ROUBO AGRAVADO
VALOR DESCONHECIDO
FACTO NOTÓRIO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
IN DUBIO PRO REO
VALOR DIMINUTO
ROUBO
Sumário

I - Como determina a parte final da al. b) do n.º 2 do art. 210.º do CP, por remissão para o disposto no n.º 4 do art. 204.º, não há lugar à qualificação do crime de roubo se a coisa for de diminuto valor. Deste modo, sendo a coisa objecto do crime de diminuto valor, mesmo que se verifique alguma das circunstâncias qualificativas, não funciona a qualificação, e o crime de roubo será o crime base previsto no art. 210.º, n.º 1, do CP.
II - A determinação do valor da coisa objecto de crime é, assim, essencial, como pressuposto necessário da integração diferencial, com reflexos fundamentais na qualificação ou não qualificação do crime e na moldura penal aplicável.
III - No caso vertente, não consta dos factos provados do acórdão recorrido qualquer indicação sobre as coisas e respectivo valor, que o recorrente teria a intenção de subtrair – e o valor quantificado ou quantificável, já que os critérios de integração das noções relevantes são positivados, delimitados e quantificados por referência a valores monetários.
IV - O valor das coisas não é, por outro lado, revertível à noção de facto notório, e menos ainda se não for referido ou identificado algum bem ou quantia de valor específicos, e a ausência de circunstâncias que permitam, no mínimo, uma quantificação aproximada, relevante e segura, para satisfazer o respeito pelo princípio da legalidade penal, não pode ser interpretada no sentido mais amplo e com maior desfavor do arguido, ou seja, em valoração in pejus.
V - Deste modo, os factos provados, no que respeita ao elemento essencial do valor, não permitem a decisão tomada pelo tribunal a quo quanto à subsunção no tipo legal agravado. Por isso, a projecção material ainda do princípio in dubio, enquanto princípio relevante da prova sobre elementos de factos relevantes em processo penal, impõe que a indeterminação dos valores, bem como a ausência de qualquer indicação sobre os bens que o recorrente pretendia retirar ao ofendido, tenha de ser valorada a favor do recorrente.
VI - Nesta conformidade, os factos provados apenas permitem a subsunção no tipo de roubo simples, p. e p. no art. 210.º, n.º 1, do CP, uma vez que por efeito do disposto na parte final da al. b) do n.º 2 do art. 210.º, e da remissão para o art. 204.º do mesmo diploma, não tem lugar a qualificação do crime.

Texto Integral


Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. O Ministério Público acusou, em processo comum, com intervenção de Tribunal colectivo:
AA, solteiro, desempregado, filho de BB e de CC, natural da freguesia de …, concelho de Loulé, nascido no dia … e residente na …, …, …E, Loulé, imputando-lhe factos que integram a prática, em concurso efectivo, de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. no art. 210°, n.º 1, conjugado com os artigos 22°, 23º e 73º, todos do Código Penal e de um crime de dano, p. e p. no art.º 212°, n.º 1 do Código Penal.
Na audiência de julgamento, o tribunal procedeu a uma alteração da qualificação jurídica, bem como a uma alteração não-substancial dos factos descritos na acusação, nos termos que constam no despacho então proferido.
Na sequência do julgamento, o arguido AA foi condenado como co-autor material de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. no artigo 210º, números 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204°, n.º 1, al. f), e artigos 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão, e absolvido da prática de um crime de dano, p. e p. no art.º 212º, n.º 1 do Código Penal, por que também vinha acusado.

2. Não se conformando, recorre para o Supremo Tribunal, com os fundamentos constantes da motivação que apresenta e que termina com a formulação das seguintes conclusões:
I- O tribunal não ponderou todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depunham a favor do arguido.
II- Violando assim, as normas dos artigos 40º e 71 do Código Penal.
III- A pena de seis anos de prisão efectiva aplicada ao arguido é manifestamente excessiva.
IV- Apesar dos seus antecedentes criminais, arguido está actualmente integrado a nível social.
V- Encontra-se integrado na comunidade terapêutica “...”, em Salvaterra de Magos, onde se submeteu a tratamento para recuperação de toxicodependência.
VI- O cumprimento da pena de prisão em que foi condenado colocará em causa a sua reintegração social.
VII- Atentas as circunstâncias pessoais do arguido revela-se, em concreto, adequada a aplicação ao arguido de uma pena de prisão inferior a cinco anos, suspensa na sua execução.

Termina pedindo o provimento ao recurso, com a aplicação ao arguido uma pena de prisão inferior a cinco anos, suspensa na sua execução, subordinada ao cumprimento do dever de prestação de trabalho a favor da comunidade, com supervisão dos serviços de reinserção social.
O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação, considerando que o recurso não merece provimento.

