CONTRATO DE MEDIAÇÃO
REMUNERAÇÃO
COMISSÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
RENOVAÇÃO DO NEGÓCIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - A contraprestação a pagar pelo comitente à entidade mediadora depende da conclusão e perfeição do negócio a celebrar entre aquele e o terceiro angariado, devendo a actividade mediadora ser causal do resultado produzido, de modo a integrar-se de forma, idoneamente, determinada na cadeia dos factos que deram origem ao negócio.
II - Tendo sido contratado entre as partes um regime de não exclusividade, com a faculdade da não renovação do contrato, e celebrando-se este com uma entidade terceira, por iniciativa dos comitentes, inexiste o reclamado direito de remuneração pela comissão de mediação, nem o direito de indemnização pelo incumprimento contratual ou pela revogação unilateral tácita do contrato ou, finalmente, a título de responsabilidade pré-contratual, por culpa in contrahendo.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :

“AA – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda”, com sede na Rua ..., …, Moscavide, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e esposa, CC, DD e esposa, EE, FF e esposa, GG, e HH e esposa, II, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidariamente, a pagarem-lhe a quantia de €314.242,68 que, em plena audiência de julgamento, reduziu para €87.290,00, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento, alegando, para tanto, e, em síntese, que os réus são comproprietários de um prédio rústico, sito no concelho de Torres Vedras, tendo a autora, em 14 de Março de 2000, celebrado com os réus BB e DD, mas com o acordo dos restantes, um contrato de mediação imobiliária, com vista à venda do mesmo, tendo sido estabelecido o preço de 260.000.000$00.
Porém, os réus acabaram por negociar o prédio, por sua iniciativa, incumprindo o contrato com a autora, que desenvolveu várias diligências para a venda, tendo até encontrado um comprador interessado.
Na contestação, os réus FF e esposa alegam não ter celebrado qualquer contrato de mediação com a autora, pedindo a sua condenação como litigante de má fé.
Por sua vez, a ré II, na sua contestação, alega, igualmente, não ter celebrado qualquer contrato com a autora, recusando qualquer obrigação de indemnizar.
Finalmente, os réus BB e esposa e DD e esposa, na sua contestação, deduzem a excepção da nulidade do contrato de mediação, por não ter sido assinado por todos os interessados no negócio, impugnando ainda os factos alegados pela autora, com a consequente improcedência da acção.
Na réplica, a autora impugna a excepção deduzida e conclui como na petição inicial.
No despacho saneador, os réus CC, EE, GG e HH foram julgados partes ilegítimas, com a consequente absolvição da instância, tendo-se, igualmente, julgado procedente a excepção da nulidade do contrato de mediação.
A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente, e, em consequência, absolveu os réus BB, DD, II e JJ do pedido contra eles formulado pela autora “AA – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda” e a esta do pedido de condenação como litigante de má-fé, deduzido por aqueles.
Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, confirmando a decisão impugnada.
Do acórdão da Relação de Lisboa, a mesma autora interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que condene os réus no pagamento à autora da quantia de €87289,60, acrescida de juros de mora, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1ª – A nulidade do contrato de mediação obriga a que se proceda à “reposição da situação anterior das partes”, por força do previsto no art. 289º do CC (Assento do STJ nº 4/95, com força de acórdão uniformizador).
2ª - No contrato de mediação, não sendo possível a restituição em espécie, a quantia a restituir deve “corresponder ao valor desses serviços, determinada pelo montante da comissão de mediação” (Ac. do STJ de 20/04/04, em www.dgsi.pt, P. nº 04 A800).
3ª - Apesar de o contrato de mediação ser nulo, por falta de legitimidade dos co-proprietários signatários, a relação jurídica estabelecida entre a autora e os réus é uma relação jurídica que se subsume à mediação imobiliária.
4ª - Assim sendo, não faz qualquer sentido falar em regime de exclusividade ou de não venda ao cliente apresentado, porque não se trata de responsabilidade contratual, mas sim da restituição do devido caso o negócio mediado tivesse sido concretizado.
