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CONTRATO-PROMESSA
DOAÇÃO
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
COMPRA E VENDA
ARRENDAMENTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
DESERÇÃO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
ABUSO DE DIREITO
Sumário
1. A interpretação de um contrato formal está sujeita às regras do artigo 238º do Código Civil. 2. Estando em causa um hipotético contrato-promessa de compra e venda, é necessário que do documento (e da demais prova disponível, com relevo para a sua interpretação), resulte que os contraentes se obrigaram a transmitir a propriedade mediante um preço. 3. Não é admissível a execução específica de um contrato-promessa de doação. 4. Não pode ser julgado deserto o recurso de apelação, por extemporaneidade das alegações apresentadas entre o 30º e o 40º dia, porque o recorrente que, efectivamente veio a impugnar a decisão de facto, não indicou que o pretendia fazer no requerimento de interposição de recurso. 5. Tendo as instâncias concluído que as partes quiseram celebrar um contrato de arrendamento, não impede essa qualificação a designação de contrato-promessa que consta do documento respectivo, se nele figurarem os elementos essenciais do contrato definitivo. 6. É aplicável à determinação da forma de um contrato de arrendamento para o exercício do comércio a lei vigente à data da sua celebração. 7. É abusivo invocar a nulidade por falta de forma de um contrato de arrendamento, feito por documento escrito e denominado pelas partes de contrato-promessa de arrendamento, quando o senhorio criou na parte contrária a confiança objectiva e justificada de que a não privaria do uso do local por não ter sido reduzido a escritura pública.
Texto Integral
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA e mulher, BB, e Posto de Abastecimento de Combustíveis CC, Lda. instauraram uma acção contra AA (que veio a falecer na pendência da causa, sendo habilitados DD, EE e marido, FF) e mulher, DD, e EE e marido, FF, pedindo:
(1º) – que fosse “proferida decisão que substitua a declaração negocial dos 1ªs RR contraentes faltosos, declarando-se transmitido a favor dos primeiros AA (…) o prédio urbano descrito sob o nº 00000 a fls. 67 vº do Lº B-65 (II), constante da ficha 000000 da freguesia da Maia, sido no lugar de ........, freguesia e concelho da Maia, a que foi anexado o prédio nº ....... consoante fls 23 do Lº 2102 e 2104, com usufruto simultâneo e sucessivo a favor de AA e mulher, DD, casados na comunhão geral; e dos 2ºs RR faltosos declarando-se que consentem na referida transmissão;
(2º) – que fosse “proferida decisão que substitua a declaração negocial dos 1ªs RR, contraentes faltosos, declarando-se que estes dão de arrendamento ao 2º Autor, Posto de Abastecimento de Combustíveis CC, Lda o prédio” acima identificado “e reproduzido graficamente na planta anexada ao contrato-promessa, com as cláusulas constantes” de documento junto com a petição inicial;
(3º) – que os primeiros réus fossem “condenados a pagar ao 1º Autor os danos patrimoniais sofridos com a inexecução” do “contrato e a liquidar”;
(4º) – que os primeiros réus fossem “condenados a pagar ao 2º Autor os danos patrimoniais sofridos com a inexecução deste contrato-promessa de arrendamento e a liquidar”;
(5º) – que os réus fossem “solidariamente condenados a pagar aos AA a quantia de 500,00 euros por dia desde a citação até à efectiva concretização ou outorga dos contratos de promessa ajuizados.”
Em síntese, alegaram ter celebrado com os primeiros réus, em 6 de Janeiro de 1994, um contrato-promessa de compra e venda (subsidiariamente, de doação) dos referidos prédios urbanos, onde se encontra instalado o Posto de Abastecimento, com reserva de usufruto até ao falecimento do último dos mesmos; ter sido acordado o pagamento de uma quantia anual “igual à que paga o restaurante” que, à data da propositura da acção, era de € 1.266,73, pela utilização dos terrenos; que os segundos réus, no termos do artigo 877º do Código Civil, aceitaram o conteúdo do contrato-promessa (EE é irmã do autor marido); que se fixou a celebração da escritura para 21 de Abril de 1998; que os autores pagaram 168.000.000$00 como contrapartida da aquisição da propriedade de raiz dos prédios; que ficou acordada a possibilidade de execução específica; que, não tendo sido possível outorgar a escritura na data marcada, os primeiros autores e os réus assinaram em 6 de Janeiro de 1999 um aditamento ao contrato-promessa, prorrogando o prazo para o efeito, cabendo a marcação correspondente aos primeiros réus e pagando os primeiros autores o que faltava pagar dos 168.000.000$00, 128.000.000$00; que em execução do contrato-promessa inicial os primeiros réus e o segundo autor celebraram o contrato-promessa de arrendamento dos prédios, com possibilidade de execução específica, sendo permitida ao segundo autor a ocupação do local; que já nada impede a celebração dos contratos definitivos; mas que os primeiros réus se recusam a cumprir o contratado; que sofreram avultados prejuízos, que descrevem.
Os réus contestaram, sustentando a ilegitimidade dos segundos réus, EE e marido, a ineptidão da petição inicial, por incompatibilidade entre os pedidos, e a improcedência da acção. Alegaram tratar-se, quanto à promessa de transmissão do direito de propriedade, de um contrato-promessa de doação (com reserva de usufruto e por conta da legítima) e não de compra e venda, portanto insusceptível de execução específica e, aliás, nula, por serem nulos os contratos-promessa de doação; não corresponder a nenhum pagamento a entrega, pelos autores, da quantia de 168.000.000$00, mas antes à parte que cabia aos réus num negócio celebrado com a REPSOL; não quererem os primeiros réus doar nada aos autores”por indignidade, por ingratidão”; corresponder a “contraprestação pela doação” à “reserva de usufruto, com arrendamento dos imóveis”.
Em reconvenção, pediram a declaração de nulidade do contrato-promessa de arrendamento celebrado entre os primeiros réus e a segunda autora, por não ter sido reduzido a escritura pública, a condenação na entrega dos “locais livres e devolutos” e o pagamento de uma indemnização correspondente ao valor locativo, enquanto a ocupação persistir, no montante de € 1.266,73 por mês.
Os autores replicaram.
No saneador, foram indeferidas as excepções dilatórias e julgada admissível a reconvenção.
Por sentença de fls. 461, foram julgados improcedentes os 1º, 3º, 4º e 5 º pedidos, sendo os réus absolvidos em conformidade. Quanto ao primeiro, por se referir a um contrato-promessa de doação, que não comporta execução específica; quanto aos outros, por se não ter provado que os primeiros réus estivessem em mora relativamente à redução a escritura pública do contrato de arrendamento.
