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USUCAPIÃO
INVERSÃO DO TITULO DE POSSE
PRESUNÇÃO
Sumário
1. A posse precária não permite a aquisição por usucapião, salvo se se achar invertido o título da posse, na conformidade do disposto no art. 1290º C.Civil; e só a partir da inversão do título começa a correr o tempo necessário para a usucapião. À inversão do título da posse não basta a mera constatação de que houve a intenção por parte dos detentores precários de inverter o título de posse. A oposição há-de objectivar-se em actos materiais ou jurídicos que revelem inequivocamente que o opositor quer actuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa e que essa actuação se dirija contra a pessoa em nome de quem detinha e dela se torne conhecida. 2. A não entrega da coisa no final do contrato não assume o significado de uma inversão do título de posse se não for acompanhada de uma clara oposição. 3. O título mediante o qual os autores começaram a possuir os prédios e se mantiveram nessa posse foi, neste caso, o contrato de arrendamento. Esse título, qualificativo da posse, confere-lhes a qualidade de possuidores em nome alheio, já que é pelo título que se afere da relação do possuidor com a coisa. Faltando o título, é a própria lei que então, em caso de dúvida, presume que o possuidor possui em nome próprio, ou, usando os termos legais em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto –nº 2 do art. 1252º C.Civil. Ora, não existindo, como não existia, no caso vertente, uma situação de dúvida quanto ao modo como se iniciou o poder de facto sobre a coisa, não funciona a aludida presunção.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
AA e mulher BB,
Intentaram, 10 de Julho de 2006, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra
- CC; - DD e mulher EE; - FF e mulher GG; - HH e mulher II; - JJ; - KK e mulher LL; - MM; - NN e marido OO; - PP; e - QQ e mulher RR,
pedindo que:
a- lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre dois prédios rústicos e os réus condenados a reconhecê-lo;
b- sejam anulados os registos desses prédios efectuados em nome do réu CC e averbado o registo a seu favor;
c- sejam os réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam o exercício do seu direito pleno sobre tais prédios;
c- e que sejam ainda condenado o réu CC como litigante de má fé.
Invocam, no essencial, factos tendentes a demonstrar que se radicou na sua esfera jurídica, através da aquisição originária, o direito de propriedade sobre esses prédios, bem como a prática de actos, por parte dos réus, violadores desse seu direito, inclusive a celebração de uma escritura de compra e venda entre o réu CC, como comprador, e os restantes co-réus, como vendedores.
Contestaram os réus para, em síntese, impugnarem os factos invocados pelos autores e deduzirem pedido reconvencional a fim de ser reconhecido ao réu CC o direito de propriedade sobre esses mesmos prédios, com base na aquisição originária e derivada.
E os autores/reconvindos ainda condenados:
- a restituir esses mesmos prédios livres de pessoas e coisas à posse do réu/reconvinte CC e absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou turbem o seu exercício, gozo e fruição;
- a pagar ao mesmo réu a quantia de € 2.040,00 anual ou seu proporcional, acrescida de juros, desde a data da entrada em juízo da reconvenção até entrega efectiva dos prédios;
- a pagar, a título de reparação pelos danos não patrimoniais causados, a quantia de € 5.000,00 ao réu CC e a quantia de € 500,00 a cada um dos restantes réus/reconvintes;
- condenados como litigantes de má fé.
Replicam os autores para, no essencial, defender a posição inicialmente assumida e impugnarem os factos alegados na reconvenção.
Treplicaram os reús para reafirmar os factos por si invocados.
Saneado o processo, procedeu-se à selecção da matéria de facto relevante com fixação dos factos tidos por assente e dos controvertidos.
Prosseguiu depois o processo para julgamento e na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente, e:
- declarado o direito de propriedade dos autores sobre os prédios inscritos na matriz sob os arts. 772 e 792 e os réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam o exercício, pelos autores, do direito de propriedade plena sobre ambos os prédios;
- determinado o cancelamento das inscrições registais a favor de CC;
e improcedente a reconvenção com a consequente absolvição dos autores dos pedidos contra si formulados.
Inconformados com o assim decidido apelaram os réus/reconvintes, mas sem sucesso, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a sentença recorrida.
