financeira imobiliária, tendo por objecto fracções autónomas de edifício constituído em propriedade horizontal, cabe ao locatário financeiro ou ao locador financeiro imobiliário o pagamento das despesas comuns;

- se os créditos reclamados estão prescritos.

Antes de mais diremos que por decisão Ex.mo Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça sob proposta do Relator não foi considerado pertinente proferir Acórdão em revista ampliada, como a recorrente solicitou.

Vejamos.

Pese embora a escassez de factos e da alegação recursiva no que se refere à existência de caso julgado entre a execução objecto da oposição (de cuja decisão promana o recurso), e a que correu termos na 2ª Vara Cível da Comarca do Porto sob o nº771/2000, em que foi exequente a Administração do Condomínio do Edifício Scala e executadas “M... Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A” e “M...-Investimentos e Serviços Mobiliários, S.A.”, parece entrever-se que a recorrente sustenta que estando em causa, ali e aqui dívidas de condomínio relativas à fruição de partes comuns, a decisão proferida naquela acção faz caso julgado impeditivo de se discutir na oposição a existência de dívidas da mesma proveniência.

Do caso julgado.

Após a reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, o caso julgado deixou de ser excepção peremptória para passar a ser excepção dilatória – art. 494º, i) do Código de Processo Civil.

O art. 497º, nº1, do citado código afirma existir caso julgado, quando uma causa se repete, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.

Nos termos do nº2 do citado normativo, quer a excepção da litispendência, quer a do caso julgado, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O art. 498º do citado diploma (Requisitos da litispendência e do caso julgado) estatui:

“l. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”

“A excepção do caso julgado consiste na alegação de que a acção proposta é idêntica a outra – ou é a repetição de outra – já decidida por sentença com trânsito em julgado” – (J. A. Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 3.°-91).

“É o facto de um pleito haver sido resolvido por uma decisão judicial de que já não é possível interpor recurso ordinário ou reclamação” – Palma Carlos, “Direito Processual Civil, Acção Executiva”, 1967-l03.

“Caso julgado é a alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por deci­são de mérito que não admite recurso ordinário” – Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. -307.
É material o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior; nele a decisão recai sobre a relação material ou substantiva litigada; é formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação pro­cessual.
Ele pressupõe a repetição de qualquer questão sobre a relação pro­cessual dentro do mesmo processo (ob. cit., 308).
Ambos pressupõem o trânsito em julgado da decisão anterior”.

Como ensina Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil, edição de 1979, pág. 320:

O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da excepção de caso julgado quando o objecto da nova acção, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova acção do mesmo direito (...) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo identificado”.

A causa de pedir é o facto jurídico onde o Autor ancora, estriba, a sua pretensão – o fundamento ou fundamentos da acção.

Vejamos se existe a tríplice identidade, postulada pelo normativo citado – quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir.

Quanto aos sujeitos não se nos afiguram dúvidas, já que a apelada é legal sucessora da B...-Leasing, S.A que incorporou por fusão, o mesmo tendo antes ocorrido com “M... Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A”.

Por outro lado a ora recorrente é, actualmente, o Administrador do Condomínio do Edifício Scala.

Emergindo a discussão da mesma relação jurídico-contratual – o contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre quem é actualmente, por sucessão nas respectivas posições jurídicas – exequente e executado –, deve considerar-se ser a mesma a causa de pedir, porque a “pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.

Nas acções obrigacionais a causa de pedir é o facto constitutivo da obrigação – Castro Mendes “Direito Processual Civil”, 1986, 2º, 62.

A causa de pedir sendo o contrato, é também o concreto fundamento que exprime a sua violação, pelo que nas relações obrigacionais é mais íntima a conexão entre o pedido e a causa de pedir, já que o pedido se baseia numa concreta violação do contrato; é, pois, uma causa de pedir complexa.

Com o devido respeito, entendemos que não existe identidade de pedidos já que não estão em causa as mesmas dívidas que foram objecto de execução na anterior acção. Não se discutem na presente execução, nem na oposição, as mesmas dívidas mas outras, posto que emergentes da mesma relação contratual, alegadamente violada pela ora recorrida.

