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INVENTÁRIO
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
Sumário
I - Das considerações anteriores tem que forçosamente concluir-se que a oponibilidade ao credor da transmissão singular da dívida depende do seu consentimento e que a exoneração do primitivo devedor só pode ocorrer por ratificação expressa desse mesmo credor. II - Mas poderá ter o mesmo sentido (e efeitos) a homologação da partilha dos bens do extinto casal, subsequente à conferência de interessados onde o credor também esteve presente e até acordou numa condição (a aprovação da proposta apresentada pela executada e o prazo de 60 dias)? Com todo o respeito por outra opinião, entendemos claramente que a resposta só pode ser negativa.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
1 - Relatório 1.1 – Histórico do processo com relevo para a apreciação do agravo
Em Setembro de 2003, a D…, SA (mais tarde substituída nos autos pela ora recorrida, C…, SA) instaurou a presente acção executiva contra B… (ora recorrente) e E…. Invocando a celebração com os executados de um contrato de mútuo com hipoteca veio requerer a citação dos executados para pagarem a quantia exequente, sob pena de penhora do bem hipotecado.
O executado veio, em Maio de 2005, requerer a extinção da execução quanto a si, expondo os seguintes fundamentos: “No processo de Inventário subsequente ao divórcio (n.º 54-C/2001, do TFM do Porto) os executados chegaram a um acordo de partilha dos bens comuns e do passivo do extinto casal, com o acordo da exequente, conforme certidão junta. Como resulta do documento, acordou-se que a executada E… assume integralmente o passivo do extinto casal, designadamente a dívida à D…, SA, peticionada nos autos. Por sentença de 30.03.05, já transitada em julgado, concretamente a 14.05.2005, o acordo foi homologado, pelo que a responsabilidade pelo pagamento da dívida transferiu-se integralmente para a executada E…”.
O executado juntou ao aludido requerimento a cópia da “conferência de interessados” e a da sentença homologatória da partilha e, notificada a exequente, veio esta dizer, sinteticamente: “Mesmo que os interessados acordassem que o pagamento do passivo era da responsabilidade da executada E…, esse acordo vincula apenas esses interessados, e qualquer dos interessados só fica desonerado do pagamento da dívida, se a credora expressamente o referisse. Tal não foi o caso, pelo que a presente execução deve prosseguir contra ambos os executados.”
Notificado o exequente daquela pronúncia, veio insistir na sua pretensão (extinção da execução quanto a si) e aduziu: “Conforme se vê e resulta da certidão judicial do auto de conferência de interessados, o acordo relativo à responsabilidade pelo pagamento do passivo do extinto casal por parte da executada E…, designadamente quanto à quantia exequenda, foi efectuado com a presença e acordo da aqui exequente. Sendo certo que aquela não se opôs ao acordado nem recorreu da sentença homologatória da partilha, que transitou em 14.05.05. Assim, o acordo quanto à responsabilidade pelo pagamento do passivo dos executados vincula a exequente, não havendo qualquer fundamento para o prosseguimento da execução contra o executado B….”
Louvando no teor da certidão (de onde resulta que o exequente teve intervenção na conferência de interessados, e foi representada pelo advogado que igualmente a represente nestes autos) o Exmo. Juiz ordenou nova notificação e a D…, SA respondeu nos termos de fls. 139/142, que ora se reproduzem:
“No decurso da presente execução a exequente foi citada para intervir no Inventário (54-C/2001). Antes da conferência – que se realizou a 19.01.2005 – quer pelo mandatário do executado quer pelo da executada foi manifestado à exequente o propósito de encontrar uma solução consensual, pois uma anterior conferência, agendada para 22.09.2004, levou à suspensão do processo, a fim de possibilitar aquele desiderato. Antes da conferência de 19.01.2005 a executada apresentou uma proposta de regularização da dívida.
Sem embardo de pertencer aos executados o figurino que preside à partilha, caberia à exequente lançar mão da venda dos bens, designadamente o imóvel dado de garantia. No caso, não o fez por duas ordens de razões: 1 - Havia da parte dos interessados interesse na resolução do assunto, através de propostas para esse efeito formuladas; 2 – Dado correr termos este processo, numa fase que permitia a eventual celebração de acordo se as propostas tivessem aceitação por parte da exequente.
Chegada a conferência (19.01.05), tendo em conta que ainda não havia despacho favorável à proposta formulada á exequente, ficou a constar do auto que “o acordo acima exarado fica sujeito à condição da aprovação da proposta de regularização da dívida que se encontra pendente nos serviços comerciais da D… e pelo prazo de 60 dias”!
Com efeito, a proposta além de prever uma prestação mensal reduzida para a bater a dívida em atraso, pretendia que fosse reatribuída a bonificação do crédito.
Dados os contornos da proposta, a mesma veio a ser rejeitada, facto comunicado ao mandatário do executado, mostrando-se, no entanto a exequente disponível para apreciar nova proposta; nesse sentido é que a exequente referia (requerimento de 6.06.05) que não tinha desonerado qualquer dos interessados.
