PROCESSO SUMARISSIMO
OPOSIÇÃO
Sumário

Em processo sumaríssimo, notificados o arguido e o defensor oficioso para oposição (Artigos 394º e 396º CPP), deduzindo-a este com fundamento em não ter podido contactar com aquele, mas remetendo-se aquele ao silêncio, prevalece o silêncio deste.

Texto Integral

Proc. n.º 2842/10.0TAGDM.P1
Gondomar

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
2ª secção
I-Relatório.
No processo sumaríssimo com o n.º 2842/10.0TAGDM do 2º juízo criminal de Gondomar foi pelo Magistrado do Ministério Público, nos termos do art. 392º e seguintes do C.P.P. requerido, em processo sumaríssimo a aplicação de pena não privativa da liberdade ao arguido B…, com os demais elementos identificativos constantes de fls. 73.
A fls. 80, com data de 11.04.2011, foi proferido despacho no sentido do recebimento do requerimento de aplicação de processo especial sumaríssimo contra B…, pelos factos, incriminações e com a proposta de sanção de fls. 72 e ses,
Ordenou-se a notificação pessoal do arguido nos termos, para os efeitos e com as expressas menções previstas no art. 396º, nºs 1 e 2 e 4 do CPP, e ordenou-se o procedimento de nomeação de defensor ao arguido e notificação nos termos do n.º3 do citado art. 396º do CPP.
O arguido foi pessoalmente notificado do referido despacho a 18 de Maio de 2011 e nada veio dizer pessoalmente.
O seu defensor nomeado, que havia sido notificado do mesmo despacho a 18 de Abril de 2011, veio com data de 11 de Maio de 2011, apresentar o seguinte requerimento:
«EXMO. SENHOR JUIZ DE DIREITO
DO 2º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL
DA COMARCA DE GONDOMAR

Proc. nº 2842/10.0TAGDM
B…, arguido nos autos supra referenciados, já aí devidamente identificado com os demais sinais, vem, atenta a notificação sob a referência nº 7409671 e datada de 14/04/2011, apresentar a sua
OPOSIÇÃO, nos termos do disposto no artigo 396º do C.P.P.
o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos.
1º Foi o defensor do arguido notificado da recepção de requerimento de aplicação de processo especial sumaríssimo contra B….
2º De tal requerimento resulta o pedido de condenação do arguido na pena de multa, propondo-se a aplicação de 100 dias de multa, à razão diária de € 5,00, perfazendo o total de € 500,00.
3º No entanto, apesar da remessa do processo para a forma sumaríssima, não pode o mesmo apresentar a sua concordância.
4ºUma vez que se verificou a impossibilidade de contacto entre o defensor nomeado e o arguido.
5º Tal impossibilidade deriva da falta de contacto do arguido com o seu defensor, gerando, assim, por parte deste último, o desconhecimento do parecer do arguido acerca da pena cuja aplicação é requerida pelo Ministério Público.
6º E, em consequência da forma do processo.
7º Desconhecendo, assim, da existência ou inexistência da sua concordância.
8ºPor tal, requer-se o reenvio do processo para a forma comum, nos termos do disposto no artigo 398º do C.P.P.
Nestes termos, e nos melhores de direito que v. Exa. doutamente suprirá, requer-se a aceitação do presente requerimento, devendo, em consequência, ser ordenado o reenvio do processo para forma comum, prosseguindo o mesmo a tramitação normal, tudo com as devidas consequências legais.
Junta Duplicados legis
A defensora,
C…»

A fls. 92 e 92 vº dos autos, foi proferido despacho, com data de 13.06.2011, onde se considerou não ter sido manifestada oposição à aplicação do processo sumaríssimo por parte do arguido.
E em consequência, ao abrigo do artigo 397º, nº1 do CPP condenou-se o arguido na pena proposta pelo MP e nas custas do processo.