Se se considerasse, como entende a recorrente, que por estarem em causa as dívidas emergentes das despesas com partes comuns, mesmo sendo elas relativas a meses ou anos diferentes e tendo sido alvo já de decisão, tal controvérsia relativa ao pagamento de outras dívidas impediria o credor de invocar, em acção ou execução posterior, os créditos emergentes do incumprimento do devedor relativo a prestações vencidas em momento temporal ulterior, porquanto poder-lhe-ia ser oposto com êxito o caso julgado.

Sendo a causa de pedir o concreto facto invocado que fundamenta o pedido, não existe identidade de pedidos como a recorrente sustenta.

Apreciando a 2ª questão – a quem incumbe o pagamento das despesas comuns no contexto de contrato de locação financeira imobiliária – tendo por objecto edifício constituído em regime de propriedade horizontal.

Importa ter presente que, na relação jurídico-contratual em causa, convergem os regimes da propriedade horizontal e do contrato de locação financeira imobiliária, ambos visando realidades sócio-económicas e jurídicas diversas, a implicar uma visão enquadrada dos dois regimes tendo em conta a sua harmonização.

Na propriedade horizontal coexistem dois tipos de propriedade: a propriedade exclusiva da fracção de certo condómino e a compropriedade de todos os condóminos relativamente às partes comuns.

“O que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária.
A propriedade horizontal pressupõe a divisão de um edifício através de planos ou secções horizontais, por forma que, entre dois planos se compreendam uma ou várias unidades independentes, ou ainda através de um ou mais planos verticais, que dividam igualmente o prédio em unidades autónomas.
Logo, em alguns casos, a chamada propriedade horizontal, pode ser propriedade vertical. A divisão através de um ou vários planos é a única possível quando se trate de edifícios de um só piso”. - Henrique Mesquita, RDES, XXIII-84.

Como se sabe, no regime da propriedade horizontal conflui um feixe de direitos de que é titular o proprietário de fracção autónoma, [sem que tal situação se confunda com a compropriedade]; a titularidade de um direito de propriedade, exclusivo relativamente à fracção autónoma, e compropriedade com os demais condóminos, relativamente às partes comuns.

Oliveira Ascensão, in “Direitos Reais”, 3ª edição, págs. 462 e 464, depois de alusão histórica ao instituto, afirma acerca da natureza jurídica da propriedade horizontal:

“Cremos porém que a qualificação correcta desta situação é a de propriedade especial. Embora se conjuguem propriedade e compropriedade a propriedade é o fundamental, sendo a compropriedade meramente instrumental. Escopo da propriedade horizontal não é criar uma situação de comunhão: é permitir propriedades separadas, embora em prédios colectivos (…).
Sendo assim, há nuclearmente uma propriedade, mas esta é especializada pelo facto de recair sobre parte da coisa e de envolver acessoriamente uma comunhão sobre outras partes do prédio. Estas especialidades levam a que a lei tenha tido a necessidade de recortar um regime diferenciado. Isto é típico justamente das propriedades especiais, de que a propriedade horizontal nos oferece o melhor exemplo…”.

O art. 1424º, nº1, do Código Civil estatui:

Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.

Comentando tal normativo, o Conselheiro Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios”, pág. 121 escreve:

“A norma em anotação tem carácter supletivo por no nºl ressalvar disposição em contrário e no nº2, mas agora só quanto às despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, prever possível acordo em contrário. A diferença de regime de um e de outro inciso reside no modo de aprovação do negócio jurídico...
Relativamente à repartição e pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns o acordo tem de resultar da vontade unânime dos condóminos, consubstanciada em escritura pública, pois trata-se de modificação do título constitutivo – nºl do artigo 1419.°...”.

O referido autor cita o Prof. Henrique Mesquita, in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES, XXIII, 130”:

“A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio. Nota 119: Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do título constitutivo (e não directamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um acto de aceitação por parte daqueles”.

Se isto é assim para o regime da propriedade horizontal, importa saber se, no caso de contrato de locação financeira imobiliária, o regime será diverso.

