ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONSTITUCIONALIDADE
CONTRAFACÇÃO DE MOEDA
DUPLA CONFORME
EFEITO À DISTÂNCIA
ESCUTAS TELEFÓNICAS
Sumário

I - No dia 15-04-2005, em tribunal colectivo, o arguido foi condenado, em concurso real:
- pela prática de 1 crime de contrafacção de moeda p. e p. pelo art. 262.º, n.º 1, do CP, na redacção dada pelo DL 48/95, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão;
- pela prática de 3 crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts. 202.º, al. a), 203.º e 204.º, n.º 1, al. a), todos do CP, na pena de 18 meses de prisão por cada um deles;
- pela prática de um crime de furto simples p. e p. pelo art. 203.º do CP, na pena de 9 meses de prisão;
- pela prática de 4 crimes de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do CP, na pena de 20 meses de prisão por cada um deles;
- pela prática de 1 crime de burla qualificada p. e p. pelo art. 218.º, n.º 1, do CP, por referência ao art. 202.º, al. a), também deste diploma legal, na pena de 18 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 4 meses de prisão.
Essa condenação foi inteiramente confirmada pela Relação, em 13-05-2009, tanto em sede de enunciado de matéria de facto como de apreciação de matéria de direito, quanto a cada uma daquelas penas parcelares, como quanto à requerida pena conjunta.
II - No caso impõe-se uma extensa limitação do conhecimento do objecto do recurso, já que, por um lado, a nenhum dos crimes (salvo quanto ao de contrafacção de moeda) pelos quais foi o recorrente condenado correspondia, já no anterior regime, moldura penal abstracta de limite superior a 5 anos de prisão, verificando-se, logo aí, atenta a coetânea redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, dupla conforme.
III - Por outro lado, porque, mantidas pela Lei 59/2007, de 04-09, todas estas molduras penais, bem assim, aliás, a da contrafacção de moeda, sempre seria de ponderar que a situação processual do arguido se degradaria − cf. art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP vigente − na hipótese de aplicação imediata da lei processual penal nova, Lei 48/2007, de 28-08, pelo efeito da própria irrecorribilidade relativa, agora, não só, à pena parcelar de 4 anos e 2 meses de prisão, assim concretamente aplicada, como até à pena conjunta, inferior que é ao ali estabelecido patamar de 8 anos de prisão.
IV - Em consequência, é de rejeitar o recurso, porque inadmissível, logo à luz do anterior CPP e da sua citada disposição, no concernente às penas parcelares aplicadas aos crimes de furto simples, furto qualificado, falsificação de documento e burla qualificada, pelo que tais parcelares se têm como definitivamente resolvidas e fixadas.
V - Quanto a intercepções telefónicas, já foi entendimento do TC, o de que o segmento do n.º 3 do art. 188.º do CPP, considerada a redacção anterior à actualmente vigente, no qual se estabelecia a destruição dos elementos ditos não relevantes, padecia de inconstitucionalidade, quando interpretada no sentido de que o arguido não teria que deles tomar conhecimento prévio e sem que lhe fosse facultado pronunciar-se sobre a sua pertinência e eventual interesse, em vista de uma melhor defesa.
VI - Mas, como se decidiu no Ac. do TC n.º 204/2008, de 02-04-2008 (Proc. n.º 974/07 - 3.ª), “… Posteriormente, o Tribunal Constitucional, em Plenário, através do Acórdão n.º 70/2008, de 31 de Janeiro … , do mesmo relator, inflectiu esta orientação, decidindo não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º n.º 3, do Código de Processo Penal …”, pelo que hoje esta questão considera-se ultrapassada.
VII - No caso as intercepções telefónicas assentaram em propostas absolutamente explícitas − nomeadamente quanto ao alvo principal, o aqui recorrente, e, entre diversos outros crimes, como o de furto qualificado, também quanto ao crime de contrafacção de moeda p. e p. pelo art. 262.º, n.º 1, do CP − formuladas pela PJ e pelo MP, depois determinadas judicialmente.
VIII - Deste modo, não tem pertinência a censura operada sobre a valoração das intercepções telefónicas: não só o crime em causa se encontrava já explicitamente enunciado como crime de catálogo, na al. f) do art. 187.º do CPP, atenta a sua redacção anterior à introduzida pela Lei 48/2007, de 28-08 − aí se referenciando, nomeadamente a “… a falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista no(s) artigo(s) 262.º … do Código Penal…” − como se tratou de típico conhecimento de investigação, suportado por ordens legítimas de escuta, direccionada, nomeadamente, ao crime de contrafacção de moeda, não apenas assente, pois, em mero conhecimento fortuito, cuja cognoscibilidade, por isso, como se ajuizou nos Acs. do STJ de 23-10-2002 (Recurso n.º 2133/02) e de 04-05-2006 (Recurso n.º 4406/05), não deve ser questionada.
IX - Na linha do entendimento de Manuel Monteiro Guedes Valente (in Escutas telefónicas − Da Excepcionalidade à Vulgaridade, págs. 79 e ss.), onde se sustenta acompanhar Costa Andrade, serão de valorar os conhecimentos fortuitos obtidos por escuta telefónica lícita que se destinem ao esclarecimento de um dos crimes do catálogo do art. 187.º do CPP, quer o sujeito desses factos seja arguido do processo em cuja vigilância telefónica se opera, quer seja um terceiro (intermediário) − desde que tenha participado nas comunicações e conversações − , que se mostrem indispensáveis e necessários a esse esclarecimento e que, face a um juízo de hipotética repetição de intromissão − estado de necessidade investigatório −, se verifique uma probabilidade qualificada de que naquele processo autónomo se recorreria à escuta telefónica por se mostrar indispensável para a descoberta da verdade ou de que seria impossível ou muito difícil, de outra forma, obter prova e que os conhecimentos tenham sido comunicados imediatamente, ao MP e deste, imediatamente ao juiz que autorizou a diligência processual.

Texto Integral


AA, nascido em ../…/…, em ..., Santa Comba Dão, morador, actualmente (depois de ter sofrido prisão preventiva, entre 07/12/2000 e 07/04/2002, seu prazo máximo, à ordem destes autos, e de se ter ausentado, entretanto, para o Brasil e a Suiça, de onde regressou em Setembro de 2008), na Rua …, …, Santa Comba Dão, aí submetido, desde 24/09/2008, igualmente à ordem destes autos, à medida coactiva de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica;
tendo sido condenado, com diversos outros arguidos, consoante acórdão do tribunal colectivo de Santa Comba Dão, de 15/04/2005, em concurso real, pela prática, como co-autor, de um crime de contrafacção de moeda, p. e p. pelo art. 262.º n.º1 do C.P., na redacção a este dada pelo Dec. Lei 48/95, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão; pela prática, como co-autor, de três crimes de furto qualificado, p.p. e p.p. pelos arts. 202.º a), 203.º e 204.º n.º1 a) todos do C.P., na pena de 18 meses de prisão por cada um deles; pela prática, como co-autor, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º do C.P., na pena de 9 meses de prisão; pela prática, como co-autor, de quatro crimes de falsificação de documento, p.p. e p.p. pelo art.º 256.º n.ºs 1 a) e 3 do C. P., na pena de 20 meses de prisão por cada um deles; e pela prática, como co-autor, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 218.º n.º 1 do C.P., por referência ao art.º 202.º a) também deste diploma legal, na pena de 18 meses de prisão; e, em tais termos e em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 4 meses de prisão;
condenação essa com a qual se não conformou mas que foi inteiramente confirmada na Relação de Coimbra, em 13/05/2009, tanto em sede de enunciado da matéria de facto como de apreciação da matéria de direito, quanto a cada uma daquelas penas parcelares, como quanto à requerida pena conjunta;
interpõe novo recurso, agora para o STJ, questionando, ainda, o aludido enunciado de facto, atacando a sua fundamentação, e, em termos de aplicação do direito, todas as referenciadas penas parcelares, bem assim a pena única de 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Acedamos, pois, antes de se transpor o bloco conclusivo das alegações do recorrente, à dita resenha factual, assim tomada por adquirida, na 1.ª e na 2.ª instâncias, enquanto nela caracterizados o tipo de intervenção pessoal, a conduta social, o modo de viver e a personalidade do agente:

