1. Apesar de convalidada a nulidade de contrato promessa de compra e venda de imóvel emergente da falta de certificação notarial da licença de utilização , por se ter apurado que a mesma já existia à data da celebração do contrato, subsiste inteiramente a outra causa da invalidade arguida pela parte interessada, decorrente da omissão de reconhecimento das assinaturas dos outorgantes.
2 Não resultando da matéria de facto apurada que tal omissão seja imputável ao promitente comprador, nada obsta a que este se possa prevalecer da dita invalidade formal no confronto da sociedade imobiliária que figura como promitente vendedora, nos termos do nº3 do art.410º do CC;
3. Não pode generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de – sindicando os motivos pessoais e subjectivos que estão na base da invocação da nulidade pelo interessado cujo interesse é por ela prosseguido - acabar por se precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do acto jurídico – dependendo a subsistência do invocado abuso de direito da alegação e prova de ter ocorrido um particular e fundado «investimento de confiança» na estabilidade e definitividade do contrato promessa.
B – Não teve lugar o reconhecimento presencial das assinaturas apostas em tal escrito, com a certificação pelo Notário da existência da respectiva licença de utilização.
C – A A. pagou à R., que recebeu, a título de sinal e princípio de pagamento do preço de compra e venda, a quantia de €9.975,95.
D – Conforme ficou estipulado na cláusula 4ª daquele escrito, competia à R. interpelar a A. para a outorga da escritura pública.
E – O que não fez.
F – O prédio onde se situa o andar cuja venda foi prometida encontrava-se concluído e habitado na data em que A. e R. celebraram o respectivo contrato de promessa de compra e venda,
G – tendo a Câmara Municipal da Amadora emitido em 23.09.2002 a respectiva licença de utilização 192/02.
H - Depois da celebração do contrato de promessa de compra e venda. a A. contactou a R. dizendo que não tinha disponibilidades para realizar o remanescente do preço, uma vez que não tinha acesso ao crédito bancário.
I - Justificava a A. a situação dizendo com os rendimentos que tinha, nenhum Banco lhe emprestava dinheiro para comprar o andar, sem um fiador. sendo certo que não tinha a quem recorrer para o efeito.
J - A A. transmitiu, de forma inequívoca, à R. que desistia do contrato, não se prontificando a realizar a escritura definitiva.
L – Tendo-se iniciado, de seguida, negociações para uma devolução de parte do sinal, o qual se vieram a gorar.
M – E mais não ouviu a R. falar na A.
4. Pelo relator foi proferida a seguinte decisão sumária:
A questão da determinação do exacto sentido normativo do art. 410º, nº3, do CC está largamente tratada a nível jurisprudencial: sirva de exemplo o recente acórdão deste Supremo de 5/7/07, que nos permitimos transcrever:
A. pede a condenação da R. a ver declarada a nulidade dos contratos promessa de compra e venda celebrados entre ambos, pois que nenhum desses contratos contém o reconhecimento presencial das assinaturas nem a certificação da exibição da licença de construção.
Dispõe o nº 3 do art. 410º do C.Civil que “No caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o promitente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte”.
Na versão originária, a omissão destes requisitos só era invocável pelo promitente-vendedor no caso de ter sido o promitente-comprador quem directamente lhe deu causa. Na versão actual, o promitente da transmissão ou constituição do direito real pode invocar a omissão destes requisitos, quando a mesma tenha sido causada culposamente pela outra parte.
O que significa que foi propósito do legislador ampliar e facilitar ao promitente-vendedor a invocação da sanção correspondente à omissão dos requisitos formais prescritos.
Todavia, como sublinha Calvão da Silva (Sinal e Contrato Promessa, 11ª ed., pag. 67) «embora a alteração seja significativa, o intérprete não pode deixar de ter presente que impende sobre o promitente-vendedor o dever de promover o cumprimento e observância dos requisitos prescritos. Dever que é o pressuposto de que parte a própria lei e que é importante.
Importante quanto à providência da licença de construção ou de utilização, porque dificilmente se concebe (se é que se concebe) alguma situação em que a sua omissão se deva a culpa do promitente-comprador.
Importante quanto à omissão do reconhecimento presencial, para sopesar, num prato da balança, o dever que o promitente-vendedor tem de promover a própria recolha da assinatura do promitente-comprador e o reconhecimento presencial respectivo e, no outro prato, a mera culpa ou negligência deste na observância (que é como quem diz na não realização ou incumprimento do dever daquele) da formalidade em apreço, para ver quem cometeu falta mais grave. E isto relativamente à falta de reconhecimento presencial da assinatura do próprio promitente-comprador, pois, dentro da normalidade, o promitente-vendedor não terá ocasião de invocar a falta de reconhecimento presencial da sua própria assinatura por ter sido culposamente causada pela contraparte, considerando estar na sua própria esfera e poder de disposição o dever de assinatura e reconhecimento presencial respectivo – pense-se, por exemplo, na promessa unilateral de venda de edifício».
