RETRIBUIÇÃO-BASE
PRÉMIO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO
TURNOS ROTATIVOS
DESPEDIMENTO COLECTIVO
COMPENSAÇÃO
Sumário


1. O conceito de retribuição base contido no art.º 250.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho/2003 só engloba a parcela da retribuição que ao trabalhador é devida em função do número de horas por dia e por semana que o mesmo se obrigou a prestar.
2. Com efeito, tendo em conta, nos termos do art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil, a unidade do sistema jurídico, não se pode deixar de entender que o “período normal de trabalho que tenha sido definido” referido na alínea a) do n.º 2 do art.º 250.º é o “período normal de trabalho” tal como é definido no art.º 158.º do C.T./2003.
3. Ora, estipulando o art.º 158.º que “período normal de trabalho” é [o] tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em úmero de horas por dia e por semana”, é óbvio que o que caracteriza o “período normal de trabalho” é o número de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar e não as condições em que o trabalho é por ele prestado durante essas horas.
4. O “prémio nocturno rotativo” pago pela entidade empregadora aos trabalhadores que prestavam a sua actividade em regime de turnos rotativos, integrando embora o conceito de retribuição, não integra o conceito de retribuição base contido no art.º 250.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho/2003, uma vez que tal prémio nada tem a ver com o número de horas de trabalho que os trabalhadores/autores se obrigaram a prestar à ré empregadora, mas sim com a maior penosidade a que estavam sujeitos pelo facto de essas horas serem prestadas não no regime de horário fixo, mas sim no regime de turnos rotativos, ou seja, com as condições específicas em que o trabalho era prestado.
5. Por isso, o aludido prémio não entra no cômputo da compensação prevista no art.º 401.º do CT/2003, que é devida aos trabalhadores que tenham sido despedidos no âmbito de um processo de despedimento colectivo.

Texto Integral




Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório
Na presente acção proposta, no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, em 23 de Março de 2007, os autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, LL, MM, NN, OO, PP e QQ pediram que a ré General Motors Portugal, L.da fosse condenada a pagar a cada um deles a quantia, respectivamente, de € 12.721,80, € 10.577,28, € 6.874,60, € 11.956,65, € 6.799,68, € 19.801,20, € 20.041, € 5.280,96, € 15.811,58, € 1.433,40, € 5.726, € 10.533, € 16.009,26, €16.009,26, € 28.404 e € 14.329,50, acrescida de juros de mora contados a partir de 1 de Janeiro de 2007.

Fundamentando o pedido, os autores alegaram, em resumo, o seguinte:
- os autores eram trabalhadores subordinados da ré, auferindo cada um deles de retribuição base um montante que era processado a título de “Retribuição Mensal” e outro a título de “Pr. Noct. Rotativo” (Prémio Nocturno Rotativo);
- em 31 de Dezembro de 2006, a ré despediu os autores, no âmbito de um processo de despedimento colectivo, motivado pelo encerramento da sua fábrica sita em Azambuja;
- no decurso daquele processo, a ré chegou a acordo com as estruturas representativas dos trabalhadores acerca das compensações que a estes seriam pagas;
- nos termos desse acordo, a ré obrigou-se, nomeadamente, a pagar a cada trabalhador a compensação legal, nos termos previstos no art.º 401.º do Código do Trabalho, [leia-se CT/2003], correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade e fracção, acrescida, cumpridas que fossem determinadas condições vertidas no dito acordo, de uma compensação adicional de igual montante;
- os trabalhadores da ré, incluindo os autores, cumpriram escrupulosamente, as condições apostas no mencionado acordo, mas o mesmo não aconteceu com a ré relativamente ao montante da compensação, uma vez que no cálculo da mesma não levou em conta a quantia que cada um deles mensalmente auferia a título de prémio nocturno rotativo;
- tal prémio era o resultado da aplicação de uma percentagem (25%) sobre a remuneração de base e era devido aos trabalhadores integrados em serviços de laboração contínua que funcionassem em regime de horários por turnos;
- ora, como resulta dos contratos de trabalho que celebraram com a ré, todos os autores foram contratados para trabalhar no referido regime, ou seja, foi estabelecida em cláusulas do contrato que os autores trabalhavam por turnos e que a sua retribuição incluía duas componentes: uma, a remuneração normal, também designada pela ré de retribuição mensal, e a outra que a ré designada por “Pr. Noct. Rotativo”;
- a componente que a ré designava de “Pr. Noct. Rotativo” era processada como tal, por razões de tipo informático e contabilístico, já que as duas componentes podiam ser englobadas numa designação mais ampla que seria a de “Retribuição Mensal Fixa de Base”, já que os valores pagos tinham sempre o mesmo montante e eram incluídos pela ré nas folhas da Segurança Social sob a designação de “Retribuições de carácter permanente”, bem como no subsídio de Natal e nas retribuições devidas no período de férias;
-nos termos do art.º 250.º, n.º 2, do Código do Trabalho, a retribuição base corresponde à actividade desempenhada pelo trabalhador, de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido;
- o período normal de trabalho que foi definido para cada um dos autores foi o horário por turnos, em consequência de terem sido contratados para uma área da empresa (a da manutenção) que funcionava, e só podia funcionar, atenta a actividade da ré (produção de automóveis em série) em regime de laboração contínua.