Dentro do princípio que na conferência os interessados podem acordar como entendam viável, a credora, salvo a venda do imóvel hipotecado, não pode impedir o estabelecimento, entre eles, das regras que presidem ao pagamento do passivo e mesmo a adjudicação dos bens, mas esses acordos não são vinculativos em relação ao credor, salvo se expressamente for admitida a desvinculação, o que não ocorreu.
Pelo contrário, a exequente expressamente, em requerimento apresentado nos autos de Inventário[2] declarou que não desvinculava nenhum dos mutuários.”
Novamente os executados foram notificados para se pronunciarem e o ora recorrente veio dizer (a fls. 152/154) o que assim se resume: “(…) desconhece quaisquer negociações entre a exequente e a executada. Bem como o resultado delas, sendo que não fez qualquer proposta de regularização da dívida; na data da conferência, a executada manifestou – como sempre – interesse em assumir a total responsabilidade pelo pagamento do passivo, designadamente a dívida peticionada, ficando proprietária exclusiva do imóvel; nessa data, o Inventário já havia sido suspenso por diversas vezes com o fundamento na existência de negociações e a exequente manifestou a sua convicção que a última proposta da executada iria ser aceite; deste modo ficou acordado que a executada ficava com todo o activo e assumiria todo o passivo.
O executado estava desempregado, sem possibilidades de pagar a dívida e aceitou prescindir do montante das tornas, tendo a exequente perfeito conhecimento dessa situação, pois, de outro modo, o executado ficaria desempregado, sem qualquer activo e solidariamente responsável por uma dívida que ascende a cerca de 50.000,00€.
Na sequência da conferência foi proferido despacho que ordenou que os autos aguardassem 60 dias acordo entre todos os intervenientes ou[3] a verificação da condição; a exequente esteve presente na conferência, deu o seu consentimento ao acordado e não apresentou reclamação ou recurso desse despacho.
Decorridos os 60 dias, sem qualquer informação da exequente ou da executada sobre o resultado das negociações, foi proferida a sentença de homologação da partilha, a 30.03.05, a qual foi notificada, não foi apresentada qualquer reclamação ou recurso, e transitou em 14.04.05.
Refere o exequente que a proposta veio a ser rejeitada, facto comunicado, mas nem o executado, a advogada ou a Mma. Juiz do TFM do Porto tiveram conhecimento de tal rejeição.
Os acordos efectuados na conferência vinculam efectivamente os credores, quanto mais não seja pelo princípio da boa fé, e a exequente deu o seu acordo expresso à partilha, ao contrário do que refere; não informou os autos da não verificação da condição, no prazo acordado e o decurso dos 60 dias era uma condição alternativa, como entendeu a Mma. Juiz. Acresce que a sentença homologatória não foi impugnada a exequente limitou-se a, um dia antes do trânsito, juntar um requerimento onde referia não desvincular os mutuários; quando o executado teve conhecimento da rejeição da proposta estava ultrapassado o prazo de 60 dias acordado na conferência.
Do exposto resulta que a exequente age com má fé e em prejuízo dos interesses e direitos do executado, vindo abusivamente invocar que não deu o seu acordo para a atribuição da responsabilidade pelo pagamento do passivo pela executada E…, bem sabendo que tal atitude é contra a posição anteriormente manifestada na conferência de interessados”.
Foi junta aos autos uma certidão e a fls. 171 o executado (ora agravante) veio reiterar tudo o que já dissera a manter a sua pretensão.
1.2 – A decisão sob censura
De seguida foi proferido o despacho que constitui o objecto deste agravo. Analisando a questão que se colocava (e o agravo recoloca) o tribunal declarou improcedente a pretensão do executado e, para tanto, disse o seguinte:
“Através do requerimento de fls. 102 o co-executado veio requerer a extinção da execução quanto a ele. Para tanto e no essencial, alega que no âmbito do processo de inventário para partilha subsequente a divórcio os executados acordaram que a executada assumia o passivo do extinto casal, tal acordo foi homologado, pelo que a responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda transferiu-se para a executada. A exequente deduziu oposição. Apreciando e decidido: Compulsados os autos, nomeadamente os documentos de fls. 103 a 106 e a certidão de fls. 163 a 164, resulta que na conferência de interessados que ocorreu no âmbito dos autos de Inventário para partilha de Bens do casal dissolvido, formado pelos executados, a que corresponde o n.º 54-C/2001 do 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, os interessados acordaram na forma de pagamento do passivo, sendo certo que esse acordo apenas vincula os interessados e não o credor, aqui exequente, porque este não ratificou o acordo nem declarou expressamente que exonerava o executado – art. 559.º CCivil. Efectivamente, não resulta desses autos de inventário nem destes autos de execução que a exequente tenha desonerado o executado da responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda. Assim, improcede a pretensão do executado. Custas pelo incidente a cargo do executado, fixando-se em 1UC a taxa de justiça. Notifique.”
1.3 – O recurso
O executado, inconformado com a decisão, veio dela agravar para esta Relação (fls. 201). Pretendeu, então, a subida imediata do recurso e o seu efeito suspensivo, no que foi desatendido[4]. A terminar o seu requerimento formula as seguintes Conclusões:
1 – Vem o presente recurso interposto do despacho de 20.12.2005 que julgou improcedente a pretensão do executado de extinção da instância executiva quanto a este.