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Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 107 a 113, que remata com as seguintes conclusões:
1º - Através de Despacho datado de 14/06/2011, foi o Arguido condenado "pela prática de um crime de condução sem habilitação legal", p. e punido pelo arts 3°, n". 1 e 2 do D.L. n". 2/98, de 03/01.
2º - Aquando da notificação dos factos que eram imputados ao arguido, conheceu-se da intenção de aplicação da forma de processo sumaríssimo aos autos em questão.
3º - Dispõe o artigo 396º do C.P.P. que basta a mera declaração de oposição para que esta se verifique.
4º - Pelo que, no caso em apreço, foi deduzida oposição, referindo-se ser aquela forma de processo desadequada, uma vez que o direito de defesa do arguido não estaria devidamente acautelado por dificuldades de comunicação entre o arguido e a defensora nomeada.
5º - Tal oposição veio a ser indeferida.
6º - Tendo sido, em consequência, o arguido condenado na pena supra referida.
7º - Ora, entende o arguido que tal condenação não tem sustentação na prova junta aos autos.
8º E isto porque, não existe qualquer auto de identificação do arguido como sendo condutor do veículo em causa.
9º - Tal inexistência fica a dever-se ao não presenciamento dos factos por parte de qualquer autoridade policial.
10° - Justificando-se a aplicação da aplicação da condenação num auto de notícia e em prova testemunhal.
11º A qual se reduz à descrição do condutor do veículo como sendo um jovem, de aproximadamente quinze anos.
12º- O que, por si só, não basta para a imputação de tais factos ao aqui arguido.
13º - Por outro lado, não se verificou a prova por reconhecimento, o que, no caso em apreço, se teria afigurado como o meio de prova de excelência para suprir tais incertezas da prova testemunhal.
14º- Por tal, e não tendo o agente de autoridade presenciado o arguido a conduzir o veículo automóvel e limitando-se a demais prova a fazer caracterizações genéricas, pouco específicas e elucidativas do condutor do veículo em causa, não pode o tribunal dar como provado a prática daquele crime pelo aqui arguido.
15º - Com tal conduta, o despacho recorrido viola assim o art. 3º do Decreto-lei nº. 2/98, de 03 de Janeiro, bem como os artigos 121º e 122º do Código da Estrada, bem como o artigo 396º do Código de Processo Penal.
16º Por tudo o que aqui vai exposto entende-se, salvo melhor opinião, que deverá o presente recurso obter merecimento, sem desconsideração pela decisão do Tribunal a quo.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente com as devidas consequências legais, fazendo-se assim JUSTIÇA.
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O Mº Pº junto do Tribunal respondeu, conforme fls. 131 a 135, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 136.
Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, no sentido da irrecorribilidade do despacho condenatório proferido, nos termos do artigo 397º do CPP.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente vem impetrar que em causa estão direitos liberdades e garantias constitucionalmente protegidos, como é o caso do direito à defesa, previsto no artigo 32º da CRP, tendo o recorrente sido lesado, nomeadamente, em tal direito e não se conformando com a decisão de condenação (…).
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido - artigo 412.º, n.º 1, do CPP -, que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a resolver