A ré contestou, alegando, em síntese, o seguinte:
- os autores manifestaram contratualmente a sua disponibilidade e concordância para, sendo caso disso, trabalharem em regime de turnos, mas não foram contratados para exercer as suas funções nesse regime;
- o prémio nocturno rotativo integra o conceito legal de retribuição, mas não o de retribuição base e nunca foi tido como parte da retribuição base dos autores;
- a compensação acordada com a Comissão de Trabalhadores não se limitou ao pagamento de uma prestação, tendo por referência a retribuição de base e a antiguidade do trabalhador, mas incluiu outras prestações compensatórias e o reconhecimento de diversos direitos, de tudo resultando, para cada trabalhador, um montante global de compensação significativamente superior a mais de dois meses de retribuição de base por cada ano de antiguidade, ou seja, muito para além dos direitos legalmente consagrados para os trabalhadores em situação de despedimento colectivo;
- ao pretenderem isolar da compensação global o montante correspondente à compensação legal, para, agora, o questionarem, os autores, em patente exercício de má fé, estão na verdade num perfeito venire contra factum proprium, pois bem sabem que, ao aceitarem a compensação global nos termos generosos em que foi determinada, aceitavam a integralidade dos termos e condições aí contidos, bem como os critérios que lhe estiveram subjacentes e que eles sempre conheceram desde o momento em que a intenção de proceder ao despedimento colectivo foi publicitada;
- do todo que integra a compensação global não pode ser excluída, alterada ou individualizada uma sua parcela, sob pena de a totalidade da mesma ser posta em causa e extravasar daquilo que foi negociado e acordado em sede de despedimento colectivo.

Saneada a causa, seleccionados os factos assentes e elaborada a base instrutória, procedeu-se a julgamento e, decidida a matéria de facto, foi posteriormente proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Os autores interpuseram recurso de apelação, arguindo a nulidade da sentença, impugnando a resposta dada aos quesitos 2.º e 4.º e questionando a decisão de mérito, mas fizeram-no sem sucesso, dado que o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a nulidade da sentença, manteve as respostas dadas aos quesitos 2.º e 4.º e confirmou a decisão de mérito.

Mantendo o seu inconformismo, os autores interpuseram recurso de revista, tendo concluído as alegações da seguinte forma:
“a) Os Autores/Apelantes foram admitidos pela Ré/Apelada, para prestarem a actividade correspondente a categoria profissional em regime de turnos rotativos.
b) Os Autores/Apelantes assumiram, individual e contratualmente, a obrigação de prestarem a sua actividade em regime de turnos e a Ré/Apelada assumiu a obrigação de pagar o subsídio de turno equivalente a 25% do salário.
c) A Apelada tinha como objecto a fabricação e comercialização de veículos automóveis e é público e notório que a indústria automóvel trabalha, nas linhas de produção, em regime de trabalho por turnos.
d) O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa declarou que ‘Nas situações de trabalho nocturno habitual como a dos autos faz, assim, todo o sentido qualificar o acréscimo remuneratório em que traduzia o prémio em questão como retribuição, por se tratar de uma contrapartida regular e periódica do modo habitual de execução do trabalho.
e) Tal contrapartida preenche a previsão do nº [1] do art.º 250.º do Código do Trabalho,
f) Que estipula que a “Retribuição base – aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido”.
g) Ao contrário do que sucedia na vigência da LCT, art.º 82.º, o Código do Trabalho define, alargando o âmbito, o conceito de retribuição base na al. a) do n.º 2 do art.º 250.º, pelo que ficou desactualizada toda a doutrina e Jurisprudência relativa à interpretação do conceito de retribuição base.
h) O art.º 158.º do CT não pode dissociar-se do conceito do art.º 159.º, ou seja, a perspectiva quantitativa está associada à perspectiva qualitativa pelo que uma não vigora sem a outra; período normal de trabalho e horário de trabalho são perspectivas de uma mesma realidade que consiste na duração e organização dos tempos de trabalho.
i) O período normal de trabalho, no caso dos autos, foi assumido no contrato individual com cada trabalhador como sendo prestado em regime de turnos e a Ré/Apelada assumiu, desde logo, o pagamento da retribuição complementar de 25% do salário.
j) A Ré/Apelada integrou o subsídio de trabalho de turnos rotativos no pagamento dos subsídios de férias e de Natal e integrou essa retribuição nos mapas enviados à Segurança Social, qualificando tais retribuições como “de carácter permanente”.
k) O art.º 188.º define o trabalho por turnos como constituindo uma das formas de organização dos períodos normais de trabalho.
l) O trabalho por turnos não é fruto de condições ou circunstâncias, mas é uma forma de organização do período normal de trabalho.
m) A prestação retributiva emergente do trabalho por turnos confere aos trabalhadores uma retribuição complementar que deve ter-se por contida no conceito da al. a) do nº 2 do art.º 250.º do Código do Trabalho.
n) Nos termos do nº 1 do art.º 401.º do CT “o trabalhador cujo contrato cesse em virtude do despedimento colectivo tem direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade”.
o) O legislador laboral utilizou o conceito de retribuição base e não qualquer outro, como o da remuneração base ou salário base, para o cálculo da compensação devida ao trabalhador por despedimento colectivo.