“1. Desde pelo menos 1999 os arguidos AA e BB e o irmão do primeiro, de nome CC, exploraram comercialmente e em conjunto os estabelecimentos de diversão nocturna denominados K..., C... P... e E... N..., todos sitos na cidade de Viseu, fazendo-o formalmente através da sociedade P... S..., Ld., da qual eram sócios os filhos menores daqueles AA e CC, mediante a firma adoptada de V... - E..., Lda., com sede em Viseu, da qual são sócios os arguidos AA e BB e a mencionada P... S..., Lda.
(...)
5. Em data indeterminada, mas não posterior a 18.02.1999, pelo menos o arguido DD decidiu fabricar novamente moedas de quinhentas pesetas para posterior colocação em circulação e venda, iniciando, pelo menos, nesse momento, o desenvolvimento das acções necessárias à prossecução de tal projecto, a saber, a aquisição, entre outras máquinas e ferramentas, de prensas, cunhos, grupo energético e liga metálica a utilizar como matéria-prima, bem como à procura de um espaço adequado para a sua instalação.
6. Devido à complexidade e elevado custo da actividade que, pelo menos, o arguido DD se propunha desenvolver, este logo iniciou contactos com eventuais interessados em participar na concretização daquele seu propósito, quer no sentido de obter a respectiva colaboração na prática dos actos materiais que se viessem a revelar necessários ao fabrico das moedas, quer no de obter de tais interessados as verbas necessárias à aquisição das máquinas, ferramentas e matéria-prima adequadas, sendo nestas circunstâncias que, depois de conhecerem tal projecto, a ele vieram a aderir, pelo menos, os arguidos AA, EE, FF, GG, HH e II e no desenvolvimento do qual todos decidiram ou aderiram à decisão de fabricar, para além de moedas de quinhentas pesetas, também moedas de um real, vinte e cinco e cinquenta centavos brasileiros.
7. Na prossecução de tal propósito, logo em 18/02/99, o arguido DD, em aparente representação da sociedade E... - C... de M..., SA, sociedade esta sem existência legal mas cuja representação aquele assumiu ficticiamente nos contactos realizados com vista ao fabrico de moedas, arrendou a JJ, o imóvel sito na Rua …, …, .., sala 3 -E, Porto, a partir do qual os referidos contactos passaram a ser efectuados.
8. Após encomenda do arguido DD em nome da referida E..., SA., a sociedade T..., Lda., com sede em Leça da Palmeira, forneceu em 27 de Abril de 2000, pelo preço de oitocentos e oitenta e sete mil e quinhentos escudos, um cilindro, uma central eléctrica e um comando eléctrico, sendo que, a pedido de tal arguido, a respectiva factura foi emitida em nome da firma T..., com sede na Guiné-Bissau, tendo parte da referida encomenda sido feita por tal arguido àquela T..., Lda. em 28 de Abril de 1999.
9. Na sequência de encomenda feita junto da sociedade O...G... & Cª, com sede em … … e duma deslocação a Itália por parte de alguma das pessoas mencionadas em 6., em Outubro de 1999, veio aquela sociedade a vender dois mil quinhentos e oitenta e nove quilos de uma liga especial de cobre, em chapas com dois milímetros e meio de espessura, no valor de cinquenta e oito milhões, trinta e uma mil, duzentas e trinta e uma liras, que, transportados em veículo da Transportadora F..., Lda., foram entregues, pelo menos ao arguido DD no dia 02/11/99, tendo esta compra sido facturada em nome de KK, este conhecido do arguido GG.
10. O mencionado II, alegando que se destinaria a fabricar um cunho para gravação em porta chaves, solicitou a LL que, numa barra de cobre, gravasse um desenho de características não concretamente apuradas, trabalho que este realizou e que entregou àquele.
11. Em data indeterminada de finais de Março ou princípios de Abril de 1999, o arguido DD adquiriu na delegação do Porto da firma N... uma prensa com uma força de doze toneladas e de doze ciclos por minuto, com um curso útil de sessenta milímetros, vindo o mesmo arguido a adquirir idêntico equipamento na mesma firma no mês de Julho de 2000, tendo os recibos daquele primeiro fornecimento sido emitidos em nome da sociedade A... C... M..., Lda., com sede em Sta. Comba Dão e da qual são sócios a já mencionada sociedade P... S..., Lda. e o mencionado CC.
12. O mesmo arguido DD, em 24/01/00, adquiriu à empresa A... C... I... A..., Lda, com sede na Maia, onze mil quatrocentos e sessenta e oito quilos de liga aço ( chapas em rolo de aço ), pelo preço de Esc. 3.155.809$00, tendo, ainda, adquirido à mesma empresa, em 29/05/00, treze mil duzentos e noventa e oito quilos do mesmo metal, tendo também o recibo relativo à primeira referida aquisição sido emitido em nome da sociedade A... C... M..., Lda.
13. Ainda em data indeterminada, mas situada em finais do ano de 1999 ou princípios do ano de 2000, os arguidos DD e HH deslocaram-se, por duas vezes, às instalações da sociedade M... F..., Lda, sitas em …, Marinha Grande, onde, pelo preço de um milhão e oitocentos mil escudos, vieram a adquiriram uma máquina de electroerosão, destinada a fazer moldes e gravações em cunhos, a qual veio a ser entregue no dia 21.02.00.
14. Finalmente, por quatro ocasiões, duas delas no mês de Janeiro de 2000, a terceira no mês de Maio do mesmo ano e a quarta no mês de Junho também do ano de 2000, foram adquiridas à sociedade F... & A..., Lda, com sede em …, Segadães, por alguma das pessoas mencionadas em 6., várias peças metálicas em aço, próprias para o fabrico de moldes, cunhos e cortantes, compra esta que foi facturada à sociedade A... C... M..., Lda., tendo tais peças sido utilizadas para o fabrico de cunhos com as figuras das moedas de quinhentas pesetas, um real, vinte e cinco e cinquenta centavos brasileiros.
15. Porque se tornava necessário um espaço onde pudessem ser montadas todas as máquinas destinadas ao fabrico das moedas, o arguido DD contactou com MM, sócio-gerente da sociedade R... & G..., Lda., revelando interesse no arrendamento de um armazém sito na Maia e de que aquela sociedade era proprietária, sendo sua preocupação, no entanto, que no contrato não viesse a figurar o nome de nenhuma das pessoas mencionadas em 6.
16. Assim, tendo chegado a acordo quanto aos termos em que o mesmo devia vigorar, o arguido DD, em finais de Novembro de 1999 e com data de vinte desse mesmo mês, apresentou ao mencionado MM, que o outorgou, um contrato-promessa de arrendamento do armazém …, sito na Rua …, …, …, Maia, inscrito na respectiva matriz com o nº …, no qual haviam previamente outorgado como promitente arrendatário NN e como fiador, para além de outro, OO, ambos amigos do arguido GG e que este havia convencido a assinar o contrato em causa.
17. Assinado o referido contrato, foi o referido armazém entregue, pelo menos em Janeiro de 2000, vindo nele a ser instaladas as máquinas e ferramentas adquiridas, as quais, juntamente com a liga metálica comprada à sociedade O... G... & Cª., custaram no total quantia não concretamente apurada, a qual foi suportada pelo menos pelos arguidos DD e HH.
18. Já na posse de todo o material e condições necessários para o efeito, pelo menos os arguidos identificados em 6. e o mencionado II iniciaram no referido armazém, em data não concretamente apurada do ano de 2000, mas não posterior a 21 de Julho de 2000, o fabrico de moedas, o que faziam da seguinte forma: as chapas de metal eram cortadas em discos, cada um com espessura idêntica à das moedas de quinhentas pesetas cunhadas pelo Banco de España, sendo de seguida tais discos colocados na prensa hidráulica, onde eram aplicados os cunhos com os motivos e caracteres do reverso e do anverso das moedas de quinhentas pesetas; de seguida, era accionada a prensa, ficando gravados em cada um dos lados do disco, respectivamente, e por pressão, os caracteres e motivos dos cunhos; finalmente, eram as arestas e excessos de metal existentes em cada um dos discos eliminados através do uso de limas, sendo repetido o mesmo processo no fabrico das moedas de um real, vinte e cinco e cinquenta centavos brasileiros, tendo sido utilizados, neste caso, a liga de aço e cunhos com os motivos e caracteres da face e do verso de tais moedas.
19. Entretanto, como não pagassem a renda relativa ao armazém que ocupavam que se cifrava, a referente aos meses de Julho a Dezembro de 2000, em trezentos e vinte e cinco mil escudos mensais, e porque os representantes da referida sociedade R... & G..., Lda, os ameaçavam com a resolução do contrato de arrendamento, decidiram pelo menos alguns dos arguidos identificados em 6. e o mencionado II remover todas as máquinas e ferramentas ali utilizadas no fabrico de moedas para Sta. Comba Dão, para uma habitação situada na Quinta do ..., propriedade do arguido AA e de seu irmão CC, e para um edifício destinado à reparação de viaturas, sito no posto de abastecimento de combustível concessionado à CEPSA, no IP3, a qual, por seu turno, cedera a exploração do mesmo à mencionada sociedade P... S..., Lda., edifício esse que era utilizado pelos arguidos AA e EE para o referido fim que desenvolviam sob a designação de SOS IP3.
20. Assim, em dia indeterminado dos meses de Setembro ou Outubro de 2000, utilizando para o efeito uma viatura de reboque da referida sociedade SOS IP3, pelo menos alguns dos arguidos identificados em 6. e o mencionado II transportaram as ditas máquinas e ferramentas do referido armazém sito na Maia para Sta. Comba Dão, instalando as máquinas destinadas ao fabrico de moedas no rés-do-chão da habitação existente na Quinta do ... e a máquina de electroerosão na oficina da SOS IP3, onde foi retomado de imediato e nos termos já descritos o fabrico de moedas de quinhentas pesetas, um real, vinte e cinco e cinquenta centavos brasileiros.
21. Desta forma, fabricaram pelo menos os arguidos FF, GG, DD, AA, EE, HH e o mencionado II um número indeterminado de moedas de quinhentas pesetas, mas superior a dez mil, e um número igualmente indeterminado de moedas de um real, vinte e cinco e cinquenta centavos brasileiros, sendo a maior parte das tarefas materiais de tal fabrico executadas pelos arguidos FF e GG e pelo mencionado II, sob a supervisão do arguido DD.
22. A actividade vinda de descrever terminou no dia 06/12/00, data em que, na execução de mandados de busca judicialmente emanados, foi o arguido FF surpreendido por agentes da Polícia Judiciária no interior do rés-do-chão da referida habitação da Quinta do ... em plena actividade de fabrico de moedas de quinhentas pesetas, tendo aí sido apreendidos os objectos examinados no auto de fls. 711 a 713, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entre os quais: uma prensa grande de fabrico artesanal, alimentada por uma máquina de pressão de óleo, na qual se encontravam introduzidos dois cunhos, um com o reverso e o outro com o anverso das moedas de quinhentas pesetas; uma prensa pequena de fabrico artesanal, na qual se encontrava introduzido um cunho estriado próprio para fazer estrias laterais em chapa; dois compressores; duas mil duzentas e sessenta moedas de quinhentas pesetas e discos de metal amarelo com as dimensões daquelas moedas, pesando estes um total de noventa quilos.
23. No decurso da busca realizada naquela mesma data à oficina da referida sociedade SOS IP3 foram apreendidos os objectos que se encontram examinados no auto de fls. 714 e 715, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entre os quais: a máquina de electroerosão que havia sido adquirida pelos arguidos DD e HH à sociedade M... F..., Lda.; dois cunhos com motivos referentes ao anverso da moeda de vinte e cinco centavos do Brasil; um cunho com motivos referentes à face do reverso da moeda de vinte e cinco centavos do Brasil; um cunho com motivos referentes à face do anverso da moeda de quinhentas pesetas; três pequenas barras metálicas, estando numa delas gravadas impressões do verso e do anverso de moedas de vinte e cinco centavos brasileiros; noventa moedas de vinte e cinco centavos brasileiros e sete de um real.
24. Ainda na mesma data, no decurso da busca realizada à residência do arguido DD, foram apreendidos os objectos constantes do auto de fls. 466 e 467, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nomeadamente: uma moeda com o valor facial de cinquenta centavos brasileiros; duas com o valor facial de vinte e cinco centavos brasileiros e uma com o valor facial de um real; e, no decurso da busca realizada à residência do arguido AA, os objectos constantes do auto de fls. 363, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, entre os quais se encontram uma moeda com o valor facial de vinte e cinco centavos brasileiros e uma outra com o valor facial de um real.
(...)
26. Submetidas a exame laboratorial no L.P.C. da Polícia Judiciária, veio-se a apurar que as moedas de quinhentas pesetas, de um real, de vinte e cinco e de cinquenta centavos brasileiros apreendidas não eram autênticas, tendo sido produzidas através de cunhagem, tal como se concluíu no relatório de fls. 2389 e segs., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. Do total das moedas de quinhentas pesetas fabricadas pelo menos pelos arguidos DD, FF, GG, HH, AA, EE e pelo mencionado II, parte delas foram entregues a indivíduos conhecidos pelo menos por alguns daqueles, um deles a quem tratavam por João, os quais as colocaram em circulação, desconhecendo-se o destino das de um real, de vinte e cinco e de cinquenta centavos brasileiros.
(...)
30. Os arguidos DD, FF, HH, GG, AA e EE, em comunhão de esforços e de vontades, agiram com o propósito concretizado de colocarem em circulação moeda contrafeita como legítima, bem sabendo que os bancos nacionais da República Federativa do Brasil e de Espanha eram as únicas entidades autorizadas a fabricarem, respectivamente, moedas de um real, vinte e cinto e cinquenta centavos, e de quinhentas pesetas.
(...)
31. Os arguidos AA e EE dedicavam-se também à reparação de automóveis, quer através da já mencionada firma SOS IP3, quer ainda através da GARAGEM ..., sita em …, Tondela, propriedade do segundo, tendo ambos decidido dedicarem-se também à subtracção, na via pública e aos seus legítimos proprietários, de veículos automóveis, para, depois de, a partir de veículos acidentados e não recuperáveis da mesma marca e modelo, alterarem as respectivas matrículas, número de quadro ou de motor, os fazerem seus ou venderem a outras pessoas que os pretendessem adquirir.
32. Na prossecução de tal objectivo, aqueles dois arguidos entravam em contacto com o arguido PP, indivíduo conhecido de ambos, a quem comunicavam as características do veículo que pretendiam que este subtraísse, após o que este, na posse de tais informações, procurava, essencialmente na zona de Lisboa e concelhos limítrofes, um veículo com as características pretendidas e que estivesse estacionado na via pública, dele se apropriando e conduzindo-o de seguida até Sta. Comba Dão ou Tondela, onde o entregava aos arguidos AA e EE, deles recebendo quantia não concretamente apurada, mas que em alguns casos rondava os cem ou os cento e cinquenta mil escudos por cada veículo.
33. Naqueles casos em que já dispunham de um veículo acidentado cujos elementos de identificação pretendiam utilizar, os arguidos AA dos Santos e EE comunicavam previamente ao arguido PP, para além das demais características, a matrícula de tal veículo, sendo que este, depois de se apropriar de veículo igual, de modo a eximir-se à fiscalização das autoridades, nele colocava uma chapa com a matrícula daquele primeiro, assim o conduzindo até Sta. Comba Dão ou Tondela.
34. O veículo automóvel ligeiro de passageiros Renault Clio Oasis com a matrícula …, encontrava-se estacionado na Rua …, em Almada, quando na madrugada de 10/07/00 dali foi subtraído e era pertença de QQ, tendo o valor de, pelo menos, um milhão e seiscentos mil escudos e veio a ser apreendido na posse do arguido RR no dia 05/01/01, ostentando a matrícula … e a gravação no lugar do Nº do quadro, em vez do seu, o Nº …, Nº este correspondente ao Nº do quadro do veículo com a referida matrícula ….
35. Na noite de 03 para 04/08/00, depois dos arguidos AA e EE lhe terem solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro de mercadorias Renault Kangoo com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Avenida Humberto Delgado, Costa da Caparica, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, conduzindo-o de imediato até Sta. Comba Dão, onde a entregou àquele segundo arguido.
36. Uma vez na posse do mencionado veículo, os arguidos EE e AA colocaram-lhe as chapas com a matrícula …, matrícula esta a qual era de um veículo ligeiro de mercadorias Renault Kangoo que o arguido EE, no dia 14/09/00, comprou à firma S..., Lda, com sede em Sacavém, pelo preço de setecentos e cinquenta mil escudos.
37. O veículo … era pertença da sociedade G... - Rent-a-Car, Lda, com sede em Lisboa, e tinha o valor de, pelo menos, dois milhões e trezentos mil escudos, tendo sido apreendido na posse do arguido EE no dia 06/12/00.
38. Na noite de 10 para 11/10/00, depois dos arguidos AA e EE lhe terem solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro de passageiros Renault Clio com a matrícula …, que se encontrava estacionado no Caminho do Marquês, Póvoa de Sta. Iria, Vila Franca de Xira, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, conduzindo-o de imediato até Sta. Comba Dão, onde a entregou àqueles arguidos.
39. Uma vez na posse do veículo …, na oficina da SOS IP3, em Sta. Comba Dão, os arguidos AA e EE colocaram-lhe chapas com a matrícula … e esmerilaram a chapa onde se encontrava gravado o respectivo número de quadro, gravando a ponteado no seu lugar o número …., este correspondente ao veículo ligeiro de passageiros ….
40. Após, o arguido EE, com o conhecimento e acordo do arguido AA, vendeu, em data indeterminada de finais de Outubro de 2000, o Renault Clio …, alterado com os elementos identificadores do … e pelo preço de um milhão, duzentos e cinquenta mil escudos, a SS, agindo este, ao comprar tal veículo, convencido de que o veículo se encontrava em situação regular, por saber que aquele primeiro arguido também comercializava veículos automóveis.
41. O veículo … era pertença de TT, tinha o valor de, pelo menos, um milhão e cem mil escudos, tendo sido apreendido na posse do mencionado SS, no dia 11/01/01.
42. No momento em que foi subtraído pelo arguido PP, o veículo … tinha no seu interior uma caixa com ferramenta diversa, um par de botas, um par de sapatos, pelo menos quatro blusões, uma máquina fotográfica da marca Canon e um conjunto de cabos de encosto a baterias, tudo também pertença de TT, no valor total de cem mil escudos e que aquele arguido fez seu, vindo a máquina fotográfica Canon a ser apreendida no decurso da busca realizada no dia 06/12/00 à residência do arguido PP.
43. A matrícula 18-07-ER era de um veículo ligeiro de mercadorias Renault Clio que os arguidos EE e AA dos Santos, em Novembro de 2000, compraram a João Luís Soares Varela pelo preço de cento e oitenta mil escudos.
44. Na madrugada de 03/11/00, depois dos arguidos AA e EE lhe terem solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro de mercadorias Mitsubishi Canter com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Alameda Guerra Junqueiro, em Feijó, Almada, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, daí se afastando.
45. O arguido PP entregou nesse mesmo dia a referida viatura aos arguidos AA e EE, que logo a conduziram até à oficina da SOS IP3, em Sta. Comba Dão, onde alteraram toda a sua estrutura de modo a torná-la apta a efectuar o transporte de viaturas, e onde lhe colocaram chapas com a matrícula …, eliminaram o respectivo número de quadro, gravando em seu lugar o número 0821, e eliminaram o número de motor.
46. Depois de alterado da forma descrita e com o mesmo ostentando chapas com a matrícula …, os arguidos AA e EE circularam regularmente com o referido veículo, utilizando-o como veículo de reboque e pronto-socorro da SOS IP3.
