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CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário
I - O conhecimento superveniente do concurso previsto no artº 78º do CP obedece às regras do artº 77º do mesmo diploma, sendo a pena que já tiver sido cumprida, descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
II- O concurso superveniente só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
III- A pena unitária a fixar pretende sancionar o agente, pelo conjunto de factos criminosos, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
IV- O critério de determinação da medida da pena conjunta do concurso, há-de ir buscar-se ao disposto no artº 71º nº 1 do mesmo diploma que versando sobre a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, diz que ´ é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção”
V- Inexiste qualquer critério legal de natureza aritmética ou matemática na determinação da medida concreta da pena
VI- Em termos de determinação quantitativa da medida da pena conjunta, apenas deve observar-se um limite, que consta do nº 2 do artº 77º do CP, aplicável ao cúmulo superveniente por força do nº 1 do artº 78º e que se traduz em que: A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
VII- O artº 78º do CP ao consagrar o sistema de pena conjunta através de cúmulo jurídico afasta-se do princípio combinatório que na formação dessa pena “resultava de uma mistura dos princípios da exasperação e da cumulação “, para encontrar “num princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração.” valendo este para o limite máximo das penas (v. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, §405 e 406,, p. 284 na edição de 1993)
VIII- Com o limite mínimo a lei pretende evitar “que o concurso venha a determinar uma atenuação da responsabilidade relativamente à que ao agente caberia pelo mais grave dos crimes concorrentes, e esta será a única forma de, em absoluto, evitar a possibilidade de um tal resultado” (idem ibidem, §416, p. 289)
IX- À existência do critério normal de determinação da medida da pena, apenas acresce um prius, como critério especial na determinação da pena única do cúmulo e conditio sine qua non dessa determinação que é definido pelo no nº 1 do artº 77, aplicável ao cúmulo superveniente por força do artº 78º nº 1 do diploma: “Na medida da pena [do concurso] são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
X- Critério este que por tal prius, exige uma especial fundamentação da decisão que defina a medida da pena do concurso... Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do n.º 2 do art. 71.º,do CP, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no n.º 2 podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (vide aliás, Figueiredo Dias, , ibidem p 291.)
XI- “Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida a crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso” Idem,, ibidem, p. 295,
XII- Para a determinação da medida da pena do concurso, ter-se-á em conta que: - “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. “ De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. (ibidem, § 421, págs. 291
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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I - Nos autos de processo comum com o nº 666.06.8TABGC-k. do 1º Juízo da comarca de Bragança, o Tribunal Colectivo proferiu acórdão em 1/8/08 e transitado em julgado (após confirmação pela Relação e pelo Supremo) em 29/6/09, em que a arguida AA, casada, filha de J...da S...e de H...de F...A..., nascida a 23/3/1963, em S. Pedro, Celorico da Beira foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21°/1 e 24°-i) do DL 15/93 de 22/1, na pena de 8 anos de prisão.
II - A mesma arguida tinha sido condenada, no processo comum (tribunal colectivo) n° 292/03.3PBBGC do 2° Juízo do Tribunal de Bragança por: acórdão de 18/6/04, transitado em julgado a 12/1/07; por factos cometidos entre 27/5 e 25/7/2003, em cúmulo jurídico, pena única de 5 anos de prisão, não se mostrando esta pena extinta.
III - Em 28 de Janeiro de 2010, o Tribunal Colectivo proferiu acórdão nos presentes autos, em que efectuando o cúmulo das penas aplicadas nestes autos e no processo referido no ponto II), condenou a referida AA na pena única de 13(treze) anos de prisão.
Ordenaram-se as notificações e comunicações legais
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Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso:
1 - À arguida, ora recorrente foi aplicada uma pena de prisão em cúmulo jurídico de 13 anos de prisão sendo que as penas cumuladas foram a pena de 8 anos nestes autos pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado e a pena única de 5 anos de prisão, que foi já o cúmulo de várias penas parcelares de crimes de pequena gravidade no processo 292/03.3PBBGC do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Bragança.
2- Entendemos assim que a moldura de referência deveria ser a pena de cinco (antigo cúmulo) e oito anos de prisão, para a partir destas duas condenações encontrar a pena única.