A norma imperativa do nº 3 do art. 410º, quer na redacção primitiva, quer na actual, visou, primacialmente, a protecção do promitente-comprador, como parte sociologicamente mais fraca do tipo de negócio regulado.
«O legislador sentiu necessidade de vir em auxílio de elevado número de pessoas que, por tantas e tão variadas razões, se viam constrangidas a recorrer ao instrumento jurídico do contrato-promessa e que, por necessidade e falta de preparação para zelar devidamente os seus interesses, estavam a ser vítimas de abusos, injustiças e imoralidades. No fundo, portanto, uma intervenção em nome da protecção do consumidor, do adquirente não profissional de edifícios ou prédios urbanos perante promitentes-alienantes profissionais, atento o interesse social em jogo» (Calvão da Silva, ob. cit., pags. 70 e 71).
Mas que sanção é aquela que a omissão dos mencionados requisitos provoca?
O art. 294º do C.Civil prescreve que “os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.
A hipótese do nº 3 do art. 410º é um desses “casos em que outra solução (resulta) da lei”, visto que o regime de arguição do vício não se concilia com o estatuído, quer para a nulidade, quer para a anulabilidade.
Segundo os Assentos 15/94 e 15/95, tirados sobre a primitiva redacção do preceito, mas que se devem considerar em vigor, na sua função actual de meros uniformizadores de jurisprudência, uma vez que, entre uma e outra versão do preceito em causa, não houve substancial modificação no que toca à matéria que interessa à doutrina neles expendida, a omissão dos requisitos referidos no nº 3 do art. 410º não pode ser invocada por terceiros, nem oficiosamente conhecida e declarada pelo tribunal.
Nada disso é compatível com um regime de pura nulidade.
Por outro lado, a legitimidade para arguir o vício, embora restrita aos contraentes, não lhes foi atribuída em todas as circunstâncias, na condição de titulares do interesse protegido pela norma (de outro modo, apenas ao promitente-comprador teria sido atribuída tal legitimidade).
Como não existe limite de tempo para a arguição.
Estas são características que não se enquadram nas que o art. 287º do C.Civil estabeleceu para a anulabilidade.
Temos, portanto, na omissão dos requisitos prescritos no nº 3 do art. 410º do C. Civil, uma invalidade arguível a todo o tempo, subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal, e apenas invocável pelos contraentes, mas, quanto ao promitente-vendedor, apenas no caso de a falta ser imputável ao promitente-comprador. Neste caso, o legislador, afastando-se da pureza dos princípios que regem a ordem pública de protecção, entendeu que este não era merecedor de protecção e passou a reconhecer, expressamente, à outra parte o direito de invocar a nulidade, se lhe aprouver.
Trata-se, pois, de uma nulidade atípica.
No nosso caso, ocorreu omissão das formalidades previstas no nº 3 do art. 410º do C.Civil, pelo que é legítimo ao autor, como promitente-comprador, invocar tal omissão.
Porém, quanto à falta de certificação da existência da licença de utilização ou de construção, está provado que a construção do edifício foi aprovada por deliberações camarárias, a primeira, respeitante à abertura de caboucos, de 07/09/1999 e que deu lugar à emissão do alvará de licença de construção nº .../99C, em 09/09/1999, e, a segunda, respeitante à construção em si, de acordo com o projecto aprovado, de 10/04/2000 e que deu lugar à emissão do alvará de licença de construção nº .../00C, em 27/04/2000.
Por outro lado, em 20/04/2001, na sequência de deliberação camarária da mesma data nesse sentido, foi emitido o alvará de licença de utilização n°.../01, respeitante a todas e cada uma das fracções autónomas do edifício, entretanto constituído em propriedade horizontal.
Deste modo, porque se trata de uma nulidade atípica, é passível de sanação ou convalidação (cfr. arts. 906º, ex vi do art. 913º) pela superveniente legalização da construção ou na ulterior apresentação da licença, pelo que está sanada a nulidade resultante da omissão da certificação pelo notário da existência da respectiva licença (v. ob. cit. de Calvão da Silva, pag.78).
O mesmo não acontecendo, porém, relativamente ao reconhecimento notarial das assinaturas, situação que não se mostra sanada, como referem as instâncias, o que acarreta a nulidade dos contratos em causa.
