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DANO MORTE
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
I - O direito à indemnização por morte da vítima, consagrado no n.º 2 do art. 496º C. Civil, cabe originariamente às pessoas nele indicadas, por direito próprio. Esse direito a indemnização é deferido pela norma, em termos hierarquizados, a grupos de pessoas, em conjunto, que não simultânea ou indistintamente a todas as pessoas nela indicadas, sendo excluídas da respectiva titularidade quer quaisquer pessoas nela não referidas, quer, de entre as referidas, as que resultem afastadas pela precedência da respectiva graduação.
II - O direito a compensação por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, e por si não reclamados antes da morte, cabe às pessoas eleitas pelo legislador de entre as ligadas por certas relações familiares ao falecido, mediante uma transmissão de direitos da personalidade extinta, nos termos da indigitação feita no n.º 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada, transmissão que não corresponde a um chamamento à titularidade desses direito segundo as regras do direito sucessório.
III - A titularidade do direito à indemnização por danos patrimoniais próprios, sofridos directamente por terceiros, em consequência da morte do lesado, defere-se com respeito pela ordem sucessivamente excludente estabelecida no mesmo n.º 2 do art. 496º C. Civil.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. - AA, BB, CC e DD instauraram contra EE-“Companhia de Seguros F... – M..., S.A.” acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes 847.219,88€, sendo 210.837,50€ para o primeiro, 210.837,50€ para a segunda, 212.272,44€ para a terceira e 213.272,44€ para o quarto, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação e até efectivo pagamento.
Alegaram, em síntese relevante, que no dia 7 de Setembro de 2002, o motociclo conduzido por FF, filho do primeiro e da segunda AA., que transportava a esposa GG, filha dos terceiro e quarto AA., foi embatido pelo veículo automóvel UX-...-..., seguro na Ré, em consequência do que os aludidos FF e GG sofreram ferimentos que lhes vieram a provocar a morte.
A Ré contestou impugnando a responsabilidade do acidente atribuída ao seu segurado e acrescentou que GG faleceu antes do marido, que foi seu herdeiro, com as consequências daí resultantes.
A final, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar:
1) ao Autor AA:
- a) o montante de €1.120,83 relativo aos danos produzidos no veículo LZ;
- b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor das roupas e calçado que seu filho FF envergava no momento do acidente;
- c) a quantia de €4.500 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo filho nos momentos que precederam a morte;
- d) a quantia €30.000 alusiva à perda do direito à vida de FF;
- e) a quantia de €20.000 referente aos danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda do filho;
- f) juros à taxa de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 relativamente às quantias referidas em a) e desde a presente data relativamente aos referidos em c) a e) até integral e efectivo cumprimento;
2) à Autora BB:
- a) o montante de €1.120,83 relativo aos danos produzidos no veículo LZ;
- b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor das roupas e calçado que seu filho FF envergava no momento do acidente;
- c) a quantia de €4.500 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo filho nos momentos que precederam a morte;
- d) a quantia €30.000 alusiva à perda do direito à vida de FF;
- e) a quantia de €20.000 referente aos danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda do filho;
- f) juros à taxa de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 relativamente às quantias referidas em a) e desde a presente data relativamente aos referidos em c) a e) até integral e efectivo cumprimento;
3) aos Autores CC e esposa DD o montante de €2.869,88 correspondente ao custo do funeral de sua filha e genro, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 até integral e efectivo cumprimento;
4) ao Autor CC:
- a) o montante de €229,16 relativo aos danos produzidos no veículo LZ;
- b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor das roupas e calçado que sua filha GG envergava no momento do acidente;
- c) a quantia de €1.500 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela filha nos momentos que precederam a morte;
- d) a quantia de €25.000 referente aos danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda da filha;
- e) juros à taxa de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 relativamente às quantias referidas em a) e desde a presente data relativamente aos referidos em c) e d) até integral e efectivo cumprimento;
5) à Autora DD:
a) o montante de €229,16 relativo aos danos produzidos no veículo LZ;
b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor das roupas e calçado que sua filha GG envergava no momento do acidente;
c) a quantia de €1.500 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela filha nos momentos que precederam a morte;
d) a quantia de €25.000 referente aos danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda da filha;
e) juros à taxa de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 relativamente às quantias referidas em a) e desde a presente data relativamente aos referidos em c) e d) até integral e efectivo cumprimento.