47. O veículo ... era pertença da sociedade Q..., Lda, com sede em Feijó, Almada, e tinha o valor de, pelo menos, oitocentos mil escudos, tendo sido apreendido no dia 06/02/01, em Barra Pascoal, Viseu, nas traseiras do stand da marca Chrysler.
48. Entre Junho e Julho de 2000 foi subtraído do local onde se encontrava estacionado na Praceta Ana Osório, em Feijó, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias Renault Kangoo com a matrícula … e tinha o valor de um milhão e oitocentos mil escudos, ao qual correspondia o quadro com o Nº ….
49. Por volta 27/07/00, foi subtraído do local onde se que se encontrava estacionado na Rua Fernão Lopes, em Oeiras, o veículo automóvel ligeiro de passageiros Citroen Saxo, com a matrícula …, o qual era pertença da sociedade Armazéns de Produtos Alimentares e Outros de C... & I... N..., Lda, com sede em Algueirão, Mem Martins, e tinha o valor de um milhão e duzentos mil escudos.
50. Na madrugada do dia 07/11/00, depois dos arguidos AA e EE lhe terem solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro de mercadorias Toyota Dyna 250 com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Rua António Andrade, Quintinhas, Charneca da Caparica, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, conduzindo-o de imediato até Sta. Comba Dão, onde a entregou àqueles arguidos.
51. Uma vez na posse do mencionado veículo, os arguidos AA e EE colocaram-lhe a chapa de matrícula …, correspondendo esta matrícula a uma viatura da mesma marca e modelo pertença do arguido EE e por este utilizada como pronto-socorro da GARAGEM ....
52. O veículo … era pertença da sociedade AM ..., Lda, com sede em Sta. Marta, Seixal, e tinha o valor de, pelo menos, quinhentos mil escudos, tendo sido apreendido no decurso da busca realizada no dia 06/12/00 à oficina da SOS IP3.
53. No dia 06/12/2000 foi encontrado na residência do arguido EE, em Tondela, uma chapa com a gravação do Nº …, a qual se encontrava na porta do lado esquerdo do veículo aludido em 35. a 37, que também veio a ser apreendido, Nº de quadro esse pertencente ao veículo de matrícula … propriedade da sociedade Scindler, S.A., com sede em Carnaxide, Lisboa.
54. Em data não concretamente apurada, mas situada entre os dias 09/08/98 e o dia 06/12/00, o arguido EE, por um preço não concretamente apurado, adquiriu a um indivíduo cuja identidade também não foi possível concretamente apurar, o motociclo Kawasaki com a matrícula …, cujo motor desmontou, voltando-o a montar no motociclo de igual marca e com a matrícula …, este pertença de Herminio Galhardo Nunes Duarte, o qual tinha solicitado àquele arguido que o reparasse e que ignorava esta operação.
55. O motociclo … havia sido subtraído ao seu proprietário, UU, no dia 09/08/98, em Perosinho, Vila Nova de Gaia, tendo o mesmo e o motociclo … sido apreendidos na GARAGEM ..., em Tondela, no dia 06/12/00.
56. À semelhança do que sucedia com os arguidos AA e EE, também o arguido VV, mecânico de profissão, decidiu dedicar-se à subtracção, na via pública e aos seus legítimos proprietários, de veículos automóveis, para, depois de, a partir de veículos acidentados e não recuperáveis da mesma marca e modelo, alterar as respectivas matrículas, número de quadro ou de motor, os fazer seus ou vender a outras pessoas que os pretendessem adquirir.
57. Na prossecução de tal objectivo, também o arguido VV entrava em contacto com o arguido PP, indivíduo também seu conhecido, a quem comunicava as características do veículo que pretendia fosse subtraído, após o que este, na posse de tais informações, procurava, essencialmente na zona de Lisboa e concelhos limítrofes, um veículo com as características pretendidas e que estivesse estacionado na via pública, dele se apropriando e conduzindo-o de seguida até Mangualde, onde o entregava àquele primeiro arguido, também dele recebendo a quantia não concretamente apurada por cada veículo, mas que em alguns casos rondava os cem ou os cento e cinquenta mil escudos por cada veículo.
58. Também naquelas situações em que já dispunha de um veículo acidentado cujos elementos de identificação pretendia utilizar, o arguido VV comunicava previamente ao arguido PP, para além das demais características, a matrícula de tal veículo, sendo que este, depois de se apropriar de veículo com idênticas características e de modo a eximir-se à fiscalização das autoridades, nele colocava uma chapa com a matrícula daquele primeiro, assim o conduzindo até Mangualde.
59. Na noite de 31/08 para 01/09/00 o veículo …, pertença da sociedade E... H..., Lda, com sede na Charneca da Caparica, Almada, que tinha o valor de cerca de dois milhões de escudos, foi subtraído quando se encontrava estacionado na Rua Dr. José de Alarcão, Cova da Piedade, Almada.
60. No momento em que foi subtraído, o veículo … tinha no seu interior uma caixa de CD´s da marca Sony, um equipamento mãos-livres para telefone móvel, tudo também pertença da mencionada sociedade e de valor não concretamente apurado, tendo estes objectos sido apreendidos no decurso da busca realizada no dia 06/12/00 à residência do arguido PP.
61. Na madrugada do dia 26/09/00 foi subtraído o veículo automóvel ligeiro de passageiros Renault 19 com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Estrada de Ligação Arneiro, Sassoeiros, Carcavelos, e valia entre seiscentos e setencentos mil escudos e era pertença de XX.
62. Na noite de 28 para 29/09/00 foi subtraído o veículo automóvel ligeiro misto Mitsubishi L200 com a matrícula …, o qual era pertença da sociedade .… Comércio e Aluguer de Veículos e Equipamentos, SA, com sede em Lisboa e tinha o valor de, pelo menos, um milhão, oitocentos e dezassete mil, quatrocentos e noventa e cinco escudos.
63. Na prossecução da referida actividade, na madrugada do dia 03/10/00, depois do arguido VV lhe ter solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro de mercadorias Renault Kangoo com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Rua Hermano Neves, em Lisboa, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, conduzindo-o de imediato até Mangualde, onde o entregou àquele primeiro arguido, que o fez seu, dando-lhe um destino que não foi possível concretamente apurar.
64. O veículo … era pertença da sociedade L... P.. Portugal - Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos, Lda, com sede em Lisboa, e, em sistema de Aluguer de Longa Duração, encontrava-se alugado à sociedade …, Lda, também com sede em Lisboa, tendo o valor de cerca de um milhão cento e sessenta e quatro mil cento e sessenta escudos.
65. No momento em que foi subtraído, o veículo … tinha no seu interior diverso material de papelaria e um auto-rádio, tudo pertença da sociedade …, Lda, no valor total de, pelo menos, cem mil escudos.
66. Na noite de 17 para 18/10/00, depois do arguido VV lhe ter solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro de mercadorias Nissan Vanette com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Rua Adriano Correia de Oliveira, Forte da Casa, Alverca do Ribatejo, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, conduzindo-o de imediato até Mangualde, onde o entregou àquele primeiro arguido, que o fez seu, dando-lhe um destino que não foi possível concretamente apurar.
67. O veículo … era pertença da sociedade B… I…- Consultoria e Comércio, Lda, com sede em Arcena, Alverca, tendo o valor de cerca de um milhão setecentos e trinta e quatro mil escudos.
68. No momento em que foi subtraído, o veículo … tinha no seu interior dezoito sacos de fibras para betão, um berbequim HILT e ferramentas diversas, tudo pertença da sociedade B… I…, Lda, no valor total de, pelo menos, cem mil escudos.
69. No dia 23/10/00, depois do arguido VV lhe ter solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro misto Mitsubishi L200 com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Rua …, Almada, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, conduzindo-o de imediato até Mangualde, onde o entregou àquele primeiro arguido, que o fez seu, dando-lhe um destino que não foi possível concretamente apurar.
70. O veículo … era pertença de ZZ tendo o valor de cerca de um milhão e quinhentos mil escudos.
71. No momento em que foi subtraído, o veículo … tinha no seu interior uma bobina de madeira de cabos de aço, uma caixa de ferramentas e outras ferramentas diversas, tudo pertença do ZZ e no valor total de, pelo menos, trezentos e oitenta e seis mil escudos.
72. Na noite de 06 para 07/11/00, depois do arguido VV lhe ter solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro misto Mitsubishi L300 com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Praceta Baltazar Teles, Charneca da Caparica, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, daí se afastando. Logo após, substituiu as chapas de matrícula que o veículo ostentava e colocou no respectivo lugar outras com a matrícula …, que lhe havia sido indicada pelo arguido VV, e assim efectuou a viagem até Mangualde, onde lha entregou, vindo este último arguido a fazer sua a viatura em causa, dando-lhe um destino que não foi possível concretamente apurar.
73. O veículo … era pertença de AAA, tendo o valor de cerca de um milhão e quinhentos mil escudos.
74. A matrícula … era de um veículo ligeiro misto Mitsubishi L300 acidentado propriedade de BBB, pela aquisição do qual o arguido VV chegou a mostrar-se interessado, chegando a pedir por telefone a matrícula do mesmo aquele BBB.
75. Na noite de 21 para 22/11/00 foi subtraído o veículo ligeiro misto Nissan URL Go, com a matrícula …, do local onde se encontrava estacionado, na Rua Ramalho Ortigão, Almada, propriedade da sociedade R...& V..., Lda, com sede em …, Vila Fresca de Azeitão, tendo o valor de mais de cerca de um milhão de escudos.
76. Na noite de 24 para 25/11/00, depois do arguido VV lhe ter solicitado que subtraísse um veículo da mesma marca e modelo, o arguido PP estroncou o canhão de uma das portas do veículo automóvel ligeiro misto Nissan Pickup com a matrícula …, que se encontrava estacionado na Avenida Bernardo Santareno, em Santarém, colocando o motor em marcha com uma chave que, utilizando limas de precisão, confeccionou no local, conduzindo-o de imediato até Mangualde, onde o entregou àquele primeiro arguido, que o fez seu, dando-lhe um destino que não foi possível concretamente apurar.
77. O veículo … era pertença da sociedade Stand V... T..., Lda, com sede em Santarém, tendo o valor de, pelo menos, um milhão seiscentos e cinquenta mil escudos.
78. Na noite de 5 para 6/6/2000 foi subtraído o veículo ligeiro de passageiros Renault Clio, de matrícula …, do local onde o mesmo se encontrava estacionado na Rua Plório Febreo Junior, Cova da Piedade, Almada, o qual era pertença de CCC, tinha o valor de, pelo menos, um milhão e duzentos mil escudos.
79. Após ter entrado, por forma não concretamente apurada, na posse do veículo Renault Clio …, o arguido VV, em data indeterminada do mês de Setembro de 2000 e pelo preço de setecentos e cinquenta mil escudos, vendeu o mesmo, previamente alterado por pessoa de identidade não apurada com os elementos identificadores do …, a DDD, que agiu convencido de que o veículo se encontrava em situação regular, dado que aquele arguido VV também comercializava veículos automóveis, vindo tal veículo a ser apreendido na posse daquele DDD no dia 10/09/01 ostentando a matrícula ….
80. Depois de o ter subtraído em Badajoz, Espanha, na madrugada do dia 14/08/00, o arguido PP, de modo a furtar-se à fiscalização das autoridades, colocou no veículo ligeiro de passageiros Renault Clio de matrícula … as chapas com a matrícula …, matrícula esta que, para esse preciso efeito, lhe tinha sido indicada telefonicamente pelo arguido VV.
81. Com o … ostentando a matrícula …, o arguido PP conduziu-o para o nosso pais, onde, nesse mesmo dia 14/08, contactou novamente com o arguido VV, que lhe disse que deveria colocar na viatura subtraída chapas com a matrícula ….
82. Seguindo as instruções do arguido VV, o arguido PP logo colocou na viatura … chapas com a matrícula …, assim o conduzindo até 06/12/00, dia em que, na sua posse, veio o mesmo a ser apreendido.
83. O veículo … tinha sido adquirido em 02/03/1999, no Concessionário da Renault “ B... “, em Almada, pelo preço de Esc. 2.058.000$00, para pagamento do qual o demandante QQ celebrou com a Renault Gest contrato de compra e venda a prestações, no âmbito do qual se obrigou a pagar 45 prestações mensais, iguais e sucessivas, no montante de Esc. 38.738$00 cada, com vencimento a primeira delas em 05/04/1999 e a última em 05/03/2003, as quais pagou na totalidade.
84. Ao dar-se conta do desaparecimento do referido veículo o demandante QQ durante, pelo menos dois dias, percorreu em carros de pessoas amigas e que alugou para o efeito, Lisboa e os arredores na esperança de encontrar o veículo …, vivendo em sobressalto, despendendo nesse aluguer e no combustível do veículo alugado quantias não concretamente apuradas.
85. O uso de tal veículo automóvel era e é indispensável para se fazer transportar a si, à esposa e às filhas para os respectivos empregos e estabelecimentos escolares.
86. Viu-se obrigado a adquirir outro veículo automóvel.
87. O veículo … foi devolvido à demandante A. M. ..., Lda. em 7 de Janeiro de 2002.
88. Tal viatura era indispensável à actividade comercial da demandante, pelo que, a demandante teve de utilizar um veículo de substituição até 7 de Janeiro de 2002, no que gastou quantia não concretamente apurada.
89. Quando foi devolvida à demandante a referida viatura não trazia báscula nem os dois espelhos retrovisores e apresentava amolgadelas na chaparia.
90. Na aquisição da báscula a demandante despendeu cerca de € 4.000, na aquisição dos dois espelhos retrovisores despendeu cerca de € 125 e na reparação das amolgadelas quantia não concretamente apurada.
91. O motociclo … foi entregue, em peças, ao assistente e demandante UU em 25/02/02.
92. Tal motociclo havia sido adquirido pelo assistente e demandante pelo preço de Esc. 750.000$00.
93. A reparação de tal motociclo orçava, em 3/12/2002, em € 9.249,62.
94. No exercício da actividade de seguradora a que se dedica a demandante EEE S.A. celebrou com B… C.. R… – Comércio e Aluguer de Veículos e Equipamentos, S.A., o contrato de seguro do ramo automóvel, pelo qual assumiu o risco de responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel ligeiro misto particular Mitsubishi L 200 de matrícula …, bem como os danos próprios sofridos pelo mencionado veículo, incluindo o risco de furto ou roubo, até ao seu valor venal, com o limite máximo de Esc. 3.050.000$00.
95. A demandante EEE, S.A. pagou à B… C… – R…, S.A., a título de indemnização e ao abrigo do risco de furto/roubo de tal contrato de seguro, a quantia de Esc. 1.817.495$00, correspondente ao valor venal do referido veículo que não foi recuperado.
96. Os arguidos AA, EE, VV e PP, os dois primeiros em comunhão de esforços e de vontades com este último, que, por sua vez, também o fez em comunhão de esforços e de vontades com o arguido VV, agiram com o propósito concretizado de incorporarem no seu património os veículos automóveis que subtraíram aos seus legítimos proprietários, contra cuja vontade sabiam actuar.
97. Ao procederem à alteração dos elementos identificadores dos veículos automóveis, em comunhão de esforços e de vontades, nos termos descritos, agiram os arguidos AA, EE e PP com o propósito concretizado de atentarem contra a fé pública dos documentos emitidos por entidades oficiais ou por estas reconhecidos, bem como, no caso dos arguidos AA, EE de alcançarem para si um benefício ilegítimo, à custa do prejuízo provocado no património do proprietário da viatura e do comprador do veículo alterado, que convenceram tratar-se de viatura com os elementos identificadores originais, dado que as gravações do número de quadro tinham a aparência de ser de origem, para além de lhes fornecerem a respectiva documentação.
(…)
101. No decurso dessa mesma busca (realizada no dia 06/12/00) foram apreendidos na residência do arguido PP, para além do mais discriminado no auto de fls. 441, cujo teor se dá aqui por reproduzido: um saco preto contendo ferramentas e um estojo com chaves em bruto e um torno, um catálogo de chaves e um estojo preto de ferramentas, uma mala preta com fios eléctricos, e três caixas contendo diversa ferramenta, todos examinados a fls. 636 a 638, tendo estes objectos sido utilizados pelo referido arguido na subtracção de viaturas; um telemóvel Ericson, examinado a fls. 636 a 638, e uma máquina fotográfica Pentax.
102. No decurso da busca realizada no dia 06/12/00 ao bar K..., para além do mais discriminado no auto de fls. 344, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foram apreendidos: a quantia de duzentos e catorze mil e quinhentos escudos em notas do Banco de Portugal; um telefone móvel Ericson T28, examinado a fls. 695.
103. No decurso da busca realizada no mesmo dia 06/12/00 à habitação situada na Quinta do ..., para além do mais já mencionado e discriminado nos autos de fls. 369 e 620, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi apreendida uma betoneira amarela, examinada a fls. 712, e que era utilizada pelos arguidos DD, FF, GG, HH, AA dos Santos, EE e pelo mencionado II para polirem as moedas que fabricavam e diversa ferramenta, examinada a fls.713, também utilizada no fabrico de moedas de quinhentas pesetas, um real, vinte e cinco e cinquenta centavos brasileiros.
104. No decurso da busca realizada no mesmo dia 06/12/00 na residência do arguido EE, para além do mais discriminado no auto de fls. 391, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foram apreendidos oito telemóveis, todos examinados a fls. 707 e 708, dos quais, pelo menos o telemóvel de marca Panasonic EB-GD 90, foi utilizados pelo referido arguido em contactos relacionados com as actividades ilícitas em que participou e que se encontram descritas na factualiadade atrás elencada; uma caixa com vinte e sete punções, examinados a fls. 708, utilizados na alteração dos elementos de identificação de veículos automóveis.
105. No decurso da busca realizada no mesmo dia 06/12/00 na residência do arguido VV, para além do mais discriminado no auto de fls. 428, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foram apreendidas doze chaves para automóveis, examinadas a fls. 622; um telemóvel Ericson T10, examinado a fls. 622.
106. No decurso da busca realizada no mesmo dia 06/12/00 na residência do arguido II, para além do mais discriminado no auto de fls. 449, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foi apreendido um telemóvel Nokia 3210, examinado a fls. 705, que foi utilizado pelo mesmo em contactos relacionados com a actividade de fabrico de moedas atrás descrita.
107. Os arguidos AA, EE, PP, VV, DD, FF, GG e HH agiram livre e conscientemente, conhecendo a proibição e punição legal das suas condutas.
108. Quando foi preso preventivamente à ordem dos presentes autos o arguido AA vivia com a sua esposa e dois filhos menores, estes à data com 7 e 10 anos de idade.
109. Para além da exploração dos bares nocturnos referidos em 1. a 3. , explorava, como sócio dos seus pais e juntamente com estes, o Café “ T... “ e um areal em Santa Comba Dão, sendo, ainda, proprietário da imobiliária “ I... “.
110. Tem como habilitações sociais o 9º ano de escolaridade.
111. Consta do seu CRC junto aos autos uma condenação pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos Arts. 6º e 24º Nºs 1 e 2 do Dec. Lei Nº 20-A/90, de 15.01, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 394/93, de 24.11, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, com a condição de no mesmo prazo comprovar nos autos que procedeu ao pagamento da totalidade da quantia indemnizatória referente a impostos e juros devidos ao Estado em que foi também condenado em tal processo, decisão essa transitada em julgado em 22.03.2002 e proferida no âmbito do Proc. Comum Colectivo Nº 219/97.0TBSCD do 1ºJuízo de Santa Comba Dão.»