A ré contra-alegou, defendendo o acerto do aresto recorrido.

No despacho liminar, o relator suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso relativamente aos autores AA, BB, CC, DD, EE, HH, JJ, LL, MM e QQ, uma vez que o valor do pedido por cada um deles formulado não excedia a alçada da Relação.

Notificadas para se pronunciarem, as partes nada disseram tendo o relator proferido, então, novo despacho no qual decidiu não tomar conhecimento do recurso relativamente aos indicados autores, o qual não foi objecto de reclamação para a conferência, razão pela qual o recurso passou a incidir unicamente sobre a pretensão deduzida pelos autores FF, GG, II, NN, OO e PP.

Notificada para emitir o seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso, posição essa a que as partes não reagiram.

Colhidos os vistos dos adjuntos e redistribuídos os autos, pelo facto do relator ter deixado de exercer funções neste Supremo Tribunal, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados pela Relação, expurgados daqueles que se refreiam aos autores relativamente aos quais foi decidido não tomar conhecimento do recurso, são os seguintes:
1) A ré dedica-se à importação e comercialização de automóveis.
2) Os autores trabalharam por conta, sob a autoridade e direcção da ré na sua fábrica, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, até 31 de Dezembro de 2006, data em que esta foi encerrada.
3) Os contratos de trabalho dos autores cessaram mediante processo de despedimento colectivo.
4) O contrato de trabalho do autor AA teve início em 22.4.1986 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.211,61, a título de retribuição base.
5) O contrato de trabalho do autor BB teve início em 1.6.1993 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.511,05, a título de retribuição base.
6) O contrato de trabalho do autor CC teve início em 1.1.1997 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.374,93, a título de retribuição base.
7) O contrato de trabalho do autor DD teve início em 17.2.1998 e esta auferia, pelo menos, o valor de € 1.258,59, a título de retribuição base.
8) O contrato de trabalho do autor EE teve início em 1.1.1996 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.153,01, a título de retribuição base.
9) O contrato de trabalho do autor FF teve início em 28 de Março de 1978 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.365,58, a título de retribuição base.
10) O contrato de trabalho do autor GG teve início em 18 de Maio de 1972 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.145,18, a título de retribuição base.
11) O contrato de trabalho do autor HH teve início em 5.2.2001 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.145,18, a título de retribuição base.
12) O contrato de trabalho do autor II teve início em 23 de Julho de 1984 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.374,93, a título de retribuição base.
13) O contrato de trabalho do autor JJ teve início em 28.6.2004 e esta auferia, pelo menos, o valor de e 955,59, a título de retribuição base.
14) O contrato de trabalho do autor LL teve início em 17.11.1997 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.145,18, a título de retribuição base.
15) O contrato de trabalho do autor MM teve início em 15.9.1977 e este auferia, pelo menos, o valor de € 2.110,65, a título de retribuição base.
16) O contrato de trabalho do autor NN teve início em 18 de Outubro de 1979 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.143,52, a título de retribuição base.
17) O contrato de trabalho do autor OO teve início em 18 de Outubro de 1979 e este auferia, pelo menos, o valor de € 1.143,52, a título de retribuição base.
18) O contrato de trabalho do autor PP teve início em 10 de Outubro de 1983 e este auferia, pelo menos, o valor de € 2.366,98, a título de retribuição base.
19) O contrato de trabalho do autor QQ teve início em 19.10.1992 e esta auferia, pelo menos, o valor de € 1.910,59, a título de retribuição base.
20) Os autores foram contratados para exercer as suas funções dentro do sistema de produção aplicado pela ré, sendo que alguns deles prestaram o seu trabalho sempre por turnos rotativos e, pelo menos no ano de 2006, todos os autores prestaram trabalho por turnos rotativos.
21) Os turnos definidos e praticados na ré eram das 6 horas às 14 horas e 35 minutos, das 14 horas e 35 minutos às 23 horas e 10 minutos e das 23 horas e 10 minutos às 6 horas.
22) A ré calculou e pagou a compensação devida a cada um dos autores pela cessação dos contratos de trabalho com base nos valores mencionados em 4) a 9) e não considerou na mesma os valores que pagava mensalmente sob a designação “prémio nocturno rotativo”.
23) A ré pagava mensalmente aos autores um valor que designava por “prémio nocturno rotativo”, que era calculado pela aplicação da percentagem de 25% sobre o valor da remuneração mensal fixa acima referida.
24) A ré pagou aos autores o valor do prémio na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal.
25) Os termos do processo de despedimento colectivo foram negociados entre a ré e os respectivos representantes dos trabalhadores.
26) Na sequência de tais negociações, a ré, em 31 de Outubro de 2006, emitiu as comunicações que entregou aos autores, constantes de fls. 290 a 477.
27) A ré fez constar o valor do prémio nos mapas de retribuição enviados à Segurança Social sob a designação “retribuições de carácter permanente” e pagou sobre o mesmo as respectivas contribuições.
28) O valor do prémio era pago sempre que os autores prestassem o seu trabalho por turnos rotativos.
29) A decomposição da retribuição dos autores pelos valores referidos em 4) e seguintes e em 23 devia-se à circunstância de a ré só pagar o valor referido em 23) quando e enquanto os autores prestavam o seu trabalho por turnos rotativos.
30) A ré pagou aos autores a compensação pela cessação dos contratos de trabalho, nos termos do acordo elaborado com os representantes dos trabalhadores.