No regime legal dos arrendamentos vinculísticos, as despesas com as partes comuns de fracções autónomas são, em princípio, da responsabilidade do locador, já que é ele, em regra, o titular do direito de propriedade do arrendado, embora por convenção das partes no contrato tais despesas possam ficar a cargo do locatário – art. 1030º do Código Civil.

Segundo o art.1º do DL.149/95, de 24.5 (2) - “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”.

O contrato de locação financeira de bens imóveis está sujeito a registo – art. 3.° do Decreto-Lei n.° 149/95, de 24 de Junho e art. 2.°, n.° l, 1) do CRP.

“A locação financeira é um contrato pelo qual uma entidade – o locador financeiro – concede a outra – o locatário financeiro – o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador a um terceiro, por indicação do locatário” – Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 1998, pág. 550.


O citado civilista, na pág. 553, explicita:

A locação financeira postula uma intervenção de três sujeitos: o fornecedor, o locador e o locatário.
Infere-se, daí, que ela surge em união com – pelo menos – um contrato de compra e venda. A própria locação financeira consigna depois, em regra, uma opção de compra, a favor do locatário.
Muitas vezes, a locação financeira obriga a celebrar outros contratos: seguros e garantias.
A locação financeira ocorre, assim, como um núcleo apto a supor­tar os fenómenos da união de contratos e dos contratos mistos.
Tomando-a, na sua globalidade, a locação financeira é um contrato oneroso, sinalagmático bivinculante, temporário mas origi­nando relações duradouras e de feição financeira".


“A locação financeira constitui um tipo contratual autónomo, entre a compra e venda e a locação, mas distinta destas situações contratuais.
Na realidade, pode-se dizer que a locação financeira começa por poder enquadrar-se numa estrutura contratual mista (de compra e venda, de locação e, eventualmente, de mútuo), mas, com o decorrer do tempo, autonomizou-se, dando origem a um tipo contratual novo.
Todavia, em tudo o que não estiver especialmente regulado, há que recorrer às regras gerais e às normas dos contratos que lhe serviram de fonte” – Pedro Romano Martinez, in “Contratos Comerciais” – pág.61.

Diogo Leite de Campos, in Ensaio de Análise Tipológica do Contrato de Locação Financeira, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXIII, p. 10 - “A locação financeira pode ser definida como o contrato a médio ou a longo prazo dirigido a financiar alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas através do uso de um bem. Proporciona-se ao locatário não tanto a propriedade de determinados bens, mas a sua posse e utilização para determinados fins”.

O contrato de locação financeira (leasing) por alguns considerado um contrato de crédito ao consumo [Gravato Morais, “Locação Financeira e Desconformidade da Coisa com o Contrato”, Scientia Iuridica, Tomo LIV, 2005, nº304, págs. 697 a 731], não obstante pressupor que em campos jurídicos distintos se situam o dono/locador da coisa e o locatário financeiro/fruidor, constitui uma realidade económica que tendo de muito relevante o financiamento da aquisição de bens, estabelece um regime legal que visa, em função do nodal aspecto de fruição económica em vista da expectativa de aquisição do direito de propriedade que constitui um direito potestativo do locatário contra o qual o locador nada pode, impõe ónus e riscos que, na pura lógica do direito de propriedade, ainda que comprimido por outro direito real ou obrigacional, mal se compreenderiam.

Engrácia Antunes, in “ Direito dos Contratos Comerciais”, 2009, pág. 516, considera o leasing, tal cessão financeira (“factoring”), a titularização de créditos (“securitization”), a monetarização de créditos (“forfaiting”) e o contrato de financiamento de projecto específico (“Project finance”), contratos de financiamento.

Assim é que nos termos do art. 13º – “O locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada”.