Apelaram Autores e Ré.
A Relação julgando totalmente improcedente a apelação dos AA., mas parcialmente procedente a da Ré, revogou a condenação da Ré no pagamento das quantias estipuladas a título de danos sofridos pela GG nos momentos que antecederam a sua morte, bem como pela dor sofrida pelos AA. CC e mulher com a perda daquela filha, em tudo o mais mantendo a sentença.
Os Autores pedem ainda revista.
No que denominaram de “conclusões” (mas, em boa verdade, corresponde à repetição das alegações), em termos úteis, escrevem:
A-) São quatro as questões que se colocam no âmbito do presente recurso:
Primeira: A não atribuição de qualquer montante indemnizatório aos autores decorrente da perda do direito à vida da vítima GG ;
Segunda: Os valores atribuídos no tocante ao dano pré-morte da vítima FF e quanto ao dano não patrimonial dos pais deste;
Terceira: A não atribuição de qualquer montante indemnizatório aos pais da GG pelos danos morais por si sofridos em consequência da perda da filha;
Quarta: A não atribuição de qualquer indemnização aos AA. decorrente do dano pré-morte da GG .
(…);
D-) A indemnização dos pais pelos danos morais sofridos em consequência da morte da sua filha, em consequência do acidente dos autos, emana da própria condição destes. A sua qualidade de pais é, por si só, bastante para que lhes seja atribuída indemnização pelos danos morais que inegavelmente sofreram e que têm tutela legal, no artigo 496º, nº 2 do Código Civil;
E-) É que tendo ficado viúvo o FF, igualmente vítima do acidente, os pais da GG têm, concomitantemente com este que ser indemnizados, pela morte desta – nº 1 do artigo 2142º do Código Civil;
G-) O douto acórdão recorrido deve ser revogado nesta parte e novamente arbitrada indemnização aos autores pais da GG, pelos danos morais sofridos em consequência da perda da filha, indemnização essa que se deve computar em montante nunca inferior a 30.000,00€ para cada um deles;
H-) No que se refere ao dano moral sofrido pela GG, pelo sofrimento tido antes da sua morte, e em consequência do acidente dos autos, têm igualmente que ser indemnizados os pais da vítima, em paralelo com o falecido marido;
J-) Deve nesta parte ser também o douto acórdão revogado e arbitrada indemnização a favor dos autores pais da GG, pelo dano pré-morte desta, em montante nunca inferior, para cada um destes, a 35.000,00€;
K-) Quanto à primeira questão colocada, e que não mereceu acolhimento no douto acórdão recorrido, deve ser fixado o montante indemnizatório de 60.000,00€ (sessenta mil euros), decorrente da perda do direito à vida da GG ;
L-) Tal montante deverá ser distribuído, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 2142º do Código Civil;
M-) E assim teremos 20.000,00€ para o A. AA e 20.000,00€ para a A. BB, que tanto correspondia às duas terças partes herdadas pelo seu falecido filho FF, uma vez que este faleceu antes de sua esposa GG; e os restantes 20.000,00€, correspondentes à outra terça parte, a dividir de forma igual pelos progenitores da GG , isto é, o montante de 10.000,00€ para CC e 10.000,00€ para DD;
N-) Como se referiu igualmente os montantes indemnizatórios relativos ao dano pré-morte da vítima FF e os montantes relativos aos danos não patrimoniais sofridos pelos l.ºs. AA. e decorrentes da morte do seu filho, são exageradamente baixos;
0-) Foi fixado o montante de 9.000,00€ pelos danos morais sofridos pelo FF, cuja morte só se viria a confirmar já no hospital, como é afirmado na douta sentença recorrida;
P-) Tal revela que a vítima teve a possibilidade de antever a sua morte, cuja angústia, paralelamente às dores atrozes que sofreu, fazem com que estejamos perante um dano não patrimonial elevadíssimo, e que se deve situar nos 35.000,00€;
R-) O montante indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais sofridos pelos 1ºs AA., enquanto pais do FF, é absolutamente insuficiente;
U-) Não se diga que 20.000,00€ é adequado à dor e ao sofrimento que vai marcar cada um deles para o resto das suas vidas;
V-) Deve, pois, o montante indemnizatório devido a cada um dos 1ºs. autores, pela morte do seu filho, ser fixado em 50.000,00€, ao invés dos 20.000,00€.