Quanto ao 2º, decidiu-se “que, através do documento de fls. 36 e ss. dos autos e na data dele constante, as aí partes AA e mulher DD (por um lado) e Posto de Abastecimento ‘CC, Lda’ (por outro) celebraram um verdadeiro e efectivo contrato de arrendamento, subordinado às cláusulas dele constantes”, não procedendo a alegação de falta de forma porque, não obstante se tratar de um arrendamento para o exercício do comércio, o Decreto-Lei nº 64-A/2000, de 20 de Abril, deixou de exigir escritura pública para tais contratos.
Em consequência da procedência deste pedido, a sentença considerou prejudicada a apreciação da reconvenção.
2. Pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 629, foi negado provimento aos recursos interpostos por autores e réus, sendo confirmada a sentença.
No que toca ao arrendamento, a Relação divergiu da 1ª Instância ao considerar o contrato nulo por falta de forma, por ter sido celebrado em 21 de Abril de 1998, altura em que vigorava a exigência de escritura pública para a respectiva validade; mas não declarou a nulidade, por haver como abusiva a sua arguição.
Inconformados, recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça DD e outros, a fls. 655, e AA e outros, a fls. 658.
Os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram admitidos como revista, com efeito devolutivo.
3. Nas alegações que apresentaram, DD e outros formularam as seguintes conclusões:
“I - São extemporâneas as alegações para além do prazo normal de 30 dias, quando os Recorrentes não alegam, no requerimento de interposição de Recurso que pretendiam impugnar a matéria de facto com base na gravação do julgamento. II - Aliás extrai-se das alegações oferecidas, que não fazem qualquer referência nem reproduzem a "prova gravada" nem fazem referência às actas do julgamento, o que prova não terem em perfeita consciência impugnado a matéria de facto. III - Pelo que não poderia usufruir dos 10 dias suplementares para apresentação das Alegações. IV - O abuso de direito, tem de se estribar em factos alegados e provados e não em meras probabilidades ou conjecturas. V - Vê-se da Réplica, na Contestação à Reconvenção que nenhum facto foi alegado. VI - Muito menos nas Alegações do Recurso dos AA.. VII - Pelo que não poderia o Acórdão da Relação pronunciar-se sobre tal questão que, para alem de não ter sido invocada pelas partes, não continha matéria factual para aplicar tal Instituto Jurídico. VIII - Quando as disposições legais respeitantes à forma se destinavam a um fim de segurança ou certeza jurídica inconciliáveis com a eficácia da declaração não formalizada, é impossível usar a figura do Abuso de direito. IX - Não podem manter-se por via directa da boa fé os efeitos falhadamente procurados por acto nulo. X - Não comete abuso de direito, quando num contrato nulo por falta de forma o proprietário que, apesar de ter durante algum tempo recebido a remuneração correspondente exige dos detentores o reconhecimento do seu direito e a restituição do imóvel. XI - A simples constatação de que uma determinada situação perdurou longo tempo, não é suficiente para fundamentar uma decisão com base no Abuso de direito. XII - Mesmo quando tenha feito crer ao arrendatário de que iria proceder à realização de diligências necessárias à obtenção da licença de utilização necessárias à realização da escritura. XIII - Mas desistindo de o fazer e invocando a nulidade como defesa à acção dos AA., ocupantes, que desejam ficar proprietários do imóvel, invocando que uma promessa de doação fosse uma promessa de venda. XIV - Não é qualquer actuação que justifica o impedimento do exercício do direito de requerer a nulidade, porquanto as regras imperativas de forma, visam, por norma, fins de certeza e segurança do comércio em geral. XV - Finalmente, sendo a nulidade do conhecimento oficioso que poderia e deveria ter sido aplicada pelo Tribunal, mesmo sem alegação das partes, não é abuso de direito a parte invocar tal que sempre acabaria por ser decretado pelo próprio Tribunal.
Termos em que deve o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto ser revogado e substituído por outro, que julgue a Reconvenção totalmente procedente e condene os AA. a entregar os imóveis em causa, tudo por erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1029, 12 n° 2, 220, 236, 280, 286, 289, 334 e 364 n° 1 todos os C.C, e art°s 698, 690-A, 522-C todos do C.P.C., com o que se fará a esperada JUSTIÇA.”
AA e outros contra-alegaram, concluindo que:
“1. As alegações apresentadas pelos apelantes no prazo de 40 dias foram tempestivas. 2. Porquanto, antes de decorrido o prazo de 30 dias, estes requereram com a finalidade de recorrerem, a cópia das gravações da audiência. 3. Que lhe foi deferido por despacho transitado em julgado e de onde decorre a "autorização" do Tribunal recorrido para promover alegações de recurso com o objecto de alteração da resposta à matéria de facto; 4. E decorre a intenção dos apelantes de o pretenderem fazer. 5. E que de facto fizeram, porquanto, 6. Mostram as alegações e as conclusões de recurso – conclusões 1 a 17 – que o objecto de recurso versou sobre a impugnação da resposta à matéria de facto. 7. E, ainda, que tal pretensão foi sustentada – entre outros meios – pela transcrição e identificação dos depoimentos de testemunhas e de depoimentos de parte. 8. Pelo que este recurso "teve efectivamente por objecto a reapreciação da prova gravada". 9. Não foram impugnadas as transcrições dos diversos depoimentos transcritos. 10. Assim sendo, não merece o recurso dos RR recorrentes merecimento. 11. O contrato promessa de arrendamento ajuizado foi sujeito á verificação de um facto futuro e incerto e que foi a possibilidade de a edificação que constituía um único prédio, uma unidade predial, ser passível de divisão em duas novas unidades prediais. 12. Tarefa de que os RR recorrentes assumiram como sua e prometeram como conditio sine qua non. 13. Com a verificação dessa condição só em 29 de Maio de 2003, o contrato promessa tornou-se eficaz (art.s 270º e 276º do C. Civil). 14. Como a essa data vigorava o DL 64-A/2000, que determinava que "os contratos de arrendamento a celebrar após 1 de Maio de 2000 para serem formalmente válidos carecem tão só de forma escrita, 15. Deixou, à data da verificação do evento condicionante, 29 de Maio de 2003, de ser necessária a escritura pública para outorgar validade formal a tal contrato. 16. Motivo porque razão teve a Senhora Juíza da 1ª Instância ao decretar na sentença a aplicação do DL 64-A/2000. 17. Contrariamente ao decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Não obstante, 18. Tendo em atenção a actuação dos RR recorrentes, tal actuação deverá ser considerada como um venire contra factum proprium. Assim, 19. Porque a Ré reconvinte desde logo passou a ocupar com conhecimento dos AA a parcela de terreno a destacar, ficando ainda autorizada a executar as obras necessárias; 20. Porque estes nunca puseram em causa estes direitos que aceitaram até à data em que foi proposta esta acção 22.10.2004 (durante mais de 6 anos). 21. Porque sempre receberam as rendas pagas – como rendas – inclusive até no ano de 2007. 22. Porque foram os AA quem assumiu a obrigação de marcar a data para a realização da escritura de arrendamento, providenciando pelo citado destaque, ou divisão de unidade predial em 2 unidades distintas. 23. Porque prometeram que esta divisão predial teria de ocorrer em nove meses. 24. Porque durante todos estes anos os AA nunca questionaram a validade contrato. 25.Porque os AA nunca colocaram qualquer óbice a que a Ré recorrente se fidelizasse por 10 anos por contrato de revenda com a Repsol; 26. O que constituía fundamento, quer para esta Ré receber 250 mil contos, quer para os AA reconvintes exigirem o pagamento de 168 mil contos. 27. Finalmente, porque foram os AA reconvintes que solicitaram aos RR que a escritura definitiva de arrendamento não coincidisse com o recebimento por eles da contratada quantia de 168 mil contos, solicitando a sua prorrogação por mais nove meses com o argumento de que a separação dos dois prédios ainda não esteve concluída. 28. Solicitação que – até por se tratar dos pais dos AA singulares – era credível e de boa fé pois que, se não fosse credível, os RR não teriam pago a elevada verba de 168 mil contos. 29. "Todo este conjunto de comportamentos e atitudes por parte dos RR é reveladora de uma lamentável falta de lealdade". 30. E os RR não devem juridicamente ser favorecidos por este comportamento desleal, contrário ao princípio de boa fé consagrado no art.º 227 do Cód. Civil. 31. Sob pena de obterem a "injustiça clamorosa" a que se refere o Prof. Manuel Andrade. 32. Seria o triunfo de uma estratégia que passou por tudo prometer apenas com o objectivo de arrecadar sem qualquer contrapartida 168 mil contos, à custa de seu ingénuo filho (e que segundo os RR reconvintes deveria estar precavido contra a hipótese de os seus pais lhe mentirem para enriquecerem á custa dele). 33. Será uma violência jurídica revogar-se o acórdão recorrido (e com este fundamento). Termos em que deverá ser julgada improcedente a revista pedida. Como é de inteira e sã justiça.”