Ainda irresignados recorrem agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, continuando a pugnar pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Âmbito do recurso
A- De acordo com as conclusões, a rematar as alegações de recurso, o inconformismo dos recorrentes, radica, em síntese, no seguinte:
1- Assente nos autos que, em data anterior a 1968, os prédios em causa foram dados de arrendamento aos autores pela sua, então, proprietária e que eles iniciaram a exploração dos mesmos, enquanto seus arrendatários, e que nunca os deixaram de amanhar, agricultar, pastorear e colher os seus frutos até à data de propositura da acção, mesmo depois de extinta a relação locatícia (sem que se demonstrasse a existência de qualquer hiato ou solução de continuidade), não pode considerar-se que os autores beneficiam da presunção de posse (animus) do art. 1252º’ nº 2 do CC, sufragada na doutrina do acórdão uniformizador do STJ 14/5/96, apenas porque mantiveram o exercício dos poderes de facto sobre os prédios em causa após ter ocorrido a extinção da relação locatícia.
2- A presunção de posse (animus) daquele que exerce o direito de facto consagrada no nº 2 do art. 1252º só ocorre em caso de dúvida, mas já não quando é conhecida a forma como se iniciou o poder de facto sobre a coisa, isto é, quando o poder de facto é causal, pois, se aquele que exerce os poderes de facto sobre a coisa iniciou esse exercício por acto de quem era dono e possuidor dessa mesma coisa, não há qualquer dúvida sobre a forma como se iniciou a prática dos actos materiais sobre a coisa.
3- Na hipótese dos autos, inexiste dúvida, sabendo-se antes que o poder de facto sobre os prédios em discussão se iniciou no âmbito e por causa de uma relação locatícia.
4- Não tendo sido provada a existência de qualquer pacto ou facto através do qual os donos e possuidores dos prédios em disputa tivessem, em 1976, transmitido a posse dos mesmos aos recorridos, restava-lhes a alegação e prova de terem adquirido originariamente a posse desses prédios pela única outra forma que, a par do apossamento, a lei elege como bastante e relevante na a. d) do art. 1263° do CC, isto é, por inversão do título da posse.
5- Pois só através da alegação e prova de factos que permitissem demonstrar a transformação do seu estado psicológico de meros detentores em verdadeiros possuidores, poderiam eles invocar serem possuidores desses prédios, pela manutenção da posse com as características e pelo tempo que a lei exige e poderem adquirir a sua propriedade por usucapião, em obediência ao comando do art. 1290º CCivil.
6- Assente serem os autores detentores dos prédios em causa e não demonstrada nem a aquisição da posse por acto próprio dos anteriores proprietários em nome dos quais eles os possuíam, nem a prática de qualquer acto susceptível de ser entendido e qualificado como de inversão do título da posse, vedada lhes está a possibilidade de adquirirem a sua propriedade por usucapião.
7- Nos termos da disposição do art. 7º Código do Registo Predial, e provado como está que o1º réu tem definitivamente registada a seu favor a propriedade dos dois imóveis em causa, impera a presunção nele contida que esse direito existe e lhe pertence, devendo assim proceder os pedidos reconvencionais formulados sob as alínea a) e b).
9- Violou o acórdão recorrido as disposições dos arts. 349º, 350º, 1252°, 1263°, 1265° e 1290° do CCivil e 7° Código do Registo Predial.
B- Face à posição dos recorrentes vertida nas conclusões das alegações, delimitativas do âmbito do recurso, a verdadeira questão controvertida que se coloca é a de saber se se radicou na esfera jurídica dos autores o direito de propriedade sobre os prédios reivindicados mediante a usucapião.
IV. Fundamentação
A- Os factos
O acórdão recorrido teve como assentes os seguintes factos:
1.De acordo com a respectiva certidão de teor da inscrição e descrições em vigor o prédio rústico, terra de lameiro e pastagem, sito em Prado ..., com a área de 37.174 m2, inscrito na matriz da freguesia de Vermiosa sob o artigo 772º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo com o nº …, confronta a Norte, com SS, a Sul, com TT, a Nascente, com UU, e a Poente, com caminho. 2. Pela inscrição G – Ap. 1 de 2006/03/13 encontra-se inscrita, a favor de CC, a aquisição, por compra, deste prédio.
3. De acordo com a respectiva certidão de teor da inscrição e descrições em vigor o prédio rústico, terra de trigo, sito em Vale de ..., com a área de 19.814 m2, inscrito na matriz da freguesia de Vermiosa sob o artigo 792º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo com o nº …, confronta a Norte, com herdeiros VV, a Sul, com XX, a Nascente, com ZZ, e a Poente, com AAA. 4. Pela inscrição G – Ap. 1 de 2006/03/13 encontra-se inscrita, a favor de CC, a aquisição, por compra, deste prédio.