5ª - Apesar de, regra geral, a comissão de mediação só ser devida se o contrato apresentado pela mediadora for celebrado não significa que a mesma não seja devida noutras situações ou noutro regime legal, como seja o previsto para a nulidade dos contratos e por força do princípio da tutela da confiança.
6ª - Nessas circunstâncias a mediadora mantém o direito à comissão de mediação (veja-se o Ac. da Rel. Porto de 07/02/08, disponível em www.dgsi.pt, pº nº 0733556).
7ª – Aliás, o STJ vai mais longe ao considerar que o direito à comissão de mediação nasce muito antes da verificação ou não do negócio, porque basta à mediadora apresentar um interessado que seriamente esteja com vontade séria de comprar.
8ª - Os réus comprometeram-se a fazer o negócio com a KK pelo preço de €1.749.789,00 e inexplicavelmente deram o dito pelo não dito.
9ª - Os réus decidiram unilateralmente e voluntariamente celebrar o negócio com a KK.
10ª - Os réus não alegaram nenhuma razão válida para o negócio não se concretizar com a KK e foram vender à sociedade LL por um valor inferior: a ilicitude do acto dos réus.
11ª - A autora perdeu o direito a comissão de 5% sobre o valor do preço oferecido pela KK, ou seja, o montante de €87.289,60: este é o lucro cessante e o prejuízo da autora.
12ª - Com o seu comportamento os réus prejudicaram a autora, que tudo fez de forma dedicada e diligente para que o negócio com a KK se concretizasse.
13ª - Neste caso, tem de se considerar que a indemnização da autora é aferida pelo seu interesse contratual positivo.
14ª - Isto porque as negociações, o compromisso dos réus e a vontade séria da KK em comprar justificavam a confiança da autora de que o negócio se concretizaria.
15ª –“A liberdade de contratar ou não contratar não pode estar fora da ordem normativa do direito, podendo representar uma conduta ilícita, por contrária ao dever de actuar de acordo com a boa fé” (Ac. STJ de 28/04/2009, em www.dgsi. Pº nº 09A0457).
16ª – Em consequência, estão no presente processo verificados todos os elementos e factos que permitem à autora receber dos réus a comissão de mediação a que tinham direito caso o contrato de mediação fosse válido.
Nas suas contra-alegações, os réus defendem que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o acórdão impugnado.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), aditando-lhe, porém, um facto suplementar, sob o nº 8, que já constava da alínea H) da “matéria assente”, mas reproduz:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à mediação imobiliária, sendo detentora da licença AMI nº … (…) – A).
2. Os réus são comproprietários do prédio rústico, denominado M…, sito na freguesia de …, Torres Vedras, nas seguintes proporções: os 1ºs e 2ºs réus são detentores, cada um, de 1/8; o terceiro de 3/8; e II e filho JJ de 3/8 (…) - B) e C).
3. No dia 14 de Março de 2000, a autora celebrou contrato de mediação imobiliária com BB e DD, comproprietários do terreno, pelo qual se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do prédio, já identificado – D).
4. O preço estipulado no contrato de mediação para a venda do prédio foi de 260.000.000$00 – E).
5. O contrato de mediação só foi assinado pelos réus BB e DD – F).
6. O BB e o DD, antes de assinarem o contrato, telefonaram ao réu FF, na presença do co-sócio da autora, para que tomasse conhecimento do conteúdo do mesmo e desse o seu consentimento, e FF deu o seu consentimento, também, em representação dos herdeiros do falecido HH – 1º.
7. Na cláusula 4ª do contrato, consta que “os segundos contraentes contratam a mediadora em regime de não exclusividade” – H).
8. E na cláusula 8ª do contrato, consta que “o presente contrato tem a validade de 30 dias, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por nenhuma das partes” – I).
9. No dia 14 de Março de 2000, na sequência do contrato, a autora começou a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a aquisição do prédio rústico – 3º.
10. A autora celebrou com o Arq. MM, em 12 de Janeiro de 2001, um contrato com vista à elaboração de um projecto de arquitectura, para melhor promover a venda do terreno, contra o pagamento de honorários, no valor de 5.000.000$00 – 9º.
11. Aquele arquiteto elaborou, com data de Março de 2001, as três plantas que se encontram juntas a fls. 33 a 35, para um condomínio residencial – 3º.
12. A autora estabeleceu contactos no sentido de conseguir interessados para a compra do terreno, tendo apresentado o terreno, entre Setembro de 2000 a Novembro de 2002, a sete interessados – 11º a 19º.
13. Um dos interessados que apresentou proposta foi a KK – Cooperativa de Habitação e Construção Civil, CRL, que propôs o preço de 250.000 contos, com um sinal de 12.500 contos, reforçado de 37.500 contos, a escritura até 6 meses e indexação do preço à capacidade edificativa a aprovar pela Câmara – 26º.
14. Esta proposta de aquisição, em 13 de Fevereiro de 2003, foi enviada, por fax, para a autora, mas dirigida ao réu BB e restantes comproprietários – 25º.
15. No dia 28 de Março de 2003, a autora recebe uma carta com a/r, datada de 26, enviada pelo réu FF, pelo qual este declara, por um lado, que o contrato de mediação “não era do meu conhecimento…, a mediação foi aceite para um negócio pontual e transmitido telefonicamente há uns anos atrás e que não se concretizou” - J).
16. Na mesma carta, o réu FF declara expressamente “que não estou vendedor e que não legitimo a vossa empresa para a mediação na venda do terreno” – M).
17. No dia 26 de Fevereiro de 2003, o réu FF contactou com os réus BB e DD, comunicando-lhes que a sociedade “LL – Promoção Imobiliária Lda”, da qual eram sócios os seus filhos, tinha interesse em adquirir a totalidade do prédio, pelo preço de 245.000 contos, e comunicou-lhes que quer ele, quer os herdeiros do HH, haviam aceite vender à dita sociedade as suas quotas partes no terreno – 68º.
18. Nessa altura, os réus DD e BB comunicaram, imediatamente, à autora a posição assumida pelos demais comproprietários – 69º.
19. A autora soube, através do réu BB, que tinha sido celebrado um contrato promessa de compra e venda do terreno, pelo preço de € 1.222.054,85, correspondente a 245.000.000$00, que tem como promitente comprador a sociedade “LL, Lda”, de que são sócios gerentes NN e OO, filhos do réu FF – O).
20. Os réus BB e DD, em 27 de Junho de 2003, transmitiram à sociedade “LL, Lda”, a fracção indivisa de 1/8 de que cada um era titular, relativamente ao prédio dos autos, por escritura pública celebrada nessa data, no 5º Cartório Notarial de Lisboa – P).

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, consiste em saber se, num contrato de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, livremente, denunciável, a que o comitente decidiu, unilateralmente, por fim, declarado nulo, o intermediário tem direito à respectiva comissão ou a qualquer outra indemnização.

DO DIREITO À REMUNERAÇÃO OU INDEMNIZAÇÃO DO MEDIADOR, EM REGIME DE NÃO EXCLUSIVIDADE, EM CONTRATO DE MEDIAÇÃO, LIVREMENTE, DENUNCIAVEL

Efectuando uma análise crítica do essencial da factualidade relevante que ficou demonstrada, importa reter que, no dia 14 de Março de 2000, a autora celebrou com os réus BB e DD um contrato de mediação imobiliária, pelo qual se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra de um prédio rústico de que estes eram comproprietários com os restantes réus, sendo o preço estipulado para a venda de 260.000.000$00.
O contrato de mediação só foi subscrito pelos dois referidos réus que, antes de o assinarem, telefonaram ao réu FF, na presença do co-sócio da autora, para que tomasse conhecimento do conteúdo do mesmo e desse o seu consentimento, o que este fez, dando, também, o seu assentimento, em representação dos herdeiros do réu falecido, HH.
Do texto do aludido contrato consta, nomeadamente, que o mesmo tem a validade de trinta dias, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se, automaticamente, por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado, por nenhuma das partes, e que os réus contratam a mediadora, em regime de não exclusividade.
Entretanto, logo naquele dia, na sequência da celebração do contrato, a autora começou a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a aquisição do prédio, tendo celebrado com um arquitecto um contrato com vista à elaboração de um projecto de arquitectura, para melhor promover a venda do terreno, contra o pagamento de honorários, no valor de 5.000.000$00, estabelecendo contactos no sentido de angariar interessados para a compra do terreno, que mostrou, entre Setembro de 2000 e Novembro de 2002, a sete interessados, tendo um deles, a “KK – Cooperativa de habitação e Construção Civil, CRL”, apresentado uma proposta de aquisição, pelo preço de 250.000 contos.
Porém, no dia 28 de Março de 2003, a autora recebeu uma carta com a/r, enviada pelo réu FF, que declarava, expressamente, não estar vendedor e que não a legitimava para a mediação na venda do terreno.
Com efeito, este réu FF, no dia 26 de Fevereiro de 2003, comunicou aos réus BB e DD que a sociedade “LL – Promoção Imobiliária Lda”, da qual os seus filhos eram sócios, tinha interesse em adquirir a totalidade do prédio, pelo preço de 245.000 contos, e ainda que, quer ele, quer os herdeiros do HH, haviam aceite vender à dita sociedade as suas quotas partes no terreno, tendo estes réus participado, imediatamente, à autora a posição assumida pelos demais comproprietários.
O contrato de mediação, modalidade do contrato de prestação de serviços, consubstancia uma situação em que uma das partes se obriga a conseguir um interessado para certo negócio e a aproximar o mesmo da outra parte (1) .
No domínio do imobiliário, a actividade de mediação, que se regia, à data da pratica dos factos que interessam à questão decidenda, pelo artigo 3º, nº 1, DL nº 77/99, de 16 de Março (2)., “é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra ou na venda de bens imóveis…”, sendo a remuneração, em princípio, apenas “…devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, em conformidade com o preceituado pelo artigo 19º, nº1, do mesmo diploma legal.
Efectivamente, como já se disse, trata-se de uma actividade que importa, no que ao caso em análise convém, para a empresa de mediação, a obrigação “de diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra ou na venda de bens imóveis…”, esclarecendo o respectivo nº 3, do já citado artigo 3º, que “para efeitos do disposto no presente artigo, interessado será o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação”, por forma a precisar a natureza da obrigação assumida pelo mediador, que não se basta com a angariação de um candidato a negociar com o comitente, mas ainda exige a obrigação do mediador de encontrar um terceiro com quem determinado contrato venha a ser celebrado.
Assim sendo, a contraprestação a pagar pelo comitente à entidade mediadora depende da conclusão e perfeição do negócio a celebrar entre aquele e o terceiro angariado, como consequência adequada da intervenção desenvolvida pelo intermediário (3), que, portanto, funciona como condição legal ou imprópria do pagamento.
Efectivamente, o mediador só pode reclamar a remuneração, no momento em que, entre o comitente e a entidade angariada, for concluído o negócio visado pelo exercício da mediação, sendo certo que a actividade mediadora deve ser causal do resultado produzido, de modo a integrar-se de forma, idoneamente, determinada, na cadeia dos factos que deram origem ao negócio.
Por outro lado, se o negócio não vier a concluir-se, sem embargo de toda a proficiência e empenho da entidade mediadora, não há lugar a remuneração, o que acontece, de igual modo, se o negócio se vier a concretizar com outrem, que não o angariado.
Aliás, está vedado às entidades mediadoras, por força do estipulado pelo mencionado artigo 19º, nº 3, do DL nº 77/99, de 16 de Março “…receber quaisquer quantias a título de remuneração, ou de provisão por conta da mesma, previamente ao momento em que esta é devida…”, nas circunstâncias já referidas, ou seja, “com a conclusão e perfeição do negócio”, salvo em casos excepcionais, previstos pelo n.º 2, do mesmo normativo acabado de mencionar.
Com efeito, não tendo o negócio visado pelo contrato de mediação sido celebrado com a entidade angariada pela autora, esta não teria, enquanto mediadora, e ainda que o contrato de mediação fosse, formalmente, válido, e mesmo tendo a autora desenvolvido determinada actividade para angariar um potencial adquirente para o imóvel da ré, direito a receber qualquer importância, a título de remuneração, traduzindo-se numa actividade desprovida de qualquer significado ou valor económico para o comitente (4).
Porém, tendo sido declarado nulo o contrato de mediação imobiliária, sob arguição dos réus, porque embora reduzido a escrito, não foi assinado por todos os comproprietários do imóvel objecto do mesmo contrato, em violação do preceituado pelo artigo 20º, nº 7, do DL nº 77/99, de 16 de Março, consoante foi decidido pelas instâncias, tal importa, em consequência da respectiva eficácia retroactiva, a reposição da situação anterior das partes, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, nos termos do estipulado pelo artigo 289º, nº 1, do Código Civil (CC).
Entende a autora, a este propósito, que não sendo possível a reposição em espécie, a quantia a restituir deve corresponder ao valor dos serviços efectuados, determinado pelo montante da comissão de mediação acordada sobre o preço da venda, querendo significar que foi esse o valor que as partes fixaram como justo e adequado para a remuneração dos serviços do mediador (5)
As instâncias decidiram, neste particular, que não havia lugar a qualquer restituição, por parte dos réus à autora, pela simples razão de que a actividade por esta desenvolvida não era passível de qualquer remuneração, porquanto o negócio da venda não se concretizou com a sociedade que a autora fez interessar na aquisição, sendo certo que os réus, no âmbito do regime de não exclusividade acordado, decidiram, unilateralmente, alienar o prédio a uma entidade diversa.
Não ocorre, pois, o indispensável nexo de causalidade adequada entre a actuação da autora e a realização do negócio projectado, cujo resultado não se produziu.
E, mesmo que se tratasse de um contrato de mediação imobiliária, formalmente, válido, o direito do mediador à remuneração só nasce quando o negócio é concluído, por efeito directo da sua intervenção, sob pena de o dono do imóvel se ver na contingência de ter de remunerar o mediador, por cada interessado que fosse indicado por este.
Mas, se assim é, na perspectiva da validade do contrato, o mesmo terá de acontecer, no caso em que essa mesma actividade ocorreu no desenvolvimento de uma relação contratual nula, por falta da forma exigida por lei.
Porém, não tendo a actividade desenvolvida pela autora conduzido à venda do imóvel, por sua intervenção, sendo antes o mesmo alienado pelos réus a entidade terceira, atendendo à declaração de nulidade do contrato, gozará a autora do direito de receber da ré alguma importância pelos serviços prestados?
Não sendo possível a restituição em espécie e revelando-se inexistente o «valor correspondente», não tem fundamento legal a atribuição de qualquer pagamento à autora, sob pena de a situação do mediador, por força da declaração de nulidade do contrato, que o mesmo não poderia desencadear, por tal lhe estar, expressamente, proibido por lei, atento o disposto pelo artigo 20º, nºs 1, 7 e 8, do DL nº 77/99, de 16 de Março, ficar melhor posicionada do que aquela em que estaria se o contrato fosse válido, pois que, neste caso, como já se demonstrou, não teria direito a qualquer compensação pecuniária.
E se os réus alienaram o prédio a uma entidade terceira, por si angariada, subtraindo à autora a hipótese de concretizar o negócio, tal aconteceu no âmbito das cláusulas do contrato de mediação celebrado, que contemplava a sua livre denunciabilidade, por qualquer das partes, enquadrado pelo regime da não exclusividade, que, consequentemente, não impedia os réus de negociarem, em simultâneo, com outra entidade mediadora ou, até, por iniciativa pessoal, como se demonstrou vir a acontecer, em relação ao contrato-promessa de compra e venda do prédio, celebrado com a sociedade “LL, Ldª”, desde que observados os princípios da lealdade e da probidade, que não se provou terem sido infringidos.
Porém, a autora alega que decidindo os réus, unilateralmente, vender o prédio à sociedade “LL, Ldª”, em vez de o fazerem à “KK”, e por um valor inferior, perdeu o direito a uma comissão de 5% sobre o valor do preço oferecido por esta sociedade, ou seja, o montante de €87.289,60, sendo este o lucro cessante e o seu correspondente prejuízo, aferindo-se a indemnização pelo interesse contratual positivo.
A autora invoca, assim, o direito de receber uma indemnização pelo incumprimento contratual ou pela revogação unilateral tácita do contrato.
O regime do contrato de prestação de serviço, de que o contrato de mediação imobiliária é uma modalidade atípica, está disciplinado, extensivamente, pelas disposições sobre o mandato, de acordo com o previsto nos artigos 1155º e 1156º, do CC.
A revogação unilateral, mais precisamente, a denúncia do contrato, que é uma figura própria dos contratos duradouros e que se traduz na declaração, feita por um dos contraentes ao outro, no sentido de que não quer a renovação ou a continuação do contrato (6), quando procede do mandante, tratando-se de contrato oneroso, implica para este o dever de indemnizar o prestador de serviços pelos prejuízos que o mesmo venha a sofrer, sempre que o contrato tenha sido conferido, como sucede na hipótese em presença, para a realização de uma determinada finalidade, em conformidade com o disposto pelo artigo 1172º, c), do CC.
A revogação que não observe a finalidade contratual para a qual a prestação de serviços foi convencionada produz, pois, os seus efeitos de destruição do contrato, «ex nunc», embora a lei daí faça decorrer uma obrigação de finalidade ressarcitória, a cargo do recebedor do serviço, tão-só, excluída, na hipótese de existência de justa causa (7) .
Porém, tendo sido, expressamente, clausulada a resolução contratual convencional, está, por conseguinte, afastada a obrigação de indemnizar o prestador de serviços, por parte do comitente.
Subsistirá, contudo, a responsabilidade civil dos réus, em sede pré-contratual, como fundamento da pretensão indemnizatória da autora?
A propósito da responsabilidade pré-contratual, estipula o artigo 227º, do CC, no seu nº 1, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
A autora reclama dos réus o pagamento de uma indemnização conexionada com o interesse positivo ou de cumprimento, atinente à culpa na violação de um dever de conclusão de um contrato, isto é, ao dano «ex contratu», ou seja, aos lucros que lhe adviriam se o contrato tivesse sido celebrado, e não de uma indemnização que contende com o interesse negativo ou de confiança, relacionado com um hipotético dano sofrido, por haver confiado na validade do contrato (8) .
É que não é lícito a uma parte romper, arbitrariamente, as negociações depois de estas terem alcançado um tal desenvolvimento que a outra podia julgar-se autorizada a confiar na conclusão do contrato, sob pena da correspondente obrigação de indemnização, como acontece, v. g., no caso de se ter atingido um acordo sobre todas as questões essenciais e apenas faltar a concretização ou celebração do mesmo, através da forma legal.
Quando o acordo está conseguido, a fase da negociação foi concluída, as negociações atingiram um desenvolvimento tal que justifica a confiança na celebração do negócio e apenas falta formalizar o contrato, através da outorga da correspondente escritura pública, que só não ocorreu, por culpa exclusiva da parte inadimplente, a indemnização deve corresponder ao interesse contratual positivo ou de cumprimento, sendo de indemnizar todos os danos causados pelo ilícito pré-contratual, independentemente da relevância da distinção que, então, se torna marginal, entre interesse contratual positivo e interesse contratual negativo (9) .
Ora, a obrigação de indemnização pela culpa na formação do contrato depende, não só da produção de um dano, mas, também, da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil.
A determinação da indemnização devida pela violação das regras da boa fé depende, obviamente, da natureza do dever de conduta infringido, só existindo responsabilidade pré-negocial quando se verifica o propósito de não concluir ou de romper as negociações encetadas (10) , sendo condição «sine qua non» da sua existência a verificação do facto específico da criação da expectativa e confiança, relativamente à qual a ruptura injustificada, manifestada através de um comportamento incoerente e contraditório, está em oposição com a boa-fé (11) .