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada a questão a decidir é a seguinte: saber da justeza do despacho por via do qual se entendeu que o arguido não deduziu oposição nos termos do artigo 396º, n.º4 do Código Processo Penal, já que da procedência ou improcedência desta questão resultará sempre prejudicada a segunda questão colocada pelo recorrente, quanto ao fundo da questão.
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2. Factos provados
Despacho recorrido
«De acordo com a economia dos artº 396º e 397º do CPP a oposição à aplicação do processo sumaríssimo há-de ser expressão da vontade do arguido.
É certo que, estando o arguido representado por advogado, este, adentro dos seus poderes de representação, pode falar em nome do seu representado, sendo as suas também as palavras daquele.
Sucede que, in casu, a Il. defensora do arguido tomou a iniciativa de se opor à aplicação do processo sumaríssimo por se ter verificado a “impossibilidade entre o defensor nomeado e o arguido”, impossibilidade que “deriva da falta de contacto do arguido com o seu defensor, gerando, assim, por parte deste último, o desconhecimento do parecer do arguido acerca da pena cuja aplicação é requerida pelo Ministério Público”, concluindo pelo desconhecimento “da existência ou inexistência da sua concordância”.
Sucede que o arguido, regularmente notificado, nada disse, valendo o seu silêncio como não oposição.
No presente caso, em face da diversidade de posições entre o arguido e a sua Il. defensora, consideramos que deve prevalecer a daquele. Isto porque, salvo o devido respeito, a posição que a Exma. advogada que subscreve o requerimento de fls. 88/89 tomou a iniciativa de adoptar não se inscreve em quaisquer poderes de representação, já que é a própria a admitir desconhecer qual fosse a vontade do arguido. Há aqui, pois, um “corte” entre a vontade do arguido e a representação desta por parte da sua Il. defensora.
Assim, há que chamar à colação as normas dos artºs 236º, nº 1 e 295º do CC e, sendo o declaratário da notificação efectuada pelo tribunal o próprio arguido e não a sua Il. defensora em arbítrio próprio, colher do seu silêncio as consequências a que o mesmo tende, ou seja, a não oposição à aplicação do processo sumaríssimo (artº 396º, nº 1, alªas a) e c) e 397º, nº 1 do CPP).
Situação diferente seria se a Il. defensora oficiosa do arguido, sem qualquer justificação se opusesse a essa solução processual. Nesse caso, confrontada a sua posição activa com a inércia do arguido, mas nada havendo que pusesse em causa a representação da sua vontade por parte daquela, teria o tribunal que a aceitar já que, como prática do Direito e depositária da defesa dos interesses do arguido, a sua posição teria que prevalecer. In casu, e pelos motivos já acima referidos, não pode este raciocínio ser posto em prática.
Nestes termos, considera-se não ter sido manifestada oposição à aplicação do processo sumaríssimo por parte do arguido.
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Notificado/a/s nos termos do artº 396º do CPP, o/a/s arguido/a/s não deduziu/ram oposição ao requerimento do Ministério Público para aplicação do processo especial sumaríssimo e respectiva proposta de sanção.
Deste modo ao abrigo do disposto no artº 397º, nº1 do CPP, condeno B… numa pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artºs 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1.
Mais condeno o/a/s arguido/a/s nas custas do processo com taxa de justiça que se fixa em 1 UC, reduzida a 1/3 nos termos do artº 397º, nº1 do CPP.
Remeta boletins ao registo, uma vez que o presente despacho transita imediatamente em julgado (artº 17º, nº1 da Lei 57/98 de 18/08).»
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3.- Apreciação do recurso.