3- O Acórdão ora recorrido recorreu a um critério puramente matemático, fixando a pena máxima a soma daquelas duas.
4) A medida da pena conjunta só deverá atingir o seu limite máximo absoluto em casos extremos.
5) A condenada é de etnia cigana, sendo de humilde condição social e com baixa escolaridade.
6) O Art° 13° da C.R.P., refere que todos os indivíduos são iguais perante a lei e que não podem ser prejudicados em razão da raça ou condição social.
7) Entendemos que o douto acórdão ora proferido não teve em consideração, que de facto os elementos de raça cigana pensam e agem de modo diferente dos restantes indivíduos, e a arguida foi condenada com maior austeridade.
8) Para fundamental tal severidade pode ler-se no acórdão recorrido que a condenada não interiorizou a gravidade das suas condutas, considerando até excessivas as condenações de que já foi objecto. pelo que mostra reduzido díscernimento crítico sobre as consequências dos seus actos.
9) Contudo. diga-se que não é de estranhar que a arguida entenda excessiva a condenação porque de facto foi-o, pois no douto acórdão acaba por referir que "a dureza das penas aplicadas, ainda assim a condenada não interiorizou o mal do crime".
1 O) Assim, em nosso modesto entendimento, foi violado o disposto no artigo 77 n. o 1 e n° 2 do C.P.P., que devidamente atendido levaria à pugnada redução do tempo de prisão.
TERMOS EM QUE NÃO TANTO PELO ALEGADO. MAS PELO DOUTA E SABIAMENTE SUPRIDO SE DEVE PROCEDER A REVOGAÇÃO DO DOUTO ACÓRDÃO (CÚMULO JURÍDICO), ACORDANDO-SE COMO SE PETICIONA.FAZENDO-SE ASSIM A MAIS SÃ E SERENA
JUSTIÇA
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Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo:
1ª - Do disposto no artº 77º nº 2 do Cód. Penal resulta muito claramente que a pena do concurso tem como limite máximo a soma de todas e cada uma das penas parcelares aplicadas.
2ª – Do que resulta inquestionável que para a determinação da pena conjunta não tem qualquer relevo a pena única de um cúmulo jurídico que seja reformulado na determinação da nova pena do concurso;
3ª - O STJ adoptou e tem seguido a regra de, na determinação da medida da pena conjunta, aditar à pena mais grave, 1/3 do remanescente de cada uma das restantes penas parcelares;
4ª - agravação que pode ir até ½ em casos excepcionais. devidamente fundamentados:
5ª - os factos globalmente considerados (crimes graves, gravosos e de repercussão social elevada e muito actual) e a personalidade da arguida (que se recusa a reconhecer o mal dos crimes cometidos) apontam inequivocamente no sentido da exasperação da pena conjunta, de molde a que, tem, necessariamente de ultrapassar o aludido terço – jurisprudencialmente firmado – ainda que ficando masi quem do meio da moldura penal do concurso em causa.
Termina por pedir a confirmação do acórdão recorrido, devendo negar-se provimento ao recurso.
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Neste Supremo, a Digma Magistrada do Ministério Público emitiu douto Parecer parecendo-lhe “que poderá ser alterada a medida da pena única e por isso o recurso interposto pela arguida AA obter provimento “, referindo, além do mais:
“ O acórdão recorrido para a determinação da pena conjunta aplicada à arguida/recorrente AA parece-nos que apreciou e resumiu os factos exactamente como haviam sido determinados nos julgamentos – 1 de Março de 2008 e 18 de Julho de 2004, e a personalidade que resulta do relatório social e o CRC.
1 - A pena aplicável tem como limite máximo 21 anos e 3 meses e limite mínimo de 8 anos, mas segundo nos parece os julgadores da 1ª instância seguiram muito “à risca” uma citação de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ao fixarem a pena única em 13 anos (8+5 anos) por atenderem apenas nas “penas únicas conjuntas” e descurando as treze penas parcelares como também é referido no douto acórdão citado -- “se anteriormente foram efectuados cúmulos, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia (ac. do STJ de 09.04.08, citado no acórdão recorrido).
