REVELIA
ADVOGADO
FALTA DE PROCURAÇÃO
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
ASSISTENTE
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Sumário

I - A revelia relativa, que pode ocorrer pelo lado de qualquer das partes e que, portanto, é comum ao autor e ao réu, consiste em alguma delas ou ambas não constituírem procurador forense, nem indicarem o local da sua residência ou escolherem domicílio, para o efeito de receber as notificações.
II - Ao assistente só é permitido praticar os actos processuais que, desde o momento da sua intervenção, seja lícito ao assistido realizar, entre os quais não se inclui o requerimento para o prosseguimento do processo, cuja instância se encontrava interrompida, com vista à designação da audiência de discussão e julgamento, por iniciativa isolada daquele, quando o assistido se recusa a nomear um novo advogado, em substituição do anterior, que renunciou ao mandato, sob pena de contradição entre os interesses do assistente e os da parte principal, à qual aquele se deve submeter.

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AA, residente na Rua …, nº …, …, …, em Lisboa, na acção com processo ordinário que BB propôs contra sua filha, CC, e marido, CC, todos residentes em França, e DD-“…– Gestão de Imóveis, Ldª”, com sede em Lisboa, com vista ao reconhecimento da sua qualidade sucessória, por óbito de seu marido, EE, e à declaração da nulidade e de nenhum efeito do contrato de compra e venda do prédio infradiscriminado, celebrado entre a primeira e a segunda rés, requereu a constituição como assistente, alegando, para tanto, que move uma execução contra o falecido marido da autora, anterior proprietário do imóvel, encontrando-se habilitadas, como suas sucessoras, a autora e a ré CC, mostrando-se penhorado o prédio, objecto da compra e venda, com vista a garantir a quantia dada à execução, tendo, por isso, interesse em que o mesmo regresse ao património do falecido.
Admitido o pedido de constituição de parte assistente, decidindo-se sob a forma de saneador-sentença, foram os réus CC e marido declarados parte ilegítima, com a consequente absolvição da instância, e a ré DD- “… – Gestão de Imóveis, Ldª” absolvida do pedido.
Deste saneador-sentença, a assistente interpôs recurso de agravo, tendo este Supremo Tribunal de Justiça confirmado o acórdão do Tribunal da Relação que, por sua vez, manteve o julgado em 1ª instância, que decidiu pela ilegitimidade passiva da ré CC e anulou aquele saneador-sentença, com vista à produção de prova sobre a matéria alegada, no sentido de, posteriormente, se proceder ao conhecimento do mérito.
Designado dia para julgamento, após organização da base instrutória, o Advogado da autora renunciou à procuração, tendo esta sido notificada, pessoalmente, da renúncia, sem que houvesse constituído mandatário, no prazo legal, sendo, em seguida, dada sem efeito a data designada para a audiência de discussão e julgamento e declarada suspensa a instância e, posteriormente, declarada interrompida a instância, por despacho notificado às partes, indeferindo-se o requerido prosseguimento dos autos.
A assistente veio, a seguir, requerer o prosseguimento da instância com a designação de dia e hora para a audiência de discussão e julgamento, sustentando que a autora, ao não constituir advogado, se colocou em situação análoga à da revelia, tendo o assistente do revel o direito de realizar os actos processuais que o assistido não tenha perdido o direito de praticar.
Os réus sustentam que a instância se encontra deserta, razão pela qual a assistente não pode pedir o prosseguimento da mesma, além do mais porque, nos referidos autos de execução, por decisão do Tribunal Constitucional, foi negado o conhecimento do recurso, ficando, assim, a valer a decisão do STJ que confirmou a improcedência da apelação da embargada- exequente e ora assistente.
Efectivamente, nos autos de embargos de executado, em que é embargante EE e embargada-exequente a assistente, foi proferida sentença, transitada em julgado, que declarou os embargos de executado, integralmente, procedentes e, em consequência, extinta a execução embargada.
Da decisão que manteve a suspensão e a consequente interrupção dos autos, indeferindo o seu prosseguimento, a assistente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação negado provimento ao agravo e confirmado a decisão impugnada.
Do acórdão da Relação de Lisboa, a assistente interpôs recurso de agravo, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1ª – A autora colocou-se na situação de revelia relativa ao não constituir novo mandatário, pelo que a ora alegante, sua assistente, tem o direito de actuar como sua substituta processual.
2ª - O artigo 338º do CPC não distingue entre revelia absoluta e relativa, nem entre revelia do autor ou do réu, não sendo admissível que, em situações de revelia relativa que deve considerar existir, a assistente do autor seja colocada em posição de desvalor relativamente ao assistente do réu.
3ª - Assim, e salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido, mantendo a decisão de 1ª instância que indeferiu a pretensão formulada pela ora alegante quanto ao prosseguimento da acção entendendo que à mesma não cabia o direito previsto no artigo 338º do CPC, fez errada interpretação e aplicação, nomeadamente, do citado artigo, bem como dos artigos 335º, 483º e 485º do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir, no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se a assistente da autora pode, sozinha, desacompanhada desta, que recusa nomear um novo advogado, em substituição do anterior que renunciou ao mandato, originando a interrupção da instância, requerer o prosseguimento do processo com vista à designação da audiência de discussão e julgamento.