A natureza peculiar desta norma e ampla protecção dispensada ao locatário, que, diríamos, é o dono económico da coisa na vigência do contrato, mereceu do Professor Calvão da Silva as seguintes palavras na sua obra “Direito Bancário”, 2001, pág. 426:

“O locatário pode propor directamente contra o vendedor todas as acções que, enquanto adquirente da coisa, competiriam ao locador-proprietário, contempladas no art. 913.° e segs. do Código Civil: anulação da venda, redução do preço (actio quanti minoris), indemnização do dano, reparação ou substituição da coisa.
A anulação da venda e a redução do preço acarretarão, consequentemente, a anulação do contrato de locação financeira e a redução proporcional da renda a pagar pelo locatário, respectivamente”.

Na obra citada, pág. 425, acerca do art. 12º (3) da lei citada (vícios do bem locado) – afirma:

“Por um lado, a vocação principal do locador é a de intermediário financeiro, de “capitalista” financiador.
Por outro lado, foi o locatário que fez a prospecção do mercado, que escolheu o equipamento destinado à sua empresa e é ele que o vai utilizar, com opção de compra findo o contrato.
Nada mais natural, portanto, do que a transferência legal para o locatário dos riscos e responsabilidades conexos ao gozo e disponibilidade material da coisa que passa a ter após a entrega, incluindo a sua manutenção e conservação (art. 10.°, nº l, als. q) e f), do Decreto-Lei nº149/95) e o risco do seu perecimento ou da sua deterioração (ainda que) imputável a força maior ou caso fortuito (art. 15.° do Decreto-Lei n.°149/95).
No fundo é co-natural ao leasing que a sociedade locadora se obrigue a adquirir e a conceder o gozo da coisa ao locatário mas se desinteresse ou exonere dos riscos e da responsabilidade relativos à sua utilização”. (destaque e sublinhado nosssos)

Na locação financeira imobiliária, existe um contrato de financiamento, visando, tendencialmente, um contrato de compra e venda; mas, enquanto este contrato perdurar a relação jurídico-negocial tem notória afinidade com o contrato de arrendamento.

Durante o tempo por que perdura, o locatário entra na posse material do imóvel dado em locação (i)mobiliária e, tal como um mero arrendatário, tem poderes de fruição temporária – medida esta pelo período de duração do contrato – mediante o pagamento de uma renda.

Nos termos do DL. 10/91, de 91, entretanto revogado pelo art. 2º do DL. 265/97, de 2.10, o locatário financeiro assumia, em nome próprio, todos os direitos e obrigações do locador relativos às partes comuns do edifício, suportando as despesas correspondentes às partes comuns do edifício e as despesas de administração, participando e votando nas assembleias de condómino, podendo, nelas ser eleito para os diversos cargos.

O locatário assumia estes direitos e obrigações, segundo a lei, em nome próprio e directamente – o assumir de tais direitos não dependia de nenhum acordo com o locador.

Como refere Sandra Passinhas, in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, pág. 209:

“As sociedades de locação financeira são instituições que não se dedicam à gestão da propriedade do bem e, muito menos, em assumir o papel de proprietário.
A propriedade desempenha um papel fundamentalmente instrumental do financiamento não sendo um fim em si mesmo.
Daí que, no termo do contrato, normalmente, se verifique a aquisição da coisa pelo locatário”. (sublinhámos)

Objectivo confessado do DL.265/97, de 2.10, foi introduzir alterações ao DL.149/95, “designadamente prevendo situações de propriedade horizontal – por forma que o regime geral melhor acomode os contratos que tenham aquele objecto.
Estabelece-se assim, um regime jurídico uniforme para o contrato de locação financeira, independentemente do respectivo objecto.” – cfr. preâmbulo do diploma.

Assim, o art. 10º, nº1, b) do citado DL. 149/95, passou a estabelecer:

“São, nomeadamente, obrigações do locatário: pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à função das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum”.

Ora, sendo traço comum da locação financeira, mobiliária e imobiliária, a fruição onerosa e temporária de um bem, o legislador quis colocar a cargo do locatário de fracção autónoma o pagamento das despesas comuns do edifício e os serviços de interesse comum, certamente em homenagem à vocação do tipo contratual, que visa o financiamento do locatário.

Daí que, com o devido respeito, o regime das obrigações propter rem deva ter aqui em atenção a especificidade do contrato e o fim económico que o tipo contratual visa.