Atentemos, agora, na forma como o recorrente encerra, na sua peça alegatória, a exposição da sua argumentação:

«Da valoração das intercepções telefónicas
A – Entende o Recorrente que não poderiam ter sido valorados os conteúdos das transcrições das intercepções telefónicas presentes nos autos, pois, os mesmos surgem como resultado de uma interpretação claramente inconstitucional do art.º 188.º n.º 3 do CPP (na sua anterior redacção), na medida em que, com a destruição dos suportes de todas as sessões das referidas intercepções, tidas como não relevantes para “eventual” prova da prática dos factos investigados, sem que tivessem os arguidos acesso prévio aos mesmos, viu-se o Recorrente (e todos os demais arguidos) impedido do correcto exercício do contraditório.
B – Esse exercício do contraditório, o direito ao mesmo, está constitucionalmente consagrado (cfr. art.º 32.º, n.º 1 e n.º 5 da CRP), e é extensível a todo e qualquer meio de prova usado pelo Ministério Público para fundamentar uma acusação e sustentar a sua subsequente condenação, donde resulta que a referida destruição dos suportes das demais sessões, sem que tivesse sido concedida aos arguidos a possibilidade de as examinar e obter cópias das partes que pretendessem ver transcritas para juntar, ao processo na perspectiva da sua defesa, acarretou a todos os arguidos uma limitação imensurável dos seus direitos.
C – Entende o Recorrente que sempre deveria ter (conferida) sido a todos os arguidos, a possibilidade de aceder à totalidade das sessões das intercepções efectuadas, de forma a poderem indicar as partes que entendessem por relevantes para a prova dos factos ou para a sua defesa, posição já defenda pelo Tribunal Constitucional.
D – Conforme bem se pronunciou, por diversas vezes, o Tribunal Constitucional, o art.º 188.º n.º 3 do CPP está ferido de inconstitucionalidade, por violação do art.º 32.º n.º 1, da Constituição, «na interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova obtidos mediante a intercepção de telecomunicações, que o orgão de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância.» - Cfr. Acórdão 660/2006, proferido no âmbito do Proc. 729/2006, 2.ª Secção, cujo juízo de insconstitucionalidade foi confirmado e reforçado pelo mesmo Tribunal Constitucional, nos seus doutos Acórdão 450/07 e 451/07, e na sua Decisão Sumária 454/07.
E – A posição defendida pelo Recorrente, com base na jurisprudência citada, toda ela anterior ao mediatismo conferido a tal questão em resultado do famigerado caso do “Apito Dourado”, foi inteiramente acolhida pelo nosso legislador, conforme resulta da análise da actual redacção do preceito legal, o que, aliás, foi já reconhecido pela Veneranda Relação de Évora, no seu douto Acórdão de 18/12/2007, proferido no âmbito do Proc. 2153/07, 1.ª Secção, onde se dispõe: «Ora, do constante dos números referidos do actual art.º 188.º, evidencia-se iniludivelmente o acolhimento e consagração da jurisprudência do Tribunal Constitucional que esteve subjacente à declaração de inconstitucionalidade do art.º 188.º n.º 3, versão anterior, e também do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Assim, em função de tudo o que vem de ser expendido, recusa-se a aplicação do art.º 188.º n.º 3 do CPP, na versão anterior às alterações da Lei n.º 49/2007, por inconstitucionalidade».
Das intercepções telefónicas como mera notícia do crime
F – Sem descurar do exposto, entende, ainda, o Recorrente que não poderiam ser valorados, como foram, relativamente aos crimes pelos quais veio o Recorrente a ser condenado nos presentes autos, os conteúdos das transcrições das intercepções telefónicas realizadas, estando, por isso, o douto Acórdão proferido em sede de 1.ª Instância, e ora confirmado pelo douto Acórdão ora recorrido, ferido de nulidade, por haver o Digníssimo Tribunal formado a sua convicção em prova cuja valoração seria de todo proibida.
G – Na verdade, os conhecimentos advenientes das ditas intercepções telefónicas, realizadas em investigação de factos distintos dos integradores dos propalados crimes de contrafacção de moeda, furto qualificado, furto simples, falsificação de documento e burla qualificada, pelos quais veio o Recorrente a ser condenado, sempre terão que ser entendidos com autênticos “conhecimentos fortuitos”, não sendo, por isso, e com fundamento de reserva constitucional de lei, susceptíveis de integrar, ou não, a prática desses mesmos crimes, mas, apenas e só, como uma mera “notitia criminis” relativamente aos mesmos. Pois que,
H – Conforme resulta da análise de todo o processado, as intercepções telefónicas em questão foram requeridas, ordenadas, e realizadas no âmbito de uma investigação relativamente a factos susceptíveis de serem integradores da prática de crimes de Tráfico de Estupefacientes, de Lenocínio e Auxílio à Integração Ilegal, pelo que, atenta a especificidade de tais crimes, concluiu-se por absolutamente indispensável o recurso à realização desse meio de prova, tão lesivo da esfera privada dos cidadãos e, mesmo, atentatório dos seus mais elementares direitos fundamentais.
I – Havendo de concluir, nessa sequência, que, no que se refere à factualidade apurada, na parte respeitante à matéria susceptível de ser integradora da prática dos supra aludidos crimes de contrafacção de moeda, furto qualificado, furto simples, falsificação de documento e burla qualificada, os conteúdos de tais intercepções sempre se afiguram como autênticos “conhecimentos fortuitos”, e, já não como “conhecimento de investigação”.
J – Não sendo, nessa medida, e com fundamento de reserva constitucional de lei, susceptíveis de serem valorados enquanto meio de prova, mas, apenas e só, como uma mera “notitia criminis”, até porque, com base nesses mesmos “conhecimentos fortuitos” procedeu-se, então, a posteriori, à realização de diligências de investigação, vigilâncias e buscas, tendentes a se aferir da eventual prática de tais crimes e do (s) seu(s) autor(es).
K – Sendo as escutas uma devassa de direitos fundamentais, os quesitos de validade dos denominados “ conhecimentos fortuitos” sempre deveriam constar de materialização legal, pelo que, (o) mesmo a não existir, sempre seria de ter por proibida a valoração como meio de prova – cfr. arts 187.º e 188.º do C.P.Penal (na sua anterior redacção, e, arts. 18.º, n.º2, 32.º, n.º8 e 34.º, n.º4 da nossa Constituição da República Portuguesa (neste sentido, cfr. Francisco Aguilar, “Dos Conhecimentos Fortuitos Obtidos Através de Escutas Telefónicas”).
L – Donde, tendo a condenação do Recorrrente tido lugar com base, quase que exclusiva, nas transcrições das intercepções telefónicas presentes nos autos, padece o douto Acórdão proferido em sede de 1.ª instância, e confirmado pelo douto Acórdão sob recurso, de nulidade por haver o Digníssimo Tribunal formado a sua convicção em prova de valoração proibida.
Do enquadramento jurídico dos factos tidos como provados
M – No enquadramento juridico dos factos tido como provados deveria, ao contrário do sucedido, ter-se submetido a conduta do Recorrente, e dos demais arguidos, não à prática de um qualquer crime de Contrafacção de moeda, p.e p. pelo art.º 262, n.º1 do C.Penal, mas sim, à prática do crime preceituado no art.º 263.º, n.º2 do C.Penal, motivo pelo qual, deverá, nesta sede, o Recorrente ser absolvido da prática do aludido crime de contrafacção, e , condenado por aquele outro, nos termos desse n.º2 do art.º 263.º do C.Penal.
N – Isto porque, e ao contrário do vertido no douto Acórdão proferido em sede de 1.ª Instância, e, bem assim, no douto Acórdão ora recorrido, nunca a aplicação desse dispositivo legal deverá ser restringida aos casos de fabrico, sem a competente autorização, de moeda que conste de metal nobre (platina, ouro ou prata), sendo também, isso sim, de aplicação aos casos de fabrico de moeda metálica em liga cobreada, desde que, e conforme sucede no caso presente, a mesma o seja sem a competente autorização legal, e, bem assim, de valor idêntico ao da moeda legítima.
O – Em tal dispositivo legal não é feita, ou sequer sugerida, uma qualquer referência a um qualquer tipo específico de moeda metálica, de modo a que se possa então concluir por uma qualquer restrição do seu campo de aplicação, para além, obviamente, da restrição da sua aplicação a um qualquer outro tipo de moeda, como seja, por exemplo, o papel-moeda.
P – Na verdade, ao colocar-se a possibilidade de uma qualquer restrição de aplicação de tal preceito legal unicamente à moeda que conste de metal nobre, estar-se-á a fazer cair por terra a “ratio-legis” inerente à criação de tal dispositivo legal, na medida em que, ao contrário do que sucede com uma qualquer moeda metálica que conste de liga cobreada, como as moedas dos autos, em que o valor facial é claramente superior ao valor intrínseco de cada moeda, a moeda metálica que conste de metal nobre tem sempre um valor facial correspondente ao seu valor intrínseco.
Q – Facto que, naturalmente, perante uma qualquer “hipotética” restrição da aplicação do preceituado no art.º 263.º n.º2 do C.Penal aos casos de fabrico de moeda metálica que conste de metal nobre, sem a necessária autorização legal, sempre “esvaziaria” de qualquer conteúdo útil e lógico essa mesma normativa legal.
(...)
Da medida(s) da(s) pena(s)
X – Sem conceder em tudo quanto foi supra exposto, até porque, na procedência de qualquer um dos pontos supra, uma qualquer eventual pena a aplicar ao aqui Recorrente sofrerá forçosamente alterações, importa referir que, considerando “a culpa do agente e as exigências de prevenção da prática de futuros crimes”, de forma alguma se poderão compreender e aceitar as penas aplicadas ao ora Recorrente, até porque, extravasam a culpa deste e as próprias exigências de prevenção, e, não têm, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do Recorrente – cfr. art.ºs 40.º, 70.º, 71.º n.ºs 1 e 2 e 77.º, todos do CP.
Y – É de todo incompreensível, porque extremamente exagerada, a pena aplicada ao Recorrente no que se refere ao crime de contrafacção de moeda, até porque, não foi o mesmo o autor de uma qualquer resolução a fim de se dedicar, em conjunto com os demais, à actividade criminosa em questão, nem tão pouco, teve por iniciativa um estabelecer de quaisquer contactos com os demais no intuito de obter uma qualquer colaboração da sua parte, sendo que, a sua participação é quase que meramente auxiliar e residual, destinada exclusivamente, e apenas numa segunda fase, ao disponibilizar de um espaço onde os demais intervenientes pudessem, então, levar a cabo a actividade a que se tinham proposto.
Z – A actuação do Recorrente, e dos demais intervenientes, foi destinada unicamente à contrafacção de moedas metálicas, e já não à contrafacção de papel-moeda, facto que, naturalmente, sempre obstaria a que fossem postos irremediavelmente em causa a confiança ou fé pública na moeda e a segurança e a funcionalidade do tráfego monetário, além do que, não resultou provado, nem tão pouco foi sequer referenciado, o estabelecer de quaisquer contactos, por parte do recorrente, no sentido de proceder à passagem ou transacção de qualquer moeda falsa, nem tão pouco, a prática da sua parte de um qualquer esquema ardiloso ou, mesmo, de um qualquer acto de violência, destinado a levar por diante os seus intentos.
(...)
BB – Por outro lado, e no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do Recorrente, é de referir que, não parecem ter sido devidamente valoradas as condições de vida do Recorrente, a sua inserção social, familiar e profissional, e, bem assim, não parece ter sido devidamente considerado o facto de a única condenação pelo mesmo sofrida haver transitada em julgado em momento já posterior aos factos em apreço nos presentes autos, nem, tão pouco, o facto de não existir qualquer notícia da prática de factos ilícitos por parte do Recorrente.
CC – As penas parcelares, e bem assim, a pena única aplicadas ao ora Recorrente não são de modo algum correctas e justas, pecando por manifesto exagero, não se enquadrando, de modo algum, nos princípios legais supra referidos, os art.ºs 70.º e 71.º do CP, e, ainda, o art.º 77.º do mesmo diploma legal, chegando mesmo a violar os mais elementares princípios constitucionais consagrados, ao privar, de forma claramente arbitrária, e sem quaisquer considerandos legais, o ora Recorrente do direito à sua liberdade, direito esse, constitucionalmente consagrado.
DD – No caso concreto, além de se dever optar por uma pena não privativa de liberdade, nos termos do art.º 70.º do CP, no que aos crimes de furto qualificado, furto simples, falsificação de documento, e, burla qualificada concerne, por tais penas não privativas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sempre deverá decidir-se pela aplicação de penas parcelares muito próximas dos mínimos legais aplicáveis a cada um dos tipos, e, consequentemente, em cúmulo jurídico, decidir-se pela aplicação de pena única concreta em medida inferior a 5 (cinco) anos de prisão, que, nos termos do disposto no art.º 50.º do C.P., na sua actual redacção, sempre deverá ser suspensa na sua execução.
EE – Pois que, no caso “sub judice”, além de entendermos que a simples censura e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a verdade é que, também não se afigura de todo aconselhável a sujeição do aqui Recorrente a uma pena de prisão efectiva, na medida em que, tal efectividade de pena, sempre poderá ter um efeito diverso e contrário daquele pretendido pelo legislador – aquando da sujeição de um qualquer indivíduo a uma pena de prisão (cfr. nesta matéria o disposto no douto Aresto do STJ de 01/06/2006, proferido no Proc. 06P1393 – disponível in www.dgsi.pt).
FF – Donde, ao decidir pelo não provimento do recurso apresentado, com a consequente manutenção integral do Acórdão proferido em sede de 1.ª Instância, douto Acórdão ora recorrido violou os art.ºs 30.º n.º 2, 40.º, 50.º, 70.º, 71.º, 77.º, 79.º 202.º, al. a), 203.º, 204.º n.º 1, al) a), 218.º n.º 1, 256.º n.ºs 1, al a), e 3, 262.º, n.º 1, e, 263.º n.º 2, todos do CP, os art.ºs 18.º n.º 2, 27.º, 32.º n.ºs 1, 5 e 8, e, 34.º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.as, sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso:
a) ter-se por verificada a utilização de prova de valoração proibida, no que concerne às intercepções telefónicas, com todas as legais consequências advenientes;
b) se assim não se entender, ser revogado o douto Acórdão proferido em sede de 1.ª Instância e aquele ora recorrido, na parte que decidiu pela condenação do Recorrente pela prática de um crime de contrafacção de moeda, p.p. pelo art.º 262.º n.º 1 do CP, devendo, ao invés, concluir-se pela subsunção da sua conduta à prática do crime p.p. pelo art.º 263.º n.º 2 desse CP;
c) bem como, serem os mesmos Acórdãos revogados na parte que decidiram pela condenação do Recorrente pela prática de quatro crimes de furto (3+1) e de quatro crimes de falsificação de documento, concluindo-se, ao invés, pela subsunção da sua conduta à prática de um crime de furto qualificação de documento também na forma continuada, nos termos do disposto no art.º 30.º n.º 2 do CP, com a consequente punição a ter lugar nos termos do procedimento no art.º 79.º do mesmo diploma;
d) e, sem prescindir, caso não procedam os pontos supra, decidir-se por uma aplicação de penas muito próximas dos mínimos legais, e, consequentemente, decidir-se pela aplicação de uma pena única concreta em medida inferior a 5 (cinco) anos de prisão, que, nos termos do disposto no art.º 50.º do C.P., na sua actual redacção, sempre deverá ser suspensa na sua execução.»