DO PROSSEGUIMENTO DA CAUSA A IMPULSO DO ASSISTENTE CONTRA A INÉRCIA DA PARTE PRINCIPAL FACE À RENÚNCIA AO MANDATO DO ADVOGADO DESTA

Para responder à questão colocada, de acordo com o itinerário das alegações da agravante, importa responder a duas sub-questões, consistindo a primeira em saber se a autora incorreu na situação de revelia e a segunda, eventualmente, se o artigo 338º, do CPC, não distingue a revelia absoluta da revelia relativa, nem entre revelia do autor e revelia do réu.
Os assistentes, e tal é a situação da agravante, por decisão transitada em julgado, que constitui caso julgado formal, nos termos do estipulado pelos artigos 672º e 677º, “têm no processo a posição de auxiliares de uma das partes principais”, gozando “…dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que a parte assistida, mas a sua actividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar actos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido; havendo divergência insanável entre a parte principal e o assistente, prevalece a vontade daquela”, por força do disposto pelo artigo 337º, nºs 1 e 2, todos do CPC.
O normativo legal acabado de transcrever regula a actividade processual do assistente quando o assistido intervém no processo, sendo certo que, se este for revel, rege o artigo 338º, do CPC, segundo o qual, então, “…, o assistente é considerado como seu substituto processual, mas sem lhe ser permitida a realização de actos que aquele tenha perdido o direito de praticar”.
A revelia absoluta, que é um instituto privativo do réu, encontra-se consagrada no artigo 483º, do CPC, para os casos em que o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constitui mandatário, nem intervém, de qualquer, forma no processo, enquanto que a revelia relativa, que pode ocorrer em relação a qualquer das partes e que, portanto, já é comum ao autor e ao réu, consiste em alguma delas ou ambas não constituírem procurador forense, nem indicarem o local da sua residência ou escolherem domicílio, para o efeito de receber as notificações, nos termos das disposições combinadas dos artigos 255º, nº 1 e 253º, nº 1, ambos do CPC(1).
Aliás, o efeito próprio da revelia relativa traduz-se em não se fazerem às partes, por via de regra, nem, directamente, nem, através dos seus mandatários, as notificações que, de outro modo, teriam lugar.
Na hipótese em apreço, a autora, não obstante notificada da situação de renúncia do seu anterior mandatário judicial, não constituiu novo advogado, vindo, entretanto e, por esse facto, a instância a ser declarada interrompida, nos termos do disposto pelo artigo 285º, do CPC, por despacho judicial que lhe foi, igualmente, notificado e que transitou em julgado.
Assim sendo, deixando a autora de constituir novo mandatário judicial, sendo tal obrigatório com vista à designação de data para julgamento, nos termos do disposto pelo artigo 32º, nº 1, a), e tendo-lhe sido efectuadas as notificações, no local da sua residência, não incorreu numa situação de revelia, quer absoluta, quer relativa, atento o estipulado pelos artigos 483º, 255º, nº 1 e 253º, nº 1, todos do CPC.
Efectivamente, a situação de revelia relativa da autora, que a assistente defende, não acontece porquanto aquela tem residência conhecida, local onde lhe são realizadas as notificações, limitando-se a ficar privada de advogado, que não quis substituir, na sequência da renúncia ao mandato, por parte do seu anterior defensor.
Certamente, que a autora, no âmbito de uma estratégia processual concertada com o seu anterior Advogado, entendeu por bem não constituir um novo mandatário, obstando, assim, dada a natureza obrigatória da sua presença para o prosseguimento do processo, a que o Tribunal desencadeie, por sua iniciativa, a designação de uma nova data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Mas, esta não é uma situação de revelia, quer absoluta, quer relativa, como já se disse, e, como tal, não confere ao assistente o estatuto de substituto processual da parte principal e, nessa qualidade, admitido a usar de todos os direitos processuais reconhecidos aquele, por forma a poder actuar, em nome próprio, como gestor de negócios do assistido, numa relação jurídica material alheia, nos termos do disposto pelo artigo 388º, do CPC.
Assim sendo, a agravante, na qualidade de assistente, desempenha um papel subordinado ao da parte principal ou assistida, como parte acessória, sendo a autora o titular do interesse ou direito em litígio, o sujeito da relação jurídica substancial controvertida, que pode, livremente, confessar, desistir ou transigir, findando, em qualquer destes casos, a intervenção do assistente, que não pode afectar os direitos da parte principal, como decorre do preceituado pelo artigo 340º, do CPC.
E, não implicando a assistência o alargamento do objecto do litígio, porque a relação jurídica invocada pelo assistente apenas serve para garantir a legitimidade da sua intervenção, limitada ao auxílio da parte primitiva, mas antes a modificação subjectiva da instância, em que o propósito do terceiro é o de auxiliar uma das partes, não para fazer valer uma pretensão própria, mas para que esta obtenha ganho de causa, não pode o assistente, consequentemente, praticar actos que estejam em oposição com a conduta processual da pessoa a quem prestam assistência.
Quer isto dizer que ao assistente só é permitido praticar os actos processuais que, desde o momento da sua intervenção, seja lícito ao assistido realizar, entre os quais não se inclui o requerimento para o prosseguimento do processo, cuja instância se encontrava interrompida, com vista à designação da audiência de discussão e julgamento, por iniciativa isolada daquele, quando o assistido se recusa a nomear um novo advogado, em substituição do anterior, que renunciou ao mandato, sob pena de contradição entre os interesses do assistente e os da parte principal, à qual aquele se deve submeter.
Não colhem, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações do agravo, não se mostrando violadas as disposições legais citadas ou outras de que, oficiosamente, importe conhecer.