3. No Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º do CPP, suscitando como «questão prévia» ao conhecimento da medida da pena, a qualificação jurídica do crime de roubo.
No entender da Exmª magistrada, a questão surge perante a matéria de facto e consiste em saber se, «em obediência aos princípios da legalidade e da tipicidade, tal matéria integra as circunstâncias que qualificam o furto/roubo quando o valor ou montante seja diminuto, porque não determinado».
Considera, assim, que «oficiosamente poderá ser conhecida esta questão de direito, devendo por isso o arguido ser condenado pelo crime de roubo tentado p.p. pelos arts. 210° n° 1, 22°, 23° e 73° do CP».

4. O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
1º- No dia 22/02/2009, cerca das 21.15 horas, o arguido, juntamente com outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, encaminhou-se para a residência de DD, sita na Rua , n.º …. Loulé, com o propósito de nela penetrar e do seu interior retirar e fazer seus bens e valores que denotassem valor económico, dispondo-se ambos a utilizar a força física para melhor alcançarem os seus intentos.
2º - Já junto da porta de entrada da referida morada, um dos dois indivíduos acima referidos (o arguido e quem o acompanhava), tocou à campainha, ao que DD perguntou do interior quem tocava, não tendo obtido resposta.
3°- Após, DD entreabriu a porta para saber de quem se tratava.
4°- Porém, logo que a porta se abriu, o individuo acima referido e cuja identidade não foi possível apurar, colocou imediatamente o pé calçado entre a porta e o umbral, impedindo DD de a fechar.
5°- De imediato o individuo acima referido e cuja identidade não foi possível apurar empurrou a porta e penetrou no interior da casa.
6°- Ao mesmo tempo que em tom ameaçador, e agarrando a camisa de DD, lhe ordenou que entregasse o dinheiro que tinha.
7°- Logo que DD respondeu que não tinha qualquer quantia com ele, imediatamente o individuo acima referido e cuja identidade não foi possível apurar, desferiu sucessivas pancadas com a mão fechada na face e pontapés em diversas partes do corpo de DD.
8°- DD debateu-se com o individuo acima referido e cuja identidade não foi possível apurar, procurando resistir-lhe, conseguindo atingir esse individuo com pontapés e, assim, conseguindo sair da casa.
9°- Nas circunstâncias acima descritas, caíram ao chão duas jarras pertencentes a DD, que se partiram, e cujo valor global era de pelo menos 500 euros.
10°- Logo que DD conseguiu sair de casa, e já na rua, surgiu à sua frente o arguido, encapuçado, e que se encontrava por detrás da porta de saída da casa, no lado da rua, fazendo gestos como o corpo como se fosse lutar.
11° - De imediato DD reagiu, desferindo bofetadas no
arguido, e conseguindo tirar-lhe o gorro com que ele tapava a cara.
12º - Em resultado do acima descrito o arguido abandonou o local.
13° - Enquanto isso, também o outro individuo cuja identidade não se apurou, saiu da casa de DD c igualmente abandonou o local.
14°- Em consequência necessária e directa das supra descritas pancadas sofreu o DD dores na região dorsal e no hemitorax lateral direito, dificuldade em respirar, hematoma no nariz, fractura de duas costelas da grelha costal direita com parenquima pulmonar; lesões traumáticas várias, designadamente equimose do tórax com palpação e mobilização costal dolorosa e hematomas na perna esquerda.
15°- Igualmente em consequência necessária e directa de tais lesões resultaram para DD 30 dias de doença, com afectação da sua capacidade para o trabalho nos primeiros 20 dias.
16°- Actuou o arguido em comunhão de esforços e de propósitos com o outro individuo acima referido e cuja identidade não foi possível apurar, com o intuito de fazerem seus os bens que DD guardava em casa, tendo utilizado a força física para o forçarem a satisfazer as suas pretensões, só não tendo conseguido tal desiderato por motivos alheios ú sua vontade, designadamente por efeito da resistência de DD.
17°- Actuou o arguido de modo livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo as suas condutas proibidas por lei penal.
18º - O arguido é oriundo de um meio sócio familiar carenciado, sendo um dos vários filhos de um casal de condição económica precária. Ambos os pais, ainda vivos, eram trabalhadores assalariado, o pai no sector da construção civil e a mãe costureira. A família residia, então, numa habitação em avançado estado de degradação e exígua face ao número de constituintes do agregado.
19°- No seu percurso de crescimento assinala-se uma dinâmica relacional com os pais disfuncional e onde a falta de investimento afectivo por parte destes se constituiu como um factor importante. O pai, assumia uma postura rude e frequentemente agressiva, mesmo fisicamente, para com o arguido. Neste âmbito e como forma de tentar evitar situações de confronto com a figura parental, o arguido passou gradualmente a registar um modo de vida onde as ausências de casa se tornaram frequentes, associando-se em contrapartida a grupos de pares com comportamentos desviantes, nos quais se incluía o consumo de estupefacientes.
20°- O arguido frequentou de modo inconsequente o ensino escolar local, tendo apenas conseguido concluir já adulto e durante a execução de uma pena de prisão o quarto ano de escolaridade. O seu trajecto escolar caracterizou-se por um elevado absentismo e desinteresse, denotando paralelamente um comportamento desajustado para com os colegas e professores.
21°- Ainda jovem, o arguido passou a exercer diversos tipos de actividades laborais, de cariz indiferenciado, e de acordo com as oportunidades quotidianas.
22°- Em 1992, e decorrente do estilo de vida a que já então estava associado e onde se assinala a dependência do consumo de heroína, o arguido registou a sua primeira detenção. Posteriormente, o trajecto de vida do arguido vem-se caracterizando pelo cumprimento sucessivo de várias penas de prisão. Em liberdade e para além da fragilidade crescente do seu enquadramento familiar, o arguido recaiu no consumo de estupefacientes, incorrendo, neste contexto na prática reiterada de actos de cariz marginal. 23°- Em 2008, e quando foi colocado em liberdade condicional, o arguido regressou a Loulé, por não dispor de qualquer tipo de enquadramento ou suporte familiar, o arguido foi encaminhado para os serviços de apoio social locais, os quais se revelaram impotentes para conseguir inverter o trajecto de vida do arguido que rapidamente retomou um modo de vida totalmente desestruturado.
24º- Inactivo, o arguido pernoitava ao acaso, registando um modo de vida característico dos "sem abrigo", recorrendo a "actividades" e esquemas diversos para suprir as suas necessidades, principalmente as de carácter aditivo.
25°- Posteriormente, o arguido ainda foi integrado em casa de duas familiares (tia e uma prima) e mais recentemente na comunidade terapêutica do "...", em Salvaterra de Magos. Nessa instituição, e embora se assinalem já alguns percalços, o arguido tem conseguido apresentar um comportamento adaptado.