A Recorrida apresentou resposta em apoio do julgado.
2. - Como enunciadas nas conclusões da alegação dos Recorrentes, propõem-se, para apreciação, as seguintes questões:
- Se há lugar a atribuição de indemnização aos Autores, na sua qualidade de pais e sogros, decorrente da perda do direito à vida da vítima GG no acidente, a quem sobreviveu o cônjuge;
- Se há lugar a atribuição de indemnização aos AA., enquanto pais da mesma GG , pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com a perda dessa filha;
- Se os mesmos Autores, pais da GG , são titulares de direito a indemnização pelos danos pré-morte sofridos por esta;
- Valoração dos danos pré-morte sofridos pela também vítima FF e dos danos não patrimoniais sofridos pelos AA., seus pais.
3. - Ao conhecimento do objecto do recurso podem interessar, de entre os provados, os seguintes factos:
1. No dia 7 de Setembro de 2002, cerca das 18h15, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o motociclo LZ-...-... e o automóvel UX-...-..., seguro na Ré;
(…);
12. Em virtude do acidente a infeliz vítima FF sofreu gravíssimas lesões, pelo que foi transportado para o Hospital de Fafe, onde veio a falecer (no mesmo dia 7, às 18,50 horas);
13. Em consequência directa e necessária do acidente resultou para o falecido FF, os ferimentos constantes do relatório de autópsia, nomeadamente, infiltração sanguínea do tecido celular subcutâneo e músculos intercostais, mais acentuadamente, na metade anterior e direita, fractura do externo, fractura dos 3º, 5º. 6º, 7º, 8º, 9º e 10º arcos costais, na sua porção anterior direita, derrame sanguíneo em ambas as cavidades pleurais, fractura da tíbia e peróneo e outros, ferimentos e lesões essas que lhe determinaram a morte;
14. Também em virtude do acidente a infeliz vítima GG sofreu gravíssimas lesões, pelo que foi transportada para o Hospital de Fafe onde veio a falecer (também em 7 de Setembro, às 18,45 horas);
15. Em consequência directa e necessária do acidente resultou para a falecida GG os ferimentos constantes do relatório de autópsia, nomeadamente, infiltração sanguínea a nível do 1º dente incisivo direito do maxilar superior, presença de hemorragia meníngea recobrindo o cerebelo e tronco cerebral, fractura dos 4º, 5º, 6º, 9º, 10º e 11º arcos costais direitos, com infiltração sanguínea dos músculos intercostais e todos topos ósseos, presença de derrame hemático volumoso na cavidade pleural direita, presença de inúmeras lesões de contusão hemorrágica no revestimento do pulmão esquerdo, contusão do baço, laceração do fígado e outros, ferimentos e lesões essas que lhe determinaram a morte;
16. O FF era casado com GG e não tinham descendentes;
17. O falecido FF de 24 anos de idade, era filho do primeiro e da segunda Autores;
18. Por sua vez, a falecida GG , de 23 anos de idade, era filha dos terceiros Autores;
(…);
23. O terceiro Autor ficou doente devido ao falecimento da filha;
24. O primeiro e a segunda Autores sofreram muito com a perda do seu filho FF;
25. Os terceiros Autores também sofreram muito com a perda da sua filha;
26. O FF não faleceu de imediato;
27. Em consequência do acidente sofreu dores e angústia;
28. Havia uma boa relação entre o sinistrado FF e os seus pais;
29. O primeiro e a segunda Autores sofreram e continuam a sofrer muito com a perda do filho;
30. E jamais se apagará da sua memória o trágico desaparecimento do filho;
31. A GG não faleceu de imediato;
32. Em consequência do acidente sofreu dores e angústia;
33. Os terceiros Autores dedicavam à GG intenso amor;
34. A falecida GG também era boa filha, que se preocupava com os pais, telefonando e visitando-os frequentemente para saber do seu bem-estar;
35. Os terceiros Autores sofreram e continuam a sofrer muito com a perda da filha;
36. E jamais se apagará da sua memória o trágico desaparecimento da filha;
4. - Mérito do recurso:
4. 1. - Em discussão, neste recurso, como, de resto, acontecia já no de apelação, está apenas o direito a indemnização por danos não patrimoniais (dano morte, dano pré-morte e dano moral dos pais das vítimas) e respectivos montantes.
