I - No caso concreto é patente ao longo de todo o processo e mormente a partir da acusação, uma confusão propiciada pela junção e incorporação de processos com estádios de tramitação diferentes, em dois dos quais havia sido tomado termo de identidade e residência, e a que não é alheia alguma falta de rigor, e daí alguma confusão, pois existem dois termos de identidade e residência com duas residências diferentes.
II - Tem-se como assente que o arguido foi julgado na ausência, nos termos do art. 333.º, n.º 2, do CPP, cujo figurino se entendeu como preenchido, como resulta das actas da audiência de discussão e julgamento.
III -Como flui do preâmbulo do DL 320-C/2000, de 15-12, o legislador pretendeu acabar com a total desresponsabilização do arguido em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento, daí que permita o julgamento na ausência, desde que sujeito a termo de identidade e residência, nos termos do art. 196.º do CPP.
IV -No caso em apreciação, porém, as ausências do arguido às audiências de julgamento e leitura do acórdão não são derivadas da vontade do próprio arguido, que não prescindiu de estar presente, desconhecendo a realização do julgamento.
V - O termo de identidade e residência que o arguido prestou em 29-03-2006 fez caducar o de 29-11-2005, sendo que para além disso houve uma comunicação ao processo onde o primeiro termo fora prestado, no sentido de mudança de residência, justamente para a constante do segundo.
VI -Estando o arguido sujeito às obrigações específicas decorrentes da aplicação dessa medida de coacção, designadamente a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar, ao tribunal, a nova ou o lugar onde pudesse ser encontrado, como resulta do art. 196.º, n.º 1, do CPP, o arguido por duas vezes efectuou essa comunicação.
VII - O arguido indicou depois, já em Maio de 2007, uma nova morada e nem tudo foi feito no sentido de notificar o arguido de forma correcta. O arguido não abdicou de um direito, do direito de estar presente e defender-se de viva voz, não incumpriu o dever de comparecer, antes o processo se desenrolou à sua inteira revelia.
VIII - O arguido foi julgado na ausência porque se partiu do pressuposto errado de que estava regularmente notificado, dando-se início à audiência sem a sua presença, fora dos pressupostos do arts. 32.º, n.º 6, da CRP, e 333.º e 334º do CPP.
IX -A verdade é que o arguido não chegou a ser verdadeiramente notificado da realização do julgamento, uma vez que todas as notificações para as várias sessões de julgamento foram dirigidas para uma morada que não correspondia à nova morada e que entretanto tinha sido indicada. E apenas para a caduca foram remetidas ao arguido, por via postal simples, com prova de depósito, para a morada da residência constante do termo de identidade e residência.
X - O tribunal não acautelou, como devia, à luz da informação do processo, que deveria ter sido tida em consideração, o direito de defesa do arguido, prosseguindo com a audiência de julgamento sem a sua presença. Como não chegou a tomar conhecimento dos despachos que designaram as várias sessões do julgamento, o arguido não compareceu, sendo que tal situação não resultou da sua inércia ou desresponsabilização, mas antes da omissão de acto processual da notificação na morada por ele indicada.
XI -Ao não ser notificado de forma regular, não podia o arguido ter sido julgado na ausência, nos termos dos arts. 333.º, n.º 1, 113.º, n.º 1, al. c), 196.º, n.ºs 2 e 3, als. c) e d), do CPP, por preterida a devida notificação obrigatória.
XII - A não presença do arguido ao julgamento por causa que lhe não é de todo imputável, gera nulidade insanável, havendo que suprir as omissões verificadas – art. 119.º, al. c), reportada aos arts. 332.º, n.º 1, e 122.º do CPP.
Realizado o julgamento na ausência do arguido, que não esteve presente em nenhuma das sessões de julgamento, nem na de leitura, por acórdão do Colectivo daquela Vara, datado de 18 de Dezembro de 2008 e depositado em 22 de Dezembro de 2008, constante de fls. 914 a 944, foi deliberado condenar o arguido, como autor material, e em concurso real, dos seguintes crimes:
1. Cinco crimes de furto simples, p. p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de 10 meses de prisão por cada um;
2. Cinco crimes de violação de correspondência, p. p pelo artigo 194.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de 4 meses de prisão por cada um;
3. Cinco crimes de falsificação de documentos, p. p pelo artigo 256.º n.º 1, alínea c) e n.º 3, do Código Penal, nas penas de 15 meses de prisão por cada um;
4. Cinco crimes de burla qualificada, p. p pelos artigos 217.º n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, nas penas de 2 anos e 3 meses de prisão, por cada um.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
Mais foi deliberado:
1. Julgar procedente o pedido cível deduzido pela Unicre e condenar o arguido a pagar 3.890,21 €;
2. Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido pela demandante BB, condenando o arguido a pagar a quantia de 26. 024,45 €, a título de danos patrimoniais e morais.
Vindo a ser notificado pessoalmente em Sesimbra, por sugestão da demandante cível BB (fls. 986, 987 e 988), em 2 de Setembro de 2009 (fls. 1030 verso), interpôs o arguido recurso em 22-09-2009, conforme fls. 995, apresentando a motivação de fls. 996 a 1000 e 1003 a 1007 e em original de fls. 1009 a 1013, que rematou com as seguintes conclusões:
1 - O arguido tem direito a estar presente e a ser ouvido em todos os actos que lhe digam respeito e directamente o afectem - artigo 61.° do Cód. Proc. Pen.
2 - Tendo o arguido prestado Termo de Identidade e Residência, todas as notificações que obrigatoriamente teriam de lhe ser feitas teriam de o ser para a morada constante do TIR - artigo 196.° do Cód. Proc. Pen..
3 - Ou, para a nova morada que depois do TIR informou no processo.
4 - Assim, a notificação ao arguido do Despacho que designou data para julgamento, deveria ter sido enviada ou para a morada constante do TIR ou para a morada que aquele posteriormente tinha informado o processo.
5 - Não tendo aquela notificação sido enviada para nenhuma destas moradas, verifica-se a inexistência de notificação obrigatória.
6 - O que determinou a ausência do arguido em julgamento.
7 - Tal ausência porque devida a uma falha ou omissão de acto processual essencial (notificação), gera uma nulidade insanável, que tem como consequência a anulação de todos os actos posteriores - artigos 119.° e 122.° do Cód. Proc. Pen..
8 - Assim, é nulo o despacho que designou data para julgamento e todos os actos posteriores a este.
9 - Pelo que, conhecida a invocada nulidade, deverão ser anulados todos os actos posteriores ao despacho que designou data para julgamento, ordenando-se a repetição do mesmo.
O Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou a resposta de fls. 1032 a 1045, rematando-a com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão condenatório proferido nos autos.