26º- No certificado do registo criminal do arguido EE consta o seguinte:
a) No processo comum n.º15/92, da ex-1ª secção, do ex-1º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por acórdão de 16/2/l993, relativo a factos de 27/5/1991, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 296º e 297º, n.º 2. als. c). d) e e), do Código Penal, na pena de 2 anos ele prisão e 22.500$00 de multa ou em alternativa em 30 dias de prisão, ficando suspensa por 4 anos.
b) No processo comum singular n.º 701/92, da ex-2ª secção, do ex-2° Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por sentença de 4/5/1993, relativa a factos de 12/6/1991, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 296 e 297°, n.º 2, al. d), do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos; por despacho de 11/7/96 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão.
c) No processo comum n.º 203/93, da ex-1ª secção, do ex-1º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por factos de 4/11/1992, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 296 e 297º, n° 2. als. a) e b), do Código Penal, e do crime de roubo, na pena única ele 3 anos de prisão e 22.500$00 de multa.
d) No processo comum singular n.º 315/93, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por sentença de 14/12/1993, relativa a factos de Fevereiro de 1992, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto, p. e p. pelo artigo 296º do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
e) No processo sumário n.º 5.325/94 do Tribunal Judicial de Loulé, por sentença de 13/1/1994, relativa a factos de 12/1/1994, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto, p. e p. pelo artigo 296º do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos; por despacho de 23/5/1994 foi julgada extinta por amnistia a referida pena de prisão.
f) No processo comum colectivo n.º 151/93, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por acórdão de 11/10/1994, relativo a factos de 3/5/1992, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 296 e 297°, n.º 1 e 2. als. c) e d), do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão, da qual foi perdoada 1 ano nos termos da Lei n.º 15/94, de 11/5, e substituída a restante pena de 6 meses de prisão por multa à taxa diária de 300$00 ou, em alternativa em 120 dias de prisão.
g) No processo comum n.º 708/94, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por sentença de 1/2/1995, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto, p. e p. pelo artigo 296º do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 400$00, perfazendo 72.000$00 ou, em alternativa em 120 dias de prisão.
h) No processo comum n.º 562/94, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por sentença de 15/3/1995, o arguido foi condenado pela prática do crime de roubo, p. e p. pelo artigo 306°, n.º 1 do Código Penal, na pena de 20 meses de prisão.
i) No processo comum singular n.º 57/95, do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por sentença de 24/5/1995, relativa a factos de 4/1/1995, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto, p. e p. pelo artigo 296º do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão.
j) No processo comum colectivo n.º 8/95, do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por acórdão de 19/6/1995, relativo a factos de Dezembro de 1993, o arguido foi condenado pela prática do crime de receptação, p. e p. pelo art.º 329°. n° 1, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão e 33 dias de multa à taxa diária de 300$00 e em alternativa 22 dias de prisão, tendo sido perdoadas todas as penas; por despacho de 8/7/96 foi revogado o perdão das penas.
I) No processo comum n.º 49/95, da 1.ª secção, do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, por sentença de 27/6/1995, relativa a factos de 11/4/1994, o arguido foi condenado pela prática do crime de falta ao serviço militar, na pena de 90 dias de prisão e 10 dias de multa à taxa diária de 200$00 ou em alternativa em 6 dias de prisão.
m) No processo comum colectivo n.º 87/95, do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por acórdão de 9/11/1995, relativo a factos de 11/1/1994, o arguido foi condenado pela prática do crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
n) No processo comum singular n.º 105/95, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por sentença de 17/11/1995, relativa a factos de 29/12/1994, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto, p. e p. pelo artigo 296º do Código Penal de 1982 e 203º do Código Penal de 1995, na pena de 2 meses de prisão.
o) No processo comum colectivo n.º 138/95, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por acórdão de 6/l2/1995, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, p. e p pelo art.º 296 e 297º, n.º 1 e 2, als. c ), d), e h) do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão.
p) No processo comum colectivo n.º 79/95, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por acórdão de 14/12/1995, relativo a factos de 6/2/1995, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 204º n.º 2, al. e), na pena de 3 meses de prisão; e por acórdão de 14/5/1996, em cúmulo com as penas aplicadas nos processos 708/94, 569/94, 138/95 e 57/95, na pena única de 4 anos de prisão e 204 dias de multa à taxa diária de 300$00) ou em alternativa em 136 dias de prisão.
q) No processo comum colectivo n.º 658/00.0GBLLE, do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, por acórdão de 2/5/2001, relativo a factos de 8/8/2000, o arguido foi condenado pela prática dos crimes de furto, furto qualificado, ofensa à integridade física qualificada, injúria agravada, dano e dano qualificado, na pena única de 7 anos de prisão.
r) No processo comum colectivo n.º 231/99.4TBLLE, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, por acórdão de 7/9/2009, relativo a factos de 1994, o arguido foi condenado pela prática do crime de furto, p. e p. pelo art.º 203º do Código penal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa.
Não resultaram provados os seguintes factos:
- Que, sem prejuízo do que consta nos factos provados, o arguido também tivesse empurrado a porta e penetrado no interior da casa, e que também proferisse, por si, a ordem a DD para que este entregasse todo o dinheiro que tinha, ao mesmo tempo que lhe tapava a boca com a mão.
- Que, nas circunstâncias referidas nos factos provados 5º e seguintes, o arguido ou o outro individuo cuja identidade não se apurou, tivessem tapado a boca de DD.
- Que, sem prejuízo do que consta nos factos provados 5º e seguintes, o arguido, concretamente, tivesse lançado ao chão as duas jarras referidas no Cacto provado 9º, pretendendo e logrando inutilizar, por quebra, as duas jarras, com o propósito de atentar contra o património de DD.
- Que, sem prejuízo do que consta nos factos provados 9° a 12°, o arguido pretendesse, concretamente, manietar as mãos de DD.