5. Em data anterior a 1968, BBB deu de arrendamento aos autores ambos os prédios atrás mencionados, situação que se manteve até 1975, período durante o qual os autores, nessa qualidade de arrendatários, amanharam, agricultaram e pastorearam, colhendo os frutos de ambos os prédios. 6. Desde 1930 que BBB amanhou, cultivou e arrendou os referidos prédios, recebendo as rendas dos mesmos, de forma continuada, à vista de toda a gente, sem oposição de pessoa alguma, com a convicção de não lesar o direito de outrem e de que tais prédios lhe pertenciam.
7. Os segundos a décimos réus – excepto os respectivos consortes – são filhos de CCCe de DDD e os autores, em 1975/76, encetaram negociações relativamente a ambos os prédios, tendo os autores manifestado vontade de aquisição dos mesmos.
8. CCCfaleceu, em Coimbra, a 5 de Outubro de 1980 e DDDfaleceu, em Lisboa, a 1 de Janeiro de 1995.
9. Por escritura de fls. 268 a 286, de 17 de Fevereiro de 2006, os 2ºs a 10ºs réus declararam vender a CC e este declarou aceitar a venda pelo preço global já recebido de € 24.054,51 os quarenta e nove prédios aí referidos, incluindo o prédio referido em 1), pelo valor de € 5.124,02 e o prédio referido em 2), pelo valor de € 920,00.
10. Por escritura de 20 de Julho de 1976, no Cartório Notarial de Figueira de Castelo Rodrigo, CCC e DDD declararam vender a EEE, na qualidade de gestor de negócios de S... – sociedade agro-pecuária ... & ... Lda, e este declarou aceitar para a referida sociedade o contrato constante da escritura, pelo preço global de 200.000$0, os seguintes prédios: a- uma terra de cultura, no sítio do Prado ..., limite da freguesia de Vilar Torpim deste concelho, confrontando, de Norte, com FFF, de Sul, com GGG, de Nascente, com FFF, e de Poente, com caminho, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 5º, com o valor matricial de 1.940$0, a que atribui o valor de cem mil escudos; b- uma terra de pastagem no Vale de ..., ou vales, limite da freguesia de Vermiosa, deste concelho, confrontando, de Norte, Sul, Nascente e Poente, com HHH, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 847º, com o valor matricial de 740$0, e a que atribui o valor de vinte mil escudos; c- uma terra de lameiro com negrilhos no sítio do Vale de Sarça ou Prado Sabugueiro, limite da freguesia de Reigada, deste concelho, confrontando, de Norte, com III, de Sul, com JJJ e outro, de Nascente e Poente, com caminhos públicos, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 70º, com o valor matricial de 45.000$0, e a que atribui o valor de oitenta mil escudos.
11. O prédio referido em “1” confronta, presentemente, a Poente, com caminho, e dos restantes pontos cardeais, com sucessores das pessoas indicadas na matriz, as quais, em concreto, não foi possível apurar com rigor. 12. E o prédio referido em “3” confronta, presentemente, com sucessores das pessoas indicadas na matriz, as quais, em concreto, não foi possível apurar com rigor.
13. Desde 1976 que os autores agricultaram, amanharam, pastorearam, colheram e venderam os frutos produzidos em ambos os prédios, de forma continuada, sem oposição de quem quer que fosse, à vista de toda a gente e com conhecimento da população de Vermiosa e Vilar Torpim, com a convicção de não estarem a lesar o direito de outrem.
14. Os autores e o réu engenheiro CC procuraram negociar os prédios conhecidos por Prado ... e Vale de ... – os dois inicialmente mencionados neste bloco de factos – em termos, condições e momentos que, em concreto, não foi possível apurar.
15. Desde que iniciaram a sua exploração, então por conta de outrem, nunca os autores deixaram de amanhar, agricultar, pastorear e colher os frutos dos dois prédios.
16. Em data e termos que, em concreto, não foi possível apurar, os autores autorizaram KKK a agricultar o prédio conhecido por Vale de ....
17. Em momento, termos e condições que, em concreto, não foi possível apurar, os autores autorizaram LLL e MMM a agricultar e explorar o prédio conhecido por Prado ....
18. Os autores opuseram-se a que o réu CC inscrevesse em seu nome o parcelário relativo ao prédio conhecido por Prado ....
19. O prédio conhecido por Prado ... pode ser destinado a prado. 20. Destinado a prado, tal prédio pode produzir fardos de feno em quantidade que, em concreto, não foi possível apurar, que poderiam ser vendidos a preços que não foi possível apurar, podendo gerar lucros cujo quantitativo, em concreto, igualmente não foi possível apurar.