Sendo irrelevante o facto de, previamente ao acto de assinatura dos contratos em causa nos autos, o recorrido e a recorrente, por mútuo acordo, dispensaram as referidas formalidades, pois que, conforme ensina Calvão da Silva (ob. cit. pag. 77), «seria nula a cláusula pela qual o promitente-comprador renunciasse, antecipadamente, ao direito de invocar a nulidade, para salvaguarda da ordem pública de protecção ou ordem pública social que ditou a norma legal, ou seja, para o proteger da sua própria fraqueza e inexperiência, ligeireza e inadvertência, na tomada de decisão temporã, em branco. A admitir-se a validade da cláusula pela qual o promitente-comprador renuncia antecipadamente ao direito de arguir a nulidade, estaria aberta a porta para, com a maior das facilidades, os promitentes-vendedores incluírem nas promessas uma cláusula de estilo, em que as partes declarariam prescindir das formalidades impostas pelo art. 410º, nº 3, renunciando à invocação da respectiva omissão e, assim, sabotar o sentido e fim de uma norma de protecção da parte mais fraca, o consumidor. Tanto mais incoerente quanto o art. 830º,nº 3, veio também impor a irrenunciabilidade antecipada ao direito de exigir a execução específica e a Lei de Defesa do Consumidor é imperativa nos direitos conferidos».
Aqui chegados, teremos de concluir que tese da R. só ganhará consistência se o A. tiver actuado com abuso de direito.
O abuso de direito – art. 334º do Código Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.
Mas não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara, assim se acolhendo a concepção objectiva do abuso do direito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pag. 217).
O abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Como refere Baptista Machado (Obra Dispersa, I, 415 e ss.) o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também, no futuro, se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”.
É sempre necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que, com base nessa situação de confiança, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis.”
Está ínsita a ideia de “dolus praesens”.
O conceito de boa fé constante do art. 334º do Código Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pags. 104-105).
Como se julgou neste STJ (Ac. de 1.3.2007 – 06 A4571): Para haver abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, é necessário saber se a conduta do pretenso abusante foi no sentido de criar, razoavelmente, uma expectativa factual, sólida, que poderia confiar na execução dos contratos promessa.
“Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objectivamente, trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.
Ou seja, tem de existir uma situação de confiança, justificada pela conduta da outra parte e geradora de um investimento, e surgir uma actividade, por “factum proprium” dessa parte, a destruir a relação negocial, ao arrepio da lealdade e da boa fé negocial, esperadas face à conduta pregressa.
Não se busca o “animus nocendi” mas, e como acima se acenou, apenas um comportamento anteriormente assumido que, objectivamente, contrarie aquele” (Ac. STJ, de 15.5.2007, www.dgsi.pt).
Para o Prof. Menezes Cordeiro (Da Boa Fé no Direito Civil, 45) “o venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo”.
E o mesmo Professor considera (ROA, 58º, 1998, 964) que o “venire contra factum proprium”pressupõe: “1º- Uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no “factum proprium”); 2º- Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do “factum proprium” seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis”; 3º- Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do “factum proprium”, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo “venire”) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4º- Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no “factum proprium”) lhe seja de algum modo recondutível.”
Transpondo estas considerações, a que inteiramente se adere, para a concreta situação dos autos, verifica-se que:
- pode considerar-se convalidada a nulidade emergente da falta de certificação notarial da licença de utilização do imóvel, já que se apurou que a mesma já existia à data da celebração do contrato promessa;
- pelo contrário, subsiste inteiramente a outra causa da invalidade, decorrente da omissão de reconhecimento das assinaturas dos outorgantes;
- como é manifesto, não resulta minimamente da matéria de facto apurada que tal omissão seja imputável ao promitente comprador, pelo que nada obsta a que este se possa prevalecer da dita invalidade formal no confronto da sociedade imobiliária que figura como promitente vendedora, nos termos do nº3 do art.410º do CC;
- a invocação da referida nulidade pelo sujeito em cujo interesse é essencialmente estabelecida só poderia resultar precludida se estivesse documentada nos autos uma situação susceptível de se configurar como de abuso de direito.
É, no essencial, aliás, este o objecto da controvérsia, tal como emerge da argumentação da entidade recorrente: na sua óptica, o motivo essencial subjacente à invocação da nulidade – a ausência de disponibilidades financeiras para realizar o remanescente do preço, uma vez que a A. não lograra obter acesso ao crédito bancário – traduziria « abuso de direito na invocação da nulidade, porquanto tal invocação é instrumento de interesses pessoais e negação de interesses sensíveis da apelante» - que teria aceite um «sinal diminuto» no interesse da A:, quando poderia logo ter procedido à venda da fracção em causa.
Tal via argumentativa é, porém, manifestamente improcedente, não podendo obviamente generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de – sindicando os motivos pessoais e subjectivos que estão na base da invocação da nulidade pelo interessado cujo interesse é por ela prosseguido - acabar por se precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do acto jurídico.