5. A questão relativa à determinação do quadro de integração dos factos provados na categoria normativa do roubo é relevante e prévia, no sentido de pressuposto essencial para a definição da moldura penal e consequente fixação concreta da pena.
O recorrente vem condenado por um crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido no artigo 210º, nº 2, alínea b), com referência à alínea f) do nº 2 do artigo 204º do Código Penal, ou seja pelo crime de roubo qualificado.
No entanto, como determina a parte final da alínea b) do nº 2 do artigo 210º do referido diploma, por remissão para o disposto no nº 4 do artigo 204º, não há lugar à qualificação se a coisa for de diminuto valor.
Deste modo, sendo a coisa objecto do crime de diminuto valor, mesmo que se verifique alguma das circunstâncias qualificativas não funciona a qualificação, e o crime de roubo será o crime base previsto no artigo 210º, nº 1, do Código Penal.
A determinação do valor da coisa objecto do crime é, assim, essencial como pressuposto necessário da integração diferencial, com reflexos fundamentais na qualificação ou não qualificação do crime e na moldura penal aplicável.
A noção de valor diminuto está, por seu lado, objectivamente fixada por definição constante do artigo 202, alínea c), do Código Penal.
Dos factos provados não consta, no entanto, qualquer indicação sobre as coisas e o respectivo valor ou valor, que o recorrente teria a intenção de subtrair - e o valor quantificado ou quantificável, já que os critérios de integração das noções relevantes são positivados, delimitados e quantificados por referência a valores monetários.
O valor das coisas não é, por outro lado, revertível à noção de facto notório, e menos ainda se não for se não for referido ou identificado algum bem ou quantia de valor específicos, e a ausência de circunstâncias que permitam, no mínimo, uma quantificação aproximada, relevante e segura para satisfazer o respeito pelo princípio da legalidade penal, não pode ser interpretada, no sentido mais amplo e com maior desfavor do arguido, ou seja, em valoração in pejus.
Deste modo, os factos provados, no que respeita ao elemento essencial do valor, não permitem a decisão que foi tomada pelo tribunal a quo quanto à subsunção no tipo legal agravado (e com reflexos substanciais na medida da pena).
Por isso, a projecção material ainda do princípio in dubio, enquanto princípio relevante da prova sobre elementos de facto relevantes em processo penal, impõe que a indeterminação dos valores, bem como a ausência de qualquer indicação sobre os bens que o recorrente pretendia retirar ao ofendido tenha de ser valorada, como refere ao Exmª Procuradora-Geral, a favor do recorrente.
Nem sequer vem referido, com o auxílio de elementos volitivos, se o recorrente sabia ou pensava que bens concretos existiriam em casa do ofendido que fosse sua intenção retirar, ou qual o conteúdo, mesmo aproximado, da dimensão do valor económico para o preenchimento objectivo da intenção.
Acresce que o co-autor do recorrente, não identificado, na actuação provada pretendia retirar dinheiro ao ofendido, que respondeu que nada tinha – pontos 6 e 7 da matéria de facto.
Neste sentido, perante os factos provados, na qualificação jurídico-penal não poderá ser considerado um valor que não seja aquele que seja o mais favorável, e que é o contido na definição legal de valor diminuto.
Nesta conformidade, os factos provados apenas permitem a subsunção no tipo de roubo simples, p. e p. no artigo 210º, nº 1, do Código Penal, uma vez que por efeito do disposto na parte final da alínea b) do nº 2 do artigo 210º, e da remissão para o artigo 204º do mesmo diploma, não tem lugar a qualificação do crime.
Deste modo, a moldura penal pelo crime de roubo tentado p.e p. pelos arts. 210° n° 1, 22°, 23° e 73° do CP é de 1 mês a 5 anos e 4 meses.