O Professor Henrique Mesquita define as obrigações propter rem “como vínculos jurídicos em virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra (titular ou não, por sua vez, de um ius in re) à realização de uma prestação de dare ou de facere– “Obrigações Reais e Ónus Reais”, Coimbra, Almedina, 1990. pág. 100.

Vigora o princípio da tipicidade quanto às obrigações reais.

Henrique Mesquita, na obra citada, depois de questionar se as obrigações propter rem podem ser criadas livremente pelos particulares, ou só são admitidas nos casos previstos na lei, escreve na pág. 288:

“…Fazendo as obrigações propter rem parte do conteúdo do ius in re, há-de valer naturalmente para elas o princípio da taxatividade a que, por força do preceituado no artigo 1306º, nºl, estão subordinados, quer quanto às modalidades que podem revestir (numerus clausus), quer quanto ao respectivo conteúdo, os direitos sobre as coisas.
A principal razão que, no campo dos direitos reais, justifica aquele princípio é a conveniência em não sujeitar o estatuto dos bens a vinculações desmotivadoras do seu pleno aproveitamento económico.
Ora a liberdade de criação de obrigações propter rem, se acaso fosse admitida, seria a porta aberta para a introdução de todas as peias e gravames que o princípio da taxatividade pretende precisamente evitar”.

Sendo as obrigações propter rem excepcionais, já que quanto a elas a autonomia privada se mostra cerceada, em salvaguarda à livre e plena – tanto quanto possível pelo ordenamento jurídico – fruição dos bens e das suas vantagens económicas – quanto menos peias melhor, diríamos, importa saber e se obrigação em causa de pagamento das despesas comuns, sendo em regra uma obrigação real inerente à titularidade do direito de propriedade, pode ser desligada dele e atribuída a quem tenha sobre a coisa um poder causal (factual e jurídico em virtude de um contrato).

Estamos imersos na vertente da ambulatoriedade da obrigação propter rem, ou seja, a questão da transmissibilidade dessa obrigação que nasce por causa da titularidade do direito real sobre a coisa.

Sendo a obrigação propter rem, conexa, dependente e acessória de um direito real, em princípio acompanharia as vicissitudes deste, mormente, a sua transmissão para adquirentes ou beneficiários do direito transmitido como sucede com o subadquirente do usufruto em relação à obrigação de fazer obras na coisa objecto desse direito real de gozo – art. 1444º do Código Civil – isto porque impor ao usufrutuário a realização de obras quanto não exerce soberania sobre a coisa – seria injusto.

Seguindo a lição de Henrique Mesquita, importa reflectir sobre o caso que versa a fls.321/322 da obra citada, quanto a saber se o titular de uma fracção autónoma que tinha em dívida várias prestações “para as despesas normais e recorrentes do condomínio” a aliena.

O autor considera que seria injusto fazer recair essas dívidas sobre o comprador da fracção.

Assim afirma, pág. 321/322:

Tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria igualmente injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção.
Por um lado, este não disporia, tal como no caso anterior, de quaisquer elementos objectivos que revelassem ou indiciassem a existência das dívidas.
Por outro lado, tais prestações representam, em regra, na economia do instituto, a contrapartida de um uso ou fruição (das partes comuns do edifício) que couberam ao alienante e, por conseguinte, só a este deve competir o respectivo pagamento”.

Mais adiante conclui:

“O exposto basta, sem necessidade de mais exemplos, para podermos concluir que é de rejeitar a doutrina (tradicional) que considera a ambulatoriedade uma característica de todas as obrigações propter rem, no sentido de que a transmissão do direito real de cujo estatuto a obrigação emerge titular do ius in re.
Se há obrigações em que a ambulatoriedade se impõe, outras existem, pelo contrário, que devem considerar-se intransmissíveis, por ser essa a solução que melhor se harmoniza com os vários interesses a que importa conferir tutela adequada” e mais adiante – pág. 326 – “A obrigação propter rem, tal como a definimos, e sempre um elemento adminicular nas figuras de natureza real, representando a carga negativa da soberania ou domínio em que qualquer ius in re nuclearmente se traduz”. (sublinhámos)