2. O recurso é tempestivo, por ter sido interposto no prazo legal – artigos 441º, nº 1 e 333º, nº 5 do CPP.
3. Ao contrário do que lhe era devido, o recorrente não fez menção das indicações exigidas pelo nº 2 do artigo 412º do CPP, desde logo, a indicação das normas jurídicas violadas, havendo assim lugar ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões apresentadas, sob pena de rejeição do recurso (artigo 417º, nº 3 do CPP).
4. Não obstante, da leitura das conclusões de recurso é possível deduzir a questão que o recorrente pretende ver debatida e que delimita o objecto do recurso, é a seguinte: a declaração de nulidade de todo o posteriormente processado ao despacho de marcação de julgamento, uma vez que o arguido/recorrente não foi notificado do mesmo despacho, tendo sido julgado na ausência (4ª e 6ª).
5. Resulta dos elementos dos autos que o arguido foi julgado na ausência, por o Tribunal a quo ter considerado que o mesmo estava regularmente notificado (fls. 801, 817, 839, e 897).
6. O nº 1 do artigo 333º do CPP permite a realização da audiência na ausência do arguido, desde que o arguido tenha sido regularmente notificado.
7. Esta norma tem de ser conjugada com os artigos 196º, nº 3 al. c), 313º, nº 5, parte final e 113º, nº 1 al. c) do CPP, nos termos dos quais, com a constituição de Termo de Identidade e Residência, as posteriores notificações do arguido, nomeadamente a do despacho que designa data de audiência, são feitas por via postal simples, com prova de depósito para a morada por ele indicada, excepto se este comunicar ao tribunal uma outra.
8. Só nesta hipótese, o julgamento na ausência, estando o arguido representado por defensor oficioso, assegura as garantias de defesa daquele.
9. Todavia, no presente caso, o arguido/recorrente não chegou a ser notificado da realização daquele julgamento, uma vez que todas as notificações foram realizadas na morada Rua ............, nº.... esq. Mafra (fls. 722), a qual não correspondia à nova morada que entretanto tinha indicado ao processo (fls. 253, 540, 550, 764 e fls. 801, 817, 839, e 897).
10. No presente caso, não obstante o arguido ter cumprido com as obrigações que decorriam do TIR que prestou (a de comunicar a alteração de morada), as sequentes notificações não foram remetidas para a nova morada.
11. Consequentemente, o arguido/recorrente não foi regularmente notificado daquelas datas (vide Acórdão do STJ de 04/10/2006), não compareceu às sessões de julgamento e não teve a possibilidade de se defender no decurso da audiência, de exercer o seu direito ao contraditório – direito fundamental que lhe assiste.
12. Desta feita, o arguido foi julgado na ausência, fora do circunstancialismo excepcional do nº 1 do artigo 333º, verificando-se violado o disposto nos artigos 333º, nº 1, 313º, nº 5 e 113º, nº 1 c) e 196º, nº 2 als. c) e d) do CPP.
13. O que constitui uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119º, nº 1 al. c) uma vez que a presença do arguido em audiência é, por regra, obrigatória – artigo 332º, nº1 do CPP (no mesmo sentido, Acórdão da Relação do Porto de 02/05/2007, proc. nº 0612305, in www.dgsi.pt ) – e constitui uma garantia objectiva da efectivação do princípio do contraditório (artigo 32º, nº5 da CRP).
14. Pelo que, deverá conceder-se razão ao arguido/recorrente, devendo o julgamento ser anulado e repetido, nos termos e para os efeitos do artigo 122º do CPP.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 1048.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer, de fls. 1057 a 1061, dizendo quanto ao mérito afigurar-se-lhe assistir no essencial razão ao recorrente, à semelhança do considerado pela Senhora Procuradora da República na resposta formulada, que acompanha, quer quanto à posição assumida, quer quanto à linha de argumentação usada.
Refere desnecessidade de despacho de aperfeiçoamento das conclusões e quanto à arguida nulidade, não tendo o arguido sido notificado da data designada para a realização do julgamento e dos despachos que designaram as várias sessões do julgamento, e que por causa não imputável à sua pessoa não compareceu no mesmo, não podia ter sido julgado na sua ausência.
Defende o provimento do recurso, devendo o julgamento e actos posteriores ao mesmo ser anulado e ordenada a repetição da audiência de julgamento.
Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - fls. 1062/3 - o recorrente silenciou.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o horizonte cognitivo do tribunal superior.
Como resulta das conclusões extraídas pelo recorrente, a única questão suscitada e a apreciar é a da nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, por violação do artigo 332.º, n.º 1, do mesmo Código, com a consequente repetição do julgamento.
Antes de avançarmos, vejamos a questão colocada pelo Ministério Público no tribunal a quo, e que teria a ver com o deficiente cumprimento por parte do recorrente do ónus imposto pelo artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com o possível convite ao aperfeiçoamento.
O objecto do recurso restringe-se a matéria de direito e no fundo o arguido defende nunca ter sido notificado para o julgamento, não havendo campo de aplicação do artigo 333.º do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser anulado o despacho que marcou o julgamento e repetido este.
O recorrente expressou-se em termos perfeitamente perceptíveis, sendo claros o sentido e alcance da impugnação levada a cabo, até porque o Ministério Público entendeu perfeitamente a pretensão recursória, como deixou de resto bem expresso, quer na bem elaborada resposta apresentada na 1.ª instância, quer neste Supremo Tribunal.
Assim sendo, não há que observar o disposto no artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Da arguida nulidade insanável
No fulcro, a questão a dilucidar é a de saber se, tendo o julgamento sido realizado na ausência do arguido, que não compareceu a nenhuma das sessões, e que igualmente não esteve presente à sessão de leitura, impõe-se ou não a sua anulação, o que pressupõe resolvida a questão de saber se o recurso a notificação postal simples endereçada a uma morada constante de um dos TIR lavrados no processo como forma de comunicar com o arguido se revela a adequada e eficaz; no fundo, trata-se de saber se as notificações para comparência a julgamento foram válidas e se era de ter o arguido como devidamente notificado, como foi considerado no tribunal recorrido.
A questão vem colocada a propósito do julgamento, mas as razões que a determinam aplicam-se exactamente do mesmo modo em relação à notificação da acusação e dos pedidos cíveis, pois a morada para onde foram dirigidas as notificações foi sempre a mesma, sendo que o arguido apenas se reporta à fase de julgamento, o que poderá significar pretender prescindir de requerer a abertura de instrução, o que se situa no seu campo de disponibilidade.
O julgamento na ausência teve consagração na Lei Fundamental a partir da 4.ª revisão da Constituição da República com a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro.
Estabelece o artigo 32.º, n.º 6, da Constituição da República: «A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento».
Como expendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, volume I, pág. 523: «O n.º 6, aditado pela Lei Constitucional n.º 1/97, pretende dar guarida constitucional à dispensa do arguido ou acusado em actos processuais, designadamente a audiência de julgamento, permitindo o julgamento na ausência do arguido».