3. O direito
A única questão suscitada pelos recorrentes é a de saber se o prémio nocturno rotativo que a ré pagava aos autores, por eles prestarem a sua actividade em regime de turnos rotativos, devia ter sido em conta no cálculo da compensação pelo despedimento colectivo de que foram alvo.

Todavia, se a resposta a dar àquela questão for favorável aos recorrentes, haverá que conhecer das questões que a recorrida vem mantendo desde a sua contestação – quais sejam as de saber se, tendo a compensação paga aos autores resultado de um acordo global que envolveu o pagamento de uma compensação superior à legal, bem como o pagamento de outras prestações e o reconhecimento de vários outros direitos, os autores podiam vir questionar apenas o valor da compensação de antiguidade e se essa conduta não configura um caso de abuso do direito – questões de que as instâncias não chegaram a conhecer, por, implicitamente, terem considerado que a sua apreciação tinha ficado prejudicada, ao terem decidido que o “prémio nocturno rotativo” não integrava a retribuição base dos autores.

Comecemos por apreciar a questão suscitada pelos recorrentes.

3.1 Da inclusão, ou não, do “prémio nocturno rotativo” na retribuição base, para efeitos do cálculo da compensação prevista no art.º 401.º do Código do Trabalho/2003
Como já foi referido, as instâncias convergiram na resposta negativa dada a esta questão. E o acórdão da Relação, ora sob recurso, fê-lo com base na seguinte argumentação:
« - a contabilização do “prémio nocturno rotativo”:
Entendeu-se na sentença recorrida que tal prémio, por trabalho nocturno, auferido pelos Autores, não integrava a retribuição base dos mesmos, para os efeitos do cálculo da compensação por despedimento colectivo, que os abrangeu.
Sendo que os Autores nunca puseram em questão a licitude desse despedimento, sustentam aquela integração, esgrimindo com o disposto no artº 250º, nº 2, do Código do Trabalho.
Código esse que é a legislação aplicável ao caso, por tal despedimento ter ocorrido em momento posterior ao da sua entrada em vigor.
Dispõe esse artº 250º, na parte que nos interessa:
1 — Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por:
a) Retribuição base — aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido;
(…)
Com relevância para a questão que nos ocupa ficou provado que os Autores auferiam, para além do salário base nos montantes indicados no pontos 4 a 19 da matéria de facto (assim se devendo interpretar, com a necessária coordenação com o que foi dado provado no pontos 23, 28 e 29, a expressão, utilizado pela Sr.ª Juíza, ‘auferia, pelo menos, o valor de € (…) a título de retribuição base), um valor que a Ré designava por ‘prémio nocturno rotativo’ e que era calculado pela aplicação da percentagem de 25% sobre o valor daquele salário base.
Os Autores foram contratados para exercer as suas funções dentro do sistema de produção aplicado pela Ré, sendo que alguns dos Autores prestaram o seu trabalho sempre por turnos rotativos e, pelo menos, no ano de 2006 todos os Autores prestaram trabalho por turnos rotativos.
A Ré calculou e pagou a compensação devida a cada um dos Autores pela cessação dos contratos de trabalho com base nos valores do salário base, mencionados em 4 a 19, nela não considerando o referido ‘prémio nocturno rotativo’.
E dúvidas não pode haver de que tal prémio integrava a retribuição dos Autores, sendo que a própria Ré o incluiu na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal.
Quanto ao conceito de retribuição, dispõe o artº 249º do CT:
1- Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 - Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4- (…)”.
A retribuição do trabalho é “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)” – cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Vol. 1º, 10ª ed., pág. 395), integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas directa ou indirectamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário – neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 410; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2ª Ed., pag. 382).
Este último autor refere, ainda, que ‘a lei, com a expressão «regular», se referiu a uma remuneração não arbitrária mas que segue uma regra permanente, sendo, portanto, constante. Por outro lado, exigindo um carácter «periódico», a lei considera que ela deve ser relativa a períodos certos no tempo (ou aproximadamente certos), de modo a integrar-se na própria ideia de periodicidade e de repetência ínsita no contrato de trabalho e nas necessidades recíprocas dos dois contraentes que este contrato se destina a servir. (…) Excluem-se do conceito de retribuição certas atribuições anormais e problemáticas, que por isso mesmo não devem ser computadas num rendimento com que se pode seguramente contar. Mas essas exclusões são compensadas pela abrangência de prestações, que muito embora não sejam à partida retribuição, nela acabam por ser integradas dado o seu carácter regular e permanente, que faz com que o trabalhador as preveja como normais no seu orçamento, isto é, conte com elas’.