No acórdão recorrido decidiu-se que o direito à indemnização por morte da vítima, cabe originariamente às pessoas mencionadas no n.º 2 do art. 496º C. Civil, por direito próprio, razão por que, tendo o cônjuge FF sobrevivido à sua mulher GG, não pode aos pais desta ser atribuída a indemnização pedida pela perda da vida da filha nem pela dor sofrida com tal perda.
Mais se decidiu, igualmente com fundamento na sobrevivência do FF, não atribuir aos AA., pais da GG, indemnização pelos padecimentos desta que precederam a sua morte, por ser direito dos pais do FF, enquanto sucessores do cônjuge sobrevivo.
Decidiu-se, ainda, também com a discordância dos Recorrentes, manter a compensação de 20.000,00€ pelo dano moral de cada um dos pais do falecido FF e a de 9.000,00€ pelo dano pré-morte da mesma vítima aos mesmos Autores.
Os Recorrentes insistem na pretensão de verem atribuídos 60.000,00€, como indemnização pela perda do direito à vida da vítima GG, quantia a distribuir entre todos os AA., segundo as regras da sucessão legítima, do mesmo passo que os AA. CC e DD reclamam, para cada um, 30.000,00€ apenas pela “sua qualidade de pais”, encontrando tutela para a pretensão nos arts. 496º-2 e 2142º-1, ambos do C. Civ., que invocam e, sem alusão a qualquer suporte jurídico, 35.000,00 pelo dano pré-morte da mesma GG.
Em substituição das verbas de 9.000€ e de 20.000,00€ referidas, que reputam de escassas, os AA. AA e BB pedem, respectivamente, 35 mil e cinquenta mil euros.
4. 2. - Titularidade do direito a indemnização pela perda da vida.
A indemnizabilidade da lesão do direito à vida, como dano autónomo, mau grado a manutenção de algumas divergências na doutrina, é, hoje, solução pacificamente aceite pela nossa jurisprudência, no culminar do caminho percorrido na interpretação do art. 496º C. Civil, desde a sua entrada em vigor, em que avulta, como decisivo marco no sentido da uniformização, o acórdão do STJ de 17 de Março de 1971 (BMJ 205º-150), tirado em reunião conjunta de secções e com tal objectivo, nos termos do art. 728º-3 CPC (redacção então em vigor).
Sempre sobra, porém, a questão de determinação de quem é detentor, e com que fundamento, da titularidade do direito à indemnização pela perda da vida da vítima da facto danoso.
Põe-se, então, o problema de saber se se está perante um direito que ainda se integra no património da falecida vítima e se transmite, por via sucessória, aos seus herdeiros ou, por uma “via sucessória especial” às pessoas referidas no n.º 2 do art. 496º C. Civil ou se, diversamente, se trata de um direito próprio das pessoas mencionadas no dito n.º 2 do art. 496º que, como tal, lhes é atribuído directamente.
De notar que não estão aqui em causa danos de natureza não patrimonial sofridos pela vítima em consequência do facto danoso que lhe provoca a morte, mas antes desta.
Estes foram considerados transferíveis, por via sucessória, do titular designado pelo art. 496º-2 para as pessoas designadas na mesma norma.