Consignam os aludidos Autores que «a Constituição condiciona a legitimidade destes actos à observância dos direitos de defesa. Entende-se por direito de defesa, nestes casos, o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, o direito de requerer que seja ouvido em segunda data, o direito à notificação da sentença e o direito ao recurso, o direito de requerer e consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência, o direito a defensor».
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/2004, de 23 de Junho de 2004, Processo n.º 249/2004 – 2.ª secção, publicado in DR, II Série, de 13 de Agosto de 2004, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 59.º, págs. 797 e seguintes (Relatora Maria Fernanda Palma), pode ler-se:
“O artigo 32.º, n.º 6, da Constituição não autoriza toda e qualquer solução legal quanto ao julgamento na ausência do arguido, antes limita, efectivamente, a liberdade de conformação do intérprete pela garantia da defesa do arguido julgado na sua ausência, sendo o seu sentido fundamental o de exigir que o legislador articule os valores justificativos do julgamento na ausência do arguido com as condições inultrapassáveis do núcleo irredutível do direito de defesa.
Pondo o julgamento na ausência do arguido em causa princípios como o da oralidade e da imediação do processo penal, instrumentais da verdade material e do direito de defesa, ele é, obviamente, uma solução que só se poderá justificar em certos termos e condições, quando seja necessário, adequado e não desproporcionado afectar tais princípios garantísticos do processo penal.
Por outro lado, essa afectação terá necessariamente de ser compensada com a garantia do exercício do direito de defesa nos termos possíveis, nomeadamente através do direito ao recurso.
Impõe, assim, o parâmetro constitucional uma ponderação pelo legislador das razões que justificam a opção pelo julgamento de ausentes de acordo com o princípio da proporcionalidade e o asseguramento do máximo das garantias possíveis e adequadas quanto ao exercício do direito de defesa”.
Esta posição foi seguida no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 206/06, de 22-03-2006, proferido no processo n.º 676/05, 1.ª secção (Relatora Maria Helena Brito), publicado no DR, II Série, n.º 101, de 25-05-2006 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, págs. 805 e ss.
Sobre a problemática do julgamento na ausência e a garantia de defesa dos direitos do arguido, maxime o direito a recurso, pronunciou-se o Tribunal Constitucional por várias vezes (a propósito, podem ver-se os acórdãos por nós relatados de 7-01-2009, no processo n.º 2865/08, in CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 189, e de 14-01-2009, processo n.º 2494/08, de que foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional e a que foi negado provimento por acórdão de 27-10-2009, proferido no processo n.º 140/09, da 3.ª secção – Relator Vítor Gomes).
A nível de lei ordinária importa convocar para a presente questão o conjunto das normas dos artigos 61.º, 113.º, 196.º, 332.º e 333.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2001, e os artigos 118.º, 119.º e 122.º, do mesmo Código.
Estabelecem tais preceitos:
Artigo 61.º (Direitos e deveres processuais)
1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito; (…)
3 – Recaem em especial sobre o arguido os deveres de:
a) Comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado (…).
Artigo 113.º (Regras gerais sobre notificações)
9 - As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
Artigo 196.º (Termo de identidade e residência)
1 - …………………………………………………………………………………………
2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º.
4 - …………………………………………………………………………………………
Artigo 332.º (Presença do arguido)
1 – É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2, e 334.º, n.º s 1 e 2.
Artigo 333.º (Falta e julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência)
1 – Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência.
2 – Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta de arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida na s alíneas b) e c) do artigo 341º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado, a as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117º.
3 – No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do n.º 2 do artigo 312.º.
4 – O disposto nos números anteriores não prejudica que a audiência tenha lugar na ausência do arguido com o seu consentimento, nos termos do artigo 334º, n.º 2.
5 – No caso previsto nos nºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.
6 – É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 116º, nºs 1 e 2, e 254º e nos nºs 4 e 5 do artigo seguinte.
Artigo 118.º (Princípio da legalidade)
1 – A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina
a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
2 – Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.
3 - …………………………………………………………………………………………
Artigo 119.º (Nulidades insanáveis)
Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
Artigo 122.º (Efeitos da declaração de nulidade)
1 – As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
2 – A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
3 – Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.
Exposto o quadro legal aplicável e revertendo ao caso concreto, importa passar em revista o que de relevante consta do processo, assinalando as suas especificidades na tramitação e que não foram poucas.
Para uma melhor percepção do ocorrido no processo, importará reter os vários aspectos e incidências da tramitação dos autos desde o seu início.
Na abordagem e análise da questão colocada é patente ao longo de todo o processo e mormente a partir da acusação, uma confusão propiciada pela junção e incorporação de processos com estádios de tramitação diferentes, em dois dos quais havia sido tomado TIR, e a que não é alheia alguma falta de rigor, e daí alguma confusão, pois existem dois termos de identidade e residência com duas residências diferentes, tendo o arguido comunicado uma terceira morada, para além de só após o julgamento ter sido junto expediente da PSP de Amadora, por onde se mostra que o arguido cumprira as obrigações de apresentação periódica a que fora sujeito, aquando do interrogatório de 29 de Março de 2006.
Analisando o processo.
O presente processo NUIPC 13515/04.2TDLSB teve início em 15-12-2004, com uma queixa apresentada pelo Banco Santander Portugal, SA, contra incertos, no DIAP de Lisboa (03.03), com referência a factos cometidos entre 22-12-2003 e 18-02-2004.
No processo n.º 13515/04.2TDLSB foram incorporados já em Junho de 2006:
- o processo n.º 14045/04.8TDLSB (08.04) remetido em 30-03-2006 (8.ª secção DIAP - fls. 271) incorporado em 26-06-2006, ut fls. 472, e ficando apenso o processo n.º 1784/05.5TDLSB (03-02), conforme despacho de fls. 92 (apenas cumprido a fls. 472);
- o processo n.º 614/05.2JFLSB (8.ª secção Mag.-01) – fls. 287, 289 e 290 (incorporado em 8-06-2006) e constante de fls. 291 a e 309 a 460, iniciado em 18-05-2005, face a queixa datada de 12-01-2005, apresentada por Unicre, reportada a factos de 2004.
A primeira residência do arguido conhecida no processo foi a da .........., n.º 1, 2.º Esq.º Amadora. (Como se verá tal posição não tem subjacente um critério cronológico, mas apenas de inserção no processo, sendo a morada que consta do primeiro processo incorporado).
Assim tal indicação de residência surge na promoção de fls. 210/211, datada de 09-03-2006, no despacho de 13 seguinte, a autorizar a realização de busca domiciliária em tal residência - fls. 214 - e no mandado de busca a fls. 215, no despacho de 17 seguinte, a ordenar a detenção do arguido, a fls. 218/9, nos mandados de detenção, a fls. 223/4, 226/7 e 228/9 - constantes do processo n.º 14045/04.8TDLSB-04 (que, como se referiu, veio a ser incorporado neste por despacho de 23-06-2006, a fls. 92, fazendo fls. 93 a 472, tendo entretanto, “de permeio”, o processo n.º 614/05.2JFLSB, de fls. 291 a 460).