Ainda a propósito daquele elemento integrador do conceito de retribuição, refere, por seu lado, Motta Veiga (Lições de Direito do Trabalho, 6ª Edição, pag. 470) que o ‘carácter regular e periódico das prestações salariais decorre da própria natureza do contrato de trabalho, como contrato de execução duradoura ou continuada. Assim, situam-se fora do conceito de retribuição ‘stricto sensu’ os pagamentos eventuais, a título de liberalidade ou recompensa, e os extraordinários ou meramente compensatórios de despesas realizadas pelo trabalhador», acrescenta, todavia noutro passo, este autor, que «as remunerações complementares somente podem fazer parte da retribuição, ‘stricto sensu’, ficando sujeitas à respectiva disciplina legal, se, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual, e devem portanto considerar-se como elemento integrante da remuneração do trabalhador, sobretudo se forem pagos por forma a criar no espírito deste a convicção de que constituem complemento normal do salário’.
E o nº 3 do artº 249º do CT estabelece uma presunção legal de que constitui retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Do que resulta, tendo em conta os princípios de repartição do ónus de prova, e, especificamente, o disposto no nº 1 do artº 344º do Código Civil, que sobre o empregador impende o ónus de provar que certa prestação que o mesmo fez ao seu trabalhador não tem a natureza de retribuição – cfr. Ac. do STJ de 4/7/2002, disponível em www.dgsi.pt.
São, assim, características da retribuição a regularidade, a periodicidade e o ser devida como contrapartida do trabalho prestado.
Para que uma qualquer prestação paga pela entidade patronal ao trabalhador possa ser qualificada como retribuição, e assim dever integrar a mesma, carece, então, de revestir certas e determinadas características.
Desde logo, tem de tratar-se de uma prestação regular e periódica. A retribuição está conexionada com a satisfação de necessidades do trabalhador, o qual cria uma legítima expectativa no sentido de poder contar com a retribuição para garantir o seu sustento e outras necessidades, suas e do seu agregado familiar. Estão, assim, excluídas do conceito de retribuição todas as prestações de carácter esporádico.
Aliás, com a expressão regular a lei refere-se a uma prestação constante, não arbitrária, permanente. É, assim, de excluir do conceito de retribuição toda e qualquer prestação esporádica ou atípica, anormal ou problemática que, por isso mesmo, não pode ser computada no rendimento com que, regularmente, se pode contar.
Nas situações de trabalho nocturno habitual, como a dos autos, faz, assim, todo o sentido qualificar o acréscimo remuneratório em que traduzia o prémio em questão como retribuição, por se tratar de uma contrapartida regular e periódica do modo habitual de execução do trabalho.
Mas se é indubitável a sua qualificação como retribuição, deverá tal prémio ser considerado como uma parcela da retribuição base, assim devendo ser contabilizado para o cálculo da compensação por despedimento colectivo?
A resposta é, em nossa opinião, negativa, embora por fundamentos substancialmente diversos dos acolhidos na sentença impugnada.
A solução desta questão deve ser encontrada nos artigos 249º, 250º e 185º do CT.
Como já vimos, o artº 250º estabelece, no seu nº 1, que quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
E a al. a) do seu nº 2 fornece-nos o conceito de retribuição base para efeitos do disposto no número anterior, entende-se como tal ‘aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido’.
Verifica-se, assim, que a lei distingue os conceitos de ‘retribuição’ e de ‘retribuição base’, sendo necessariamente aquele de maior amplitude. Já da lei anterior resultava estarmos perante conceitos distintos, ao dispor o nº 2 do artº 82.º da LCT que ‘a retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.’
É, por isso, inquestionável que o conceito de retribuição é mais lato do que o conceito de remuneração de base, uma vez que a retribuição compreende tudo aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao empregador, enquanto que o segundo apenas compreende uma parcela da retribuição. A questão que se coloca é a de saber qual é essa parcela. E se da LCT não constava expressamente o conceito da remuneração da base, o que é certo era que ao contrapor a remuneração de base a todas as outras prestações, temos de concluir que a remuneração de base era constituída, apenas, por uma das prestações que integram o conceito mais geral de retribuição.
E quer a doutrina quer a jurisprudência dos tribunais superiores vinha a entender que a retribuição base, ou remuneração de base, correspondia à parte certa da retribuição que é definida em função da categoria profissional do trabalhador e do tempo de trabalho que ele se obrigou a prestar e que consta das tabelas salariais dos instrumentos de regulamentação colectiva.
Referindo, a tal propósito Bernardo Lobo Xavier, in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pag. 386, que:
“Quanto aos aspectos da estrutura da retribuição, a lei estabelece um ponto de referência quando alude à remuneração de base (art. 82.º, 2), à qual se contrapõem naturalmente todas as outras. Cremos que a remuneração de base tem evidentemente um carácter certo (definido em função do tempo) e é em princípio independente dos acidentes da vida do contrato e dos seus especiais condicionalismos. Constitui naturalmente a remuneração fixada na tabela das convenções colectivas ou dos regulamentos da empresa, na base de um horário normal, para uma certa categoria profissional. (...) A remuneração de base tem carácter principal.”