São conhecidos os argumentos a favor da tese da aquisição do direito pelo de cujus (iurehereditario) e sua transmissão e da atribuição ex novo (iureproprio)de tal direito em conformidade com a nomeação do art. 496º-2 (vd., por todos, R. CAPELO DE SOUSA, “Lições de Direito das Sucessões”, I, 3ª ed., 290 e ss; DELFIM MAYA DE LUCENA, “Danos Não Patrimoniais”, 47 e ss).
Temos entendido, sem razão para alteração da posição, ser esta última a solução que, por corresponder à acolhida pela lei, se impõe ao intérprete.
Na verdade, como vem sendo posto em evidência, vai decisivamente nesse sentido a história do preceito, afastando-se, como se afastou, na sua versão definitiva, do que constava do Anteprojecto VAZ SERRA - “Direito das Obrigações”, BMJ 101º-138 – art. 759º-4 -, em que se adoptava inequívoca posição no sentido de que o direito a essa indemnização «transmite-seaosherdeiros desta (vítima), mesmo que o facto lesivo tenha causado a sua morte e esta seja instantânea», versão que sobreviveu à 1ª Revisão Ministerial mas sucumbiu à 2ª, com a oposição do seu Autor.
Depois, a expressão «o direito à indemnização …cabe (…)», inculca a ideia de uma aquisição originária do direito à indemnização pelas próprias pessoas referidas na norma, afastando a de uma primeira atribuição e sucessiva transmissão, do mesmo passo que, ao designar essas pessoas e ao hierarquizá-las, o preceito, regendo em matéria de direito das obrigações, parece pretender dispor de forma auto-suficiente sobre ela, ora designando directamente os titulares do direito, ora escalonando-os em termos não coincidentes com os do direito sucessório, mas atendendo a outros critérios, certamente ligados a vínculos atinentes ao relacionamento familiar com o falecido.
A propósito da titularidade e fundamento do direito à indemnização pelo dano morte, escreveu-se no acórdão de 24/5/2005, também relatado pelo ora relator e subscrito pelo Exmo.1º Adjunto, o seguinte:
Trata-se de um caso em que a lei atribui a determinadas pessoas ou grupos de pessoas, sucessivamente, a titularidade do direito a indemnização por danos próprios, mas por factos em que considera lesado alguém que não é o titular do direito violado.
Desaparecido, pela produção do dano-morte, o sujeito do direito de personalidade violado, a quem pelos princípios gerais da responsabilidade civil caberia o direito à indemnização, a lei elege como titulares originários desta certos terceiros em atenção às suas relações familiares com a vítima.
A opção pela indicação taxativa e graduada das pessoas cujos danos são atendíveis deve-se a razões de certeza e segurança, apesar de poder verificar-se que o facto cause danos, porventura mais graves, a outras pessoas ou mesmo que as pessoas contempladas sofram dor ou desgosto por forma não coincidente com a ordem de precedências estabelecida no preceito. O legislador quis sacrificar "as excelências da equidade (...) às incontestáveis vantagens do direito estrito" (P. DE LIMA e A. VARELA, "C. Civil, Anotado", 4ª ed., 501).
A letra da lei exclui, pois, da titularidade do direito, quer quaisquer pessoas nela não referidas, quer, de entre as referidas, as que resultem afastadas pela precedência da respectiva graduação.
No mesmo sentido vai a orientação predominante neste Supremo Tribunal, como se dá conta no acórdão de 17/12/2009 - proc. 77/06.5TBAND (sobre o caso específico, o ac. de 16/6/2005-p.05B1612).
Esse direito a indemnização é deferido pela norma, em termos hierarquizados, a grupos de pessoas, em conjunto, mas não simultânea ou indistintamente a todas as pessoas nela indicadas.
Por opção legislativa, em homenagem, como se aludiu, à certeza do direito, elegeram-se sucessivos grupos, em que se revelam critérios de decrescente proximidade afectiva, em prejuízo da maior equidade (justiça da concreta situação) a que, pelo menos algumas vezes, a casuística não deixaria de conduzir.