A busca veio a ser realizada em tal residência em 29 de Março de 2006, conforme mandados de fls. 230 e 231 e respectivos versos e o auto de busca e apreensão de fls. 232/3, tendo o arguido sido detido na mesma residência Rua ............., n.º ...,....º Esq.º Amadora, em 29 de Março de 2006, pelas 11:33 horas, conforme se alcança de certidão lavrada nesse dia, a fls. 227 verso e fax de fls. 234/5.
Como resulta do relatório de diligência externa de fls. 248/9, realizado no mesmo dia e na mesma residência, aquando da detenção do arguido foram encontrados na sua posse um termo de identidade e residência e uma cópia de constituição de arguido aplicados no âmbito do inquérito com o NUIPC 614/05.2JFLSB, que então corria na PJ.
Tais documentos foram então juntos ao presente processo, fazendo fls. 253 (o TIR) e fls. 254 (a cópia do termo de constituição de arguido – no original do processo onde foi lavrado encontra-se a fls. 424).
No aludido termo de identidade e residência (junto a fls. 253 e em original constante do processo n.º 614/05.2JFLSB a fls. 427), realizado em 29 de Novembro de 2005, consta a indicação de residência e endereço para efeito de notificação do arguido como sendo a Rua ................. n.º ..., ..... Esq.-Mafra, e o telefone 00000000000.
O arguido, detido no âmbito do aludido processo n.º 14045/04.8TDLSB, foi submetido a interrogatório, no 4.º Juízo do TIC de Lisboa, em 29 de Março de 2006, indicando como morada aquela onde fora detido - fls. 258 -, ou seja, a .........., n.º 1, 2.º Esq.º, Amadora, tudo como consta do auto de fls. 260 a 265.
Validada a detenção, foi decidido, a fls. 265, que o arguido aguardaria os ulteriores termos dos autos sujeito a TIR, que prestaria, e “à obrigação de apresentação periódica que cumprirá aos dias 14 e 29 de cada mês no posto policial competente da sua área de residência…”, sendo de imediato restituído à liberdade, conforme cota de fls. 268.
No cumprimento daquele despacho seguiu-se a prestação de TIR, sendo indicada como residência do arguido a mesma morada, ou seja, a da Rua ................., n.º ....., .....º Esq.º, Amadora, conforme documento de fls. 266.
E por ofício datado de 30-03-2006, assinado pela Juíza do TIC de Lisboa que interrogara o arguido, foi comunicado à PSP de Amadora a obrigação de apresentação imposta ao arguido, indicando-se obviamente a mesma morada – fls. 269.
No mesmo dia 30-03-2006, após o interrogatório do arguido, o processo foi remetido à 8.ª secção do DIAP - fls. 271.
De seguida, no processo n.º 14045/04.8TDLSB (08-04) é proferido despacho a fls. 272, em 03-04-2006, a solicitar o processo n.º 614/05.2JFLSB (08.01) para consulta – com diligências nesse sentido a fls. 274, 287, 289.
Por despacho de 5-06-2006, a fls. 290, por se verificar conexão entre ambos é determinada incorporação do inquérito n.º 614/05.2JFLSB (08.01), sendo incorporado de seguida em 08-06-06, conforme termo de incorporação de fls. 290, fazendo o processo incorporado, como acima já se anotou, fls. 291 a 303 do 1.º volume e fls. 309 a 460 do 2.º volume (processo relativo a queixa formulada em 12-01-2005 pela Unicre, Cartão Internacional de Crédito, SA., contra incertos).
No citado inquérito n.º 614/05.2JFLSB (08.01), então correndo termos na PJ, consta a constituição do ora recorrente como arguido, a fls. 424, auto de interrogatório de arguido realizado em 29 de Novembro de 2005, a fls. 425/6, a que se seguiu termo de identidade e residência a fls. 427, com indicação de residência em Rua .............. n.º ......,..........-Mafra.
O termo de constituição de arguido de fls. 424 e o TIR de fls. 427 correspondem às cópias juntas no 1.º volume a fls. 254 e 253, que se encontravam em poder do arguido aquando da sua detenção em 29-03-2006, conforme referido foi supra.
Acontece que a fls. 444, estando o processo na PJ foi junta carta do arguido, referenciando o NUIPC 614/05.2J..,... esq. Amadora 2700.
Da análise da carta e do sobrescrito não é possível visualizar a data em que terá sido escrita e remetida, sendo certo que uma tal comunicação do arguido, vital para a prossecução dos autos, em respeito dos direitos de defesa e do bom andamento do processo, merecendo certamente a aposição de data de junção aos autos, não colheu tal diligência.
No entanto, atendendo às datas dos documentos precedente e seguinte, ter-se-á como certo que a junção terá tido lugar entre 10-02-2006 e 03-04-2006.
Precedido de diligências prévias - fls. 469 e 470 - e de remessa a 22-06-2006, a fls. 471, cujo termo não está isento de lapso na indicação por duas vezes do mesmo processo em “posições” incompatíveis, a fls. 472 consta termo de incorporação, em 26-06-2006, do inquérito n.º 14045/04.8TDLSB (08.04) com o apenso 1784/05.5TDLSB-03-02 (que se manteve apenso) no inquérito n.º 13515/04.2TDLSB (03.03), assim se cumprindo o despacho de 23-06-2006, de fls. 92 do 1.º volume.
No âmbito deste processo n.º 13515/04.2TDLSB (03.03), já após as incorporações referidas, o arguido é notificado para recolha de autógrafos a ter lugar em 04-04-2007 (fls. 517), sendo a carta dirigida a Rua .............., n.º ..., ... Esq.º Amadora e aí depositada em 13-03-2007 (fls. 522).
Como se alcança de fls. 528 o arguido não compareceu à diligência.
Na sequência da falta de comparência é emitido mandado de detenção do arguido para comparência - fls. 534 – indicando-se a mesma Rua .............., n.º .., ...º esq.º, Amadora.
Remetidos os mandados à PSP da Amadora para cumprimento – fls. 537 – seguiu-se a negativa a fls. 542 e 543 v.º, lavrada em 29 de Maio de 2007, com a informação de que o arguido já não residia ali há cerca de 6 meses. (Entretanto, como se verá, o arguido fazia apresentações na PSP de Reboleira, Amadora).
Foi emitida carta para pagamento de multa por falta à diligência de 04-04-2007, datada de 30-04-2007, com registo colectivo de 02-05-2007 (fls. 533), indicando-se a mesma morada de Amadora; foi devolvida a carta para notificação a fls. 548 com a indicação de não realizada em 03-05-2007 e não reclamada.