Por seu lado, refere diz Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, pag. 549, que:
“A remuneração de base corresponde ao montante fixo auferido pelo trabalhador, com exclusão das outras prestações pagas pelo empregador como contrapartida do trabalho, ainda que regulares e periódicas. A remuneração de base relaciona-se com a categoria que o trabalhador tem na empresa; não necessariamente a categoria para que foi contratado, mas a que, de facto, exerce na empresa, tendo em conta, entre outros aspectos, as promoções.”
E diz Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, pag. 723 a 725): “A retribuição-base traduz o valor mínimo implicado pela categoria-estatuto equivalente à categoria-função que compita ao trabalhador visado. Normalmente, ela vem fixada com toda a clareza nos IRC aplicáveis, numa base mensal.”
Podemos, por isso, na linha do decidido pelo Ac. do STJ de 31/3/2004 proc. 4S2955, disponível em www.dgsi.pt, afirmar que a remuneração de base é, como a própria designação o diz, a componente básica da retribuição, vulgarmente denominada por vencimento, ordenado ou salário, dela se excluindo, portanto, todas as outras prestações complementares ou acessórias, mesmo que sejam fixas.
E, também segundo aquele douto aresto, que merece a nossa inteira concordância, o artº 250º, n.º 2, al. a), referido, ao dispor que retribuição base é ‘aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido’ adoptou o entendimento que vinha sendo perfilhado na doutrina e na jurisprudência, supra-exposto.
Acresce que não pode proceder a argumentação dos recorrentes de que se deve considerar para os efeitos do ‘período normal de trabalho’ referido em tal disposição o horário por turnos.
Como muito bem refere a Ré nas suas contra-alegações, o conceito de ‘período normal de trabalho’ é essencialmente quantitativo, relacionado com o número de horas que um trabalhador pode prestar.
E esse conceito está legalmente previsto no artº 158º do CT, que sob a epígrafe ‘Período normal de trabalho’, dispõe:
O tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, denomina-se «período normal de trabalho.
A redacção desta disposição corresponde, no essencial, à do artº 45º, nº 1, da LCT.
Em comentário a este artigo (mantendo tal ensinamento plena actualidade face à redacção do artº 158º do CT) Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, pag. 204-205, referem que “consistindo o período normal de trabalho (…) ao número de horas que o trabalhador se vinculou a prestar, é através dele que se opera a determinação quantitativa da prestação de trabalho. Joga-se aqui um elemento essencial do contrato de trabalho, na medida que é através do período normal de trabalho que se fixa o quantum da prestação prometida pelo trabalhador”.
E voltando a citar as contra-alegações, o conceito de trabalho por turnos faz apelo a um cariz qualitativo do trabalho prestado, que pode naturalmente não envolver qualquer violação do limite quantitativo do período normal de trabalho.
Daí não ter sentido a equiparação pretendida pelos recorrentes.
Sobre a noção de retribuição base já esta Relação de Lisboa teve oportunidade de se pronunciar, no acórdão de 16/1/2008, proc. 7884/07-4, relatado pelo Exmº Desembargador F. Marques, nos seguintes termos:
“Retribuição base é aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido.
É aquela que corresponde ao montante fixo mensal auferido pelo trabalhador; é aquela retribuição de carácter certo, que é paga pelo empregador, como contrapartida do trabalho prestado e que é calculada em função do período normal de trabalho estabelecido; é aquela que está apenas ligada ou relacionada com a actividade desempenhada pelo trabalhador e não com as condições ou circunstâncias desse desempenho” (o sublinhado é nosso).
E o prémio que nos ocupa está inquestionavelmente relacionado com as condições ou com as circunstâncias em que o trabalho dos recorrentes era prestado.
Com efeito, esse prémio, como verdadeiro subsídio de turno, destinava-se a compensar a maior penosidade decorrente da sujeição dos trabalhadores a jornadas de trabalho com início e termo variáveis, isto é, ora com horários diurnos, ora diurnos e nocturnos, ora em horários exclusivamente ou em grande parte nocturnos, o que desregula o biorritmo do trabalhador e tem repercussões tanto a nível fisiológico como em termos familiares e sociais.
Ou seja, o trabalho por turnos nocturnos dos recorrentes era essencialmente originado nas condições específicas em que o trabalho era prestado, e não estava exclusivamente unicamente ligado à actividade por eles desenvolvida.
Tudo razões pelas quais se entende não integrar tal ‘prémio nocturno rotativo’ na retribuição base, tal como ele é definida na al. a) do nº 2 do artº 250º do CPT, não devendo, como tal, ser considerado para o cálculo da compensação pelo despedimento colectivo que abrangeu os Autores /apelantes.
Assim improcedendo as conclusões do recurso.» (Fim da transcrição)