6. Dispõe o artigo 40º do Código Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - nº 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - nº 2.
A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limita da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
No caso, as exigências de prevenção geral são acentuadas, tendo em consideração a perturbação nos sentimentos de segurança, induzida pelos actos de violência em crimes contra a propriedade.
A culpa do agente é acentuada, não apenas pela preparação manifestada, mas também na actuação em conjunto com o uso de disfarce e violência.
As circunstâncias da vida do recorrente, que revelam desestruturação de personalidade, persistência na prática de crimes contra a propriedade e dependência do consumo de estupefacientes, aconselham que a medida da pena seja adequada a permitir a intervenção institucional na realização de finalidades de prevenção especial.
Nesta conformidade, considera-se adequada a pena de três anos de prisão.

7. A pena fixada não deverá, no entanto, ser substituída nos termos do artigo 50º, nº 1 do Código Penal.
Nas circunstâncias, visto o sentimento comunitário na projecção externa da leitura social dos factos, a simples ameaça da execução não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nomeadamente as exigências de prevenção geral para reafirmação dos valores e expectativas comunitárias na validades das normas penais que protegem a propriedade, especialmente quando a afectação da propriedade vem acompanhada de violência contra as pessoas.
Também o percurso de vida do recorrente, com o contacto frequente com o sistema pena, demonstra que a simples ameaça de execução não realiza de forma adequada, como já não realizou no passado, as finalidades da punição.

8. Nestes termos, concede-se provimento parcial ao recurso, condenando-se o recorrente pela prática do crime de roubo tentado p.e p. pelos arts. 210° n° 1, 22°, 23° e 73° do Código Penal, na pena de três anos de prisão.

Lisboa, 23 de Junho de 2010

Henriques Gaspar (Relator)
Armindo Monteiro