Entretanto, como se vê de fls. 540, em 4 de Maio de 2007 deu entrada no TIC de Lisboa declaração do arguido dirigida ao processo n.º 14045/04.8TDLSB, 4.º Juízo TIC, em que informava alteração de residência e indicando como «Actual morada: Rua Dr. .................. N.º ...,......Reboleira – Amadora».
Face a esta alteração competia fazer algo.
E assim, após termos de cobrança e junção de expediente, a fls. 549 consta despacho datado de 22-10-2007 do seguinte teor: “Solicite ao opc competente na morada de fls. 540 que sujeite o arguido a novo TIR”.
O despacho foi cumprido a fls. 550 através de ofício de 23-10-2007 dirigido ao Comandante da PSP de Amadora, com insistência mais de dois meses depois, em 7-01-2008, conforme fls. 556.
A resposta deu entrada em 11-01-2008, conforme fls. 559 e 560, com informação lavrada em 7 de Novembro de 2007, dando conta de não ter sido possível sujeitar o arguido a novo TIR (vide fls. 562 a 564).
A acusação, deduzida em 28-04-2008, indica como residência do arguido a Rua ..............., ......, ........q, Mafra, a fls. 634, embora logo no primeiro parágrafo do despacho, como se vê de fls. 631, o Ministério Público tenha referido a “residência do aqui arguido sita em Rua ................, n.º .., .. esquerdo, Amadora, em 29/03/2006”.
Ora, fazendo esta menção de residência reportada a 29 de Março de 2006, data em que foi tomado o último TIR, fica por explicar a opção do Ministério Público pela indicação de residência que constava do TIR de 29-11-2005!
Mais. O Ministério Público ignorou por completo a comunicação de alteração de residência que o arguido fizera, mais de dois anos antes, e que constava do processo, a fls. 444!
Aliás, no final da peça ao referir-se a medida de coacção o Ministério Público torna a reportar o despacho de 29 de Março de 2006, referindo as apresentações periódicas quinzenais e a sua extinção por decurso do tempo e, por entender não se verificar “em concreto, neste momento, qualquer das circunstâncias a que alude o artigo 204.º do Código de Processo Penal, deverão as arguidas aguardar os ulteriores termos do processo sujeitas às obrigações decorrentes da prestação do termo de identidade e residência…” (SIC).
Não obstante a referida indicação de residência constante da acusação, os Serviços do Ministério Público emitem notificação dirigida para a Rua Dr. ............, n.º ..- ... Reboleira, Amadora (fls. 647), ou seja, a morada onde o arguido não fora encontrado, não sendo por isso, lavrado novo termo de identidade e residência.
Como era de esperar, e na sequência da informação da PSP prestada em 7 de Novembro de 2007, como consta de fls. 647 v.º, sobreveio a devolução da carta, escusadamente enviada, com a indicação de desconhecido.
Os mesmos Serviços do Ministério Público, na mesma data, enviaram outra notificação para a morada constante da acusação, ou seja, a Rua ................... n.º ....., .......-Mafra (fls. 648), a qual como se vê de fls. 648 v.º, foi depositada no dia 02-05-2008, mas devolvida, como não podia deixar de ser, dir-se-á.
O defensor oficioso nomeado na acusação, a fls. 634, não foi notificado da mesma, conforme fls. 649 e 653.
Diligenciada, a fls. 655/6/7, a indicação de novo defensor, foi indicada a de fls. 664, sendo a nova defensora notificada - fls. 665.
Distribuído à 8.ª Vara Criminal de Lisboa, o processo foi remetido para Sintra - fls. 713/4 -, sendo proferido despacho designativo de dia para julgamento – fls. 720.
O despacho que designa dia para julgamento remete para a identificação do arguido constante de fls. 634, a da acusação, o que é dizer, para a indicação da antiga residência de Mafra, onde há muito, o arguido não residia, e do que havia, de há muito, substancial informação nos autos.
Como consta de fls. 722/3, a notificação do arguido para julgamento foi dirigida para a Rua ..................., ....,......., Mafra.
E conforme fls. 764 a carta foi depositada em 25-09-2008.
A defensora oficiosa foi notificada - fls. 724 - da data de julgamento e em 23-10-08 informa que apresentou pedido de dispensa de patrocínio oficioso (fls. 789 em cópia, e em original, fls. 792).
Segue-se a nomeação de nova defensora oficiosa, A....F......D...., a fls. 794/5, a qual é notificada por via postal registada emitida em 04-11-2008, a fls. 796, da designação de dia para julgamento e para em 20 dias contestar o pedido cível formulado, sendo que o julgamento era em 18 seguinte (!) e haviam sido deduzidos dois pedidos de indemnização, de fls. 666 a 670 e de fls. 692 a 702.
Segue-se nova notificação do arguido por carta do mesmo dia - fls. 797 - dando conta da nomeação de nova defensora, indicando-se como residência a Rua ...................., ......, ..........., 2635-000 Mafra, sendo a carta depositada em 5 seguinte, conforme fls. 800 (3.º Volume).
Resulta do exposto, que as notificações foram dirigidas para Mafra, radicando o procedimento na errónea indicação dada pelo Ministério Público na acusação.
O arguido faltou à audiência de julgamento de 18-11-2008, estando presente a defensora oficiosa, conforme acta de fls. 801 a 803.
Partindo do pressuposto de que o arguido se encontrava devidamente notificado, o Ministério Público promoveu, para além de condenação do arguido em multa, a emissão de mandados de detenção para comparência do mesmo na próxima data já designada, devendo iniciar-se o julgamento, a que se seguiu despacho, que após condenar o arguido em multa e determinar a emissão de mandados de detenção para comparência na segunda data já designada, decide:
“Não obstante a falta do arguido, considerando o disposto no art.º 333.º n.º 2 do C.P.P., determina-se o início da audiência com inquirição das testemunhas presentes, devendo o arguido ser ouvido na segunda data designada”.
Tendo sido alterada a hora da segunda marcação, no final da acta é repetida a ordem de emissão de mandados de detenção do arguido para comparência às 9,30 horas (e já não às 15 horas) do dia 25-11-2008.
A secção procedeu a notificação do arguido por via postal simples com prova de depósito em 18-11-2008, indicando-se uma vez mais a mesma morada, ou seja, Rua .............., .....,........., 2635-000 Mafra , como se mostra de fls. 817.
O mandado de detenção e condução, conforme fls. 820, foi dirigido à GNR de Mafra, com a indicação da mesma morada, isto é, Rua ..................s, ...., .........., 2635-000 Mafra
O mandado foi devolvido sem cumprimento, como consta de fls. 837 e 838, com originais a fls. 879 e 880, de acordo com a certidão de 25-11-08, com informação de que o arguido se ausentara há mais de um ano.