2 – Em 17.05.05, o agravante requereu a extinção da instância executiva quanto ao mesmo, alegando, em síntese, que no processo de Inventário/Partilha que correu termos no Tribunal de Família e Menores do Porto os aqui executados chegaram a acordo no que se refere à partilha dos bens comuns e passivo do extinto casal, com a concordância da exequente, ora agravada, tendo sido determinado que o passivo seria da exclusiva responsabilidade da executada E…, acordo esse homologado por sentença de 30.03.05, transitada em julgado em 14.04.05, pedido esse reiterado por requerimentos de 20.06.05, 20.09.05 e 31.10.05.
3 – A agravada opôs-se a tal pretensão por requerimento notificado em 02.06.05, alegando, em suma, que não desonerou expressamente o agravante da responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda, tendo reiterado a oposição à pretensão do executado por requerimentos notificados em 06.07.05 e 18.10.2005.
4 – Por despacho de 20.12.05 foi determinada a improcedência da pretensão do executado, pois se considerou que “(…) não resulta desses autos de inventário nem destes autos de execução que a exequente tenha desonerado o executado da responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda (…)”.
5 – Salvo o devido respeito, não decidiu bem o Mmo. Juiz a quo. Vejamos,
6 – Uma vez que a agravada manifestou a convicção de que a última proposta apresentada pela executada E… iria ser aceite pelos seus serviços comerciais e o executado, ora agravante, encontra-se desempregado não tendo qualquer possibilidade de liquidação da dívida à exequente – ainda que através de uma renegociação do pagamento em prestações – ficou determinado entre os aqui executados, na conferência de interessados no âmbito do processo de partilha, que a executada E… assumiria a total responsabilidade pelo pagamento do passivo do extinto casal, designadamente a dívida peticionada nestes autos, ficando, em contrapartida, proprietária exclusiva do imóvel em apreço e que tem constituída hipoteca a favor da aqui exequente – conforme melhor resulta da certidão judicial junta com o requerimento de 17.05.05.
7 – Por este motivo e uma vez que a executada ficaria responsável pelo pagamento das dívidas, sendo tal acordo realizado na presença e com o consentimento da D…, SA, o executado aceitou prescindir do montante de tornas a que eventualmente teria direito por força da atribuição do imóvel àquela.
8 – Como é bom de ver, a exequente tem perfeito conhecimento da situação descrita, pois que esteve presente na dita conferência, sendo certo que é óbvio que o executado jamais teria prescindido de tornas caso a D…, SA não aceitasse desobriga-lo de tal dívida, pois que, se assim sucedesse, o executado ficaria desempregado, responsável solidário por uma dívida que ascende a cerca de 50.000,00€ e despojado de qualquer activo que lhe permitisse regularizar esse débito.
9 – Assim, na sequência da referida conferência, foi proferido o seguinte despacho: “Aguardem os autos o decurso do prazo de 60 dias acordado entre todos os intervenientes ou a verificação da condição acima referidos” (sublinhado nosso) sem do que, apesar de presente, a exequente não apresentou qualquer reclamação, requerimento de esclarecimento/reforma ou interposição de recurso do despacho na mesma proferido.
10 – Decorridos os 60 dias acordados sem que a exequente ou a executada tivessem dado qualquer informação aos autos ou ao executado sobre o resultado das negociações, ou seja, sobre a proposta do departamento comercial à proposta apresentada pela executada E…, a Mma. Juiz proferiu a sentença de homologação da partilha em 30.03.05, que transitou em julgado em 14.04.05, por não ter sido apresentada qualquer reclamação, pedido de reforma ou esclarecimento, nem foi interposto recurso da mesma por qualquer dos intervenientes na partilha.
11 – Apesar do referido pela exequente no requerimento notificado em 06.07.05, quanto á rejeição da proposta apresentada pela executada, nem o agravante, nem a signatária, nem a Mma. Juiz do tribunal de Família e Menores tiveram conhecimento de tal rejeição.
12 – Ora, os acordos efectuados na conferência de interessados vinculam efectivamente os credores presentes na mesma e que não se oponham, quanto mais não seja pelo princípio da boa fé, que deve pautar a actuação das partes no processo.
13 –No caso presente verifica-se uma modificação do devedor por acordo entre o antigo (agravante) e o novo (executada E…), sendo que para que tal acordo vincule o credor é necessária a sua ratificação (que pode ser expressa ou tácita) do mesmo, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil.
14 – Certo é que a agravada deu o seu acordo expresso á partilha nos termos em que foi efectuada, ao contrário do reiteradamente alegado.
15 – De facto, a agravada sujeitou a validação daquele acordo à condição de aprovação da proposta de regularização da dívida que se encontrava pendente nos serviços comerciais e pelo prazo de 60 dias, pelo que a ratificação do acordo da partilha no que à agravada respeita, ficou sujeito a uma condição suspensiva (artigo 270.º do Código Civil) produzindo efeitos a partir da verificação da mencionada condição: a aprovação da proposta de regularização da dívida ou o decurso do prazo de 60 dias.