1.1. – A questão da correcta medida da pena tem a ver com a problemática dos fins das penas, muito debatida na doutrina, mas no acórdão recorrido só se pode questionar a medida da pena única sendo o objecto do recurso interposto pelo arguido.
E por isso, parece-nos que a fixação da pena do concurso dependeu da consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente, dos (nºs 1 e 2 do art. 77), pois o critério para a pena unitária dele resultante tem de assumir-se como um critério especial.
1.2. – Neste caso, será importante “importante na determinação concreta da pena conjunta, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso” (ac. STJ de 27.04.06, p. 669/06, 3ª sec.).
1.3. – Torna-se evidente que para a pena conjunta a aplicar à arguida AA terá de relevar a medida de prisão determinada em concreto para cada um dos crimes especialmente contra as pessoas e crime de tráfico.
1.4 – A medida da pena deverá ser estabelecida tal como também parece resultar da Jurisprudência e da doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias, Direito Processo Penal, § 521, “a avaliação de personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira” criminosa), ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.
Parece-nos pois haver ligação ou conexão entre os doze crimes que resultaram do julgamento conjunto em 18.06.2004 mas já não haverá qualquer conexão entre estes crimes e o último crime cometido dois anos depois.
Relativamente aos crimes de ofensas corporais, ameaças injúrias coacções ocorrerá uma ligação entre os factos em concurso exactamente por terem ocorrido na escola e com professores mas o mesmo não acontece com o crime de tráfico de estupefaciente de cujos lucros obtidos vivia
Todo este circunstancialismo factual e ainda análise histórica da personalidade da arguida antes de 2007 (encontra-se presa desde Março) e depois no Estabelecimento Prisional, parece poder levar a que a medida da pena que se terá de determinar entre 8 anos (limite mínimo) e 21 anos e 3 meses (limite máximo) seja fixada próxima dos 11 anos de prisão (art. 77º, nºs 1 e 2 do CP).”
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Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, tendo a arguida apresentado resposta onde refere partilhar das razões e doutrinas invocadas pelo Digmo. Procurador Geral Adjunto, e para elas remetendo porque a elas adere
Aduz, no entanto, “que os crimes praticados pela arguida, á excepção do crime de Tráfico de Estupefacientes, foram praticados num a situação de difícil gestão emocional desta, por lhe terem nessa altura falecido dois entes queridos, ter o esposo detido, e ser ela a única que podia dar alguma "protecção aos filhos", tem um percurso prisional de acordo com as normas; não voltará a delinquir.
Assim, entende que em cúmulo jurídico não deveria a pena única exceder 9 anos. “
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Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência após os vistos legais em simultâneo.
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Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, nos termos do artº 77º do Código Penal:
1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente;
Como se aludiu por ex., no acórdão deste Supremo e Secção de 24 de Fevereiro de 2010, in Proc. nº 676/03.7SJPRT.S1: O legislador, na fixação da pena de conjunto, afastou-se da sua mera acumulação material, tendo como limite a sua soma, bem como do sistema de exasperação ou agravação pela adopção da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis. E não tendo optado pela acumulação material fornece, por isso, um critério que considere os factos e a personalidade do agente no seu conjunto.
Por sua vez, o artigo 78ºdo CP, dispondo sobre o conhecimento superveniente do concurso determina:
1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida, descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.
2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
È assim certo o alegado no acórdão recorrido quando refere: “antes da data do trânsito em julgado da 1ª condenação (12/1/07), que foi proferida no P. id. em I), a condenada já havia praticado os factos por que foi julgada nos presentes autos 8meados de 2005 a Dezembro de 2006), pelo que há lugar ao conhecimento superveniente do concurso”
O texto dos nºs 1 e 2 do artº 78º que entronca na revisão do CP operada pelo Dec-lei nº 48/95 de 15 de Março, foi alterado posteriormente pela Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, que eliminou a expressão “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta.”
Como se referiu no acórdão deste Supremo e desta Secção, de 20 de Janeiro de 2010, in Processo: 392/02.7PFLRS.L1.S1, “A nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, com a supressão do trecho “mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta”, diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.”