Mas, que assim é, mostra-o clara e incontornavelmente a letra da lei ao utilizar as expressões «na falta destes» e «por último”, de forma que cada classe ou grupo resulte excluído pelo anterior.
Consequentemente, tendo sobrevivido à GG o marido, a quem cabia, na precedência legal, por aquisição originária, própria e directa, o direito à totalidade da indemnização pela perda da vida da mulher, não podem já reclamá-lo os pais, incluídos na segunda ordem de titularidade do direito.
Ao também assim decidir, ou seja, no sentido de que o direito à indemnização por morte da vítima, consagrado no n.º 2 do art. 496º C. Civil, cabe originariamente às pessoas nele indicadas, por direito próprio, com a consequente negação da pretensão dos Recorrentes quanto ao dano morte da GG, o acórdão impugnado tem de ser mantido.
4. 3. - Atribuição de indemnização por danos morais sofridos pelos Recorrentes CC e mulher em consequência da perda da filha.
Em causa estão, agora, já não danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, como a perda da sua própria vida, mas danos sofridos directamente por terceiros, como os sofrimentos provocados, designadamente aos pais, pela morte do lesado.
Relativamente a estes danos não pode pôr-se em causa que o direito à indemnização não pertença a esses terceiros/familiares, em termos de relação jurídica obrigacional, vale dizer fora do campo do direito sucessório e de qualquer ideia de transmissão.
Assim sendo, a questão proposta pelos Recorrentes, reclamando indemnização pelo simples facto de serem pais da vítima, colocando-se exclusivamente no âmbito de aplicabilidade do art. 496º-2 e 3 C. Civil, só pode reconduzir-se a saber se, mesmo contemplados no segundo grau da hierarquia de titulares do direito, podem beneficiar da atribuição da indemnização.
A resposta não pode deixar de ser negativa pelas mesmas razões já convocadas a propósito da titularidade a atribuição do dano morte, isto é, da respeitabilidade da ordem sucessivamente excludente estabelecida no n.º 2 do art. 496º, e das razões que a tal estão subjacentes.
Consequentemente, também merece confirmação o acórdão impugnado na parte em que, com os referidos fundamentos, decidiu não poder, “lamentavelmente” [por entender, de certo, que o direito estrito não acolhe o que a equidade poderia conferir], ser atribuída aos pais da GG indemnização pela dor advinda da morte desta.
4. 4. - Não atribuição de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela GG antes da sua morte.
A questão da titularidade activa e da atribuição da indemnização pelo dano não patrimonial ante-morte sofrido pela GG passa, uma vez mais, pela adopção de uma das referidas posições: caber o direito ao falecido, transmitindo-se, depois, aos seus herdeiros legais ou testamentários; caber o direito inicialmente ao de cujus transmitindo-se sucessoriamente para as pessoas indicadas no n.º 2 do art. 496º, ou, finalmente, tratar-se de direito adquirido originariamente pelas pessoa mencionadas nessa norma.
Aqui em causa estão, agora, os sofrimentos da vítima antes da sua morte que, como os danos morais sofridos directamente por terceiros, colhem referência expressa no segundo segmento do n.º 3 do art. 496º.
Tais danos surgem e radica-se ainda na titularidade da própria vítima, pressupondo sempre a morte não instantânea.
Ora, crê-se que, também quanto a este ponto, não sendo o direito exercido pelo próprio lesado antes da morte, haverá de ser no n.º 2 do art. 496º que terá de se encontrar a determinação do sujeito da titularidade da indemnização devida, nomeadamente no tocante à ordem por que se opera a transferência do direito originariamente da vítima.
Efectivamente, por um lado, o n.º 2 do art. 496º alude ao direito à indemnização «por danos não patrimoniais”, sem quaisquer limitações ou restrições, em abrangência de todos os danos originados «por morte da vítima», enquanto, por outro lado, o n.º 3 refere que «no caso de morte» podem ser atendidos os danos «sofridos pela vítima» e também os sofridos pela pessoas referidas no n.º 2.
Parece, pois, que se quis englobar num mesmo regime, auto-suficiente, todos os danos não patrimoniais inerentes a um acto lesivo que tenha conduzido à morte do lesado.