16 – Uma vez que a exequente nada disse no prazo estabelecido, tem-se por verificada a condição acordada, produzindo a declaração de ratificação efeitos a partir daquela data, isto é, em 20.03.05.
17 – Na verdade, a exequente não informou os autos de partilha da não verificação da condição assente em 19.01.05 no prazo acordado entre os intervenientes (inclusivamente a exequente), sendo que a aceitação da proposta apresentada à agravada pela executada E… e o decurso do prazo de 60 dias são condições alternativas, isto é, verificando-se uma ou outra a partilha têm-se por efectuada, bem como a declaração expressa de acordo quanto à mesma manifestado pela D….
18 – Acresce que, apesar de já ter sido proferida a sentença homologatória e notificada a todos os intervenientes, a exequente dela interpôs recurso, limitando-se, um dia antes daquela transitar em julgado, a juntar um requerimento aos autos em que informa “não desvincular os mutuários do cumprimento do empréstimo”, sendo certo que nem sequer notificou o executado do mesmo, pelo que este só teve conhecimento do seu teor posteriormente, quando notificado pelo Tribunal, quando já tinha (claramente) ultrapassado o prazo de 60 dias acordado na conferência de interessados, bem como o prazo de interposição de recurso da sentença homologatória.
19 – Tendo decorrido o prazo estabelecido para a ratificação da agravada do acordo quanto á assunção da dívida comum do extinto casal, e salvo mais douto entendimento, deve considerar-se definitiva e oponível ao credor, sendo plenamente eficaz quanto a este.
20 – Assim, a exequente desobrigou o executado do pagamento da dívida exequenda, sendo tal acordo válido e eficaz nos termos e para os efeitos do artigo 595.º do Código Civil, não havendo qualquer fundamento para o prosseguimento dos presentes autos de execução quanto ao agravante.
21 – Deste modo, mal se decidiu, pois que deviam ter sido julgados extintos os autos quanto ao agravante, violando por deficiente interpretação do acordo estabelecido na conferência de interessados, designadamente, o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 595.º e do artigo 270.º, ambos do Código Civil.
22 – Caso assim não se entenda, ou se tenha interpretação diversa da declaração da agravada efectuada na conferência de interessados, sempre se dirá que o agravante apenas acedeu ao acordo de partilha porque a D… criou convicção naquele de que havia assentido na mesma, ou seja, que o havia desobrigado do pagamento da dívida exequenda.
23 – Do exposto resulta claro que a agravada agiu de má fé e em prejuízo óbvio dos interesses e direitos do executado, vindo agora nos autos de execução (abusivamente) e já depois do trânsito da sentença homologatória da partilha invocar que não deu o seu acordo para a atribuição da responsabilidade pelo pagamento do passivo à executada E…, bem sabendo que tal atitude é contra a posição anteriormente manifestada na conferência de interessados.
24 – A confiança criada no agravante por uma conduta anterior da agravada (o acordo de assunção de dívida pela executada) representa uma auto-vinculação que é fundamento suficiente para se obstar a uma conduta (posterior) violadora dessa confiança possa produzir o efeito jurídico por ela visado.
25 – A exequente abusa do seu direito pois invoca que não desvinculou o executado do pagamento da quantia exequenda quando, por acordo e com a sua anuência, ficou determinado que a responsabilidade seria apenas da executada E…, sendo que a agravada tinha conhecimento que o agravante apenas acedeu á transmissão total do activo do extinto casal para a executada, prescindindo de tornas a que eventualmente tivesse direito, por força da aprovação da assunção de dívida acordada.
26 – Sendo que tal assunção foi objecto de acordo expresso por parte da agravada, que se absteve de comunicar, ao executado ou ao tribunal de Família e Menores, qualquer rejeição da proposta de regularização da dívida, criando no agravante a convicção de que estaria desobrigado daquele pagamento, com o decurso do prazo de 60 dias (também este estabelecido por acordo entre todos os intervenientes na partilha. Os interessados – ora executados – e o credor – ora exequente).
27 – Verifica-se, pois, quanto à manutenção da exigibilidade da dívida ao agravante, um claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pois a exequente assume uma conduta posterior intoleravelmente contraditória e incompatível com a conduta assumida anteriormente, excedendo, assim, os limites impostos pela boa fé e violando o disposto no artigo 334.º do Código Civil.
28 – Se o efeito jurídico pretendido pela agravada se produzir (inoponibilidade do acordo de partilha à credora) verificar-se-á um dano com a quebra daquela confiança, pelo que esta deve ser objecto de tutela jurídica.
29 – O executado confiou que, tendo declarado o seu assentimento ao acordo quanto á responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda, a agravada iria extinguir a instância executiva quanto a si e, com base em tal crença, orientou a sua vida, nomeadamente prescindindo da totalidade do activo do extinto casal e, bem assim, das tornas a que teria direito.
30 – No domínio dos casos a que é aplicável a proibição do venire contra factum proprium, a responsabilidade pela confiança deverá funcionar em termos preventivos, paralisando o exercício do direito ou tornando ineficaz a conduta declarativa que, se não fosse contraditória com a conduta anterior do mesmo agente, produziria determinados efeitos jurídicos.