Logo objecta o Ministério Público, na 2.ª instância, a respeito do âmbito do conhecimento do recurso, pelo STJ, na particular consideração de que, face à lei processual penal anterior a 15/09/2007, em tais termos invocada por alusão à data da decisão do tribunal colectivo de Santa Dão (15/04) e tendo em conta a moldura legal abstracta do crime de contrafacção de moeda, “...em qualquer caso superior a 8 anos no seu máximo...”, que, nessas circunstâncias, “...sempre seria admissível recurso para o STJ...”; já não, todavia, relativamente aos demais crimes e correspondentes penas parcelares, dado que, inteiramente confirmadas na Relação ___ compreendidas, de resto, em molduras penais cujo limite máximo não ascendia (nem ascende) àquele referencial, já objecto, enfim, de “dupla conforme” ___, a tais parcelares (menores) se não deveria estender o conhecimento de um segundo tribunal de recurso, restando ao STJ, pois, a apreciação do recurso enquanto incidente, tão só, sobre a pena parcelar aplicada ao crime de contrafacção de moeda e, bem assim, sobre a pena única.
A seguir, afirma ainda que seria de rejeitar, por outro lado, no seu todo, aliás, o conhecimento do recurso para o STJ, pois que o recorrente se terá limitado a reeditar toda a argumentação já expendida no recurso antes interposto para a Relação e “...à qual aí se deu a necessária resposta”.
De todo o modo, prevenindo a hipótese de assim se não entender, sublinha que as intercepções telefónicas efectuadas, “...porque devidamente autorizadas judicialmente, constituíram verdadeiros conhecimentos de investigação, e não meros conhecimentos fortuitos e, como tal plenamente valorados, sendo certo que, sendo o crime de contrafacção de moeda um dos crimes de catálogo previstos no art.º 187.º do CPP, sempre seriam válidas mesmo que de conhecimentos fortuitos se tratasse...”; concluindo com a declaração de se mostrar “...cor-rectamente enquadrada a conduta do arguido, no crime de contrafacção de moeda previsto no art.º 262.º n.º 1 do CP...” e de que “...as penas parcelares e a pena única de 7 anos e 4 meses de prisão...” estarão “...correctamente doseadas e, a merecerem algum reparo, seria pela sua brandura”.