Tendo em conta a especificidade do contrato de locação financeira imobiliária, a sua função económica e o facto do locatário financeiro assumir uma posição muito próxima da do arrendatário vinculístico, mormente, quanto ao uso e fruição do imóvel (na locação financeira com a expectativa de se tornar dono do imóvel), e sendo certo que até no arrendamento pode o arrendatário convencionalmente arcar com as despesas de condomínio, não é cabido considerar-se como não ambulatória a obrigação de pagamento das despesas condominiais, para as fazer recair sobre o locador financeiro, que não é o “dono económico” do imóvel nem beneficia de qualquer vantagem directa inerente à respectiva fruição.

Sobre a temática do recurso em apreciação já se pronunciou este Supremo Tribunal de Justiça em dois arestos recentes; o primeiro de 10.7.2008 – Proc. 08A1057 – in www.dgsi.pt – Relator Conselheiro Urbano Dias – com esclarecida e abundante fundamentação – citando-se do sumário:

Por via do regime-regra consagrado no artigo 1424º do Código Civil é ao locatário financeiro que compete o pagamento da quota-parte devida pela fracção que ocupa, em homenagem ao preceituado no artigo 10º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 2 de Outubro”.

O segundo Acórdão, prolatado em 6.11.2008 – Proc. 08B2623 – também acessível, in www.dgsi.pt – Relator Conselheiro Santos Bernardino:

“ […] Estando uma fracção autónoma dada em locação financeira, é do locatário financeiro que o condomínio deve exigir o pagamento dos “encargos condominiais” respectivos: o estatuto do locatário financeiro é, em tudo, idêntico ao de qualquer condómino, sendo sobre ele, e não sobre o locador, que impende a responsabilidade por esse pagamento”.

Pelo quanto dissemos, a sentença recorrida não merece censura ao considerar que é sobre o locatário financeiro de fracções autónomas (propriedade horizontal) que recai o pagamento das despesas a que alude o art. 1424º, nº1, do Código Civil – ou seja, as necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

Não se vislumbra fundamento para considerar prescrito o crédito exequendo (a credora é a exequente/recorrente, pelo que não se vislumbra o interesse de tal invocação que fora aduzida pela executada/oponente), nem existem quaisquer factos que permitam considerar ter a executado agido com abuso do direito.

Decisão:

Nestes termos nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Março de 2010

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque
Salazar Casanova (com voto de vencido declarando que, da imposição legal, ao locatário financeiro, da obrigação de pagar as despesas de condomínio não decorre a exoneração do proprietário dessa fracção)

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(1) Uma nota para referir que as extensas conclusões formuladas pela recorrente de modo algum se podem considerar “as proposições sintéticas” a que alude Alberto dos Reis, cujo objectivo deveria ser o de indicar de modo claro, objectivo e sucinto os fundamentos da discordância da decisão recorrida assim simplificando não só tarefa do tribunal ad quem como da recorrida.

(2) O diploma legal sofreu alterações introduzidas pelo DL n.°265/97, de 2.10, rectificado no DR, I, de 31.10.97, pelo DL n.°285/ /2001, de 3.11, e pelo DL n.°30/2008, de 25.2 (arts. 3.°, 17.° e 21.°).
“ À data da publicação do DL n.°149/95, de 24.6, o contrato de locação financeira de imóveis para habitação regia-se pelo disposto no DL n.°10/91, de 9.1, que, como direito especial se manteve em vigor até ser revogado pelo DL. n.°265/97, de 2.10, o qual, através de alterações ao regime geral da locação financeira, unificou os dois regimes, independentemente do respectivo objecto (vide, designadamente, as als. b) e h) do n.° l e a al. e) do n.°2, ambos do art. 10.°, na sua redacção actual).” – “Operações Bancárias-Legislação-Doutrina e Jurisprudência” – Abílio Neto, Março de 2008, pág. 587.

(3) “O locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no artigo 1034º do Código Civil”.