31 – Assim, a sanção para a conduta abusiva por parte da agravada, e caso não se entenda que a declaração constante da acta da conferência de interessados é uma declaração de ratificação da assunção da dívida exequenda, deverá ser a oponibilidade àquela do acordo quanto à partilha do passivo do extinto casal.
32 – Deste modo decidiu mal o Mmo. Juiz a quo, pois que deveria ter considerado oponível ao credor exequente (ora agravada) a decisão de partilha dos bens e passivo comum dos aqui executados, em violação, designadamente, do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
A (então) agravada respondeu ao recurso e, defendendo a bondade da decisão sob censura, veio dizer (ora resumidamente):
- O contrato foi celebrado entre a agravada e os executados e qualquer alteração tem de ser feita por vontade manifestada expressamente nesse sentido.
- A desvinculação de um mutuário acarreta uma redução do valor da garantia e o prosseguimento da execução contra os dois sempre dá mais garantias que apenas contra um deles.
- Qualquer acordo de desvinculação respeita a alterações do conteúdo essencial do negócio e a alteração dos seus intervenientes tem que revestir forma escrita, não podendo resultar de uma manifestação tácita da vontade, pelo decurso de um eventual prazo.
- O credor hipotecário que intervém no inventário não tem a posição de interessado, apenas intervém na defesa do crédito, numa posição especial que pode até conduzir à venda do imóvel e, se não intervier, não pode opor-se a um eventual acordo.
- Mas os acordos não são oponíveis ao credor, que não pode ver a sua garantia diminuída, embora possa, se o fizer expressamente, desonerar qualquer dos interessados, mas sempre por declaração expressa, o que não aconteceu.
- O que se disse na conferência foi que o acordo entre os interessados ficava sujeito á condição de aprovação da proposta de regularização da dívida e pelo prazo de 60 dias.
- O acordo de partilha, homologado por sentença, não pode ser oponível à agravada e não houve da sua parte assentimento quanto a desonerar o agravante, decorrido o aludido prazo.
- O agravante não pode esquecer o n.º 2 do artigo 595.º do C. Civil.
- São despiciendas e desajustadas as considerações do agravante quanto às expectativas criadas e ao abuso de direito, pois não devia esquecer que teve um financiamento vultuoso através de um contrato de mútuo livremente celebrado e que deixou de cumprir e não pode alegar que lhe foi criada a convicção que ia ser desonerado, já que o mesmo afirma que o processo de inventário esteve várias vezes suspenso, em razão de várias propostas apresentadas e que nunca tiveram resultados práticos.
O recurso foi oportunamente recebido e foi proferido despacho tabelar de sustentação da decisão agravada (fls. 276); atento o efeito e modo de subida do agravo, a execução prosseguiu os seus legais termos. Entretanto, previamente à sua eventual extinção, o agravante manifestou interesse no conhecimento do agravo retido e os autos subiram a esta Relação. Aqui o processo correu Vistos e nada constatamos que impeça a apreciação do seu mérito.
1.4 – Objecto do recurso:
Definido pelas conclusões do agravante, o objecto do recurso (com o qual se pretende a revogação do decidido e a sua substituição pela declaração judicial que, em relação ao recorrente, declare extinta esta execução) define-se na abordagem a duas questões: 1.4.1 - Se o credor, com a intervenção que teve no Inventário em que os executados acordaram a partilha de bens, desonerou o agravante da responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda (conclusões 6 a 20). 1.4.2 - Ainda que assim se não entenda, se essa mesma intervenção e o comportamento do credor o impede de invocar a inoponibilidade a si do acordo de partilhas, já que o contrário (invocá-la) representa um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium (conclusões 22 a 31).
2 - Fundamentação 2.1 – Fundamentação de facto
A leitura do Relatório (com a transcrição, em tudo quanto importa, dos requerimentos das partes, dos documentos a considerar e da decisão em crise) permite a percepção integral da matéria de facto que importa à apreciação do recurso. Por ser assim, para o mesmo expressamente remetemos, sem, no entanto deixarmos de aqui transcrever o que resulta provado relativamente ao Inventário:
1 – No processo de Inventário, subsequente ao divórcio dos executados, consta da respectiva Acta da Conferência de interessados o seguinte “As partes, o cabeça de casal e a interessada, acordam o seguinte: 1 – 2 – Os bens imóveis identificados a fls. 19 ficam atribuídos à interessada E… pelo valor matricial (…) 3 – O cabeça de casal prescinde de tornas que eventualmente tivesse direito 4 – A interessada E… assume integralmente o passivo, quer o devido à D… quer à Direcção Geral dos Impostos 5 – Mais acordam em actualizar o valor da dívida à Direcção geral dos Impostos (…) 6 – A interessada E…, caso a condição se verifique e os imóveis lhe sejam adjudicados, perdoa o pagamento da indemnização que foi fixada no processo n.º 12043/01.2TDPRT. Seguidamente, pelo mandatário da D… e pelas partes foi dito o seguinte: “O acordo acima exarado fica sujeito à condição de aprovação da proposta de regularização da dívida que se encontra pendente nos serviços comerciais da D… e pelo prazo de 60 dias.” Seguidamente, ela Sr.ª Juiz ditou o seguinte Despacho: “Aguardem os autos o decurso do prazo de 60 dias acordado entre todos os intervenientes ou a verificação da condição acima referida.”