Também no STJ, partindo o Ex.mo Procurador Geral Adjunto da observação que “...o acórdão da 1.ª instância é anterior à lei n.º 48/2007...” e de que “...os crimes por que o arguido foi condenado, com excepção do de contrafacção de moeda do art.º 262.º n.º 1 do Cód. Penal, são puníveis com pena de prisão inferior a 8 anos de prisão...”, emite parecer no sentido de que “...o recurso fica(rá) limitado ao crime de confracção de moeda e pena conjunta, considerando-se as penas relativas aos restantes crimes ( e questões com eles conexionadas) definitivamente resolvidas e fixadas...”, acentuando, de resto, que no domínio da Lei n.º 48/2007, o recurso não seria sequer admissível, no seu todo, “...ante a dupla conforme condenatória e pena inferior a 8 anos de prisão ___ art.º 400.º n.º 1, al. f)”.
Manifesta, depois, “...inteira concordância com a apreciação efectuada pelo tribunal recorrido, dizendo, a final, “...nenhuma censura merecer a pena fixada por este crime de contrafacção de moeda (4 anos e 2 meses de prisão)...”, admitindo, embora, “...que a pena única (7 anos e 4 meses de prisão) possa ser reduzida para limite não inferior a 6 anos e 6 meses...”, no sentido do que anota “...por um lado, que os demais crimes praticados são essencialmente contra o património e que a agravação relativamente ao limite mínimo é superior a metade da soma material das restantes penas e, por outro, que a única condenação anterior à prática dos factos em apreço foi numa pena de multa por concorrência desleal e contrafacção de moeda”.

Importa reconhecer, antes de mais, que se impõe, no caso ___ em que a decisão de 1.ª instância, já inteiramente confirmada na Relação, foi proferida no domínio dos regimes penal e processual penal anteriores à Reforma de 2007 ___ uma extensa limitação do conhecimento do objecto do recurso, tal como vem proposto: por um lado, porque a nenhum dos crimes (salvo quanto ao de contrafacção de moeda) pelos quais foi o recorrente condenado ___ nem mesmo aos de furto qualificado ou de burla qualificada, nos termos dos art.ºs 204.º n.º 1, alínea a) e 218.º n.º 1 do CP ___correspondia, já no anterior regime, moldura penal abstracta de limite superior a 5 (cinco) anos de prisão, verificando-se, logo aí, atenta a coetânea redacção da alínea f) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP, “dupla conforme”; por outro lado, porque, mantidas pela Lei n.º 59/2007, de 04/09, todas essas referenciadas molduras penais, bem assim, aliás, a da contrafacção de moeda, sempre seria de ponderar que a situação processual do arguido se degradaria __cfr. art.º 5.º n.º 2, alínea a) do CPP vigente ___ na hipótese de aplicação imediata da lei processual penal nova, Lei n.º 48/2007, de 28/08, pelo efeito da própria irrecorribilidade relativa, agora, não só, à pena parcelar de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão, assim concretamente aplicada, como até à pena conjunta, inferior que é ao ali estabelecido patamar de 8 (oito) anos de prisão.

Em consequência, rejeitar-se-á o recurso, porque inadmissível, logo à luz do anterior CPP e sua citada disposição, no concernente às penas parcelares aplicadas aos crimes de furto simples, furto qualificado, falsificação de documento e burla qualificada, devendo ter-se, pois, tais parcelares como “...definitivamente resolvidas e fixadas.”

Reflectindo, agora, sobre a isolada pena parcelar de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão, relativa, já se viu, ao crime de contrafacção de moeda do art.º 262.º n.º 1 do CP, reconhecer-se-á, numa inicial abordagem, cuidando, agora, em especial, da reserva que o recorrente autonomizou sob a designação “ Da valoração das intercepções telefónicas”, que foi já entendimento do TC, embora sempre polémico, o de que o segmento da norma do nº 3 do art.º 188.º do CPP, considerada a redacção anterior à actualmente vigente, no qual se estabelecia a destruição dos elementos ditos não relevantes, padecia de inconstitucionalidade, quando interpretada no sentido de que o arguido não teria que deles tomar conhecimento prévio e sem que lhe fosse facultado pronunciar-se sobre a sua pertinência e eventual interesse, em vista de uma melhor defesa. Esse foi, sim, o posicionamento adoptado, entre outros, nos nomeados Ac.s nºs 660/2006, de 28/11/2006, Proc. nº 729/2006, e 450/2007, de 18/09/2007, Proc. n.º 452/2007.

Mas, como singular e categoricamente se decidiu no Ac. do T.C. n.º 204/2008, de 02/04/2008, Proc. n.º 974/07-3.ª Secção, Relat. Carlos Fernandes Cadilha, um dos menos extensos de sempre, de entre aqueles em que se tomou sobre o mesmo tema posição de cunho substancial, «…Posteriormente, o Tribunal Constitucional, em Plenário, através do Acórdão n.º 70/2008, de 31 de Janeiro (…), do mesmo relator, inflectiu esta orientação, decidindo não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º n.º 3, do Código de Processo Penal, na relação anterior à norma do artigo 188.º n.º 3, do Código de Processo Penal, na relação anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através dele tenha tomado conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa…», logo se concluindo tal apreciação com este outro curtíssimo período, como que se devendo ter por líquida a adoptada solução: “Em aplicação deste entendimento, é de negar provimento ao recurso”, dessa forma se confirmando o juízo de não inconstitucionalidade constante da decisão impugnada, então sob apreço, a qual julgara improcedente, precisamente, a arguição de nulidade de intercepções telefónicas realizadas no curso processual respectivo, suscitando a inconstitucionalidade daquela mesma norma.
Questão, por isso, que deve considerar-se ultrapassada, apesar da soberba argumentação em contrário constante dos dois votos de vencido subscritos, no domínio daquela decisão plenária, pelos Conselheiros Mário José Araújo Torres e Rui Manuel Moura Ramos.
Questão que assim mesmo se aprecia, de novo, no STJ, validando-se a decisão recorrida e dessa forma se acautelando a configurável imputação de vício omissivo deste tribunal superior, fundado, pretensamente, em violação do preceito previsional extraordinário do n.º 3 do art.º 410.º do CPP, sob o pretexto de que, mesmo oficiosamente, considerada a particular gravidade do vício, deveria ter-se conhecido e declarado a divisada inconstitucionalidade…, afinal, como se disse, inexistente, porque inverificada a invocada nulidade ao nível da decidida destruição de registos.

Igualmente se reconhecerá, a respeito, agora, da reserva intitulada “Das intercepções telefónicas como mera notícia do crime”, que tais intercepções, materializadas nos correspondentes suportes técnicos e relatos de transcrição, serviram, é verdade, ao nível da ponderação probatória, do mesmo modo que relativamente a diversos outros, como factor assaz relevante para a condenação do arguido AA, pela prática do referido crime de contrafacção de moeda. Isso mesmo se colhe, logo, do trecho específico da decisão proferida na 1.ª instância, quanto à aí denominada “actividade de fabrico de moeda falsa”, por parte, entre os demais co-arguidos, do actual recorrente:

«Estribou-se o Tribunal na conjugação dos elementos probatórios que se colhem, desde logo, dos autos de apreensão de fls. 369 e 620 e de contagem de fls. 629 que elencam toda a maquinaria e demais objectos encontrados e apreendidos na Quinta do ..., sita na …., Santa Comba Dão, propriedade do arguido AA e do seu irmão CC, aquando da busca aí realizada no dia 06/12/2000 por agentes da Polícia Judiciária, objectos esses retractados nas fotografias juntas a fls. 371-375 e nas demais (fotos) juntas aos autos, sobejamente elucidativas da actividade de fabrico de moedas metálicas que ali estava em curso e que no momento estava a ser desenvolvida pelo arguido FF que veio a ser detido na sequência dessa busca.
Tais elementos probatórios permitem, desde logo, estabelecer o envolvimento de tais arguidos AA e FF nessa actividade, o primeiro, por ser dono do local onde tal actividade estava a ser desenvolvida, visto que não existem quaisquer suspeitas de que a referida actividade ali decorresse sem o seu conhecimento, bem pelo contrário, pelas razões que a seguir se aduzirão, e, o segundo, por se encontrar em plena laboração de fabrico das moedas metálicas de 500 pesetas que vieram a ser encontradas, algumas já completamente elaboradas e outras ainda em fase de elaboração, utilizando para o efeito a maquinaria, ferramentas e demais objectos ali existentes, todos eles com aptidão bastante para o efeito, conforme decorre dos autos de exame de fls. 711-713, moedas essas, as quais, de acordo com o teor do exame junto a fls. 2390-2409, se revelaram falsas, conforme resulta da factualidade provada.
Da mesma forma, também os elementos que se colhem do auto de apreensão de fls. 409v., enunciativo de todas as máquinas e objectos apreendidos nas oficinas da SOS IP3 exploradas pelos arguidos AA e EE, máquinas e objectos, em relação aos quais também não existem razões para pensar que ali foram colocados sem o conhecimento e consentimento destes, bem pelo contrário, conforme se extrai de outros elementos de prova a que faremos referência, permitem, assim, a ligação de tais arguidos – AA e EE – ao fabrico de moeda falsa que ali estava em curso, vista a idoneidade das máquinas ali existentes para o efeito (as quais, como resulta do referido auto, até se encontravam ligadas à corrente eléctrica) e o produto acabado (moedas de 500 pesetas, de 25 centavos brasileiros e de 1 real brasileiro), as quais vieram a ser apreendidas, assim como os demais objectos na sequência da busca também ali realizada no mesmo dia 06/12/2000 por agentes da Polícia Judiciária e posteriormente examinadas nos termos que constam dos autos de fls. 714-715, salientando-se destes, ainda, o envelope timbrado de CATIM contendo relatórios de ensaio e facturas (fls. 76-79 Apenso 20), nas quais figura como requisitante e cliente, respectivamente, a sociedade A... C... M..., Ld.ª – da qual são sócios a já mencionada sociedade P... S..., Ld.ª, sendo desta sócios os filhos menores do arguido AA e do irmão deste, FFF – e também este, relatórios de ensaio e facturas essas relacionados com a análise da composição química da liga metálica, assim como os que constam de fls. 1456-1469 dos autos e de fls. 24-29 do Apenso 23, Pasta 24-29, conforme explicou a testemunha GGG, engenheira que à data dos factos exercia funções no mencionado CATIM e que esclareceu que tais ensaios e respectivos relatórios respeitam a materiais raros, com particularidades específicas, e nos quais figuram como contactos o número de telefone sob escuta dos autos pertencente ao arguido DD, o nome deste e ainda o nome de II, que, pela conjugação com outros elementos probatórios carreados para os autos, se conclui indubitavelmente tratar-se do também arguido nos autos, II, que, tal como o arguido DD, esteve directamente envolvido nos contactos comerciais que culminaram com a aquisição de liga metálica e outros materiais e máquinas utilizados na actividade de fabrico de moeda falsa em causa nos autos.»
(…)
«Enveredando, agora, pelo exame crítico das transcrições das intercepções telefónicas que constam dos autos, como elemento de prova também ele constante destes que nos merecem total credibilidade, não só pela observância das formalidades legais de que se revestiram as intercepções telefónicas donde emergem as conversações transcritas nos autos, como pela confiança que também nos oferecem as testemunhas agentes da Polícia Judiciária que procederam a tais transcrições, os inspectores HHH e III, extrai-se delas que os arguidos DD, HH, GG, JJJ, AA, EE e o mencionado II contribuíram de forma essencial para o fabrico da moeda falsa nos termos descritos na factualidade provada….»
(…)
«Os arguidos AA e EE, assumem papel de relevo na mencionada actividade a partir do momento em que esta se transfere para as mencionadas Quinta do ..., em Santa Comba Dão, e instalações da firma SOS IP3, combinando com o mencionado II a vinda das máquinas da Maia para estes locais, cujo transporte é feito pelo reboque daquele SOS IP3, conduzido pelo arguido EE, e, uma vez instaladas aqui as mesmas, resolviam situações relacionadas com o desenrolar do funcionamento das máquinas, problemas de electricidade, transporte do arguido JJJ do restaurante onde este comia para a referida Quinta onde o mesmo veio a ser detido em plena laboração e vice-versa, e aí fazendo aqueles dois arguidos serões.
Saliente-se, ainda, que o referido transporte foi acompanhado à distância pelo inspector da Polícia Judiciária, a testemunha KKK, que corrobora aquilo que de forma límpida resulta no sentido apontado de tais transcrições.
Estribam tal entendimento, lidas no contexto em que se inserem e enquadradas com as datas das sessões a que respeitam e conjugadas com os demais elementos de prova já aludidas, com maior pormenor, as passagens das seguintes transcrições; Apenso 1, sessão 4934, pág. 37, sessões 9195, 9255, 9267, 9268, 9441, 9453, 9468, 9469, 9470, 9473, 9475, 9550, pág. 58-60, sessão 9688, pág. 63, sessão 9742, pág. 64, sessão 9924, pág. 66 e sessão 10555, pág. 70, Apenso 10 pág. 30, 33-34 e 36, Apenso 11, pág. 2-6, 8-10, 13-15, 17-18, 20-24, 30, Apenso 16, pág. 1-12, 16-18, 23, 28, 31-32, 42, Apenso 18 pág. 2-4, 6, 9, 11-14, 15-17, 21-25, 27, 28-30, 32, e Apenso 24 fls. 2-4, 9, 13-14, 16, 19 e 21-26»
(…)
«…O referido CC é irmão do arguido AA e por referências feitas nas aludidas transcrições a esse parentesco entre ambos, não resulta qualquer dúvida de que pelo menos para aquele CC o arguido DD enviou uma prensa hidráulica adquirida em Portugal à N... e 11,469 Kg de aço adquirido à sociedade A..., pois que, da articulação de várias conversações gravadas entre o arguido AA e o mencionados II e DD e entre estes, dos documentos juntos a fls. 1451-1455 dos autos, a fls. 14-20 do Apenso 23 Pasta 2 e dos depoimentos das testemunhas já mencionadas LLL e MMM, tais factos extraem-se com a absoluta certeza jurídica que se impõe.
Com efeito, tal resulta das seguintes passagens das transcrições das conversações telefónicas gravadas: Apenso 1, sessão 2211, pág. 53, sessão 10264, pág. 67, Apenso 18 pág. 4, 15, 17, 19-20, 22, 24, 33 (o CC fala expressamente em moedas brasileiras), Apenso 24 pág. 5-6, 8-9, 12, 14, Apenso 13 pág. 6-7, 9, 11, 16, 18, 23, 30, as quais não deixam quaisquer dúvidas sobre a identidade do mencionado CC como sendo a pessoa para quem no Brasil o arguido DD enviou, pelo menos, uma prensa hidráulica por si adquirida mesmo à N... e 11,469 Kg de aço adquiridos à sociedade A... (pois que, embora em tais transcrições aquele CC aluda apenas à prensa da N..., a verdade é que de acordo com os documentos da empresa transportadora - T... S... e o depoimento do condutor que efectuou esse transporte para o porto de Leixões – esse transporte incluíu a dita prensa, (que o dito condutor disse ter sido carregada na N...) e também rolos de aço (que o mesmo referiu terem sido carregados na A...), e que tudo isto foi colocado no mesmo contentor que transportou para o Porto de Leixões, e dessa forma tudo foi exportado para o Brasil, conforme se colhe dos doc. junto a fls. 14-25 do Apenso 23 Pasta 2.»