4. Igualmente alegaram AA e outros, concluindo como segue:
“1. Foi estipulado entre os lºs AA e os RR o contrato promessa de 6 de Janeiro de 1994 onde se prevê que os AA prometem doar aos 1ºs RR certa parcela de terreno (e não um estabelecimento comercial) e dar de arrendamento – uma vez que para si reservavam o usufruto – essa mesma parcela. 2. Mas, AA e RR estabeleceram a condição suspensiva constante da cláusula 6ª que fazia depender a transmissão de propriedade de raiz da entrega da 2ªprestação de 192 milhões de escudos em 21 de Abril. 3. Na base deste contrato esteve um outro em que a Repsol e os AA acordaram em 1994,um contrato promessa de revenda de combustíveis logo que cessasse idêntico contrato anteriormente celebrado com a Petrogal (hoje Galp) contrato este que teria o seu termo em 20 de Abril de 1998. 4. Até tal data, 20 de Abril de 1998, a 2ªAutora tinha o direito de explorar o Posto de Abastecimento de Combustíveis existente na parcela de terreno a que se refere a lª conclusão. 5. E a propriedade deste estabelecimento comercial adveio à 2ª Autora porquanto o primitivo contrato celebrado entre os lºs RR e a Petrogal e que vigoraria até 20 de Abril de 1998, foi cedido aos 1.ºs AA e por anuência da Petrogal e, posteriormente por estes à 2ª Autora, também com anuência da Petrogal. 6. Ora a Repsol para poder facultar aos AA a revenda dos seus produtos com exclusividade e obrigando estes a fazerem-no por 10 anos, estabeleceram diversos direitos e deveres inseridos em contrato escrito e constante dos autos. 7. Este contrato não foi subscrito por qualquer dos RR, porque dele não foram partes. 8. Como contrapartida deste contrato de revenda e de fidelização, a 2ª Autora recebeu em 2 prestações a quantia de 252 mil contos. 9. Como l5ª prestação recebeu 60 mil contos e como 2ª prestação 192 mil contos. 10. Todos os intervenientes nestes contratos sabiam que a Repsol, para efectuar este contrato e pagar tão valiosa quantia, exigia que o posto funcionasse durante dez anos vendendo com exclusividade seus produtos. 11. Sabendo disso, os lºs RR, conhecendo que apenas da sua vontade dependia este contrato de revenda, acordou com os lºs AA que lhe cederia a parcela de terreno onde funcionava o posto de combustíveis denominado Boa Hora, transferindo-lhe a propriedade de raiz e reservando para si o usufruto. 12. Obrigando-se, ainda, a transmitir o gozo do prédio aos lºs AA através de um contrato de arrendamento e celebrar futuramente e contra o pagamento de renda então já definida. 13. Como contrapartida de transmissão da propriedade de raiz, os 1ºs RR exigiram e os lºs AA aceitaram, através do estipulado na clausula 6ª do contrato promessa de 6 de Janeiro de 1994, que tal transferência só seria possível se e quando recebessem 128 mil contos (a distribuir na proporção de metade com os 2ºs RR). 14. Isto é, foi estipulado uma condição que suspenderia os efeitos da promessa de transmissão, se, como contrapartida o património dos 1.ºs RR não fosse inteirado dos referidos 128 mil contos (metade para eles e metade, por disposição dos lºs RR, para os 2ºs RR). 15. Resulta do exposto que a natureza jurídica do contrato de 6 de Janeiro de 1994, não constitui uma promessa de doação como as partes o classificaram, nem tal liberalidade resulta do aí estipulado. 16. Na verdade, da promessa desta transferência de propriedade de raiz de terreno certo não resultou uma diminuição do património do promitente doador, uma vez que à saída desse direito de propriedade correspondia a entrada de uma contrapartida em dinheiro: houve uma atribuição patrimonial com correspectivos. 17. Também deste contrato e da vontade das partes contraentes não resulta o espírito de liberalidade a que se refere o art.º 940 do Cód. Civil. 18. Já que, à desafectação patrimonial corresponde o enriquecimento patrimonial dos RR com o recebimento efectivo da valiosa quantia de 168 mil contos. 19. Nos autos, como resulta do contrato, não se revela a necessária magnanimidade, desinteresse económico, generosidade para se poder caracteriza-lo como sendo de doação. 20. Antes pelo contrário, foi elevado como conditio sine qua non, o prévio recebimento pelos AA dos referidos 128 mil contos, e caso se não verificasse este recebimento não haveria "doação". 21. Se as partes quisessem dar e receber gratuitamente, os AA não teriam de pagar 168 mil contos! 22. Ora, das cláusulas contratuais resultam expressamente os elementos e características fundamentais que caracterizam o contrato de compra e venda (art.º 874 do C. Civil): a transmissão da propriedade da coisa mediante um preço. 23. As partes quiseram transmitir. 24. As partes acordaram em valor certo e determinado para permitirem esta transmissão. 