Consta da decisão recorrida:
1I. Por acórdão deste Tribunal [Tribunal Colectivo do 1º Juízo da comarca de Bragança] proferido nestes autos, de 1/8/08 e transitado em julgado (após confirmação pela Relação e pelo Supremo) a 29/6/09, foi AA,, com os sinais dos autos (casada, filha de J...da S...e de H...de F...A..., nascida a 23/3/1963, em S. Pedro, Celorico da Beira), condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21°/1 e 24°-i) do DL 15/93 de 22/1, na pena de 8 anos de prisão.
II - A condenada, foi-o, ainda, no PCC n° 292/03.3PBBGC do 2° J deste Tribunal de Bragança por::
- acórdão de 18/6/04, transitado em julgado a 12/1/07;
- factos cometidos entre 27/5 e 25/7/2003;
- dois crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo arts. 146°/1 e 2 com referência ao art. 132°/2-b) e j) do C. Penal, penas parcelares de 8 meses e de 1 ano e 4 meses de prisão, um crime de ameaça p. e p. pelo art. 153°/1 do C. Penal, pena parcelar de 7 meses de prisão, dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos arts. 181°/1, 184° conjugado com o art. 132°/2-j) do C. Penal, penas parcelares de 3 meses de prisão cada um, um crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo art. 191° do C. Penal, pena parcelar de 2 meses de prisão, um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo arts. 146°/1 e 2 com referência ao art. 132°/2-b) e j) do C. Penal, pena parcelar de 1 ano e 6 meses de prisão, dois crimes de ameaça p. e p. pelo art. 153°/1 e 2 do C. Penal, penas parcelares de 12 meses e de 2 anos de prisão, um crime de coacção grave p. e p. pelos arts. 154°/1, 155°/1-c) com referência ao art. 132°/2-j) do C. Penal, pena parcelar de 2 anos de prisão, um crime de coacção p. e p. pelo art. 154º/1 do C. Penal, pena parcelar de 1 ano e 4 meses de prisão, um crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art. 356º/1 do C. Penal, pena parcelar de 2 anos de prisão, sempre em reincidência;
- em cúmulo jurídico, pena única de 5 anos de prisão;
- tal pena não se mostra extinta.
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lII -. A mesma condenada tem ainda, as seguintes condenações :
- crime de receptação cometido em 11/8/1998, sentença transitada a 18/9/00, pena de multa
- crime de resistência e coacção sobre funcionário cometido em 27/7/1998, acórdão transitado a 23/8/01, pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, já cumprida
- crimes de injúria agravada e de ameaça cometidos em 8/1 0/02, sentença transitada a 28/4/03, pena única de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, tendo tal suspensão sido revogada por decisão de 21/5/07, mostrando-se cumprida a pena de prisão
- crime de condução sem habilitação legal cometido em 6/3/04, sentença transitada a 18/2/05 , pena de multa
IV. Os factos, a personalidade e condições da condenada:
1) Os factos:
a) Nos nosso autos, em suma:
A condenada, desde pelo menos meados de 2005 e até Dezembro de 2006, dedicou-se, juntamente com um filho maior, à venda de heroína e de cocaína a outros traficantes de menor gabarito e a consumidores, comprando as drogas em quantidades que variavam entre as dezenas e as centenas de gramas, chegando, por vezes, ao meio-quilo ou mesmo ao quilograma e pagando à volta de 40/50 € a grama de cocaína e de 20 € a 40 € a de heroína, drogas que depois vendia aos preços de cerca de 60/70 € a grama de cocaína e de 40/50 € a de heroína ou de 20 € a dose individual de cocaína e de 10 € a de heroína; nas entregas de droga, a condenada utilizou várias vezes um seu filho menor (15 anos de idade).
Agiu sempre com dolo directo.
b) No Processo referido em II), em suma:
A condenada, no dia 27/5/03, dentro do recinto escolar, e sem motivo que o justificasse, desferiu uma bofetada na face de um aluno de 6 anos de idade, e, após, bateu com uma escumadeira na professora que se tinha interposto, após o que a ameaçou de, no dia seguinte, voltar à escola para lhe "foder o focinho".