Os autores discordam da decisão recorrida, por continuarem a entender que o “prémio nocturno rotativo” que auferiam, por trabalharem em regime de turnos rotativos, integrava a sua retribuição base.

E estribam a sua discordância na seguinte argumentação:
- como resulta da matéria de facto apurada, os autores foram admitidos, contratados, pela ré para prestarem a sua actividade em regime de trabalho por turnos rotativos;
- com efeito, os autores assumiram a obrigação de prestarem a sua actividade naquele no regime de trabalho por turnos, uma vez que todos eles sempre estiveram ligados à produção, sendo público e notório que as empresas que se dedicam à actividade da ré (produção de veículos automóveis) laboram em regime de turnos;
- são elementos do conceito de retribuição base os termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, o exercício da actividade e o período normal de trabalho definido;
- no caso dos autores, a retribuição base estava definida no contrato como integrando uma parcela fixa e uma outra que correspondia a 25% dessa retribuição por força do período normal de trabalho definido que foi o de trabalho por turnos;
- contrariamente ao que sucedia na vigência do art.º 82.º da LCT, o art.º 250.º. n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, presume retribuição base tudo quanto, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido;
- assim sendo, alargou-se o conceito de retribuição base que passou a abranger genericamente todas as prestações que o trabalhador recebe como contrapartida de ter sido contratado em determinadas condições, ou seja, para exercer uma actividade em condições penosas, estando neste caso as variações de horário a que um trabalhador com horário por turnos está sujeito;
- por isso, a doutrina e a jurisprudência citadas no acórdão recorrido têm de ser entendidas à luz de um quadro legal diferente do actual que era omisso acerca do conceito de retribuição base;
- o acórdão recorrido considera que há que distinguir entre a perspectiva quantitativa do período normal de trabalho da perspectiva qualitativa, estando a primeira consagrada no art.º 158.º do CT e que o conceito de “período normal de trabalho” é essencialmente quantitativo, relacionado com o número de horas que um trabalhador pode prestar e que o conceito de trabalho por turnos faz apelo a um cariz qualitativo do trabalho prestado;
- com o devido respeito, o conceito quantitativo do art.º 158.º não pode isolar-se do conceito qualitativo do art.º 159.º cuja epígrafe é “Horário de trabalho”, uma vez que período normal de trabalho e horário de trabalho são realidades que se completam;
- assim, o período normal de trabalho de um trabalhador por turnos rotativos, como era o caso dos autores, não pode ser o mesmo que o período normal de trabalho de um “administrativo” que, normalmente, ocorre de segunda a sexta-feira em períodos fixos;
- o trabalho prestado em períodos nocturnos e por turnos obriga a um complemento à retribuição que é básico, ou seja, não depende das circunstâncias de tempo, lugar e modo, é sempre pago;
- e de tal modo assim foi entendido pela ré que ela sempre integrou o valor do subsídio por turnos rotativos nos subsídios de férias e de Natal pagos aos autores e a todos os que trabalhavam nesse regime de turnos, e sempre qualificou essas remunerações como remunerações de carácter permanente nos mapas enviados à Segurança Social;
- de resto, o Código do Trabalho reproduziu, no seu art.º 188.º, o conceito de trabalho por turnos que já vinha da Lei n.º 73/98, desse conceito resultando que o trabalho por turnos não pode ser atribuído às condições ou circunstâncias desse desempenho, mas é uma forma de organização do trabalho, ou seja, é uma forma de organização do período normal do trabalho;
- ao utilizar o conceito de retribuição base no art.º 401.º, n.º 1,do CT, o legislador quis abranger no cálculo da compensação não só o salário base, mas todas as outras formas de contrapartida do trabalho prestado, designadamente as parcelas da retribuição que resultem do contrato individual de trabalho ou da convenção colectiva aplicável.

Tudo ponderado, diremos que a argumentação avançada pelos recorrentes não merece acolhimento, pelas razões aduzidas no douto aresto recorrido, as quais inteiramente subscrevemos.

Acrescentaremos apenas que, ao contrário do que os recorrentes alegam, não foi dado como provado que eles tivessem sido contratados pela ré para trabalharem em regime de turnos, como inquestionavelmente decorre da resposta dada ao quesito 2.º da base instrutória, cujo teor era o seguinte:
Os autores foram contratados para exercer as suas funções no regime de trabalho por turnos?”

O quesito em causa obteve, na 1.ª instância, a seguinte resposta:
Provado apenas que os AA. foram contratados para exercer as suas funções dentro do sistema de produção aplicado pela R., sendo que alguns dos AA. prestaram o seu trabalho sempre por turnos rotativos e, pelo menos, no ano de 2006, todos os AA. prestaram trabalho por turnos rotativos.

A resposta em questão foi objecto de impugnação por parte dos autores, no recurso de apelação, por entenderem que o quesito devia ter sido dado como provado, mas a Relação manteve a resposta dada na 1.ª instância.

Admite-se que o prémio que era pago aos autores, por eles trabalharem em regime de turnos rotativos, pudesse ser considerado parte integrante da sua retribuição base, caso se tivesse provado que eles tinham sido expressamente contratados para trabalharem naquele regime de turnos, uma vez que, nesse caso, o horário de trabalho deixava de poder ser unilateralmente alterado pela entidade empregadora, por ter sido objecto de convenção expressa entre as partes.