25. A contrapartida foi estabelecida para a "doação" da parcela de terreno; não foi estabelecida como contrapartida de arrendamento futuro. 26. Quem pagou o preço foram os lºs AA a quem foram emitidos os respectivos recibos de quitação. 27. As partes nem celebraram um contrato gratuito, não celebraram um contrato promessa de cessão de exploração ou contrato de sociedade. Do arrendamento: 28. À data do contrato promessa de 6 de Janeiro de 1994, o prédio urbano pertencente aos AA estava descrito sob a ficha n.º 838-Maia na Conservatória do Registo Predial da Maia e dessa descrição consta que lhe tinha sido anexado o n.º 28.970 a fls. 23 do L.º B-88. 29. Os prédios urbanos de que os lºs RR se declaram donos e legítimos proprietários é o referido 838 (n.º ........ e .......) clausula lª do acima referido contrato. 30. Os lºs AA apenas prometiam "doar" parte desse prédio, parte essa que caracterizam graficamente através da planta anexa; 31. E também prometiam arrendar essa parte ou parcela de terreno aos 2ºs AA. 32. Consoante resulta do "aditamento" de 21 de Abril de 1998, tornou-se impossível concluir o prometido em 4 de Janeiro de 1994, porque tal parcela de terreno ainda não tinha sido passível de destaque do prédio referido no art.º lº deste 2º contrato. 33. Assim sendo, o objecto do contrato promessa de arrendamento estabelecido por contrato de 21 de Abril de 1998, e no seguimento do acordado no aditamento da mesma data (clausula 3ª) ficou dependente da verificação da condição de tal parcela de terreno obter prévia inscrição na matriz e na conservatória do registo predial – isto é de obter o destaque do primitivo prédio definido na anterior conclusão 28ª. 34. Esta parcela permitida, à data de 4 de Janeiro de 1994 e à data de 21 de Abril de 1998 não possuía identidade própria matricial e tabular. 35. Mas tal destaque foi previsto como sendo possível obter em 9 meses (o "presume-se" consta da cláusula 3ª), o que constitui uma condição cujo evento é futuro e é incerto. 36. Na verdade, tal destaque não dependia de vontade dos 1ºs RR mas de autorizações administrativas, tabulares e outras. 37. Pelo que a aceitação deste destaque não dependia da vontade das partes mas, da entidade fiscal, da Conservatória e do Município. 38. E a caracterização do objecto do arrendamento, o prédio, foi elevada a condição necessária e futura para que o negócio prometido pudesse ser eficaz. 39. Esta condição de só se outorgar a escritura de arrendamento quando o prédio representado graficamente na planta obtivesse o respectivo destaque matricial e tabular, veio a ocorrer só em 29 de Maio de 2003. 40. Nessa data foi averbado, através da ap. 57 de 29 de Maio de 2003 que a parcela de terreno que excedia a prometida arrendar foi desanexada e passou a constituir um novo prédio: - n.º 1459 e com o art.º matricial 2103. 41. À parcela gráfica prometida arrendar, ficou a caber a ficha n.º 838 e as matrizes 2102 e 2104. 42. Assim a condição de que dependia a execução deste contrato promessa de arrendamento só se verificou na data do destaque: 29 de Maio de 2003. 43. Esta condição é uma condição suspensiva, uma vez que o evento (destaque) condicionante é futuro e objectivamente incerto. 44. Não é um pressuposto, nem um termo, nem uma condição "imprópria". 45. É, ainda, uma condição suspensiva porque do evento condicionante se fez depender a eficácia do negócio. 46. Se o evento condicionante não tivesse ocorrido, nem pudesse jamais ocorrer, o contrato promessa ajuizado seria nulo e de nenhum efeito. 47. A incerteza criada pela condição desapareceu com o destaque em 29 de Maio de 2003. Assim sendo, 48. O contrato de arrendamento prometido e condicionado pelo destaque só se tornou eficaz com a realização do evento. 49. À data da realização deste evento, 29 de Maio de 2003, vigorava o decreto-lei n.º 64-A/2000 de 22 de Abril, que, segundo o seu art.º 39, entrou em vigor em 1 de Maio de 2000. 50. Nos termos deste decreto-lei em vigor à data da verificação do evento condicionante, n.º 2 do seu art.º 79, os contratos de arrendamento para serem formalmente válidos apenas carecerem de forma escrita. Pelo que, 51. Em 29 de Maio de 2003, data do evento condicionante, é suficiente o documento de arrendamento escrito. 52. Tendo, ainda em atenção, que nos termos do art.º 276 do C. Civil, os efeitos do preenchimento da condição se retrotraem à data da conclusão do negócio. 53. A decisão da Senhora Juíza da 1ª Instância, de que ao caso se aplica o DL 64-A/2000 é, no nosso entender a que se aplica ao caso ajuizado e de harmonia com o disposto, também, nos art.ºs 270 a 279 do Cód. Civil. 54. E, com a devida vénia, consideramos violadora dos acima citados preceitos legais, o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.”