2 - Como dos mesmos autos também consta, foi proferida sentença homologatória da partilha com o seguinte teor: “Por considerar válido pelo seu objecto e pela qualidade dos seus intervenientes, sendo que decorreu já o prazo durante o qual as partes cumpriram a condição exarada a fls. 125 e 126, homologo por sentença a partilha efectuada a fls. 125 e 126 e em consequência adjudico á interessada E… os imóveis identificados e relacionados sob as verbas 1 e 2 de fls. 19. Custas por ambos em partes iguais. Registe e notifique”.
2.2 – Aplicação do direito 1.4.1.A desoneração do agravante.
Indubitavelmente resulta dos autos que a (inicial) exequente celebrou com ambos os mutuários (o agravante e a executada E…) um contrato de mútuo com hipoteca, tendo vindo executar o débito, responsabilidade de ambos os executados. Já na pendência da execução, os executados foram parte num processo de Inventário para partilha dos bens comuns. Depois de algumas vicissitudes que justificaram o adiamento da conferência de interessados nesse processo e que visavam um acordo de partilha com reflexo na titularidade dos bens e na responsabilidade pelas dívidas, veio um dia em que esse acordo foi estabelecido, nos moldes que constam dos documentos juntos aos autos e que já se relaram nos factos.
O agravante, perante a realidade acabada de descrever, peticionou na execução que esta fosse declara extinta, quanto a si. Foi-lhe indeferida a pretensão e, por isso, recorreu. E a primeira pergunta (coincidindo com a primeira questão a resolver) é a seguinte: o agravante foi efectivamente (legal e validamente) exonerado da sua responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda?
Como ambas as partes reconhecem, a questão jurídica prende-se com a “transmissão singular de dívidas”, mais concretamente com a assunção de dívida (artigo 595.º do Código Civil – CC), ainda que deva ser chamada ao problema a questão (sentido e alcance) da intervenção do credor no Inventário.
A assunção de dívida é a transmissão do débito, a transmissão da posição jurídica do devedor[5] (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Vol. IV, Almedina, 2010, págs. 235 e ss.) e, nos moldes consagrados no nosso Código Civil (artigo 595.º, n.º 1), pode revestir três distintas modalidades: a resultante de contrato entre o antigo devedor e o novo, assuntor, ratificado pelo credor; a derivada de contrato entre o novo devedor e o credor, com o consentimento do antigo devedor e a assunção derivada de contrato entre o novo devedor e o credor, mas sem consentimento do antigo devedor[6].
Convém desde já esclarecer, no entanto, que o acordo ou ratificação do credor não é condição de existência da assunção da dívida, mas do sentido ou características dessa assunção. Neste aspecto, distingue-se a assunção cumulativa da assunção liberatória. Efectivamente, nos termos do artigo 595.º, n.º 2 do CC, a transmissão só exonera o antigo devedor se houver expressa declaração do credor e se não a houver o antigo devedor responde solidariamente com o novo e, por isso, quer haja quer não haja exoneração, haverá assunção, mas só no primeiro caso ela é liberatória, só no primeiro caso se extingue a obrigação do primeiro devedor. Assim – e citamos Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (Direito das Obrigações, Vol. II, 3.ª edição, Almedina, 2005, pág. 54) – “ao verificar-se a transmissão da dívida, o novo devedor pode vir a substituir integralmente o antigo devedor, que fica assim exonerado (assunção liberatória), ou, pelo contrário, ficar vinculado por essa obrigação exactamente nos mesmos termos e em simultâneo com o primitivo devedor, sem que a vinculação deste seja afectada (assunção cumulativa).
A diferença entre estas duas situações jurídicas depende apenas da declaração de exoneração do primitivo obrigado, que compete ao credor, e que a lei exige que resulte de declaração expressa, ou seja, declaração feita por palavras ou outro meio de expressão da vontade (artigo 217.º)[7]. A exoneração pelo credor é assim essencial para que o antigo devedor fique liberado perante ele. Sem essa declaração, o novo devedor responderá solidariamente para com o antigo obrigado.”
Em consonância com o que se deixou dito, a doutrina tem referido como requisitos da validade da assunção de dívida, além da validade do próprio contrato de transmissão, o consentimento do credor (Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 1990, págs. 595/608).[8]
Das considerações anteriores tem que forçosamente concluir-se que a oponibilidade ao credor da transmissão singular da dívida depende do seu consentimento e que a exoneração do primitivo devedor só pode ocorrer por ratificação expressa desse mesmo credor.
No caso presente, essa ratificação não ocorreu.
Mas poderá ter o mesmo sentido (e efeitos) a homologação da partilha dos bens do extinto casal, subsequente à conferência de interessados onde o credor também esteve presente e até acordou numa condição (a aprovação da proposta apresentada pela executada e o prazo de 60 dias)?
