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PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
NULIDADE
REFORMATIO IN PEJUS
Sumário
I - Em processo por crime de Condução perigosa ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez, não constando da acusação ou do despacho de pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.° 1 do artigo 69° do CP, não pode ser aplicada a proibição de conduzir ali prevista sem que ao arguido seja comunicada, nos termos do os n.º 1 e 3 do artigo 358° do CPP, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer em nulidade [Ac. n.º 7/2008 do Supremo Tribunal de Justiça]. II - Se o tribunal omitiu a comunicação imposta por aquela norma e, não obstante, procedeu à aplicação da pena acessória na decisão final, esta está ferida de nulidade que pode ser arguida e conhecida em recurso [art. 379º, n.º 1, al. b), do CPP]. III - A sanação da nulidade impõe a reabertura da audiência na 1ª instância, pelo mesmo tribunal, para que seja feita a comunicação em falta, concedido prazo para preparação da defesa e produzida prova, se o recorrente assim o requerer, e, subsequentemente, reformulada a sentença apenas na parte respeitante à aplicação da sanção acessória. IV - Por força da proibição da reformatio in pejus, a pena acessória não poderá ser fixada em medida superior àquela em que antes havia sido.
Texto Integral
Recurso Penal nº 311/11.0GACPV.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
No Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, em processo sumário, foi submetido a julgamento o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-lo pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1 al. a) e do Código Penal e artº 152º nº 1 e 3 do Código da Estrada, na pena de 45 dias de multa, à razão diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor durante 4 meses.
Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela usa revogação quanto á medida de inibição de conduzir aplicada apresentando as seguintes conclusões:
1 - Salvo o devido respeito por outra opinião, o recorrente é da firme convicção que o Tribunal a quo andou mal ao condenar na sanção acessória de inibição de conduzir porque as disposições legais aplicáveis não constavam da acusação (cfr. Acusação de fls. 11, onde apenas se imputa a prático do crime de desobediência p° e p° pelo art.º 348 n.º 1 al. a) do C. Penal, com referência no art° 152 nº3 do Cód. do Estrada):
2 - nem tão pouco, em audiência de julgamento, foi feito a requalificação jurídica, bem como quaisquer referência ás disposições legais aplicáveis (cfr. acta do audiência do julgamento):
3 - No caso dos autos, não foi indicada na acusação a disposição legal que permito a aplicação do pena acessória supra referida:
4- Ao arguido não foi comunicado, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 358.° do Código de Processo Penal, o alteração do qualificação jurídica dos factos daí resultante,
5- Por esta via entende-se estar vedada a aplicação de tal pena acessória, recorrendo-se à fundamentação tida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 7/2008 fixou a seguinte jurisprudência"Em processo por crime de condução perigosa ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de substâncias psicotrópicas, não constando do da acusação ou do despacho de pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.°1 do artigo 69º do Código Penal, não pode ser aplicada a proibição de conduzir ali prevista sem que ao arguido seja comunicada, nos termos do os nos 1 e 3 do artigo 358º do CPP, a alteração do qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer no nulidade prevista no alínea b) do n.º 1 do artigo 379 deste último diploma legal".
6 - Acórdão que tem aqui plena aplicação.
7- Acresce que as penas acessórias constituem verdadeiras penas, não podendo n sua imposição assumir carácter automático, caiando a sua aplicação condicionada à comprovação judicial dos requisitos formais - prévia punição pela prática de um crime ou contra-ordenação - e substancial - particular conteúdo do ilícito que justifique materialmente a sua justificação.
8 - Não bastaria a indicação na fundamentação de direito na sentença, o que também neste caso não aconteceu. Era necessário que, a imputação legal de aplicação de uma sanção de inibição (sanção acessória) constasse da acusação, pronuncia ou da alteração de factos.
9 - Assim, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do nº 1 do artigo 69º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição do conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 358.° do Código do Processo Penal, a alteração do qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 379.° deste último diploma legal.
Pelo que
Revogando a sentença recorrida na parte em que condena o recorrente na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses V. Exªs. farão a acostumada JUSTIÇA.”
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O MºPº na sua resposta aderiu na íntegra à posição e aos fundamentos do recurso.
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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., sem que tivesse havido resposta.
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Colhidos os vistos, realizou-se a conferência
Cumpre decidir.