No dia seguinte, a condenada irrompeu na sala de aulas da mesma professora e empurrou-a duas vezes, fazendo-a cair das duas vezes ao chão, e chamou-lhe "aldrabona" referindo-lhe ainda que lhe havia de cortar o pescoço.
Dois ou três dias depois, a condenada, em conversa com um terceiro, referiu-lhe que haveria de "foder os focinhos" á professora "ao homem e aos filhos" e que se fosse preciso a matava.
No dia 27/6/03, a condenada dirigiu-se à professora em causa referindo-lhe que se não passasse os seus filhos, a voltaria a agredir.
No dia 25/7/03, a condenada voltou a entrar na sala de aulas da referida professora, dizendo-lhe que ou esta retirava a queixa ou "então vai haver muitas mortes, aldrabona".
Nesse mesmo dia, a condenada foi fazer queixa à polícia da professora, alegando que esta a vinha difamando, que lhe tinha batido e a tinha ameaçado, o que bem sabia ser falso, pois o contrário é que tinha ocorrido.
Actuou sempre com dolo directo.
2) A personalidade da condenada:
A condenada revela diminuta interiorização da gravidade das suas condutas, considerando até excessivas as condenações de que já foi objecto.
Mostra reduzido discernimento crítico sobre as consequências dos seus actos e ausência de posicionamento analítico quanto ás vítimas.
No EP, já foi objecto de cinco sanções disciplinares.
3) Suas condições:
A condenada é de etnia cigana, sendo de humilde condição social.
Frequentou a escola até à 4ª classe, altura em que começou a ajudar os pais na comercialização, em feiras, de artigos de vestuário.
A condenada exerceu a actividade de feirante de banca sendo que, pelo menos a partir de meados de 2005, tal actividade foi exercida de forma esporádica, vivendo dos lucros da actividade do tráfico.
Actualmente, no EP, a condenada frequenta a escola, no 2° ciclo e trabalha nas oficinas.
Tem 3 filhos menores.
Cumpre apreciar e decidir.
Como se referiu no acórdão deste Supremo e Secção de 24 de Fevereiro de 2010, in proc. nº 563/03.9PRPRT.S1,.
Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema da acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena unitária pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.
O critério de determinação da medida da pena conjunta do concurso, a que se reporta o art. 77.º, n.º 1, do CP há-de ir buscar-se ao disposto no artº 71º nº 1 do mesmo diploma que versando sobre a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, diz que ´ é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção”
Inexiste pois qualquer critério aritmético ou matemático na determinação da medida concreta da pena
Em termos de determinação quantitativa, apenas deve observar-se um limite, que consta do nº 2 do artº 77º do CP, aplicável ao cúmulo superveniente por força do nº 1 do artº 78º e que se traduz em que: A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
O artº 78º do CP ao consagrar o sistema de pena conjunta através de cúmulo jurídico afasta-se do princípio combinatório que na formação dessa pena “resultava de uma mistura dos princípios da exasperação e da cumulação “, para encontrar “num princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração.” (v. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, §405 e 406,, p. 284 na edição de 1993)
Sendo certo que para o limite máximo das penas, vale o princípio puro da cumulação,
E, com o limite mínimo a lei pretende evitar “que o concurso venha a determinar uma atenuação da responsabilidade relativamente à que ao agente caberia pelo mais grave dos crimes concorrentes, e esta será a única forma de, em absoluto, evitar a possibilidade de um tal resultado” (idem ibidem, §416, p. 289)
À existência do critério normal de determinação da medida da pena, apenas acresce um prius, como critério especial na determinação da pena única do cúmulo e conditio sine qua non dessa determinação que é definido pelo no nº 1 do artº 77, aplicável ao cúmulo superveniente por força do artº 78º nº 1 do diploma: “Na medida da pena [do concurso] são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
Critério este que por tal prius, exige uma especial fundamentação da decisão que defina a medida da pena do concurso
Como se disse no supra referido acórdão: O critério especial, da determinação da medida da pena conjunta do concurso, a que se reporta o art. 77.º, n.º 1, do CP – e que é feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção –, impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada, e ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário.
Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do n.º 2 do art. 71.º,do Cp: nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no n.º 2 podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (vide aliás, Figueiredo Dias, , ibidem p 291.)
Por outro lado, como salienta este mesmo Professor, ibidem, p. 295, “Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida a crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso”
Como resulta do acórdão deste Supremo e desta secção de 24 de Fvereiro de 2010 676/03.7SJPRT.S1: A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando; o cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido e a atitude do próprio agente em termos de condenação pela prática do crime, tendo em vista não prejudicar o arguido por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas a impor.
Para a determinação da medida da pena do concurso, escreve Figueiredo Dias (ibidem, § 421, págs. 291), que
“Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “ De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
A decisão recorrida considerou:
“Para se operar o cúmulo jurídico, importa considerar as penas parcelares que foram impostas à condenada (art. 77°/2 C. Penal: "penas concretamente aplicadas aos vários crimes") assim se desfazendo o cúmulo operado no P. id. em II).
A moldura penal abstracta varia, atento o disposto no art. 77°/2 C. Penal e as penas concretas parcelares aplicadas, entre os 8 anos e os 21 anos e 3 meses de prisão.
Deve, contudo, ter-se em atenção que, não obstante o anterior cúmulo (operado no P. idº em II) ser desfeito, e a pena única passar a ter como moldura acabada de referir, a verdade é que a jurisprudência do STJ vem entendendo que, no procedimento para achamento da pena única, aquele não deve ser ignorado (Ac. STJ de 9/4/08, P. 08P814, www.dgsi.pt e jurisprudência aí citada, relatado pelo Cons. Simas Santos: "Se anteriormente foram efectuados cúmulos, deve atender-se às respectivas penas únicas conjuntas, apesar de tais cúmulos serem desfeitos, retomando todas as penas parcelares a sua autonomia").
Devem considerar-se, em conjunto, os factos e a personalidade da condenada (art. 77°/1 C. Penal).
Os factos assumem enorme gravidade o que, de resto, é bem patente face às concretas penas de prisão que lhe foram aplicadas.
A condenada agiu sempre com dolo intenso e persistente.
Pese embora as condenações já sofridas (não só as referentes aos crimes em concurso, como as relativas aos restantes antecedentes criminais, avultando significativas penas de prisão efectiva), a verdade é que a condenada não interiorizou a gravidade das suas condutas, considerando até excessivas as condenações de que já foi objecto, pelo que mostra reduzido discernimento crítico sobre as consequências dos seus actos e uma ausência total de posicionamento analítico quanto ás vítimas.
Ou seja: não obstante a enorme gravidade intrínseca dos crimes cometidos (tráfico de droga, ainda por cima agravado pela utilização de um menor, e que, pasme-se, até era filho da condenada; ameaças, ofensas corporais, injúrias agravadas, cometidas na sua maioria no recinto escolar, com uma perseguição "feroz" a uma professora) e a dureza das penas aplicadas, ainda assim a condenada não interiorizou o mal do crime (ainda se considera, ela que nenhuma reflexão faz sobre as consequências dos seus actos sobre as vítimas, como «vítima» do sistema de Justiça).
O que significa que longe de estarmos perante actos ocasionais, os crimes em causa documentam, isso sim, uma personalidade particularmente desvaliosa, avessa ao dever-ser jurídico-penal.