Com todo o respeito por outra opinião, entendemos claramente que a resposta só pode ser negativa.
Em primeiro lugar, a intervenção do credor no inventário permite-lhe a exigência imediata do pagamento das dívidas vencidas e aprovadas (1375.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – CPC) mas trata-se apenas de uma faculdade que não interfere na aprovação ou na real partilha entre os interessados.
Em segundo lugar, a questão só poderia ter um relevo diferente (e eventualmente favorável ao agravante) se na sentença homologatória da partilha houvesse a condenação ao pagamento do passivo (artigo 1354.º, n.º 1 do CPC[9]) e essa condenação apenas se referisse ao cônjuge mulher, à aqui executada E….
Por último, a sentença homologatória da partilha não constitui (nem o agravante tal defende) caso julgado em relação ao credor hipotecário, mas apenas produz efeitos em relação aos interessados e isso mesmo se afirma no Acórdão do STJ de 11.12.2001 (CJ/STJ, T.III, Pág. 143)[10], de onde se retira que “o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha apenas produz efeitos internos, não vinculando o credor hipotecário, a não ser que este dê o seu expresso consentimento à transmissão da dívida, nos termos do art. 595.º, n.º 2 do CC.” Já vimos, no entanto que esse expresso consentimento, em rigor a ratificação condição de exoneração, não ocorreu no caso em apreço.
Por tudo, entendemos que não houve exoneração do agravante por parte do credor e, por isso, com base nessa exoneração (hipotética mas não efectiva) o executado não podia ver ser-lhe deferida a pretensão de, quanto a si, esta execução ser declarada extinta.
Cumpre, não obstante o antes afirmado, abordar a sua questão que o agravo coloca (1.4.2): se a intervenção e o comportamento do credor o impede de invocar a inoponibilidade a si do acordo de partilhas, já que o contrário (invocá-la) representa um abuso de direito, concretamente na modalidade de venire contra factum proprium.
Nos pressupostos do recorrente, a agravada agiu abusivamente e, por isso, contra o Direito, uma vez que, com o seu comportamento negocial, o fez legitimamente pensar que o exoneraria do pagamento da dívida exequenda e, depois, não o exonerou.
O abuso de direito, nos moldes invocados pelo agravante, traduziria uma violação da boa fé, porquanto, nos termos do artigo 334.º do CC é ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pelos bons costumes, pelo fim social e económico desse direito ou, precisamente, pela boa fé.
A boa fé, no sentido que aqui importa[11] significa “que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros” (Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Almedina, 1999, p. 55) e, revelando-se em vários normativos[12], continua a ser uma cláusula geral que a doutrina e a jurisprudência concretizam em hipóteses típicas, das quais se destaca, justamente, o chamado “venire contra factum proprium”, enquanto tradução do impedimento ao exercício de um direito (de uma pretensão) incompatível ou contraditório com uma conduta anterior do seu titular.
O venire contra factum proprium nulli concidetur, expressão de origem canónica que significa “a ninguém é permitido agir contra o seu próprio acto” (António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I, Tomo I, Almedina, 1999, p. 2000) revela uma proibição que sempre foi acolhida pela jurisprudência como derivando da boa fé[13] e exigida pela tutela da confiança (Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, págs. 125 e 128/130, em especial a nota 139, a p. 129)[14].
Como de algum modo já se adiantou – e voltamos agora ao caso em apreço – o agravante entende, não propriamente que o credor (agravada) estava adstrito, pelo comportamento concludente que teve em sede do Inventário, à emissão de uma declaração rectificativa do contrato de partilha, mas impedido de ser prevalecer de não a ter emitido. Dito de outro modo, há um obstáculo fundado na boa fé que impede o credor de continuar a ser credor do agravante, porque o devia ter exonerado.
Parece bem de ver que a posição do agravante, para ser sustentável, teria de fundar-se num conjunto diverso e manifesto de factos que os autos não revelam. Não pode esquecer-se, ao invés, que a ratificação do acordo de partilhas é condição de exoneração e não o contrário e também não pode ignorar-se que as negociações decorreram entre o credor e a executada E… (como o agravante reconhece), efectivamente condicionadas, em primeira via, pela liberdade própria de qualquer dos negociadores.
O processo negocial em causa justificou anteriores adiamentos da conferência de interessados e o recorrente minimamente demonstra que o credor lhe tenha (a si mesmo) convincentemente prometido um comportamento diverso daquele que veio a ter. Importa frisar que o acordo de partilhas tem reflexo apenas entre os interessados, que a ratificação não se confunde com a existência da assunção de dívidas (apenas com as características desta) e que, no fundo, não pode minimamente retirar-se do comportamento do credor o compromisso de aceitar o acordo e, por via dele, a exoneração. Acresce que o agravante não podia ignorar que a rectificação, condição da exoneração, é uma declaração de vontade expressa, que, efectivamente, não aconteceu.
E, em todo este contexto, não pode falar-se de comportamento violador da boa fé e , menos ainda, de abuso de direito, onde se exige que o exercício do direito exceda os limites da boa fé, mas que os exceda manifestamente.