21. Quem se dedicasse a explorar o prédio conhecido por Prado ... poderia, consoante a exploração a que declarasse dedicar-se, colher subsídios do Estado em quantitativo que, em concreto, não foi possível apurar.
22. O prédio conhecido por Vale de ... pode produzir fardos de feno em quantidade que, em concreto, não foi possível apurar, que poderiam ser vendidos a preços que igualmente não foi possível apurar, e poderiam gerar lucros cujo quantitativo, em concreto, igualmente não foi possível apurar.
23. Quem se dedicasse a explorar o prédio conhecido por Vale de ... poderia, consoante a exploração a que declarasse dedicar-se, colher subsídios do Estado em quantitativo que, em concreto, não foi possível apurar.
24. Não estando de posse dos prédios, e não lhe tendo sido tal posse permitida pelos autores, não foi possível, ao réu engenheiro CC, inscrever no Ministério da Agricultura os prédios conhecidos por Prado ... e Vale de ..., e assim receber ajudas e subsídios.
25. Caso abdicasse de colher os subsídios eventualmente oferecidos a quem declarasse cultivar feno nos prédios em causa, e antes optasse por os dar de arrendamento, então, pelo arrendamento dos prédios conhecidos por Prado ... e Vale de ..., o Engenheiro CC poderia auferir anualmente quantia que, em concreto, não foi possível apurar.
26. O engenheiro CC tem residência na freguesia de Vilar Torpim.
27. A autora, em reunião na zona agrária de Pinhel, a 28 de Abril de 2006, sustentou, contra o Engenheiro CC, o seu direito de propriedade sobre o prédio conhecido por Prado ....
28. Na sequência das reuniões e negociações a que se alude nos nºs 14 e 27 os ânimos afastaram-se da serenidade e foram dirigidos ao Engenheiro CC epítetos cuja grosseria em concreto não foi possível apura.
29. Não é conhecido qualquer facto susceptível de afastar a seriedade e honestidade do Engenheiro CC.
B- O direito
Pela usucapião adquirem-se direitos reais sobre coisas por força de uma posse duradoura sobre elas exercida, desde logo o direito de propriedade –art. 1287º C.Civil.
A usucapião baseia-se numa situação de posse. Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real –art. 1251º C.Civil.
A posse, de acordo com a concepção subjectivista acolhida pela nossa lei, é integrada por dois elementos: o corpus, que consiste na relação material com a coisa e o animus, elemento psicológico, que se traduz na intenção de actuar com a convicção de ser titular do direito real correspondente.
Possuidor é, pois, aquele que exerce efectivos poderes materiais sobre a coisa e com a intenção de exercer um direito real próprio.
E só através de actos materiais correspondentes ao exercício do direito, ou seja, de actos que incidam directa e materialmente sobre a coisa se pode adquirir a posse, e nunca através de actos de disposição e administração, como referem Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil, Anotado, III, 2ª ed., pág. 27 .
Os actos materiais incidentes directamente sobre a coisa hão-de ser aqueles que se ajustem à utilização normal da coisa em concreto, que sejam adequados às particularidades de fruição proporcionados por essa mesma coisa.
Perante a factualidade assente é um dado adquirido que os autores exerceram sobre os prédios inscritos na matriz sob os arts. 772º e 792º actos materiais caracterizadores do direito de propriedade, de uma forma pacífica, contínua, à vista de toda a gente e durante mais de 20 de anos.
Está claramente preenchido aquele elemento que se traduz na relação material com a coisa (corpus), um dos elementos integradores da posse. E este é um dado que ninguém contesta, inclusive os recorrentes.
Para além do corpus necessário se torna ainda que o possuidor actue com a convicção de ser titular do direito real correspondente. Só assim a posse pode conduzir à aquisição do respectivo direito mediante a usucapião.
Também é uma realidade que temos por adquirida, porque assim se provou, que até 1975 os autores amanharam, cultivaram e pastorearam estes prédios, colhendo ainda os frutos neles produzidos, mas na qualidade de arrendatários. Actos materiais que continuaram a praticar a partir de 1976, mas agora com a convicção de não estarem a lesar o direito de outrem.
Aquela era uma actividade precária por natureza e, como tal, incompatível com uma posse animo domini, já que a faculdade de gozo dos prédios foi-lhes proporcionada por um contrato de arrendamento.