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II FUNDAMENTAÇÃO
Para o caso em apreço haverá que ter em conta as seguintes peças processuais:
a) A decisão recorrida que em processo sumário foi proferida oralmente constando na respectiva acta que: Em seguida, a Mmª Juiz de Direito proferiu o seguinte
DESPACHO
"Atenta a confissão integral e sem reservas do arguido, não haverá lugar à produção da demais prova dos factos que lhe são imputados, nos termos do disposto no artigo 344º. nº 1 e n.º 2, al. a) do Cód. Proc. Penal. " Finda a produção de prova, pela Mmª Juiz de Direito foi concedida a palavra, sucessivamente, à Digna Magistrada do Ministério Público e ao ilustre defensor oficioso presentes, para em alegações orais exporem as conclusões de facto e de direito que hajam extraído da prova produzida. Findas as alegações, foi dada a oportunidade ao arguido de dizer algo que ainda não tivesse dito e que entendesse ser útil para a sua defesa, após o que a Mma Juiz passou à leitura de sentença, tendo a mesma sido gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, tendo ditado para a acta a seguinte
DECISÃO
V – Dispositivo Tudo visto e ponderado, o Tribunal decide: a) Condenar o arguido B…, pela prática de um crime de desobediência simples, previsto e punido pelos art.s° 348.°, n.° 1, al. a) do Código Penal e 152.°, n.° 1 e n.° 3 do Código da Estrada, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de 5 euros, o que perfaz o montante global de 225 euros. b) Proibir o arguido de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses para o que, decorrido o prazo de trânsito em julgado da decisão, deverá fazer, em 10 dias, a entrega da sua carta de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo ou conduzir durante o período de inibição, incorrer na prática de um crime de violação de proibições. c) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo, já reduzida a metade por força da confissão.
b) Por sua vez a acusação foi elaborada nos seguintes termos:
“Requisite o C.R.C. do arguido.
P. o julgamento do arguido B…, em processo sumário, pela prática do crime de desobediência pº e pº pelo art° 348 nº 1 al.a) do CPenal, com referência ao art° 152 nº 3 do Cód. da Estrada,
O arguido agiu voluntária e conscientemente bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
Prova:
Testemunhal:
O participante, constante do auto de notícia.
Defensor oficioso do arguido: o advogado de escala.”
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O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Assim face às conclusões do recurso, a questão essencial que importa decidir é se haverá lugar à nulidade “tout court” da sentença, na parte que o condenou na medida acessória de inibição, por esta sanção não ter sido referida na acusação, nem de tal possibilidade lhe ter sido comunicada em julgamento.
Com efeito o recorrente insurge-se contra o facto de ter sido punido com sanção acessória de proibição de conduzir, quando na acusação contra ele deduzida não é feita qualquer referência a tal sanção e nem mesmo ao art. 69º do C. Penal. Acresce ainda, segundo o recorrente, que tendo sido fixado o objecto do processo nos moldes definidos na acusação ou na pronúncia, as alterações que posteriormente ocorressem só poderiam ter lugar nos termos dos arts. 358º e 359º do C.P.P. o que não ocorreu, pelo que a sua condenação é violadora do princípio do acusatório, das garantias de defesa e do contraditório, devendo a sentença, na parte em que o condena em sanção acessória, ser declarada nula por condenar.
Decorre do princípio contido no nº 1 do art. 65º do C. Penal, que refere que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos” que a perda definitiva ou temporária desses direitos decorra ope legis, independentemente de decisão judicial ou “por tal forma que quem deva decretar o efeito não tem qualquer margem de apreciação na decisão”[3].
Assim, a aplicação das penas acessórias que o nº 2 do referido art. 65º admite, não pode ser considerada como automática sempre que – como sucede no nosso ordenamento jurídico-penal - demande a intervenção do juiz, esteja submetida aos princípios gerais da pena (legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade), e a determinação do período concreto de privação do direito se faça, por referência a uma moldura variável, em função da ponderação da culpa do agente, das circunstâncias do caso e das exigências preventivas.
Assente que a pena acessória não é de aplicação automática, mas que é admissível que seja aplicada em associação com a condenação por determinados crimes, cumpre apreciar se a falta de indicação da sua aplicabilidade na acusação e a subsequente falta de comunicação ao arguido constitui impedimento à punição deste em pena dessa natureza.
Ora a resposta a esta questão foi abordada no Acórdão do S.T.J. de fixação de jurisprudência nº 7/2008, que estabeleceu. "Em processo por crime de condução perigosa ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de substâncias psicotrópicas, não constando do da acusação ou do despacho de pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do n.°1 do artigo 69º do Código Penal, não pode ser aplicada a proibição de conduzir ali prevista sem que ao arguido seja comunicada, nos termos do os nos 1 e 3 do artigo 358º do CPP, a alteração do qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer no nulidade prevista no alínea b) do n.º 1 do artigo 379 deste último diploma legal".