Assim, também quanto à segunda das questões equacionadas o recorrente não tem razão. Por isso, o agravo não pode ser provido e a decisão da 1.ª instância, já que correcta e conforme ao direito aplicável, tem de ser integralmente confirmada.
3 – Decisão:
Por tudo quanto se deixou dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar não provido o agravo interposto pelo recorrente B… e em que é agravada a sociedade C…, SA (por habilitação, na qualidade de cessionária, do crédito da D…, SA) e, em conformidade, confirma-se a decisão da 1.ª instância que indeferiu a pretensão do agravante de ver ser extinta, quanto a si, a presente execução.
Custas pelo agravante.
Porto, 20.12.2011
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
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[1] Por habilitação, na qualidade de cessionária, do crédito exequendo, inicialmente na titularidade da D…, SA (apenso B).
[2] Com cópia a fls. 143, entrado no TFM do Porto a 13.04.2005 e com este teor: (…) notificado do teor da sentença e da concessão do prazo de 60 dias, vem informar… “… não desvincula nenhum dos mutuários do cumprimento do empréstimo, podendo reapreciar o prescrito, caso haja reforço das garantias já existentes e que, na actual situação, não é viável a reatribuição das bonificações…”
[3] O “ou” resulta do alegado pelo recorrente e, correctamente, refere-se ao despacho. A exequente dissera “e” e só podia, correctamente, referir-se à condição acordada.
[4] A fls. 206 desatende-se o efeito pretendido, porquanto se entendeu que “o despacho impugnado não é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação visto que tal prejuízo – como se preceitua no artigo 740.º, n.º 3 do C.P.C. – há-de derivar ad execução do despacho.”
[5] A assunção de dívida não deve confundir-se com a co-assunção de dívida, à qual se não refere o artigo 595.º, n.º 1 do CC: além há uma verdadeira transmissão e aqui um acrescento de devedor, junta-se um novo devedor ao devedor antigo.
[6] Efectivamente, diz-nos o preceito em causa, no seu n.º 1: A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se: a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor; b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
[7] O autor, em nota (n.º 103, a pág. 54), vinca a solução legal – declaração expressa -, dando conta que no âmbito dos trabalhos preparatórios foi proposta solução diferente, entendendo Vaz Serra que “bastaria que a exoneração fosse clara, podendo esta inclusivamente resultar da ratificação de um contrato donde claramente se veja que se pretendia essa exoneração.”
[8] Igualmente, Luís Menezes Leitão (Direito das…, cit., págs. 55/59) salienta – quanto ao consentimento -, e afastando-se da tese de Mota Pinto, o facto de no nosso sistema jurídico a assunção nunca pode ocorrer sem esse consentimento. Identificando os mesmos requisitos, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 1995, págs. 370/377. Aos dois requisitos, Menezes Cordeiro (Tratado de…, cit., págs. 238/239) acrescenta outro, “a existência de uma dívida efectiva”, requisito que, com o devido respeito, nos parece redundante, já que versa simplesmente sobre o objecto do negócio.
[9] “As dívidas (…) consideram-se judicialmente reconhecidas, devendo a sentença que julgue a partilha condenar no seu pagamento.”
[10] Acórdão onde igualmente se diz, com muito relevo para o presente caso, atenta a semelhança, que “a partilha em processo de inventário que abarque um bem imóvel adquirido por ambos os cônjuges, com recurso a crédito garantido por hipoteca, não determina uma modificação subjectiva do crédito hipotecário, subsistindo ambos os devedores vinculados ao respectivo pagamento” e se acrescenta que assim é “ainda que o bem hipotecado seja adjudicado a um dos ex-cônjuges e que este assuma o pagamento do passivo”.
[11] Num outro sentido, a boa fé é um elemento constitutivo de algumas previsões normativas e traduz-se no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude, com consequências – legalmente previstas – favoráveis ao sujeito.
[12] Nomeadamente, artigos 3.º, n.º 1; 227.º, n.º 1; 272.º, 437.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2, todos do Código Civil.
[13] Cf. António Menezes Cordeiro, Tratado I/I…, cit. Págs. 202/203, onde se cita abundante jurisprudência.
[14] Onde faz referência à exceptio doli defendida por Vaz Serra (só haveria abuso se “a conduta, objectivamente interpretada, de harmonia com a lei, os bons costumes ou a boa fé, justificava a convicção de que se não faria valer o direito”) e enumera um conjunto de autores que têm tratado o problema em sede do direito obrigacional. Especial referência é feita a Baptista Machado, que enquadra o “venire…” na tutela da confiança (“em estado puro”) e formula alguns requisitos para a proibição do comportamento contraditório, “como a existência de uma situação objectiva de confiança, o investimento de confiança do lado da pessoa a proteger e a imputabilidade ao agente daquela situação” e a Menezes Cordeiro, que destaca dois grupos de casos: um “em que há a intenção manifestada de não empreender certo acto e, num momento posterior, afinal a sua prática” e o segundo grupo “em que se manifesta a intenção de praticar um acto, mas sem vinculação negocial correspondente e, depois, a sua omissão”.