Mas, como resulta da resposta dada ao quesito 2.º, tal não foi dado como provado nos autos, o que deixa sem sentido a argumentação dos recorrentes na parte em que alegam que foram contratados pela ré para prestarem a sua actividade em regime de turnos rotativos. Apenas se provou (facto n.º 20) que “[o]s AA. foram contratados para exercer as suas funções dentro do sistema de produção aplicado pela R., sendo que alguns dos AA. prestaram o seu trabalho sempre por turnos rotativos e que, pelo menos no ano de 2006, todos eles prestaram trabalho por turnos rotativos”, o que é coisa bem diferente de terem sido expressamente contratados para trabalhar em regime de turnos rotativos.

E diremos, também, que dúvidas não há de que o conceito de retribuição base contido no art.º 250.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto – aqui aplicável, por ser o corpo de leis em vigor à data do despedimento –, só engloba a parcela da retribuição “que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido” (sublinhado nosso), ou seja, a retribuição que ao trabalhador é devida em função do número horas por dia e por semana que o mesmo se obrigou a prestar.

Com efeito, tendo em conta, nos termos do art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil, a unidade do sistema jurídico, não se pode deixar de entender que o “período normal de trabalho que tenha sido definido” a que a alínea a) do n.º 2 do art.º 250.º se refere é o “período normal de trabalho” tal como é definido no art.º 158.º do C.T./2003.

Ora, estipulando o art.º 158.º que “período normal de trabalho” é “[o] tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana”, é óbvio que o que caracteriza o “período normal de trabalho” é o número de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar e não as condições em que o trabalho é por ele prestado durante essas horas.

A letra da lei, rectius, dos referidos preceitos, não deixa margem para outra interpretação, mormente para a que os recorrentes sustentam à volta do conceito de horário de trabalho e de trabalho nocturno contidos, respectivamente, nos artigos 159.º e 188.º do CT, cuja invocação não tem o menor cabimento no caso em apreço.

Anota-se, ainda, que também não tem o menor apoio na letra da lei a tese, sustentada pelos recorrentes, de que o Código do Trabalho alargou o conceito de retribuição base que, antes da entrada em vigor daquela Código, vinha sendo adoptado pela doutrina e pela jurisprudência. Pelo contrário, o que do teor da alínea a) do n.º 2 do art.º 250.º se constata é que o legislador transpôs para o Código do Trabalho o conceito de retribuição base que vinha sendo perfilhado na doutrina e na jurisprudência.

Por último, dir-se-á, como bem foi salientado no acórdão recorrido, que o “prémio nocturno rotativo”, integrando, embora, o conceito de retribuição (o que a ré nunca pôs em causa), por se tratar de uma prestação que era regular e periodicamente auferida pelos autores – o que explica a sua inclusão no pagamento das férias e nos subsídios de férias e de Natal e nas folhas de remunerações enviadas à Segurança Social (factos n.os 24 e 27) – não integra o conceito legal de retribuição base que, como meridianamente se constata do teor do art.º 250.º, n.º 2, alínea a), é um conceito mais restrito do que aquele.

Com efeito, estando provado que esse prémio correspondia a 25% do valor da retribuição mensal fixa (facto n.º 23) e que tal prémio só era pago quando os autores prestassem trabalho no regime de turnos rotativos (facto n.º 28), é óbvio que o prémio em causa nada tinha a ver com o número de horas de trabalho que os recorrentes se obrigaram a prestar à ré, mas sim com a maior penosidade a que estavam sujeitos pelo facto de essas horas serem prestadas não no regime de horário fixo, mas sim no regime de turnos rotativos, ou seja, com as condições específicas em que o trabalho era prestado, o que deixa o aludido prémio fora do conceito legal de retribuição base.

E, sendo assim, a ré não era obrigada a incluir o “prémio nocturno rotativo” no cômputo da compensação que aos recorrentes seria devida, nos termos do art.º 401.º do C.T., por terem sido despedidos pela ré na sequência do processo despedimento colectivo por ele desencadeado, dado que, nos termos do n.º 1 daquele normativo, a compensação devida ao trabalhador cujo contrato cesse em virtude de despedimento colectivo é calculada apenas com base na retribuição base e diuturnidades.

3.2 Do acordo global e do abuso do direito por parte dos autores
O conhecimento destas questões (recorde-se que se trata de questões que a ré tinha colocado na contestação e que manteve nas contra-alegações do recurso de apelação e de revista) ficou prejudicado pela solução dada à questão anterior, o que dispensa que delas se conheça, nos termos do art.º 660.º, n.º 2 do CPC conjugado com os artigos 716.º, n.º 1 e 726.º do mesmo Código.
4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas da revista a cargo dos autores relativamente aos quais se conheceu do recurso.

LISBOA, 23 de Junho de 2010

Sousa Peixoto (Relator)

Mário Pereira

Sousa Grandão




















Sumário

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Proc. n.º 303/07.3TTVFX.L1.S1,
Data do acórdão: 23.6.2010
Relator: Sousa Peixoto (R.º 374)
Adjuntos: Mário Pereira
Sousa Grandão