Uma vez que o despacho de que se recorre é um despacho cronologicamente anterior ao despacho condenatório, entendemos que o mesmo é recorrível e dele vamos conhecer.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 396º, n.º1 do CPP, 5º artigo do Título “Do Processo Sumaríssimo”, sob a epígrafe”Notificação e oposição do arguido”:
1.-O Juiz, se não rejeitar o requerimento nos termos do artigo anterior:
a) Nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído ou defensor nomeado; e
b) Ordena a notificação ao arguido do requerimento do Ministério Público e, sendo caso disso, do despacho a que se refere o n.º2 do artigo anterior, para querendo, se opor no prazo de 15 dias.
2-A notificação a que se refere o número anterior é feita por contacto pessoal, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 113º, e deve conter obrigatoriamente:
a).A informação do direito do arguido se opor à sanção e da forma de o fazer;
b). A indicação do prazo para a oposição e do seu termo final;
c).O esclarecimento dos efeitos da oposição e da não oposição a que se refere o artigo seguinte;
3-O Requerimento é igualmente notificado ao defensor.
4- A oposição pode ser deduzida por simples declaração.
Dispõe o artigo 397º, n.º1 do CPP: “Quando o arguido não se opuser ao requerimento, o juiz, por despacho, procede à aplicação da sanção e à condenação no pagamento de taxa de justiça”.
O processo sumaríssimo é uma das formas de processo especial, regulada nos artigos 392º a 398º do CPP que visou introduzir mecanismos de simplificação, aceleração consenso relativamente à pequena e média criminalidade.
Reflexo desse mecanismo de consenso, no processo sumaríssimo é a exigência de que além da concordância do juiz, haja a aceitação do arguido em relação ao requerimento previsto no artigo 395º do CPP.
Em consequência dessa necessidade de aceitação do arguido, e eliminada que foi a audiência prevista na redacção original do artigo 396º do CPP, estabeleceu o legislador, na reforma de 98 – Lei 59/98 de 25.08 – um rigoroso mecanismo de notificação pessoal do arguido, apenas por contacto pessoal e atento o seu conteúdo – n.º2 do artigo 396º e diversas alíneas - , visando um exercício consciente do direito de oposição e visando assegurar todas as garantias de defesa, nos termos do artigo 32º da CRP.
Veja-se que a comunicação efectuada ao arguido, por via pessoal, notifica o requerimento do MP e concretiza:- o direito de se por à sanção e a forma de o fazer;- a indicação do prazo para a oposição e o seu termo final;- o esclarecimento dos efeitos da oposição e da não oposição a que se refere o artigo seguinte. E desta notificação decorre que o legislador se assegura que o arguido fica ciente de todos os seus direitos e deveres, da forma de os exercer e, bem assim, da sanção proposta, com o que concluímos que com esta notificação pessoal é dada ao arguido uma concreta e efectiva oportunidade de defesa, nos termos daquele artigo 32º da CRP
Ora, daqui decorre, que a oposição prevista neste artigo tem de ser ou pessoal ou emanada da sua vontade pessoal, é o que decorre da conjugação da exigência de notificação pessoal, com as particulares exigências dessa notificação. Sendo que, no entanto, se nos afigura compatível com esta oposição pessoal, porque emanada da sua vontade, a oposição efectuada por mandatário judicial constituído pelo arguido, ou a oposição efectuada por defensor inequivocamente emanada da vontade do arguido como acontece, por exemplo quando tal oposição é manifestada em requerimento conjuntamente assinado pelo arguido e por este, como em regra, e na prática, ocorre nos tribunais de primeira instância.
Nomeado defensor ao arguido, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 396º do CPP – por referência ao artigo 64º, n.º1 al. g) do CPP –, sendo este também notificado do requerimento do MP, tendo sido o arguido sujeito a termo de identidade e residência, consoante decorre de fls. 42, e atentas as obrigações decorrentes de tal medida coactiva, é manifesto que estavam plenamente reunidas todas as condições para que o arguido conferenciasse com o seu defensor ou para que este pudesse comunicar com aquele, com vista a um, porventura, mais esclarecido exercício, por banda do arguido, ao seu direito de oposição ou não oposição ao requerimento do MP.
Assim, quando o defensor vem aos autos com uma declaração do teor da que ficou lá atrás transcrita, dar nota da oposição à sanção, por não ter podido comunicar com o arguido, mais não faz do que salvaguardar a sua responsabilidade profissional, não estando a verter no processo a vontade do arguido, como bem entendeu a meritíssima juíza a quo.
Ademais, veja-se que no caso concreto, o arguido foi notificado pessoalmente para os efeitos da alínea a) do n.º1 do artigo 396º em 18.05.2011, sete dias depois de a sua ilustre defensora ter dado entrada do requerimento em questão e, nada disse, do que advém uma, porventura ainda maior, dissociação da vontade do arguido em relação à manifestação de oposição extrovertida pelo defensor. Não vislumbramos, assim qualquer violação do artigo 32º, n.º1, ou nº3 da CRP.
Pelo exposto entendemos que nada há a censurar ao despacho da meritíssima juíza, pois não houve oposição nos termos do artigo 396º, n.º4 do CPP, o que tem como consequência - inexistindo arguição de nulidades ao abrigo do artigo 397º, n.º3 do CPP -, o trânsito da decisão de aplicação da sanção ao arguido, ficando assim prejudicada a segunda questão colocada no recurso.
Improcede o recurso interposto.
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III- Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes esta secção do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente B…, mantendo-se o despacho recorrido.
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Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 513.º e 514º do Código de Processo Penal (e artigo 8º do Regulamento das custas processuais e, bem assim, tabela anexa n.º III), fixando-se a taxa em 4 [quatro] UC.
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Revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.
Porto, 14 de Dezembro de 2011
Maria Dolores da Silva e Sousa
José João Teixeira Coelho Vieira