Sucede, na verdade, que as intercepções telefónicas assentaram, muito claramente, em propostas absolutamente explícitas ___ nomeadamente quanto ao alvo principal, o aqui recorrente AA, e, entre diversos outros crimes, como o de furto qualificado, também quanto ao “…crime de contrafacção de moeda p.p. pelo art.º 262.º n.º 1 do Cód. Penal…” ___ formuladas a fls. 14, 31 e 72/74, pela PJ, e 48 e 75, pelo Ministério Público, determinadas judicialmente, depois, a fls. 54/68 e 77/78, em 10/07/2000 e 15/07/2000, respectivamente.

Mas nem sequer se trata, neste particular caso de intercepções telefónicas, de um contributo probatório solitário ou de menor relevância, à margem de quaisquer outros de singular expressão comprometedora: conjuga-se, ele, ao contrário, sempre muito avisadamente sopesadas as regras da experiência comum, com diversos outros elementos, de natureza documental, pericial e testemunhal, particularmente incisivos, considerada, desde logo, no que à incriminação do recorrente interessa, a titularidade dominial do prédio sito na Quinta do ..., onde foram identificados, mediante busca, os instrumentos e maquinaria imprescindíveis e concretamente utilizados no fabrico (que então decorria) de grande parte das referenciadas moedas metálicas; considerada, a seguir, a circunstância da concorrente apreensão da máquina de electroerosão, ocorrida na oficina de reparação de viaturas, no IP3, ao tempo explorada pelo recorrente e pelo co-arguido EE, onde também acabara de ser retomado o fabrico em causa; sendo de destacar, ainda, a especial ligação do recorrente à idealização e preparação do crime, reveladora de pleno conhecimento dos factos provados e de interesse pessoal relevante na sua execução, agindo encoberto, embora, pela via da interposição de uma sociedade comercial por ele próprio, afinal, gerida ou co-gerida, (dada a detenção meramente formal da mesma, por parte, entre outros familiares, de filhos menores do próprio recorrente), sociedade essa que, conforme veio a apurar-se, procedera à requisição dos ensaios técnicos e análises espectrométricas de emissão óptica que teriam de anteceder, para que o fabrico lograsse obter êxito, a definição da própria composição química das ligas metálicas….

E não se vê pertinência na censura operada sobre a valoração das intercepções telefónicas: não só o crime em causa se encontrava já explicitamente enunciado como crime de catálogo, na alínea f) do art.º 187.º do CPP, atenta a sua redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 28/08 ___ aí se referenciando, nomeadamente a “…falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista no(s) artigo(s) 262.º (…) do Código Penal…” ___ como se tratou, repete-se, no caso, segundo se colhe de fls. 23 a 78 dos autos, na sequência de decisões judiciais de 10/07/2000 e de 15/07/2000, de típico “…conhecimento de investigação…”, suportado por ordens legítimas de escuta, direccionada, nomeadamente, ao crime de contrafacção de moeda, não apenas assente, pois, em mero “conhecimento fortuito”, cuja cognoscibilidade, por isso, como se ajuizou nos Ac.s do STJ de 23/10/2002 (Rec. n.º 2133/02, Relat. Leal Henriques), e de 04/05/2006 (Rec. n.º 4406/05, Relat. Alberto Sobrinho), in Colect. Jur. STJ, X, III, 212 e XIV, II, 175, respectivamente __ citados, aliás, por Paulo Pinto Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2007, 506v., a respeito do que considera, aí, ser bem simples a regra a adoptar quanto ao aproveitamento extraprocessual dos conhecimentos fortuitos obtidos através de escutas telefónicas: “Só pode ser aproveitado para outro processo já instaurado ou a instaurar, o conhecimento fortuito obtidos através de escutas telefónica que se destine a fazer prova de um crime do catálogo legal no outro processo e em relação a pessoa que possa ser incluída no catálogo legal de alvos (…)” __ não deve ser questionada.
Vai-se, aí, na linha do que Costa Andrade já sustentara in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, 1992, 307/312, aludindo, de início, aos contributos concorrentes da doutrina e da jurisprudência germânica, maxime do BGH alemão, em ordem à estabilização do regime processual dos conhecimentos fortuitos, com fundamento na regra da sua admissibilidade “…se e na medida em que os factos conhecidos no âmbito de uma escuta telefónica (…) estão em conexão com a suspeita de um crime de catálogo…”, no sentido do preceito conformador; prosseguindo com a revelação da respectiva advertência de que “…o princípio da proporcionalidade decorrente da ideia de Estado de Direito só permite a compressão das posições correspondentes aos direitos fundamentais na medida do que é absolutamente necessário para a protecção de bens jurídicos reconhecidos pela Constituição…”, pelo que não poderá surpreender a proibição, sim, da “…valoração do material que vem à rede numa escuta telefónica legalmente realizada, mas que não é significativo (ou deixa de o ser) para o fim de protecção da ordenação democrática e livre”; defendendo, por outro lado, a valoração dos conhecimentos fortuitos na passagem em que fez constar “…mais consistente a posição dos autores que, a par do crime de catálogo fazem intervir exigências complementares tendentes a reproduzir aquele estado de necessidade investigatório que o legislador terá arquetipamente representado como fundamento da legitimação (excepcional) das escutas telefónicas”. Na linha, também, do entendimento de Manuel Monteiro Guedes Valente, in “Escutas Telefónicas – Da Excepcionalidade à Vulgaridade”, 2004, 79 79 e seg.ts, onde se sustenta acompanhar Costa Andrade, no sentido, pois, de que serão de valorar os conhecimentos fortuitos obtidos por escuta telefónica lícita que se destinem ao esclarecimento de um dos crimes do catálogo” do art.º 187.º do CPP, quer o sujeito desses factos seja arguido do processo em cuja vigilância telefónica se opera, quer seja um terceiro (intermediário) ___ desde que tenha participado nas comunicações e conversações ___ , que se mostrem indispensáveis e necessários a esse esclarecimento e que, face a um juízo de hipotética repetição de intromissão ___ estado de necessidade investigatório ___, se verifique uma probabilidade qualificada de que naquele processo autónomo se recorreria à escuta telefónica por se mostrar indispensável para a descoberta da verdade ou de que seria impossível ou muito difícil, de outra forma, obter a prova e que os conhecimentos tenham sido comunicados imediatamente, ao MP e deste, imediatamente ao juiz que autorizou a diligência processual.
Aqui se justificará, pois, pela mesma razão já enunciada a respeito da análise da antecedente reserva, e novamente por mera cautela e por referência ao citado n.º 3 do art.º 410.º do CPP, que se consigne repúdio frontal de conhecimento de nulidade de qualquer espécie, em sede de captação e registo de escutas telefónicas.
Também se não afigura equívoco o operado “Enquadramento jurídico dos factos tidos como provados”.
Sagazmente observa o Exmo Procurador Geral Adjunto, no Supremo Tribunal de Justiça, que nenhuma razão assiste ao recorrente, considerada a sua pretensão de se dever subsumir o fabrico das moedas ao teor do art.º 263.º n.º2 do CP, a tanto objectando que já a Relação “…apoiada em Almeida Costa, esclarece cabalmente os tipos objectivos dos dois crimes (262.º e 263.º), defendendo, como este autor, que o disposto no art.º 263.º restringe-se à moeda que conste de metal nobre (platina, ouro ou prata) – in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, § 3, 790”.
Isso mesmo se observava, já, aliás, na decisão de 1.ª instância, considerado nomeadamente, o seguinte trecho, alusivo ao exame pericial efectuado às moedas apreendidas, cujo relatório consta de fls. 2389 e segts e do qual se retira que, pelo menos no que concerne à totalidade das de 10 pesetas e de 50 cêntimos, bem assim à maior parte das de 500 pesetas e de 25 centavos brasileiros, as correspondentes pesagens significaram valores pacificamente inferiores aos “nominais” (com este termo se pretendendo referir a determinação do peso das equivalentes moedas “legítimas” ou verdadeiras), sendo, além disso, o valor metálico intrínseco de cada moeda muito inferior ao seu valor facial:

“Com efeito, mesmo resultando do aludido exame que o valor metálico das moedas examinadas é aproximadamente idêntico ao das respectivas moedas verdadeiras e o valor metálico intrínseco de cada moeda é muito inferior ao do seu valor facial, tal não significa que a conduta de tais arguidos possa enquadrar-se, em vez de no citado Art.º 262.º n.º 1 do C.Penal, antes no preceito legal contido no Art. 263.º do C.Penal porque assim não é.
Na verdade, na esteira do entendimento traçado pelo citado autor Almeida Costa, in ob. cit, pag. 790-791, também nós perfilhamos da opinião que o disposto no Art.º 263.º se restringe à moeda que conste de metal nobre (platina, ouro ou prata), que não é o caso da moeda em apreço nos autos, pois que esta respeita a liga cobreada”.

Também assim se orientou a Relação, nesse preciso ponto, conferindo destaque à referida pronúncia do mesmo Autor __ concretamente à passagem em que afirma que “… o conteúdo do art.º 263.º limita o campo de aplicação do art.º 262.º, pois que o n.º1 do art.º 262.º abrange a contrafacção de toda a espécie monetária em curso legal, isto é, quer do papel moeda, quer da moeda metálica, com a única restrição de, tratando-se de moeda de metal nobre (platina, ouro ou prata), só contemplar a hipótese de as peças falsas revestirem um valor inferior ao das legítimas; caso contrário, quando incorporem um valor igual ou superior ao da moeda verdadeira, a situação entra na esfera da previsão do art.º 263.º n.º2”.
Retira-se, de resto, a mesma concepção, a fls. 790 do mesmo estudo, no seio de anotação, já, ao art.º 263.º, aí se referindo, com todo o interesse para a situação que urge apreciar, que “… ao contrário do que indica a sua epígrafe (depreciação do valor de moeda metálica), o presente artigo não se limita a tipificar o delito de depreciação do valor de moeda metálica legítima (n.º1), contemplando, ademais, uma incriminação autónoma da contrafacção da moeda metálica de valor igual ou superior ao da correspondente moeda legítima (n.2)”
Decisiva e concordantemente, anotaram Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, no seu “ Código Penal Anotado e Comentado”, 2008, 608, firmando-se ainda naquele mesmo Autor, que entende ele, “… por motivos óbvios, que este artigo 263.º se restringe à moeda que conste de metal nobre (platina, ouro ou prata)”, acrescentando que “… na verdade, quando se trata de moeda metálica corrente, o diminuto valor da liga de resto, ainda metálica que a incorpora retira todo o alcance prático ao n.º 1 do preceito”. E o mesmo se passa, de resto, ainda segundo aquele mesmo Autor, em relação ao n.º 2, mais uma vez na consideração do aludido «diminuto valor» (idem, 790/791).