Na 2.ª sessão de julgamento, em 25 de Novembro de 2008, o arguido continua a faltar, conforme acta de audiência de julgamento de fls. 839.
Dada a palavra Ministério Público para que se pronunciasse sobre os mandados de detenção negativos, promoveu que «em face da informação de que não é possível trazer o arguido a julgamento e o mesmo tem TIR, requer-se que o julgamento prossiga, sendo que para todos os efeitos se encontra representado pelo seu defensor».
Sobre tal promoção recaiu o seguinte despacho “Considerando que se encontra cumprido o formalismo legalmente exigido para que o arguido possa ser julgado na sua ausência, ao abrigo do disposto no art.º 333º n.º 2 C.P.P. determina-se o prosseguimento da audiência com inquirição das testemunhas presentes (…)”.
No final da sessão o Ministério Público requereu fosse designada nova data para audição das testemunhas de acusação faltosas, requerendo ainda que «sejam feitas pesquisas on line no sentido de tentar obter alguma nova morada do arguido, para que seja emitido novo mandado de detenção para comparência na próxima sessão que vier a ser designada».
O que foi deferido, designando-se para continuação da audiência de julgamento o dia 09-12-2008.
Na sequência das diligências efectuadas e face às informações obtidas – fls. 855 - foram emitidos mandados de detenção dirigidos à GNR de Évora e do Crato – fls. 858 (tendo por base a indicação com domicílio profissional na Sociedade Agrícola Herdade .......... SA, Av. Dr. ............,. Évora) e fls. 859 (com indicação de domicílio Campo ................, 7430-000, Crato).
O mandado de detenção dirigido à GNR de Évora não foi cumprido por o arguido não ter sido localizado - fls. 896 - e foi devolvido com certidão negativa – fls. 911 a 913.
O mandado dirigido à GNR do Crato não foi igualmente cumprido, com informação de se ter apurado junto dos ex - sogros que o arguido se ausentara sensivelmente há nove/dez anos, sendo-lhe desconhecida qualquer morada ou contacto - fls. 895 – sendo devolvido com certidão negativa, a fls. 907 e 908 v.º.
Entretanto, é devolvida carta para notificação do arguido, que fora uma vez mais dirigida a Rua ................,........,............, 2635-000 Mafra, com a indicação “Já não reside nesta morada” - fls. 863 e 865.
A secção emite em 28-11-2008 cartas dirigidas para as referidas moradas de Évora e Crato - fls. 867 e 868 -, para comparência do arguido à audiência em 9-12-2008.
A carta dirigida ao Crato foi depositada em 2-12-2008 - fls. 875.
A carta enviada para Évora e que fora depositada, conforme fls. 892, foi devolvida ao remetente - fls. 886.
Aberta a sessão de 9-12-2008 (acta de fls. 897 a 899) foi dada a palavra ao Ministério Público para que se pronunciasse sobre os mandados de detenção negativos relativos ao arguido, tendo promovido «em face da informação de que não é possível trazer o arguido a julgamento e o mesmo tem TIR, requer-se que o julgamento prossiga, sendo que para todos os efeitos se encontra representado pelo seu defensor».
Sobre esta promoção, como bem assinala o recorrente na motivação, não recaiu qualquer despacho expresso, mas será de entender que terá tacitamente sido deferido, uma vez que “seguidamente continuou-se com a produção de prova…”, sendo marcado para leitura do acórdão o dia 18-12-2008.
A notificação ao arguido da data para leitura do acórdão foi feita por carta emitida em 10-12-2008 para a aludida Rua ................, ...., ........., 2635-000 Mafra - fls. 900.
A carta foi depositada em 11-12-2008 e devolvida com indicação de que “já não mora aqui” e “já não reside nesta morada”, conforme fls. 948 e 949 e verso.
O arguido não compareceu à sessão de leitura do acórdão, como consta da “acta de leitura” de fls. 945.
Daí que só como mero lapso de escrita deverá ser entendida a referência, após comunicação constante da acta de leitura de alteração substancial e para os efeitos do artigo 359.º do Código de Processo Penal, que tivesse sido dada a palavra também ao arguido e que este tenha dito que nada tinha a opor ou a requerer, prescindindo de prazo.
O arguido é identificado no acórdão como residente na Rua ...........................,....., ............, 2635-000 Mafra - fls. 914.
O acórdão, datado de 18-12-2008, foi depositado quatro dias depois, em 22-12-2008, por só nessa data ter sido entregue, conforme expressa declaração de fls. 947.
Não consta dos autos que se tenha tentado a notificação do acórdão ao arguido.
Não consta que tenha sido tentada a notificação pessoal do arguido, que não esteve presente em nenhuma das sessões de julgamento, nem na de leitura, não havendo indícios de que haja, ou alguma vez tenha havido, ao longo de todo o julgamento e mesmo após, um relacionamento mínimo que fosse, com a defensora oficiosa, aliás, nomeada já na fase de julgamento.
A falta de notificação, não obstante o disposto no artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal, não impediu que se consignasse o trânsito em julgado do acórdão em 23-01-2009, como se vê do certificado de registo criminal de fls. 958, bem como nos mandados de detenção para cumprimento de pena, constante de fls. 959.
Nestes mandados, dirigidos ao Comandante da GNR de Mafra, foi indicada a mesma residência, ou seja, a Rua ............, ....., .... Esq., 2635-000 Mafra – fls. 959.
Os quais vieram, como era de esperar, dir-se-á, devolvidos sem cumprimento, como se vê de fls. 964 e 965.
Em 12-03-2009, a fls. 967, diz o Ministério Público: “Em face do teor de fls. 965, promovo que os autos aguardem por seis meses enquanto é eventualmente conhecido o paradeiro do arguido AA, já condenado em pena de prisão por decisão ainda não transitada”.
A esta promoção seguiu-se o despacho de fls. 968, em 16-03-2009, do seguinte teor: “Fls. 967: Como se promove”.
Assim ficou sanado o lapso da emissão dos mandados de detenção para cumprimento de pena, o que pressupunha o trânsito em julgado da decisão condenatória, tendo como pressuposto a existência de título executivo - artigo 467.º do Código de Processo Penal – que na realidade não existia, ficando os autos, na falta de trânsito, a aguardar por seis meses o conhecimento do paradeiro do arguido.
Na fase de liquidação tributária, como se mostra por fls. 978/9 consta a mesma morada Rua ...............,......., ........Esq., 2635-000 Mafra e para aí é enviada carta para notificação – fls. 981 e devolvida a fls. 994, com indicação de que “já não mora nesta morada”.
Entretanto, a ofendida e demandante cível BB informa o processo da localização do arguido - fls. 986.
É enviado ofício para o Posto da GNR de Sesimbra, solicitando notificação do arguido - fls. 988.
E eis que, por mor da proficiente colaboração da ofendida/demandante cível, o arguido vem, finalmente, a ser notificado pessoalmente, do acórdão condenatório, em Sesimbra, em 2 de Setembro de 2009, como se vê da certidão de fls. 1030 verso.
Em 23-09-2009 o arguido apresenta requerimento de interposição de recurso, a fls. 995, juntando procuração a Advogado a fls. 1002.
Já após a interposição de recurso, em 28 de Setembro de 2009, vem a ser junto expediente proveniente da 8.ª Vara Criminal de Lisboa, a quem o processo foi inicialmente distribuído, para onde havia sido remetido pelo DIAP, que por seu turno o recebera do 4.º Juízo do TIC de Lisboa, a quem a PSP de Amadora comunicava que o arguido no âmbito do processo n.º 14045/04.8TDLSB (aqui incorporado) fez apresentações na Esquadra da Reboleira desde 14-06-2006 a 14-05-2008 - fls. 1018 a 1021.
Trata-se das apresentações bimensais determinadas no despacho de 29 de Março de 2006, a que se reporta o aludido ofício de 30-03-2006, junto a fls. 269, do que, ao que parece, nunca mais ninguém se lembrara.
Revertendo à análise do caso.
O recorrente arguiu a aludida nulidade insanável, embora sob enfoque que não é o mais correcto, como de resto, e bem, foi assinalado na resposta apresentada na Comarca.
Na conclusão 8.ª, alegando não ter sido notificado do despacho que designa data de audiência e julgamento, o arguido afirma que tal despacho é nulo, sendo nulo todo o processado posteriormente.
O despacho que designa data para audiência não é nulo, nem padece de qualquer vício.
A única causa de nulidade do despacho que designa a data para a audiência é a falta de menções obrigatórias, constantes das alíneas do n.º 1 do artigo 313.º do CPP, e nenhuma delas se verifica in casu.
De facto, o que o arguido, ora recorrente, pretende é a declaração de nulidade de todo o posteriormente processado àquele despacho, pois não tendo tido conhecimento do mesmo, não teve oportunidade de apresentar defesa, não podendo ficar cerceado o direito ao contraditório.
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Tem-se como assente, efectivamente, que o arguido foi julgado na ausência, nos termos do artigo 333.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, cujo figurino se entendeu como preenchido, como resulta das actas de audiência de discussão e julgamento de fls. 801 a 803, 839 e 897 a 899 dos autos.
Como flui do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15-12, o legislador pretendeu acabar com a total desresponsabilização do arguido em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento, daí que permita o julgamento na ausência, desde que sujeito a TIR, nos termos do artigo 196.º do Código de Processo Penal.
Os direitos do arguido ficam salvaguardados, sendo representado pelo defensor, mantendo o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, podendo o defensor requerer a sua audição, nos termos do artigo 333.º, n.º 3, do CPP.
No caso em apreciação, porém, as ausências do arguido às audiências de julgamento e leitura do acórdão não são derivadas da vontade do próprio arguido, que não prescindiu de estar presente, desconhecendo a realização do julgamento.
O estatuto processual de arguido é conformado pela conjunção de direitos e deveres; o arguido é sujeito processual de direitos e de deveres processuais, como decorre do artigo 61º do CPP.
O termo de identidade e residência que o arguido prestou em 29-03-2006 fez caducar o de 29-11-2005, sendo que para além disso houve uma comunicação ao processo onde o primeiro termo fora prestado no sentido de mudança de residência, justamente para a constante do segundo.
Estando o arguido sujeito às obrigações específicas decorrentes da aplicação dessa medida de coacção, designadamente a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar, ao tribunal, a nova residência ou o lugar onde pudesse ser encontrado, como resulta do artigo 196º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o arguido por duas vezes efectuou essa comunicação.
O arguido indicou depois, já em 4 de Maio de 2007, uma nova morada e nem tudo foi feito no sentido de notificar o arguido de forma correcta. (Note-se que a esse tempo o arguido cumpria a injunção imposta após o interrogatório de 29 de Março de 2006, no posto da PSP da zona).
O arguido não abdicou de um direito, do direito de estar presente e defender-se de viva voz, não incumpriu o dever de comparecer, antes o processo desenrolou-se à sua inteira revelia.
É na audiência, mediante o pleno exercício do contraditório, que o arguido pode e deve defender-se, para tanto bastando que compareça.
O julgamento realizou-se na ausência do arguido, por razões que não terão a ver com a sua vontade e conveniência.
O julgamento foi efectuado na ausência do ora recorrente, não determinada por vontade do mesmo arguido, sujeito a TIR, não tendo violado as obrigações que sobre si impendiam. Pelo contrário!
Como referido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1183/96, de 20-11-1996, processo n.º 268/94-2.ª secção, in DR, II Série, n.º 36, de 12-02-1997 e BMJ n.º 461, pág. 120, o arguido tem o direito-dever a ser ouvido e a assistir ao julgamento.
Só estando presente terá forma de ele próprio contribuir para a observância dos princípios da imediação da prova, pressuposto da obtenção da verdade material, e do contraditório, em suma, das garantias de defesa, com dação de elementos conducentes a um conhecimento da personalidade do arguido tão completo quanto possível, para que o juiz, que o julga, o possa conhecer.
Para além dos direitos e deveres especificados na lei, o arguido tem o direito e, noutra perspectiva, sobre ele impende o ónus de participar, pois só com uma efectiva participação se poderá alcançar o exercício pleno do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5, 2.ª parte, da Constituição, a que está subordinada a audiência de discussão e julgamento.
O exercício do contraditório numa audiência, cujas notas dominantes são a oralidade e a imediação, concretizar-se-á por parte do arguido com a exposição das suas razões e dependerá da sua participação activa, do exercício do seu direito de audiência, do direito de dizer e a fazer ouvir os seus motivos e argumentos, e procurando contrariar os adversos, pois dificilmente se conseguirá o contraditório, com ausência ou presença em que opte por se remeter ao exercício do direito ao silêncio – o absentismo ou o mutismo não contribuem para a obtenção da verdade material - , ademais podendo vir a ser afectado pela decisão emergente de uma discussão em que não participe e envolva ou dê qualquer contributo.
Como se pode ler na CRP Anotada, supra referida, págs. 522 e 523: “O princípio do contraditório relativamente aos destinatários significa direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; em particular, direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo”.
E como se extrai do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/92, de 06-05-1993, Processo n.º 46/91, 2.ª secção, in DR, II Série, n.º 216, de 18-09-1992, e BMJ n.º 427, pág. 57, o sentido essencial do princípio do contraditório está em que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo só interlocutória) deve aí ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade, ao sujeito processual contra o qual é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar.
O arguido foi julgado na ausência, porque se partiu do pressuposto errado de que estava regularmente notificado, dando-se início à audiência sem a sua presença (fls. 801), fora dos pressupostos do artigo 32.º, n.º 6 da CRP e 333.º e 334.º do Código de Processo Penal.