Tudo ponderado, atendendo às apontadas gravidade dos factos e personalidade da condenada e ponderando ainda o que mais se deixou dito (designadamente, á anterior pena única proferida no P. ido em II), cremos ser justa a pena única de 13 anos de prisão. “
Como refere a Digna Magistrada do MººP em seu douto Parecer, a arguida Emília foi julgada e condenada por acórdão transitado em 29.06.2009 em 8 anos de prisão, por autoria de um crime de tráfico de estupefaciente (art. 21º do dec.lei 15/93) ocorrido entre meados de 2005 e Dezembro de 2006, quando já havia sido condenada por acórdão transitado em 12.07.2007 por ter cometido entre 27.05.2003 e 25.07.2003 dois crimes de ofensas à integridade física qualificada (art. 146º, nºs 1 e 2 e 132º, nº 2, al. b) e j)) nas penas de 1 ano e 4 meses e 8 meses de prisão; um crime de ameaças (art. 153º, nº 1) em 7 meses de prisão; dois crimes de injúrias agravadas (art. 181º, nº 1 e 184º, 132º, nº 2) em 3 meses de prisão cada; 1 crime de introdução em lugar público em 2 meses de prisão (art. 191º); um crime de ofensa à integridade física qualificado (art. 146º, nºs 1 e 2 e 132, nº 1, al. b) e j)) na pena de 1 ano e 6 meses; dois crimes de ameaças (art. 153º, nºs 1 e 2) nas penas de 12 meses e 2 anos; um crime de coação grave (art. 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. c) e 132, nº2, al. j)) na pena de 2 anos de prisão; um crime coação (art. 154º, nº 1) em 1 ano e 4 meses de prisão e um crime de denúncia caluniosa (art. 356º, nº 1, todos do CP) na pena de 2 anos de prisão.
Verifica-se – como se assinala no mesmo parecer - “haver ligação ou conexão entre os doze crimes que resultaram do julgamento conjunto em 18.06.2004 mas já não haverá qualquer conexão entre estes crimes e o último crime cometido dois anos depois.
Relativamente aos crimes de ofensas corporais, ameaças injúrias coacções ocorrerá uma ligação entre os factos em concurso exactamente por terem ocorrido na escola e com professores mas o mesmo não acontece com o crime de tráfico de estupefaciente de cujos lucros obtidos vivia” .
A condenada praticou os crimes em concurso, sempre com dolo directo revelando os mesmos, pela suas circunstâncias e modo de execução, gravidade acentuada,
A condenada que tem 3 filhos menores, e actualmente no EP, frequenta a escola, no 2º ciclo e trabalha nas oficinas, apresenta reduzido discernimento crítico sobre as consequências dos seus actos e ausência de posicionamento analítico quanto s vítimas, e revela diminuta interiorização da gravidade das suas condutas, considerando até excessivas as condenações de que já foi objecto.
As exigências de prevenção geral, face à gravidade dos crimes praticados são intensas, bem como intensas são as exigências da prevenção especial na ressocialização da condenada, devendo ter-se em conta os efeitos previsíveis da pena no seu comportamento futuro, sendo certo que no EP, a condenada já foi objecto de cinco sanções disciplinares.
A culpa é elevada e os crimes resultaram de tendência criminosa, sendo interligados os constantes do ponto referido em II), sendo que a condenada já sofrera outras condenações
Note-se que a condenada exercia a actividade de feirante de banca e, pelo menos a partir de meados de 2005, tal actividade foi exercida de forma esporádica, vivendo dos lucros da actividade do tráfico.
Não consta da decisão recorrida que o tribunal infringisse o disposto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa; outrossim cumpriu os ditames constitucionais na administração da justiça
Infracção do artº 13º da Constituição da República haveria se o Tribunal considerasse que “de facto os elementos de raça cigana pensam e agem de modo diferente dos restantes indivíduos”, pois que em função da etnia estaria então a discriminar negativamente a condenada, violando o princípio da igualdade, o que não aconteceu.
Considerando que o limite máximo da pena aplicável se situa em 21 anos e 3 meses de prisão e o limite mínimo da pena de prisão aplicável, em 8 anos, e tendo ainda em conta o efeito previsível da pena concreta da pena no comportamento futuro da arguida, entende-se. na valoração do ilícito global perpetrado, após ponderação conjunta dos factos e personalidade da arguida, nos termos supra expostos,,por justa, e adequada a pena de onze anos de prisão.
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Termos em que decidindo:
Acordam os deste Supremo Tribunal – 3ª Secção – em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, reduzem a pena única aplicada para onze anos de prisão.
Tributam a recorrente em 5 UC de taxa de justiça, nos termos do artigo 8º nº 5 e tabela III, e sem prejuízo do disposto no artº 4º nº 1 al. j), do Regulamento das Custas Processuais.
Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Junho de 2010
Elaborado e revisto pelo relator