5. A matéria de facto que vem definitivamente provada é a seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):
“1) Em 06 de Janeiro de 1994, AA e mulher DD, AA e mulher BB, e ainda EE e marido FF, declararam ajustar entre si, por escrito, o seguinte acordo: "1º - Os 1.ºs Contraentes são donos e legítimos proprietários dos prédios urbanos onde está instalado o posto de abastecimento de combustíveis da CC L.DA, prédios sitos no Lugar de ........., freguesia e concelho da Maia, descritos na Conservatória do Registo Predial no Livro B-65, a fls. 67 Vº, sob o n° 1981 e B-88, afls. 23 sob o n° ....... e inscrito na respectiva matriz sob os artigos 622 e 623, melhor caracterizados através da planta que se anexa e que integra o presente contrato. 2º - Nesta referida qualidade de donos e legítimos proprietários, os 1.ºs contraentes, prometem doar com reserva do usufruto e por conta da legítima aos 2.ºs e estes aceitam os prédios urbanos anteriormente especificados. 3º - Os 2ºs Contraentes obrigam-se a dar servidão de passagem a pessoas, coisas e veículos a favor do restaurante confinante com o posto de abastecimento. 4º - Os 2ºs Contraentes prometem aos 1º Contraentes, e estes aceitam como condição essencial deste contrato que pela utilização dos terrenos definidos no art. 1 ° e enquanto permanecer o usufruto, mensalmente seja paga quantia igual à que pagar o restaurante, anualmente actualizável de harmonia com a Lei do Arrendamento Urbano, até ao falecimento do último dos cônjuges. Pela morte de qualquer dos cônjuges, o sobrevivo receberá só metade desta renda. 5º- Os 1º Contraentes nesta data encontram-se a negociar um Contrato de Revendedor com REPSOL PORTUGAL – Petróleos e Derivados, Lda, de onde decorrerá o direito a estes receberem com a assinatura do contrato 60 milhões de escudos e no dia 21 de Abril de 1998, 192 milhões de escudos. As verbas referidas serão divididas em três partes, ficando 1/3 paraos 1º Contraentes, 1/3 para os 2º Contraentes e o restante será entregue à 3ª Contraente. 6° - A escritura definitiva só será outorgada quanto a REPSOL entregar a segunda prestação de 192 milhões de escudos em 21 de Abril de 1998, para ser dividida nos termos do art.° anterior. Sendo nessa altura subscrito também o contrato de arrendamento a que se refere o anterior art. 4º. 7º - Todos os outorgantes aceitam o conteúdo do presente contrato. 8º - Este contrato encontra-se sujeito à execução específica nos termos do art 830° do Código Civil em caso de inadimplemento culposo de qualquer dos Contraentes." (Alínea A) dos Factos Assentes) 2) Em 21 de Abril de 1998, os mesmos outorgantes mais convencionaram: "ADITAMENTO AO CONTRATO PROMESSA – outorgado aos 06 de Janeiro de 1994 entre AA e esposa e AA e esposa com a participação de EE e marido: 1º- No contrato promessa acima definido ficou caracterizado que os 1º contraentes prometiam doar aos 2º contraentes os prédios melhor caracterizados através da planta então anexa, sito no Lugar de ......., freguesia, e concelho, da Maia, e onde está instalado o posto de abastecimento de combustíveis da "CC LDA ". 2º- Ficou ainda definido que no dia 21/04/98 seria outorgada a escritura definitiva, quer da doação aí prometida, quer do contrato de arrendamento. 3° - Não é possível efectuar essas escrituras nesta data, sem que previamente os prédios sejam objecto de inscrição na matriz e na Conservatória do Registo Predial, actos esses que se não presumem demorar menos de nove meses. 4º- Entretanto, por causa do referido contrato de 06/01/94, os 1º outorgantes e os então 3º outorgantes iriam receber, com escrituras definitivas, casa parte, 64.000.000S00. 5º -Acordam todos os contraentes em prorrogar o prazo para a outorga das respectivas escrituras por mais nove meses, sendo encargo dos 1 ° contraentes avisar os restantes do dia, hora e cartório notarial onde se outorgará a escritura. 6° - Os 1º e 3º contraentes declaram ter recebido o valor de 64.00.000$00 cada, declarando ainda e expressamente nada mais terem a receber em resultado do contrato promessa aditado pelo que aqui prestam quitação para todos os legais efeitos. 7º - Todos as demais cláusulas de contrato aditado permanecem em vigor." (Alínea B). 3) Em 21 de Abril de 1998, AA e mulher DD, e Posto de Abastecimento "CC LDA" com sede na Estrada ............, Via Norte, na Maia, representada pelo seu sócio-gerente com poderes para o acto AA, declararam ajustar entre si, por escrito, o seguinte acordo: OBJECTO CONTRATUAL 1º- Consoante contrato promessa outorgado em 06/01/94 entre os 1° contraentes, AA e mulher, e EE e marido, FF foi estipulado que em 21/04/98 seria outorgado contrato de arrendamento urbano relativo aos prédios urbanos onde está instalado a 2ª contraente, prédios sitos no Lugar de .............., freguesia e concelho da Maia e que foram caracterizados nesse contrato através da planta anexada e que tem a configuração constante da planta 1 completada em pormenor pela planta 2, área azul 2º- Os prédios objecto deste contrato de arrendamento tem actualmente o art. matricial 699 da respectiva matriz predial, do lado nascente estando omisso o terreno e edificação do lado poente. 3º - Porque se torna necessário fazer um destacamento nesses referidos prédios de forma a delimitar a área prometida arrendar, entenderam as partes contraentes verter neste contrato as cláusulas que, oportunamente serão vertidas em escritura pública, aquando da respectiva outorga. CLÁUSULAS 1º - Os 1º contraentes prometem dar de arrendamento à 2ª contraente a área dos prédios acima melhor identificados, pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos e a 2ª outorgante por sua vez promete tomar de arrendamento. 2º - A renda de 210.870$00 mensais será paga no 1º dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito em conta bancária do senhoria a indicar. 3º- O arrendado destina-se a posto de abastecimento de combustíveis e demais actividades agregadas, nomeadamente lavagens de veículos, mudanças e consertos de pneus, lubrificações e correspondentes reparações mecânicas. 4º - O arrendatário fica autorizado a efectuar todas as obras indispensáveis à execução do arrendamento, nomeadamente substituição de tanques, bombas de gasolina, adaptação às máquinas de lavagem, etc. 5º- É expressamente vedado à locatária sublocar o arrendado no todo ou em parte sem consentimento por escrito do senhorio. 6º - Todas e quaisquer obras e benfeitorias, para além das indicadas, que a arrendatária fizer, terão de merecer prévia autorização do senhorio e considerar-se-ão integradas no prédio sem direito a qualquer indemnização pelo seu não levantamento. 7º - Fica ressalvado que os candeeiros pertencem ao posto de abastecimento embora em terreno do restaurante, sendo permitido o acesso aos candeeiros sempre que necessário. 8º- A escritura de arrendamento será efectuada logo que os documentos indispensáveis à outorga das escrituras estejam disponíveis, devendo para tanto o 1º contraente avisar o 2º da data, hora e cartório notarial onde será outorgada, escritura que não ultrapassará os 9 meses. 9º - Entretanto, o 2º contraente ocupa desde já o local arrendado com todos os direitos e consequentes deveres do contrato de arrendamento aqui formulado. 10° - É expressamente permitido ao contraente não faltoso exigir a execução deste contrato promessa, em caso de inadimplemento." (Alínea C). 