Ora, ao contrário do sustentado na alegação da revista, as considerações gerais tecidas no acórdão do STJ, atrás transcrito – e também invocado pela sociedade recorrente – levam precisamente a conclusão oposta à por ela sustentada – não resultando minimamente da matéria de facto provada ter ocorrido um particular e fundado «investimento de confiança» na estabilidade e definitividade do contrato promessa.
Na verdade, tratando-se de entidade que actua profissionalmente no comércio imobiliário, seguramente não podia ignorar que a ausência do reconhecimento presencial das assinaturas retirava inelutavelmente estabilidade ao negócio, colocando-a sob o risco fundado de o promitente comprador invocar – como veio a ocorrer precisamente – invalidade que a lei prevê como forma específica e prioritária de tutela dos seus interesses. A confiança justificadamente depositada na estabilidade do negócio pelo sujeito que invoca o abuso de direito na sua anulação pela parte contrária não pode fundar-se, apenas e singelamente, na celebração do acto formalmente inválido, sendo naturalmente indispensável a invocação e demonstração de um adicional comportamento da parte que, de forma séria e consistente, haja criado a convicção de que tal vício não iria ser actuado.
Ora, não é legítimo extrair da matéria de facto apurada que o promitente comprador criou na ora recorrente uma expectativa, sólida e fundada, de que teria renunciado a invocar a nulidade do negócio – sendo manifesto que a mera existência de negociações para devolução de uma parcela do sinal não tem seguramente tal sentido.
E não se concorda com a recorrente quando pretende extrair do motivo fundamental subjacente à invocação da nulidade - a inviabilidade, supervenientemente verificada, de poder aceder ao crédito bancário – uma ilegitimidade no exercício de tal direito a prevalecer-se da nulidade, estabelecida precisamente no seu interesse, susceptível de tornar abusivo o respectivo exercício – sendo a «desistência do negócio» propiciada precisamente pela sua invalidade formal, da responsabilidade primacial da entidade que , no exercício do seu comércio, outorgou no contrato promessa : para que o exercício do direito a invocar uma nulidade formal se torne abusivo, não basta que se invoque que o mesmo tem na sua base motivos pessoais ou subjectivos, sendo indispensável que se documente que tais motivos são ilegítimos ou anti-jurídicos, nomeadamente por envolverem violação grave e ostensiva da boa-fé negocial, o que manifestamente - perante factualidade apurada - se não verifica no caso dos autos,
.Nestes termos, por se considerar que as questões que integram o
objecto do recurso são manifestamente infundadas, profere-se a presente decisão sumária, ao abrigo do disposto nos arts. 700º,nº1, al.g), 701º, nº2, e 705º do CPC, julgando-se improcedente a revista .
Custas pela recorrente.
5. Notificadas as partes desta decisão, deduziu a sociedade recorrente reclamação para a conferência, requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria recorrida, nos termos do estatuído no nº3 do art. 700º do CPC.
.O nº3 do art. 700º do CPC consente efectivamente à parte prejudicada por qualquer decisão singular do relator fazê-la sindicar pela conferência, deduzindo a pertinente reclamação – que não carece de ser fundamentada numa impugnação especificamente direccionada contra as razões e fundamentos subjacentes ao despacho reclamado, podendo limitar-se a pedir que sobre ele recaia um acórdão.
Entende-se que , neste caso, não tem qualquer utilidade a audição da parte contrária, prevista na parte final daquele preceito legal, já que o reclamante nada aduz de inovatório, relativamente ao que já constava da sua alegação, a que a recorrida já teve plena oportunidade processual de responder. Assim, por manifesta desnecessidade, ao abrigo do princípio da adequação formal, e nos termos do nº 3 do art. 3º do CPC, dispensa-se a notificação ao recorrido do – aliás tabelar - requerimento ora apresentado, para se voltar a pronunciar sobre questões já inteiramente debatidas ao longo dos autos.
O reclamante não invoca qualquer razão substancial para pôr em causa a decisão que, apreciando adequadamente as questões suscitadas nas conclusões da alegação do presente recurso, o considerou manifestamente improcedente.
Não vislumbrando a conferência qualquer razão que permita pôr em crise tal decisão, e concordando inteiramente com os seus fundamentos, confirma inteiramente a decisão sumária proferida nos autos, negando-se, em consequência, provimento à revista.
Custas pelo reclamante, que se fixam, nos termos do nº3 do art. 18º do CCJ em 8 UC.
Lisboa, 08 de Junho de 2010
Lopes do Rego (Relator)
Barreto Nunes
Orlando Afonso