Contudo, como se diz no acórdão recorrido e na sentença de 1ª instância, que aqui se reproduz, “os factos não permitem concluir pela ilicitude desta conduta dos réus, uma vez que se apurou que o contrato de mediação firmado entre as partes não previa um regime de exclusividade, pelo que os réus eram livres de alienar o imóvel em apreço a terceiros, não angariados pela autora (…)”.
Finalmente, se a entidade mediadora só tem direito à remuneração pela comissão de mediação com a conclusão do negócio com o angariado, calculada sobre o preço pelo qual a compra e venda é, efectivamente, concretizada, tendo sido contratado entre as partes um regime de não exclusividade, com a faculdade da não renovação do contrato, e celebrando-se este com uma entidade terceira, por iniciativa dos comitentes, inexiste o reclamado direito de remuneração pela comissão de mediação, nem o direito de indemnização pelo incumprimento contratual ou pela revogação unilateral tácita do contrato ou, finalmente, a título de responsabilidade pré-contratual, por «culpa in contrahendo».
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações de revista da autora.

CONCLUSÕES:

I – A contraprestação a pagar pelo comitente à entidade mediadora depende da conclusão e perfeição do negócio a celebrar entre aquele e o terceiro angariado, devendo a actividade mediadora ser causal do resultado produzido, de modo a integrar-se de forma, idoneamente, determinada na cadeia dos factos que deram origem ao negócio.
II - Tendo sido contratado entre as partes um regime de não exclusividade, com a faculdade da não renovação do contrato, e celebrando-se este com uma entidade terceira, por iniciativa dos comitentes, inexiste o reclamado direito de remuneração pela comissão de mediação, nem o direito de indemnização pelo incumprimento contratual ou pela revogação unilateral tácita do contrato ou, finalmente, a título de responsabilidade pré-contratual, por «culpa in contrahendo».

DECISÃO :
Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.
Custas pela autora.
Notifique.

Lisboa, 27 de Maio de 2010

Helder Roque (Relator)
Sebastião Povoas
Moreira Alves
___________________
1- Vaz Serra, RLJ, Anos 100º, 347; 103º, 222 e 104º, 155; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4ª edição, revista e actualizada, 1997, 785; STJ, de 9-12-93, BMJ nº 432, 332.
2- Atento o disposto pelos artigos 40º e 41º, do aludido DL nº 77/99, de 16 de Março, 57º e 58º, do DL nº 211/2004, de 20 de Agosto, que hoje disciplina a matéria.
3- STJ, de 3-4-2008, in www.dgsi.pt, Pº nº07B4498; STJ, de 19-1-2004, CJ (STJ), Ano XII (2004), T1, 27.
4- STJ, de 20-4-2004, Pº nº 04A800, in www.dgsi.pt, citado.
5- STJ, de 20-4-2004, Pº nº 04A800, in www.dgsi.pt.
6- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 1974, 279.
7- Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 1979, 279, nota.
8- Vaz Serra, RLJ, Ano 110º, 276; RLJ, Ano 68º, 118 e ss e 113 e verso.
9- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, 1987, 216, nota 3; Baptista Machado, A Cláusula do Razoável, RLJ, Ano 120º, 138 a 141; Sónia Moreira, Cadernos de Direito Privado, nº 7, Julho/Setembro de 2004, 41 e ss.; STJ, de 28-4-2009, Pº 09A0457; STJ, de 11-1-2007, Pº nº 06B4223, in www.dgsi.pt; STJ, de 4-2-2006, CJ (STJ), Ano XIV, T2, 29; STJ, de 26-1-2006, CJ (STJ), Ano XIV, T1, 40.
10- Pessoa Jorge, Obrigações, 1966, 180.
11- Mota Pinto, A Responsabilidade Pré-Negocial na Formação dos Contratos, RDES, XVII, 88; RT, Ano 86º, 12.