Enquadramento jurídico, pois, o efectuado nas instâncias, que importa corroborar.

Quanto à escolha e medida da pena parcelar atinente ao crime de contrafacção de moeda, sufragar-se-ão, também, as considerações expendidas no Acórdão recorrido, parecendo-nos até algo ousada a defesa que o recorrente intenta fazer a partir da alegação, como bem se viu insustentável, de que a sua participação fora “…quase que meramente auxiliar e residual…”, circunscrita, sustenta, “…numa segunda fase, ao disponibilizar de um espaço onde os demais intervenientes pudessem (…) levar a cabo a actividade a que se tinham proposto”. Não foi assim, evidentemente, como bem se deduz do descrito estado das coisas logo por ocasião da encomenda dos imprescindíveis ensaios técnicos relativos à determinação exacta da composição físico-química das ligas metálicas utilizadas para o fabrico das moedas, utilizada que foi, da esquiva forma como o foi, desde esse inicial momento, a denominação social das empresas “A... C... M..., Ldª” e “P... S..., Ldª”, cuja gestão lhe pertencia, tal como a seu irmão CC, tudo assim como se fosse ela as verdadeiras requisitantes e interessadas efectivas de tais procedimentos técnicos preliminares.

Acresce que o recorrente introduz, no domínio formal de apresentação desta concreta reserva, deslocadamente, como que aparentando fazê-lo no pleno saber do descrédito dos antecedentes argumentos, o distinto tema da própria integração do tipo penal em causa, por referência ao conceito de perigo abstracto ou presumido. É que não parece nada concebível a sustentação da ideia de que não fora por ele colocada em causa, com a apurada conduta, a confiança ou a fé pública na moeda, ou que fizera perigar, verdadeiramente, a segurança ou a funcionalidade do tráfego monetário: ao contrário, ter-se-á verificado a consumação do crime logo com a produção das primeiras moedas contrafeitas __ e foram centenas as apreendidas, acabadas, tal o caso das 2.260 de 500 pesetas e das 90 de 25 centavos brasileiros __ , sem que se tenha, sequer, chegado a questionar que se mostrassem elas aptas ou não ___ mas sempre se responderia afirmativamente ___ para conduzir a que a “moeda falsa”, uma vez colocada em circulação, pudesse razoavelmente passar por verdadeira. Neste sentido, observa Paulo Pinto de Albuquerque, muito pertinentemente, in “Comentário do Código Penal”, 2008, 685, que “…O bem protegido pela incriminação (do art.º 262.º) é a intangibilidade do sistema monetário, incluindo a segurança e a credibilidade do tráfego…”, chamando a atenção, aí, para o lato conceito legal de moeda, constante da alínea d) do art.º 255.º do CP, definindo-a como “…o papel moeda, compreendendo as notas de banco, e a moeda metálica, que tenham, esteja legalmente previsto que venham a ter ou tenham tido nos últimos 20 anos curso legal em Portugal ou no estrangeiro” e precisando que o tipo objectivo consiste, numa das suas modalidades, “…na fabricação integral da moeda sem autorização da entidade competente (falsificação total ou contrafacção em sentido estrito…”), compatibilizando-se o tipo subjectivo, por seu turno, com “…qualquer modalidade de dolo”. Relevando, igualmente, com assinalável interesse para o caso, a concepção de o crime em apreço se analisar, na sugestiva expressão de Figueiredo Dias (2007,381) em um “crime de resultado cortado”, no sentido, exactamente, de não ser necessária a verificação do resultado da entrada em circulação da moeda, devendo punir-se logo a prática dos próprios actos preparatórios com a intenção de colocar a moeda falsa em circulação, no nosso país ou em qualquer outro, desde que observada a aludida exigência de duradouro curso legal.

Ora, ponderada a extensa moldura penal do crime do art.º 326.º n.º 1 do CP, de 3 (três) e 12 (doze) anos de prisão, não parece que o ardiloso e intencionalmente oculto modo de actuação do arguido, necessariamente maturado, a envolver avultada prévia aplicação de capitais e colaboração de co-arguidos titulares de conhecimentos técnicos específicos, na área metalomecânica, metalúrgica e físico-quimica, deixe de exprimir, a par de um muito elevado grau de ilicitude dos factos, um intensíssimo dolo, um deliberadíssimo propósito criminoso, logo, uma muito acentuada culpa, sempre votado o agente ao enriquecimento ilícito, no exterior, sem pejo algum de colocar em crise ou perturba gravemente o funcionamento normal do sistema monetário conexo; assim se evidenciando prementes razões de prevenção geral, tendo em conta, dominantemente, o risco económico-financeiro e o pânico social que uma perspectiva criminosa de tal tipo logo gera, em qualquer país; de igual modo se manifestando, ao nível, ainda, da justificação da medida de pena, um intervenção muito séria, em termos de se vir a desenhar um quadro ressocializador vigoroso, algo penoso, inclusive, tanto mais que se trata aqui de agente não jovem, mesmo à data dos factos (então já com 35 anos de idade), sem merecer, por manifesta falência de comprovação, o reconhecimento, como muito valioso, das alegadas condições de vida que diz excepcionalmente atendíveis, qualquer que seja o plano que se considere, social, familiar ou profissional, nada se detectando, de verdade, nessa vasta sede, que o possa fazer integrar, razoavelmente, o núcleo de cidadãos de comportamento geral mediano (não se podendo ignorar, aliás, ou por qualquer forma desvalorizar, a conhecida condenação anterior, referenciada no ponto n.º 111 do transposto elenco factual, não obstante o pagamento, em 2007, que conduziu à extinção da pena aplicada pelo crime de abuso de confiança fiscal, perpetrado em 1994; não sendo desprezível, também, a conhecida circunstância de constar do seu certificado do registo criminal, ainda, como se colhe de fls. 8417, uma condenação na Justiça Francesa, no ano de 2000, pela prática de crime de falsificação documental, em 4 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução; muito menos a mais recente condenação, entre 2007, igualmente no T.J. de Santa Comba Dão, transitada em julgado em 26/06/2009, certificada a fls. 8432 e seg.ts, no processo n.º 166/02.5JACBR, pela prática, em 31 de Maio de 2000, de um crime de receptação, p.p. pelo art.º 231.º n.º 1 do CP, na pena de 2 (dois) anos de prisão, igualmente declarada suspensa na sua execução, por igual período de tempo), oferecendo, enfim, confrontado com uma tal falta de preparação para manter conduta lícita, reduzido valor atenuativo, aquilo que, como a aparente boa inserção familiar actual, ou a declarada vontade de trabalhar honestamente pudesse constituir factor atendível de particular relevo…

Justificar-se-á, por tudo, a manutenção da pena parcelar em foco, de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão, que se afigura, até, como tal conformada com suficiente generosidade, muito mais próxima que se situa do limite mínimo da respectiva moldura que do ponto médio da variação possível correspondente.

Última censura do recorrente: a do estabelecimento, como anotamos, da pena conjunta, muito sumariamente qualificada, também ela, como “…pecando por manifesto exagero…”, colidindo, alegadamente, com os princípios de direito definidos nos art.ºs 70.º, 71.º e 77.º do CP, afrontando o direito à liberdade “…constitucionalmente consagrado…”, nesse sentido se impetrando a fixação de uma “…pena única concreta em medida inferior a 5 (cinco) anos de prisão…”, suspendendo-se a respectiva execução.

Mas não é assim: submetidos os dois referenciais limite de pena única ao condicionamento resultante do teor dos n.ºs 1 e 2 do art.º 77.º do CP ___ no caso concreto tomados os pontos extremos de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão e 17 (dezassete) anos e 7 (sete) meses ___ , verificar-se-á, evidentemente, que foi observado um primeiro basilar ordenamento legal, ao estabelecer-se, logo na 1.ª instância, a (confirmada) pena unitária de 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de prisão; sendo ainda que o ordenamento complementar ___ respeitante propriamente ao domínio adequado da variabilidade, entre aqueles limites, por determinante ponderação especial do conjunto dos factos e da personalidade do agente, no qual parece ter-se radicado uma atitude algo ardilosa no modo de viver ___ se mostra plenamente conforme à prática jurisprudencial que, no STJ, se tem havido por mais esclarecida, que aponta, em tese geral, para a adopção de uma medida equivalente à situada ao nível do 1/3 a 1/4 do intervalo situado entre a pena parcelar mais grave e a soma de todas elas.

A propósito desta derradeira tomada de posição e no tendencial sentido do que se expôs, não nos alhearemos, também, do que recomenda, para o caso, Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, § 521 ___ , ou seja, de que “…na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (…) criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta… “ ___, recomendação que aqui joga em claro desfavor do arguido ___ , tantas foram as suas recaídas e tamanho o seu constante calculismo, durante, pelo menos, cerca de dois anos ___ uma breve resenha da referida orientação:

Falou-se, ali, efectivamente, de uma orientação já bem radicada no STJ, praticamente uniforme.
Exprimindo a orientação que aqui se vem consolidando, diz-se no Ac. de 09/02/06, Rec. n.º 109/06-5.ª, Relat. Pereira Madeira:

“(…)Tendo em conta que nos casos de cúmulo jurídico – art.º 77.º n.º 2 do CP – a pena única tanto pode emergir da acumulação das penas em concurso, como ficar-se pela exasperação de todas elas afinal concentradas na pena correspondente à pena parcelar mais elevada, importa, tanto quanto possível encontrar um critério que subtraia tal delicada operação às contingências indesejáveis do arbítrio, de efeitos tanto mais gravosos quanto maior for o distanciamento das balizas mínima e máxima da pena aplicável, ou seja, quanto maior for a distância entre a maior pena das parcelares e o máximo de 25 anos fixado na lei.
III – Tem o Supremo Tribunal de Justiça lançado mão, para tal efeito, de um factor de compressão das penas parcelares que se adicionam à pena parcelar mais elevada, que, no comum dos casos, mas sempre sem prescindir das circunstâncias do caso concreto, aponta para a redução de 1/3 dessas penas adicionáveis, embora sem prescindir da necessária adequação a outros em que ela juridicamente se justifique”.

No mesmo sentido, entre muitos outros, no de 11/12/2008, Rec. n.º 3632/08, Relat. Simas Santos “:

“ No caso de realização de cúmulo jurídico, como vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça, importa atender à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação, a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico, sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso ocorrerá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares. E nesse contexto tem-se entendido e decidido ser de “agravar” a pena parcelar mais grave numa proporção, adequada ao caso, do remanescente das restantes penas que oscile, em princípio, entre 1/3 e 1/5.”
Solução, de resto, que há muito se vinha manifestando, mormente desde o norteador Ac. de 09/05/2002, Rec. n.º1259/02 – 5.ª, Relat. Carmona da Mota, do qual cumpre extractar:
“A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…) e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes” (CP, art.º 77.2), donde que o somatório das penas “menores” – a menos que a pena única seja fixada no seu máximo – deva sofrer, na sua adição à “maior”, determinada “compressão”; ora, tudo estará em apurar, em cada caso, qual a compressão a imprimir ao somatório das penas menores (já que a pena “maior”, constituindo o limite mínimo da pena única, é, naturalmente, intangível); numa primeira abordagem, haverá – como forma de dar ao juiz um terceiro termo de referência (dentro da enorme latitude conferida pelos outros dois: o limite mínimo e o limite máximo) – que desenhar, entre os extremos, um ponto que fixe, geometricamente, o “encontro” entre essas duas variáveis ; na generalidade dos casos (conciliando a tendência da jurisprudência mais “permissiva” em somar à “maior” 1/4 – ou menos – das demais com a jurisprudência mais “repressiva” que àquela usa adicionar metade – ou mais – das outras), esse ponto de convergência poderá achar-se, somando à pena “maior” 1/3 das “menores”; mas, em segunda linha, será razoável – atento o limite máximo de 25 anos fixado pelo art.º 41.2 e 3 do CP – que esse “factor de compressão” seja tanto maior quanto maior o somatório das penas “menores” , pois que, de outro modo, tenderiam a fixar-se no máximo (ou muito próximo dele) penas únicas decorrentes de penas parcelares de valor consideravelmente diverso (…)”

Assim se julga, pois, inabalada a pena única que vem fixada pelas instâncias, situada ao nível do aludido fraccionamento, na dimensão de 1/4, inserida que se mostra, enfim, plenamente, no exposto critério.


Resulta prejudicada, atento o obstáculo imediatamente resultante do próprio texto legal do art.º 50 n.º1 do CP, versão actual ___ como já resultava, por maioria de razão, da versão anterior___, no ponto em que nele se alude ao marco de 5 anos de prisão, a possibilidade de vir a ponderar-se a almejada suspensão da execução da pena.


Acordamos, pois, face a tudo quanto vem exposto, em julgar o recurso totalmente improcedente.

Custas pelo recorrente, com fixação da taxa de justiça em 8 (oito) UC.

Lisboa, 18 de Março de 2010
Soares Ramos (Relator)
Isabel Pais Martins