A posse precária, como aquela era, não permite a aquisição por usucapião, salvo se se achar invertido o título da posse, na conformidade do disposto no art. 1290º C.Civil; e só a partir da inversão do título começa a correr o tempo necessário para a usucapião. A inversão do título da posse, preconiza o art. 1265º C.Civil, pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse.
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela ob. cit, em anotação ao art. 1265º, a inversão do título da posse (a chamada interversio possessionis) supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio. Há como que uma transformação, por afastamento do título impediente, da situação de detenção ou posse precária em posse verdadeira.
À inversão do título da posse não basta a mera constatação de que houve a intenção por parte dos detentores precários de inverter o título de posse. A oposição há-de objectivar-se em actos materiais ou jurídicos que revelem inequivocamente que o opositor quer actuar, a partir da oposição, como titular do direito sobre a coisa e que essa actuação se dirija contra a pessoa em nome de quem detinha e dela se torne conhecida. Para ser eficaz, a inversão da posse tem de traduzir-se, nas palavras de Henrique Mesquita in Direitos Reais, 1967, pág. 98 , em actos positivos (materiais ou jurídicos) inequívocos (reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que até então considerava pertencente a outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem.
Na situação vertente, a acção procedeu na 1ª instância com o argumento de que em 1976 cessou a relação locatícia por força da qual os autores vinham usufruindo os dois prédios em causa, por os haverem comprado verbalmente aos seus legítimos proprietários. E com base nesse apossamento, deixando desde então de ser detentores para passarem a comportar-se como donos, e na incidência dos demais requisitos legais reconheceu terem os autores adquirido o respectivo direito de propriedade.
Mas a resposta positiva dada na 1ª instância ao ponto controvertido nº 3 Neste ponto controvertido questionava-se se em 1976 os autores adquiriram verbalmente os prédios referidos em A e B a CCCe Augusto Leite Paes de Faria. que comportava esta factualidade foi alterada na Relação, aqui merecendo a resposta de não provado.
Mesmo assim o acórdão recorrido acabou por reconhecer igualmente aos autores o direito de propriedade sobre os mencionados prédios ao dar como factualmente adquirido que a relação locatícia se extinguiu em 1976, mantendo-se desde então os autores no exercício do poder de facto sobre aqueles prédios, fazendo esta relação material presumir o animus, presunção que os réus não ilidiram.
A Relação podia perfeitamente dar como assente este facto na medida em que ele não conflitua com a resposta negativa que dera ao ponto controvertido nº 3 da base instrutória e isto pela simples razão de que a extinção da relação locatícia poderia ter acontecido por razões diferentes da questionada nesse ponto controvertido.
Agindo a Relação dentro dos seus poderes de fixação da matéria de facto e não ocorrendo nenhuma das situações excepcionais em que o Supremo possa sindicar essa actuação, há que aceitar esse dado de facto.
Esta realidade factual não altera, porém, substancialmente a relação dos autores com os prédios em causa.
Na verdade, temos agora como assente que, até 1975, os autores, na qualidade de arrendatários, amanharam, agricultaram, pastorearam e colheram os frutos de ambos esses prédios. E que, a partir de 1976, cessado o contrato de arrendamento, continuaram a agricultar, amanhar, pastorear, colher e vender os frutos produzidos em ambos os prédios, de forma continuada, sem oposição de quem quer que fosse, à vista de toda a gente e com conhecimento da população de Vermiosa e Vilar Torpim, com a convicção de não estarem a lesar o direito de outrem.
Embora os autores se tenham passado a comportar como donos dos prédios e como tal se considerassem, não basta este estado psicológico de convicção interior. É que os factos assentes apenas e tão somente nos permitem concluir que eles continuaram a explorar os prédios, agora na convicção de serem seus donos, mas sem sabermos a que título ou em que condições é que assumiram este estatuto ou estado psicológico. Sendo até ao momento arrendatários e deixando de o ser, teriam que ter feito a prova da inversão do título da posse em que se encontravam para que a situação de meros detentores ou possuidores precários se convertesse em verdadeira posse em nome próprio.
Essa inversão teria que passar neste caso pela oposição dos autores contra o senhorio, oposição essa que teria de se consubstanciar, como já referido, em actos inequivocamente reveladores de que se passaram a comportar como proprietários desses prédios e levados ao conhecimento daqueles a quem os actos se opunham ou por eles reconhecíveis.