4) O prédio descrito na Ia Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o n° 838, encontra-se inscrito a favor de DD, casada com AA, mediante a inscrição G-l (Alínea D). 5) O prédio descrito na Ia Conservatória do Registo Predial da Maia, sob o n° 1459, encontra-se inscrito a favor de ,EE casada com FF, mediante a inscrição G-l, onerando o respectivo prédio a inscrição F-l respeitante ao usufruto simultâneo e sucessivo a favor de AA e mulher, DD (Alínea E). 6) Em 14 de Janeiro de 1994, AA declarou, por escrito, que 'Eu, abaixo assinado, AA, residente na Rua de .........., 136, Maia, declaro que, para cumprimento do contrato promessa outorgado em 6-1-94, de acordo com a sua alínea 5º, recebi do meu filho AA um cheque no valor nominal de 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos). Mais declaro que recebi outro cheque de igual montante de 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos) que se destina à minha filha, EE. " (Alínea F). 7) Por carta datada de 15 de Abril de 1998, o primeiro Réu expediu para o Autor marido com Aviso de Recepção carta com o teor de fls. 31 cujos dizeres dou aqui por integralmente reproduzidos (Alínea G). 8) Teor do contrato de fls. 25 a 27 dos autos (Itens 1º, 2º, 4º e 5º da Base Instrutória). 9) As quantias monetárias aludidas nos Itens 1º e 2º foram recebidas pelos respectivos destinatários em 14 de Janeiro de 1994 (Item 3º). 10) A não celebração da escritura definitiva do contrato a que se refere a promessa junta a fls. 36 e ss. impediu a realização de algumas obras no "Posto de Abastecimento de Combustíveis CC, L.da" (Item 6º). 11) A não realização de tais obras resulta num prejuízo mensal de valor concreto não apurado (Item 7º). 12) O dito posto de abastecimento tem de requerer aos serviços municipalizados o fornecimento de água (Item 8º). 13) Precisa de edificar quartos de banho e saneamento (Item 9º). 14) Os Autores também carecem da outorga das duas escrituras definitivas pois estas são condição indispensável para a renovação do contrato de revendedor com a Repsol S.A. (Item 10°). 15) A "Repsol", em Janeiro de 2004, celebrou directamente com a Autora "Posto de Abastecimento de Combustíveis CC, L.da" um contrato de revendedor com fidelização por – pelo menos – 10 anos (Item 11°). 16) Como contrapartida da celebração de tal contrato, esta Autora Posto de Abastecimento de Combustíveis CC, L.da" recebeu directamente um pagamento de pelo menos Esc. 250.000.000$00 (Item 12°). 17) Para que fosse possível este negócio e o referido pagamento, era importante que esta sociedade Autora exibisse contrato de arrendamento ou registo de propriedade dos prédios a seu favor (Item 13°). 18) Dado que os prédios onde se situa o posto de abastecimento não estavam autonomizados como artigos na matriz e no registo, a "Repsol" aceitou celebrar o dito contrato com a sociedade Autora mediante a exibição dos contratos-promessa juntos a fls. 25 e ss. e 36 e ss. (Item 14°). 19) A falta de celebração das escrituras definitivas tem causado aos AA. AA e mulher angústia e amargura (Item 15°). 20) Os Autores AA e mulher e os Réus AA e mulher e EE e marido aceitaram dividir a quantia de Esc. 252.000.000$00 em dinheiro recebida da "Repsol", correspondente à contrapartida de substituição do posto da "Galp" pelo posto da "Repsol",em igual proporção entre si (1/3 para cada casal), limitando-se os Autores a ser portadores e distribuidores daquela quantia (Itens 16°, 17° e 18°). 21) Até 6 de Janeiro de 1994 os primeiros Réus só tinham feito doações aos seus filhos (Item 19°). 22) Em 6 de Janeiro de 1994, os Réus escreveram aos Autores a carta juntas a fls. 31 dos autos (Item 20°). 23) Os Autores nunca pediram directamente aos Réus que estes lhes deixassem fazer obras no posto de combustíveis, tendo-o apenas feito por interpostas pessoas (Item 22°). 24) Depois de 6 de Janeiro de 1994 os Autores deixaram de visitar os primeiros Réus, vivendo aqueles a menos de 30 metros, mesmo nas datas festivas com o Natal e Páscoa (com o esclarecimento de que os 1º Réus passaram a ter idêntico procedimento para com os AA.) (Item 23°). 25) Passavam por eles na rua e não os cumprimentavam, mesmo no círculo de amigos e familiares (com o esclarecimento de que os Io Réus passaram a ter idêntico procedimento para com os AA.) (Item 24°). 26) O primeiro Réu marido, pessoa muito doente já foi sujeito às seguintes cirurgias depois do contrato de 1994: 3 by pass e substituição de válvulas cardíacas, 3 cirurgias oftalmológicas, amputação de um dedo do pé direito, by pass arterial desse membro, amputação dos dedos desse pé, amputação desse membro abaixo do joelho, internamento durante um mês, por insuficiência renal no Hospital de Santo António (Item 25°). 27) Em todas essas situações em que a sua vida correu perigo e corre, nunca teve uma visita do filho quer no hospital quer no seu domicílio (Item 26°). 28) Os Autores fizeram as bodas de prata de casamento e não convidaram os primeiros Réus (com o esclarecimento de que os 1º Réus passaram a ter idêntico procedimento com os AA. em situações da mesma natureza) (Item 29°). 29) Casaram um dos filhos, neto dos primeiros Réus, e não os convidaram para o casamento (com o esclarecimento de que os 1º Réus passaram a ter idêntico procedimento com os AA. em situações da mesma natureza) (Item 30°). 30) Baptizaram uma neta, primeira bisneta dos primeiros Réus, não os convidaram para o baptizado e foram festas com inúmeros convidados (com o esclarecimento de que os 1º Réus passaram a ter idêntico procedimento com os AA. em situações da mesma natureza) (Item 30º).”
6. Cumpre conhecer dos recursos, começando pelo que foi interposto pelos autores, que levantam as seguintes questões:
– natureza do contrato-promessa de transmissão do direito de propriedade sobre os prédios dos autos;
– aplicação, ao contrato de arrendamento, do regime previsto no Decreto-Lei nº 64-A/2000. Este ponto, no entanto, será analisado a propósito do recurso dos réus.
7. Contrariamente ao que sustentam os recorrentes, os factos provados nos autos não permitem concluir, no que à promessa de transmissão da propriedade se refere, que o contrato-promessa celebrado em 6 de Janeiro de 1994 se possa qualificar como contrato-promessa de compra e venda.
Tal qualificação só poderia proceder se do documento correspondente (e da demais prova disponível, com relevo para a sua interpretação), resultasse que os contraentes se obrigavam a transmitir a propriedade do terreno mediante um preço, assim se reunindo os elementos essenciais típicos do contrato-promessa e do contrato de compra e venda, encontrados a partir da conjugação dos artigos 410º, nº 1 e 874º do Código Civil.
Os recorrentes alegam, simultaneamente, que foi convencionada uma condição suspensiva “da transmissão da propriedade de raiz”, consistente “na entrega da 2ª prestação de 192 milhões de escudos”, e que esse dinheiro correspondia a parte da contrapartida que a segunda autora recebeu num contrato de revenda e de fidelização celebrado com a REPSOL.
Significa esta alegação que os primeiros autores (que são os promitentes-adquirentes, não o Posto de Estabelecimento) sustentam que o pagamento dessa quantia, configurado embora como condição suspensiva para a celebração do contrato definitivo, na realidade correspondia ao preço (a parte do preço) pago pela aquisição do terreno.