Assim na eventualidade de o tribunal omitir a comunicação imposta por aquela norma e, não obstante, proceder à aplicação da pena acessória na decisão final, esta estará ferida de nulidade por força do disposto na al. b) do nº 1 do art. 379º do C.P.P., nulidade esta que, atento o disposto no nº 2 deste preceito, deve ser arguida e conhecida em recurso.
Dispondo o nº 1 do art. 122º do C.P.P. que “as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar” e o nº 2 do mesmo preceito que “a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição”, teremos de concluir que a nulidade afecta apenas a parte da sentença que aplicou a pena acessória e que, nessa parte, deve ser anulada.
A sanação da nulidade não se basta, porém, com esta anulação[4], impondo-se que a audiência seja reaberta na 1ª instância, pelo mesmo tribunal, para que seja feita a comunicação em falta, concedido prazo para preparação da defesa e produzida prova, se o recorrente assim o requerer, e subsequentemente reformulada a sentença apenas na parte respeitante à aplicação da sanção acessória.
No que a esta se refere e por força da proibição da reformatio in pejus, não poderá ser fixada em medida superior àquela em que antes havia sido – indevidamente, porque sem prévia observância do ritualismo processual acima referido – fixada), mantendo-se inalterada em tudo o mais que a exceda.
Posto isto e passando ao caso sub judice, temos que o recorrente foi acusado da prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348º nº 1 al. a) do C. Penal, com referência ao art. 152º nº 1 e 2 do C. Estrada, não vindo indicada na acusação a aplicabilidade da pena acessória de proibição de conduzir, nomeadamente por referência ao preceito que a prevê.
Não obstante, a sentença recorrida condenou o recorrente, não só pela prática do ilícito criminal que lhe vinha imputado, mas também naquela pena acessória, por força do disposto no art. 69º nº 1 al. c) do C. Penal. E fê-lo não obstante não ter sido feita qualquer comunicação ao recorrente durante a audiência de julgamento, como se impunha que tivesse feito atentos os termos do art. 358º nºs 1 e 3 do C.P.P. e já que se prefigurava uma alteração ao nível da qualificação jurídica dos factos.
Assim, na parte (e só nesta) em que condenou o recorrente em proibição de conduzir, a sentença é nula (art. 379º nº 1 al. b) do C.P.P.). A sanação dessa nulidade determina a reabertura da audiência para os fins já acima indicados, sendo que a prova que eventualmente venha a ser produzida a requerimento do recorrente não pode destinar-se senão a incidir sobre outros factos que ele pretenda ver apreciados com vista à determinação da medida concreta da proibição de conduzir.
Quanto à demais factualidade, e como resulta das considerações acima tecidas, deve a mesma considerar-se definitivamente fixada, tal como a condenação do recorrente em termos criminais.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, julgam parcialmente procedente o recurso, e, em consequência, declaram nula a sentença recorrida na parte em que condenou o recorrente na pena acessória de proibição de conduzir, determinando a reabertura da audiência e subsequente reformulação dessa decisão nos termos e para os fins acima assinalados.
Vai o recorrente condenado em 2 UC de taxa de justiça.
(Processado em computador e revisto pelo signatário – art. 94 nº 2 do CPP)
Porto, 20 de Dezembro de 2011
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
________________
[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] cfr. Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, pág. 337.
[4] Neste sentido, e relativamente a diversos casos de alterações substanciais ou não substanciais não comunicadas, Acs. STJ 28/1/98, proc. nº 97P1105; 2/5/02, proc. nº 02P157; RP 3/4/02, proc. nº 0141351; 2/10/02, proc. nº 0210411; 19/4/06, proc. nº 0515947; 27/9/06, CJ. Ano XXXI, t. IV, pág. 196; 21/2/07, proc. nº 0645762; 23/5/07, proc. nº 0513936; 28/11/07, proc. nº 0712205; RE 11/5/2004, proc. nº 2885/03-1; 30/11/2004, proc. nº 1070/04-1; 10/5/05, proc. nº 669/05-1; RG 17/10/05, proc. 1335/05-1; 25/9/06, proc. nº 1473/06-1; RC 20/9/00, proc. nº 1444/00; 31/10/2001, proc. nº 2095/2001; 14/5/08, proc. nº 1034/03.