CONCLUSÕES:

I - A revelia relativa, que pode ocorrer pelo lado de qualquer das partes e que, portanto, é comum ao autor e ao réu, consiste em alguma delas ou ambas não constituírem procurador forense, nem indicarem o local da sua residência ou escolherem domicílio, para o efeito de receber as notificações.
II - Ao assistente só é permitido praticar os actos processuais que, desde o momento da sua intervenção, seja lícito ao assistido realizar, entre os quais não se inclui o requerimento para o prosseguimento do processo, cuja instância se encontrava interrompida, com vista à designação da audiência de discussão e julgamento, por iniciativa isolada daquele, quando o assistido se recusa a nomear um novo advogado, em substituição do anterior, que renunciou ao mandato, sob pena de contradição entre os interesses do assistente e os da parte principal, à qual aquele se deve submeter.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao agravo, confirmando o douto acórdão recorrido.


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Custas do agravo, a cargo da assistente.

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Notifique.
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Supremo Tribunal de Justiça
Lisboa, 13 de Abril de 2010,
Helder Roque (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves


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(1) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, 3ª edição, reimpressão, 1980, 474; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, com a colaboração de Antunes Varela, revistas e actualizadas por Herculano Esteves, 1976, 159 e 160; em sentido contrário, para quem o artigo 338º, do CPC, só é configurável se o assistido figurar na causa do lado passivo, Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3ª edição, actualizada e ampliada, 2002, 157.