Esta alegação, todavia, não tem qualquer correspondência, nem com o texto do contrato-promessa de 6 de Novembro de 1994 – o que, desde logo, inviabiliza que possa ser atendida, já que se trata de um contrato formal, quer se qualifique como promessa de doação, quer se entenda conter uma promessa de compra e venda (cfr. nº 2 do artigo 238º e nº 2 do artigo 410º do Código Civil), nem com os outros factos provados, relevantes para a interpretação daquele texto.
Assim, e sem ultrapassar os poderes de cognição deste Supremo Tribunal, restritos à matéria de direito e, portanto, no domínio da interpretação de declarações negociais, ao controlo do respeito pelos critérios legais definidos pelos artigos 236º e segs. do Código Civil (cfr., apenas a título de exemplo, o (acórdão de 23 de Setembro de 2008, disponível em www.dgsi.pt com o nº 08B3923), verifica-se que:
– No texto do contrato de 6 de Janeiro de 1996, as partes afirmam expressamente tratar-se de promessa de doação; e estabelecem um regime que nenhum sentido faria se de uma promessa de venda se tratasse: “os 1ºs contraentes prometem doar (…) e por conta da legítima aos 2ºs e estes aceitam (…) – cl. 2ª;
– Nas suas cláusulas 5ª e 6ª esclarece-se expressamente também qual é a origem da quantia que os recorrentes apresentam como contrapartida da futura transmissão do direito de propriedade, origem essa que ficou provada (cfr. factos nºs 15, 16, 20): é a contrapartida pelo “contrato de revendedor com fidelização” paga pela REPSOL, que por acordo seria dividida por três, cabendo aos autores a sua entrega aos réus porque eram – apenas – “portadores e distribuidores daquela quantia”,
– No aditamento acordado em 21 de Abril de 1998, de fls. 33, a que se refere o ponto 2 da matéria de facto, reafirma-se que o contrato-promessa de 6 de Janeiro de 1994 é uma promessa de doação; é evidente que a quitação constante da respectiva cláusula 6ª tem de ser interpretada no conjunto dos dois textos.
Tratando-se portanto de um contrato-promessa de doação, improcede a pretendida execução específica, por incompatibilidade com “a natureza da obrigação assumida” (nº 1 do artigo 830º do Código Civil).
Com efeito, e sem maiores desenvolvimentos, porque desnecessários, a circunstância de corresponder ao cumprimento de uma obrigação contratualmente assumida, em virtude do contrato-promessa de doação, não retira a natureza de liberalidade à doação que vier a ser efectuada (Antunes Varela, Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 16 de Julho de 1981, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116º, pág. 12 e segs.); tanto basta para que se deva entender excluída a possibilidade de execução específica. O que não significa a irrelevância do incumprimento do contrato-promessa, antes o relega para o regime geral da indemnização por danos sofridos por incumprimento contratual. Neste sentido, com o devido desenvolvimento, cfr., por todos, o acórdão de 21 de Novembro de 2006 (www.dgsi.pt, proc. nº 06A3608).
8. Quanto aos réus, colocaram as seguintes questões:
– Extemporaneidade das alegações apresentadas pelos autores no recurso de apelação;
– Inexistência de abuso de direito, aliás não suportado nos factos provados e não alegado.
9. Tal como se decidiu no acórdão recorrido, não tem nenhum fundamento a afirmação de extemporaneidade na apresentação das alegações dos autores, no recurso de apelação, por não terem indicado, no requerimento de interposição de recurso, que pretendiam impugnar a matéria de facto.
Como se sabe, consta do nº 10 do artigo 698º do Código de Processo Civil (entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 303/2007) que, se a apelação “tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores”, entre os quais figura o prazo de 30 dias para apresentar alegações (nº 2), a contar da notificação do despacho que admitiu o recurso. E sabe-se ainda que este acréscimo foi introduzido pelo Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, então no artigo 705º do Código, com a justificação do encargo imposto ao recorrente de transcrever a prova que considerasse relevante para a apreciação do recurso (nº 2 do artigo 690º-A, na redacção do Decreto-Lei nº 39/95).
A eliminação desse encargo pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, não foi acompanhada da supressão do referido acréscimo, que aliás se mantém no regime introduzido pelo Decreto-Lei nº 303/2007 (com as alterações decorrentes de se ter de incluir a alegação no requerimento de interposição de recurso, naturalmente), no nº 7 do artigo 685º.
Sucede que em nenhum momento foi imposto ao recorrente o ónus de, ao recorrer, anunciar a sua intenção de impugnar a matéria de facto (cfr. nº 1 do artigo 685º). Não teria, pois, qualquer base legal pretender julgar deserto o recurso de apelação (nº 3 do artigo 690º), por extemporaneidade das alegações apresentadas entre o 30º e o 40º dia, porque o recorrente que, efectivamente veio a impugnar a decisão de facto, não indicou, no requerimento de interposição de recurso, que o pretendia fazer (neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Abril de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 09A680).
Mas os recorrentes afirmam ainda que os autores “em perfeita consciência” não impugnaram a matéria de facto. Essa observação, no entanto, não corresponde ao conteúdo das alegações em causa; nem tão pouco à interpretação que delas fez a Relação, que julgou a impugnação de facto deduzida pelos autores.
10. Os recorrentes afirmam ainda que o acórdão recorrido errou ao paralisar a invocação de nulidade do contrato de arrendamento que as instâncias deram como celebrado, tida como abusiva, quer por ausência de suporte factual, quer por se tratar de nulidade por falta de forma, quer, finalmente, por não se poder encontrar na sua actuação os elementos definidores do abuso de direito.
Cumpre quanto a este ponto recordar que os autores vieram a juízo requerer a execução específica do contrato-promessa de arrendamento, a favor do autor Posto de Abastecimento, com base no contrato-promessa de 6 de Janeiro de 1996 e no aditamento de 21 de Abril de 1998, de fls.36; que os réus se defenderam invocando nulidade do contrato-promessa, por falta de forma, pois deveria ter sido celebrado por escritura pública, invocando a al. b) do nº 1 do artigo 7º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 329-B/90, de 15 de Outubro, e o artigo 220º do Código Civil. E que, em consequência, pediram a condenação dos autores na restituição dos prédios.
Os autores, na réplica, invocaram o artigo 410º do Código Civil para afastar a nulidade por falta de forma.
No entanto, como se viu, a sentença considerou que o documento de fls. 336, intitulado “contrato promessa de arrendamento” e celebrado entre AA e mulher, DD, e Posto de Abastecimento CC, Lda, “representada pelo seu sócio gerente com poderes para o acto AA”, corresponde a um contrato (definitivo) de arrendamento, entendimento que veio a ser confirmado pela Relação, e que se reitera.