A verdade é que o arguido não chegou a ser verdadeiramente notificado da realização do julgamento, uma vez que todas as notificações para as várias sessões de julgamento foram dirigidas para uma morada que não correspondia à nova morada e que entretanto tinha sido indicada. E apenas para a caduca foram remetidas ao arguido por via postal simples, com prova de depósito para a morada da residência constante do TIR.
O modo de notificação usado - via postal simples com prova de depósito - seria legítimo, face às normas supra mencionadas, se dirigido par a morada de Rua ..............., Amadora, não fosse o caso do arguido ter comunicado ao Tribunal a alteração de residência, mas, obviamente, nunca, para a residência de Mafra.
O Tribunal a quo não acautelou, como devia, à luz da informação do processo, que deveria ter sido tida em consideração, o direito de defesa do arguido, prosseguindo com a audiência de julgamento sem a sua presença.
Como não chegou a tomar conhecimento dos despachos que designaram as várias sessões do julgamento, o arguido não compareceu, sendo que tal situação não resultou da sua inércia ou desresponsabilização, mas antes da omissão de acto processual da notificação na morada por ele indicada.
Em caso de arguido devidamente notificado que não compareceu à audiência de julgamento, não tendo o tribunal tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis par a obter a sua comparência, pronunciou-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24-10-2007, processo n.º 3487/07-3.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 224, no sentido de tal falta consubstanciar uma nulidade insanável.
Concluindo.
1 - A morada Rua .............. n.º ....,..... Esq. - Mafra é a mais antiga constante do conjunto de processos incorporados, tendo sido indicada no processo n.º 614/05.2JFLSB (08-01), datando o TIR de 29 de Novembro de 2005 (fls. 427).
2 - A morada Rua ......, n.º ....,.....º, Amadora foi indicada no âmbito do processo n.º 14045/04.8TDLSB, do 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, sendo o TIR aí lavrado de 29 de Março de 2006 (fls. 266).
3 - Neste processo, diversamente do que ocorrera com o primeiro, o arguido foi detido e interrogado, e para além de prestação de TIR, ficou ainda sujeito a obrigação de apresentações bimensais na PSP de Amadora.
4 - Face a dois termos de identidade e residência sucessivos, correspondendo o posterior à morada actualizada do arguido, quatro meses após a prestação do primeiro, e sendo o estatuto pessoal do arguido reforçado com a acrescida exigência de comparência em posto policial, era de ter por substituído o estatuto mais antigo pelo mais recente, provocando o último a caducidade do precedente.
5 - O arguido comunicou ao processo n.º 614/05.2JFLSB (08-01), onde fora lavrado TIR em 29-11-2005, com residência em Mafra, a indicação de nova residência na Rua ........... n.º ..,..,. .... na Amadora – fls. 444.
6 - Por iniciativa do arguido, em 4 de Maio de 2007, foi comunicada, a fls. 540, uma nova morada dirigida ao citado processo n.º 14045/04.8TDLSB, do 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, afinal, o último a que se encontrava vinculado, não só por TIR, mas igualmente por apresentações na PSP.
7 - O Ministério Público procurou que se lavrasse novo TIR na base de tal indicação, mas sem resultado.
8 - As notificações da acusação, do despacho designativo de dia para a audiência de julgamento, bem como das novas datas de continuação e de leitura e mesmo aviso para pagamento de custas foram sempre dirigidas para a já substituída morada de Mafra constante do TIR caduco.
9 - O arguido fez apresentações na PSP de Reboleira em cumprimento do determinado no despacho de 29-03-2006, proferido no âmbito do processo n.º 14045/04.8TDLSB, do 4.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, durante quase dois anos, mais precisamente, exactamente ao longo de 23 meses, entre 14-06-2006 e 14-05-2008, sem informação ao processo, é certo, da cessação das mesmas, mas também sem que jamais tenha havido por parte do tribunal a atenção de saber se o arguido cumpria ou não a injunção estabelecida, a qual ultrapassou o prazo de oito meses, a ter em conta de acordo com o disposto nos artigos 198.º, 215.º, n.º 1, alínea a) e 218.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o que significa que o estatuto pessoal do arguido traçado no citado processo n.º 14045/04.8TDLSB, foi completamente ostracizado (curiosamente com a única excepção do despacho que antecede a acusação, o que não impediu o lapso determinante dos demais).
10 - À data em que foi deduzida a acusação - 28-04-2008 - indicando a peça a residência de Mafra, o arguido fazia apresentações na PSP da Reboleira, Amadora…
11 - Por compaginar fica a informação da PSP de Amadora constante da certidão negativa do mandado de detenção em 29 de Maio de 2007, junto a fls. 542 e 543 verso, bem como a informação da mesma PSP de Amadora, de 07-11-2007, a fls. 559 e 560, ao referir que o arguido não morava na residência que o mesmo indicara em 04-05-2007 a fls. 540, com a informação da PSP de Reboleira de que o arguido cumpriu a obrigação de apresentação até 14 de Maio de 2008.
12 - Todo o caminho percorrido com insistência na indicação da morada mais antiga e caduca radica na posição do Ministério Público ao indicar na acusação a residência do arguido em Mafra, elegendo a morada constante do termo de identidade e residência mais antigo e que já não valia.
13 – A condenação in absentia teve lugar na sequência de um julgamento em que o arguido não compareceu, mas em que essa ausência não significa renúncia ao direito de estar presente e de se defender pessoalmente, sendo a presença elemento fundamental de um processo equitativo.
14 – No caso presente, em que se sucederam três defensores oficiosos, não se descortina o mínimo fundamento para se dar como adquirido um relacionamento normal e de efectivo acompanhamento entre defensores, incluindo o último que acompanhou o julgamento, e o arguido, e que entre eles houvesse qualquer forma de transmissão pelo defensor das comunicações recebidas do tribunal (cfr. fundamentação dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º s 59/99, 109/99 e 378/2003, por um lado, e n.ºs 476/2004 e 418/2005, por outro).
15 - Ao não ser notificado de forma regular, não podia o arguido ter sido julgado na ausência, nos termos do artigo 333.º, n.º 1 e artigos 113.º, n.º 1, alínea c) e 196.º, n.º 2 e 3, alíneas c) e d), do Código de Processo Penal, por preterida a devida notificação obrigatória.
16 – A não presença do arguido ao julgamento por causa que lhe não é de todo imputável, gera nulidade insanável, havendo que suprir as omissões verificadas – artigo 119.º, alínea c), reportada ao artigo 332.º, n.º 1, e artigo 122.º do Código de Processo Penal.
É, pois, de proceder o recurso.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA e anular todo o processado posterior ao despacho de designação de dia para julgamento, com repetição do processado subsequente e julgamento.
Sem custas.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, 7 de Abril de 2010
Raul Borges (Relator)
Fernando Frois