A este propósito nada se provou e antes até está assente que os autores, em 1975/76, demonstraram vontade de adquirir estes prédios, tendo para o efeito encetado negociações com os 2º a 10º réus, filhos da senhoria. E mais, está ainda provado que os autores e o réu/reconvinte NNN procuraram negociar os prédios … em termos, condições e momentos que, em concreto, não foi possível apurar. Este réu só por escritura de 17 de Fevereiro de 2006 é que adquiriu estes dois prédios aos restantes co-réus. Logo, aquelas negociações entre os autores e este réu apenas a partir dessa data poderiam ter ocorrido. Este facto permite, pelo menos, concluir que alguma incerteza existia relativamente à titularidade do direito sobre os prédios.
De qualquer modo, não está provada a afirmação inequívoca de um direito próprio dos autores, diverso do exteriorizado enquanto simples detentores, e que a manifestação desse comportamento fosse exteriormente reconhecida ou reconhecível pelo então proprietário, ou seja, não está demonstrada a inversão do título da posse precária em que os autores estavam investidos, demonstração que a eles incumbia em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 342º C.civil.
E o que a factualidade assente permite indubitavelmente concluir é apenas que os prédios continuaram a ser usufruídos pelos autores/detentores após a extinção do arrendamento. Mas a não entrega da coisa no final do contrato não assume o significado de uma inversão do título de posse se não for acompanhada de uma clara oposição nos termos que se deixaram apontados, tal como expressamente afirmam Henrique Mesquita ob. e loc. citados e LLL Alberto Vieira in Direitos Reais, pág. 591 .
O título mediante o qual os autores começaram a possuir os prédios e se mantiveram nessa posse foi o contrato de arrendamento. Esse título, qualificativo da posse, confere-lhes a qualidade de possuidores em nome alheio, já que é pelo título que se afere da relação do possuidor com a coisa.
Faltando o título, é a própria lei que então, em caso de dúvida, presume que o possuidor possui em nome próprio, ou, usando os termos legais em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto –nº 2 do art. 1252º C.Civil.
Ora, não existindo, como não existia, no caso vertente, uma situação de dúvida quanto ao modo como se iniciou o poder de facto sobre a coisa, não funciona a aludida presunção.
Concluindo, o possuidor precário ou em nome de outrem não pode adquirir por usucapião sem inverter o título da posse, situação que espelha a realidade vertente.
2. Improcedendo o pedido principal, vejamos agora se devem proceder os pedidos reconvencionais formulados sob al. a) e b) da contestação/reconvenção, delimitado como se mostra o recurso à apreciação desses dois pedidos.
Os dois prédios em causa, inscritos na matriz rústica da freguesia de Vermiosa, sob os arts. 772º e 792º, encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o nº 569 e 571, respectivamente, em nome do recorrente CC. O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define -art. 7º C.R.Predial.
O registo definitivo constitui presunção juris tantum de que o direito existe e pertence à pessoa em cujo nome está inscrito.
É esta uma presunção legal que, nos termos do nº 2 do art. 350º C.Civil, pode ser ilidida por prova em contrário.
Quem beneficia da presunção derivada do registo não necessita de provar o direito registado. Já quem o impugna tem de fazer prova de que ele não existe, ou não existe tal como o registo o define.
No caso vertente, essa presunção não foi ilidida pelos recorridos, pelo que impera a presunção dele decorrente de que tal direito existe e existe na titularidade da pessoa em nome de quem está inscrito.
Daí que o pedido deduzido pelos autores tenha de improceder e proceder o pedido reconvencional vertido nas als. a) e b) da recovenção.
IV. Decisão
Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se, na procedência da revista, em revogar o acórdão recorrido e, consequentemente:
a- julgar improcedentes os pedidos deduzidos pelos autores, deles absolvendo os réus;
b- julgar parcialmente procedente a reconvenção,
- e reconhece-se ser o réu/reconvinte CC titular do direito de propriedade sobre os prédios inscritos na matriz rústica da freguesia de Vermiosa, sob os arts. 772º e 792º e descritos na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o nº 569 e 571, respectivamente;
- e condenam-se os autores/reconvindos a reconhecer esse direito de propriedade e a restituir os prédios à posse daquele réu/reconvinte, entregando-os livres de pessoas e coisas e abstendo-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou turbem o exercício, gozo e fruição desses prédios pelo réu/reconvinte;
c- condenar nas custas devidas nas instâncias recorrentes e recorridos, na proporção do respectivo vencimento e nas custas deste recurso os recorridos.
Lisboa, 25 de Junho de 2010
Alberto Sobrinho (Relator)
Maria dos Prazeres Beleza
Lopes do Rego