Assim, como nota CAPELO DE SOUSA (ob. cit., pg. 298 e nota (433)), foi alterado o Projecto VAZ SERRA, “estendendo aos familiares ora referidos no art. 496º-2 do Código Civil o direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela própria vítima (n.º 2 e 3 do art. 498º da 2ª Ver. Min.), para além do direito de indemnização por danos morais que eles mesmos tenham sofrido pela morte do de cujus (o que já constava do n.º 2 do art. 759º do art. de VAZ SERRA e do n.º 3 do art. 476º da 1ª Rev. Min.)”.
Consequentemente, também neste caso, o direito compensatório cabe às pessoas eleitas pelo legislador de entre as ligadas por certas relações familiares ao falecido, mediante uma transmissão de direitos da personalidade extinta, transmissão que não corresponde a um chamamento à titularidade desses direito segundo as regras do direito sucessório.
Numa palavra, o direito à indemnização pelos danos não patrimoniais que a vítima tenha sofrido antes do seu decesso transfere-se para as pessoas indigitadas no n.º 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada.
Como se refere no acórdão impugnado, quem pediu a indemnização pelos danos em apreciação foram os pais da GG, que continuam a reclamá-los, direito que, por aplicação da regra jurídica adoptada, não lhes cabe, dada a sobrevivência do marido FF.
4. 5. - Montantes indemnizatórios.
4. 5. 1. - Os Recorrentes AA e BB, enquanto pais e titulares dos direitos indemnizatórios pelo dano pré-morte do FF e pelo danos não patrimoniais próprios sofridos com a sua perda, reclamam o aumento dessas compensações de, respectivamente, nove mil euros para 35.000,00€ e de vinte mil euros (para cada um) para 50.000,00€, reputando-as de exíguas.
Indiscutível, pela sua gravidade, a indemnizabilidade dos danos (art. 496º-1 C. Civil).
Trata-se, num e noutro caso de encontrar uma compensação de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro.
Na Jurisprudência vem sendo acentuada a ideia de que tais compensações devem ter um alcance significativo, e não meramente simbólico.
O critério de fixação é o recurso à equidade, atendendo ao grau de culpa do responsável, situação económica do lesante e do lesado e, entre as circunstâncias do caso, à gravidade do dano a que a compensação deve ser proporcionada, lançando mão, tanto quanto possível, de um critério objectivo (arts. 496º e 494º cit.).
Para tanto, hão-de ser ponderadas circunstâncias como a natureza e grau das lesões, os sofrimentos por elas provocados e seu grau ou intensidade, o período por que perduraram, a dor dos familiares, sempre relacionada com o seu relacionamento afectivo, entre outras.
4. 5. 2. - O quadro fáctico evidencia, sem dúvida, ter a vítima sofrido gravíssimas lesões.
Apesar de se ter provado que sofreu dores e angústia, nada ficou demonstrado quanto à intensidade dessas dores e sua duração, designadamente se o falecido se manteve consciente e sensível à dor durante os cerca de 35 minutos de vida que separaram o acidente do seu decesso e se se apercebeu de que este ia acontecer.
Ora, perante o escasso quadro probatório fixado - onde não constam as «dores atrozes» e a angústia de antevisão da morte que os Recorrentes invocam -, não se encontram razões para alteração do montante arbitrado.
4. 5. 3. - Também, quando aos danos próprios, se não vislumbram motivos de modificação.
Provados vêm os normais laços afectivos entre pais e filhos, decorrentes de uma “boa relação”, o que também é normal, com o inerente sofrimento presente e futuro.
Como se refere no acórdão recorrido, citando decisões jurisprudenciais, as verbas atribuídas - de 20.000 euros a cada progenitor - situam-se dentro dos parâmetros utilizados na prática deste Supremo em casos similares.
De manter, pois, o quantum compensatório fixado pelas Instâncias.
5. - Decisão.
Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
- Negar a revista;
- Confirmar o decidido no acórdão impugnado; e,
- Condenar os Recorrentes nas custas.