Com efeito, e para além de as instâncias terem concluído ser esse “o propósito das partes” (sentença, fls. 19), o referido contrato de fls. 36 revela os elementos essenciais de um contrato de arrendamento, por dele constar que os primeiros contraentes se obrigam a proporcionar aos segundos “o gozo temporário de uma coisa [imóvel], mediante retribuição” (artigos 1022º e 1023º do Código Civil):
– a coisa está suficientemente identificada e delimitada (cr. “objecto contratual”);
– o prazo está definido (cl. 1ª);
– a retribuição também (cl. 2ª);
– a finalidade do arrendamento consta da cl. 3ª;
– o direito a ocupar imediatamente o local arrendado, “com todos os direitos e consequentes deveres do contrato de arrendamento aqui aformalado” figura na cl. 9ª.
Mais ainda se esclarece nesse contrato a razão pela qual se não fez desde logo a respectiva escritura pública: “porque se torna necessário fazer um destacamento nesses referidos prédios de forma a delimitar a área prometida arrendar, entenderam as partes contraentes verter neste contrato as cláusulas que oportunamente serão vertidas em escritura pública, aquando da respectiva outorga”, estipulando-se expressamente a possibilidade de execução específica.
11. É no entanto exacto que, à data deste contrato – 21 de Abril de 1998 –, vigorava para os contratos de arrendamento com a finalidade prosseguida por este a exigência de que fossem celebrados por escritura pública (al. b) do nº 2 do artigo 7º da versão inicial do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 329-B/90, de 15 de Outubro, e que é esse o regime aplicável ao contrato dos autos, por estar em causa um requisito de validade do contrato (artigo 220º do Código Civil).
Não procede, neste ponto, a alegação dos autores, de que só em 2003 ocorreu o facto de que dependia a possibilidade de celebração do contrato de arrendamento por escritura pública. Ainda que a sua construção fosse inteiramente correcta, não teria sido nessa altura que o contrato teria sido celebrado; e a eficácia de um contrato pressupõe a sua validade.
Entende-se, todavia, serem procedentes os motivos que levaram o acórdão recorrido a considerar abusiva a arguição da nulidade, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil, como resulta da matéria de facto provada:
– O contrato data de 1998; a presente acção foi instaurada em 22 de Outubro de 2004 e a nulidade – referida aliás ao contrato-promessa – foi invocada na contestação;
– O Posto de Estabelecimento foi autorizado a ocupar o local, “com todos os direitos e consequentes deveres do contrato de arrendamento aqui formulado”;
– Essa ocupação manteve-se, como claramente resulta de os réus pedirem a condenação na entrega respectiva, em reconvenção, invocando como fundamento a nulidade por falta de forma;
– Tendo em conta que, na contestação, se sustentou a ilegitimidade dos réus EE e marido, verifica-se que a nulidade do contrato é invocada pelos contraentes que tinham ficado contratualmente vinculados a promover a celebração da escritura pública;
– Como a Relação salienta, estes mesmos réus fizeram depender da celebração do arrendamento definitivo, no contrato de 6 de Janeiro de 1994 (cl. 6ª), o pagamento de parte da contrapartida que a REPSOL tinha pago no âmbito de um contrato de revendedor com fidelização previsto para durar, pelo menos, dez anos, e receberam tal contrapartida.
Como se escreveu já no acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Setembro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 09B659), «para ocorrer abuso de direito é imperioso que o modo concreto do seu exercício, objectivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil)».
A lei portuguesa adoptou, portanto, um conceito objectivo de abuso de direito, não exigindo consciência ou intenção por parte do agente: a sua actuação concreta, avaliada em função dos critérios ali definidos, há-de ultrapassar os limites deles decorrentes.
Uma das formas possíveis de exercício abusivo de um direito traduz-se, justamente, no seu exercício em contradição ostensiva com a confiança objectiva e justificadamente criada na contraparte de que o não exerceria, assim quebrando o dever de actuar de boa fé nas relações contratuais (cfr., neste sentido e para situação semelhante à dos autos, o acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2009, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 09A0537).
Tem-se como certo, à luz da prova feita e, em especial, do apanhado acabado de fazer, que era objectivamente justificada a confiança dos autores em que não seriam privados do uso do local por não ter sido reduzido a escritura pública o contrato que celebraram. Tenha-se especialmente em conta que, se fosse havido como contrato-promessa, não sofreria de vício formal, por ter respeitado a forma exigida para o efeito; não poderia portanto proceder o pedido de restituição com base em falta de forma do contrato-promessa, invocado pelos réus na contestação, mesmo que improcedesse o pedido de execução específica por se vir a entender que a falta de interpelação dos primeiros réus para cumprir a impedia.
Seria assim – objectivamente – abusivo permitir aos réus invocar a nulidade do contrato de arrendamento; e naturalmente que, em tais circunstâncias, o tribunal a não pode declarar, apesar de se tratar de vício de conhecimento oficioso (artigo 286º do Código Civil).
12. Os réus contrapõem ao acórdão recorrido:
– Que não foram, nem alegados, nem provados, factos que suportem esta conclusão; a Relação não poderia ter conhecido de tal questão.
Improcede esta objecção. Do ponto anterior resulta que há prova de factos suficientes, que de forma alguma se resumem ao mero decurso do tempo; e sabe-se que o abuso de direito é de conhecimento oficioso, não carecendo de ser invocado pelas partes;
– Que, tratando-se de vício de forma, não pode ultrapassar-se a falta com recurso às regras de abuso de direito.
Esta afirmação é excessiva. Costumam apontar-se fundamentalmente três ordens de razões justificativas do abandono do princípio da liberdade da forma (artigo 219º do Código Civil) e da exigência de maior ou menor formalismo como condição de validade de uma declaração negocial (reconhecidamente sintetizadas de forma elucidativa no conhecido relatório do Decreto-Lei nº 32.032, de 25 de Maio de 1942): assegurar uma correcta ponderação dos outorgantes quanto aos efeitos que do negócio resultam para a sua esfera jurídica; permitir aos interessados, sobretudo se a forma se reveste de publicidade (documento autêntico, por exemplo), tomar conhecimento dos efeitos que de algum modo os possam afectar; provar o acto realizado, já que há regras estritas quanto à possibilidade de prova de um acto solene (cfr. nºs 1 e 2 do artigo 364º do Código Civil).
Tais razões obrigam a ponderar devidamente as circunstâncias em que uma infracção patente das regras da boa fé permite deixá-las para segundo plano, fazendo valer um negócio jurídico celebrado em contradição com norma que imperativamente exigia a adopção de determinada forma; mas não impedem absolutamente que isso venha a suceder.
Acresce, no caso, que a alteração que o Decreto-Lei nº 64-A/2000 veio introduzir nas exigências de forma revela que, no caso, se podem ter por preenchidas as razões de ponderação e de prova que o formalismo pretende prosseguir e que a publicidade eventualmente alcançada pela redução a escritura pública não é um valor com força suficiente para impedir a prevalência das regras da boa fé.
13. Nestes termos, nega-se provimento aos recursos, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, relativamente ao recurso que interpuseram.
Lisboa, 01 de Julho de 2010
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes