Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
REVOGAÇÃO DO CONTRATO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
MANDATO
MANDATO PARA “DETERMINADO ASSUNTO”
REVOGAÇÃO SEM “ANTECEDÊNCIA CONVENIENTE”
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Sumário
I. O contrato oneroso e sem limitação temporal, celebrado para a realização de duas rubricas, devidamente intituladas, a serem publicadas num jornal, integra um contrato de prestação de serviço inominado, que tem por objecto o resultado de um determinado trabalho intelectual, segundo a previsão do art. 1154º do Código Civil. II. Aos contratos de prestação de serviço que a lei não regula especialmente são extensíveis, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o contrato de mandato. III. Nomeadamente, no que à revogação unilateral do contrato concerne é aplicável o art. 1172º do Código Civil, que prevê o direito a indemnização da outra parte, preenchidos que estejam algum ou alguns dos seus pressupostos. IV. Segundo a previsão da alínea c) do art. 1172º, basta o preenchimento de um dos seus requisitos para que contraente que revogue unilateralmente um contrato de prestação de serviço tenha a obrigação de indemnizar o contratado. V. A revogação de um contrato de prestação de serviço inominado, oneroso e sem limitação temporal, por parte do contraente, pelo qual se contrata alguém para realizar duas rubricas, devidamente intituladas, para determinado jornal, consistindo tais rubricas na elaboração de páginas com texto e imagens sobre beleza, cosmética e consumo, a primeira a publicar com a disponibilidade de espaço na revista e a segunda semanalmente, cabe na previsão da alínea c) do art. 1172º do Código Civil, por caber no seu segmento “determinado assunto”. VI. Com efeito, o conteúdo de um contrato com as características acabadas de enunciar, embora deixando à contratada liberdade e criatividade para a respectiva elaboração, apresenta balizas bem definidas, pré-determinadas pelos títulos e pelas matérias a tratar nas duas rubricas nele contempladas, sendo o que podemos classificar, de “determinado assunto”. VII. Quanto ao segmento “antecedência conveniente”, também previsto na alínea c) do art. 1172º, afigura-se-nos justa a comunicação da revogação do contrato em apreço com uma antecedência de 60 dias, que é um período de tempo razoável para o contratado poder reorganizar a sua vida. VIII. No que à referida alínea c) do art. 1172º concerne, a sua ratio é a tutela da confiança, já que nela se tutela o direito do contratado à retribuição do contrato, pois que um dos pressupostos da responsabilidade do contraente-revogante é que o contrato seja retribuído. IX. Nessa medida, com a revogação do contrato, ocorre prejuízo para o contratado, que se traduz na perda de retribuição a que tinha direito, devendo a indemnização colocá-lo na situação patrimonial que teria se o contrato de prestação de serviço não tivesse sido revogado. X. No que respeita à quantificação da indemnização são aplicáveis as disposições dos arts. 562º e seguintes do Código Civil. XI. No caso em apreço, em que o contrato teve uma duração de dois anos, se fossem aplicáveis as normas do Código do Trabalho, a indemnização seria a correspondente a 52 dias de trabalho, mais o equivalente em diuturnidades, havendo ainda que valorizar o facto de o contrato de prestação de serviço ter por objecto o resultado de um trabalho intelectual ou manual ao contrário do contrato de trabalho que apenas tem por objecto a simples prestação de uma actividade intelectual ou manual, sob a autoridade de outra pessoa. XII. Consequentemente, pondo de parte cálculos rigorosos ou quaisquer outras fórmulas matemáticas, o Tribunal deve recorrer à equidade para quantificar o que entende por justa indemnização.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – Relatório
AA instaurou, em 2 de Novembro de 2007, na 8.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra BB, Publicações, S.A., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 4.500,00, acrescida da quantia mensal vincenda de € 1.500,00, até Maio de 2008, e dos juros de mora desde o vencimento das prestações ou, subsidiariamente, a pagar-lhe a quantia de € 16.500,00, acrescida dos juros de mora desde a citação.
Para tanto, alegou, em síntese, que, em Maio de 2003, celebrou com a R. um contrato de prestação de serviço, pelo prazo de doze meses, tendo por objecto a prestação de serviços de produção de conteúdos editoriais, mediante o pagamento de honorários, o qual foi sendo renovado; em Junho de 2007, a Ré fez cessar o contrato, quando o seu termo estava acordado para Maio de 2008, tendo assim direito a receber os honorários até essa data, os quais, na altura da cessação do contrato, correspondiam à quantia mensal de € 1.500,00.
Subsidiariamente, alegou ainda a revogação do contrato, sem o seu acordo, estando a Ré obrigada a indemnizá-la pelos prejuízos sofridos.
Contestou a Ré, alegando que o contrato invocado pela Autora já não se encontrava em vigor em Junho de 2007, sendo lícita a cessação do respectivo contrato, e a inexistência da obrigação de indemnizar, e concluindo pela sua absolvição do pedido.
Replicou ainda a Autora, concluindo como na petição inicial.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que absolveu a Ré dos pedidos.
Não se conformando com a mesma, a Autora apelou, tendo a Relação de Lisboa negado provimento ao recurso e confirmado a decisão recorrida, com fundamento em que: (I) O contrato de prestação de serviço, mediante o qual alguém se obriga a elaborar páginas com texto e imagens sobre beleza, cosméticos e consumo, a publicar em jornal, não é um contrato para “determinado assunto”; (II) O prazo de dois meses é razoável como “antecedência conveniente”, para a revogação unilateral do contrato de prestação de serviço, com uma duração de dois anos; (III) Por isso, não se justifica o direito à indemnização pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviço, invocado com fundamento nos dois últimos pressupostos previstos na alínea c) do art. 1172.º do Código Civil.
Persistindo no seu inconformismo, a Autora vem recorrer, agora de revista, para este Supremo Tribunal, delimitando o objecto do recurso às seguintes conclusões:
“1. Estão verificados dois dos três requisitos previstos na alínea c) do art. 1172º do CC, a saber: a Autora foi contratada para determinado assunto e o contrato não foi revogado com a antecedência conveniente. 2. A verificação de qualquer um destes requisitos confere à A. o direito de ser indemnizada pela denúncia do contrato de prestação de serviços. 3. Relativamente ao ‘determinado assunto’ está o mesmo verificado porque a recorrente prestava os seus serviços no jornal para rubricas determinadas. 4. Estas rubricas balizavam o conteúdo editorial da prestação de serviços (um jornalista que escreve sobre jogos de futebol também presta serviços sobre ‘assuntos determinados’. 5. Relativamente à ‘antecedência conveniente’ e aplicando o raciocínio do Tribunal da Relação, conclui-se que a mesma tinha de ser feita com uma antecedência de pelo menos 4 meses. 6. A revogação só foi feita com a antecedência de 2 meses, pelo que tem a recorrente o direito de ser indemnizada. 7. Está assim demonstrada a ilegalidade da revogação do contrato de prestação de serviços perpretada pela Ré. 8. Neste momento só está em causa o pedido subsidiário da Autora. 9. A A. pede a título de indemnização pela revogação do contrato de prestação de serviços a quantia de 16.500,00 €. 10. Este valor não foi colocado em crise pela Ré.
(…)” (1)
Contra-alegou o Réu, pugnando pela confirmação do decidido nas instâncias, nomeadamente porque o mandato não foi conferido para determinado assunto nem foi denunciado com a antecedência necessária. Também, porque não há elementos que permitam concluir que a recorrente não tinha outros rendimentos não mensais. Mas se se entendesse que o aviso prévio devia ocorrer três meses antes da denúncia do contrato não haveria lugar a indemnização na medida em que pagou um mês a mais do que os dois meses dados de pré-aviso.
Foram colhidos os vistos legais.
II – Os factos materiais fixados pelas instâncias
“1. A A. começou a trabalhar para a Ré, em Outubro de 2002, no jornal 24 HORAS, propriedade da Ré, em regime de prestação de serviços como repórter na área do Jornalismo/Informação. 2. A 29 de Maio de 2003, Autora e Ré subscreveram o instrumento junto a fls. 6, denominado “contrato de prestação de serviços”, com o seguinte teor: “Primeira – Pelo presente contrato o (a) segundo (a) Outorgante obriga-se, como profissional liberal, a prestar à primeira outorgante, na área de Jornalismo / Informação todos os trabalhos relativos à produção de conteúdos editoriais da rubrica “Belas e Perigosas”. Segunda – A actividade do(a) segundo (a) outorgante será desenvolvida com e pelos seus próprios meios. Terceira – A prestação de serviços, objecto do presente contrato, será levada a cabo de acordo com o plano de actividades da Direcção Editorial do(a) primeiro(a) outorgante. Quarta – O presente contrato de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS não gera nem titula qualquer relação de trabalho subordinado, como é real e consciente a vontade de ambos os (as) outorgantes. Quinta – Os honorários devidos ao (à) segundo(a) outorgante, pela presente prestação de serviços, serão pagos à peça, pelo valor unitário ilíquido de € 62,50 (sessenta e dois euros) quando sugeridos pela segunda outorgante ou pelo valor unitário ilíquido de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) quando pedidos pela Direcção Editorial. Sexta – O (A) segundo outorgante deslocar-se-á às instalações da primeira sempre que tal se torne necessário para a execução do objecto do presente contrato de prestação de serviços, sendo que se compromete a garantir um mínimo de 10 (dez) peças por mês, salvo se houver acordo em contrário entre a segundo(a) outorgante e o Director Editorial da primeira. Sétima – O presente contrato tem o seu início em 1 de Junho de 2003, sendo celebrado pelo período de 12 meses, podendo ser renovado por períodos iguais e sucessivos, desde que não seja denunciado por qualquer das partes, com 30 dias de antecedência, para qualquer dos termos inicial ou de renovação. Oitava – As deslocações da segunda outorgante fora de Lisboa serão pagas mediante apresentação de documento, ao preço de € 0,34 Km, desde que devidamente justificadas e suportadas contabilisticamente.”. 3. Em Dezembro de 2004, a Ré propôs e a Autora aceitou cessar a sua participação na rubrica “Belas e Perigosas”, a partir de Março de 2005, traduzindo-se a participação em a A. se deslocar a determinados eventos e deixar-se fotografar com alguns dos presentes. 4. A 3 de Março de 2005, saiu no jornal 24 Horas a última reportagem da “Belas e Perigosas”. 5. Entre Março e Maio de 2005, a A. participou no programa da TVI denominado “Quinta das Celebridades”. 6. Entre Março e Maio de 2005, a A. acordou com a Ré elaborar uma coluna no jornal 24 Horas relativa à “Quinta das Celebridades”, o que a A. fez. 7. Na sequência do referido em 3, A. e Ré acordaram que a primeira realizaria duas novas rubricas “O que está a dar”e “Boa forma”, mediante o pagamento de uma avença mensal, consistindo tais rubricas na elaboração de páginas com texto e imagens sobre beleza, cosmética e consumo. 8. A primeira a publicar de acordo com a disponibilidade de espaço na revista e a segunda a publicar semanalmente. 9. Tendo por isso recebido uma avença mensal, que começou por ser de € 1 237,50, entre Maio e Junho de 2005, de € 1 262,50, de Agosto a Dezembro de 2005, e de € 1 515,00, a partir de Janeiro de 2006 até Junho de 2007. 10. A primeira reportagem da rubrica “O que está a dar” foi publicada no jornal 24 Horas, no dia 21 de Maio de 2005. 11. Em Abril de 2007, a Ré comunicou à A. a extinção das rubricas “Boa forma” e “O que está a dar”, a partir de Julho de 2007, devido a uma reestruturação da revista “24 Horas” e por aquelas rubricas não se enquadrarem nos projectos editoriais daquela. 12. A última reportagem da rubrica “O que está a dar” foi publicada na edição do jornal 24 Horas de 30 de Junho de 2007. 13. Em Junho de 2007, a A. recebia da Ré a quantia de € 1 500,00, acrescida de IVA e com retenção na fonte de 20 %. 14. Em Julho de 2007, a A. recebeu da Ré a quantia de € 1 515,00, relativa a € 1.500,00 de honorários, acrescida de IVA no montante de € 315,00 e com retenção na fonte de € 300,00. 15. O único rendimento mensal da A., entre 2003 e 2007, foi os honorários recebidos da Ré”.
III – Fundamentação jurídica
O presente recurso mostra-se delimitado pela questão da indemnização, agora reduzida ao pedido subsidiário de € 16.500,00 e juros de mora, a que a Autora/recorrente terá eventualmente direito pela revogação unilateral do contrato de prestação de serviço que celebrou com a Ré/recorrida e, mais concretamente, conforme alega, se foi violada a alínea c) do art. 1172º, aplicável ex vi do art. 1156º, ambos do Código Civil (CC, por vezes, doravante), por se mostrarem preenchidos dois dos seus três requisitos, a saber: (i) a Autora foi contratada para praticar determinado assunto; (ii) o contrato não foi revogado com a antecedência conveniente.
Conforme vem demonstrado das instâncias, o contrato em apreço, no que ora releva, teve como clausulado que: “(6) Entre Março e Maio de 2005, a A. acordou com a Ré elaborar uma coluna no jornal 24 Horas relativa à “Quinta das Celebridades”, o que a A. fez; (7) Na sequência do referido em 3, A. e Ré acordaram que a primeira realizaria duas novas rubricas “O que está a dar”e “Boa forma”, mediante o pagamento de uma avença mensal, consistindo tais rubricas na elaboração de páginas com texto e imagens sobre beleza, cosmética e consumo; (8) A primeira a publicar de acordo com a disponibilidade de espaço na revista e a segunda a publicar semanalmente; (9) Tendo por isso recebido uma avença mensal, que começou por ser de € 1 237,50, entre Maio e Junho de 2005, de € 1 262,50, de Agosto a Dezembro de 2005, e de € 1 515,00, a partir de Janeiro de 2006 até Junho de 2007”.
O negócio jurídico acabado de enfocar integra um contrato de prestação de serviço, com retribuição, conforme previsão do art. 1154º do Código Civil, que tem por objecto o resultado de um determinado trabalho intelectual, o que o diferencia do contrato de trabalho, que se caracteriza pela a subordinação jurídica, tendo por objecto o trabalho em si.
As modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei prevê são o mandato, o depósito e a empreitada – art. 1155º do CC.
O contrato de prestação de serviço objecto da nossa interpretação reveste uma modalidade não prevista no Código Civil nem em legislação avulsa conexa, pelo que o podemos classificar de inominado.
As disposições sobre o contrato de mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regula especialmente, por força do art. 156º do CC, e, nomeadamente, no que importa à economia do acórdão, as matérias relacionadas com a revogação do contrato e a equidade previstas nos arts. 1170º, n.º 1, e 1172º, alínea c), do CC.
No caso dos autos, no que ora releva, são então aplicáveis os arts. 1170º, que tem por epígrafe “Revogabilidade do mandato”, que estabelece a livre revogabilidade por qualquer das partes que subscreveram o mandato, e 1172º do CC, que tem por epígrafe “Obrigação de indemnização”, e cujo corpo estabelece que “a parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer”.
Previamente, importa convocar, interpretar e, eventualmente, aplicar a alínea c) do referido normativo, que prevê o direito à indemnização “se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente”.
No caso que nos ocupa, não oferecendo dúvidas que a revogação do contrato partiu do contraente, que o mesmo é oneroso e que não foi conferido por certo lapso de tempo, importa apurar se foi conferido para “determinado assunto” e (ou) se foi revogado “sem a antecedência conveniente”.
A Relação afastou o segmento “determinado assunto”, por ponderar que o contrato em apreço não tinha esse objecto, não obstante a actividade que justificou o contrato fosse determinada, já que “o objecto dessa actividade era genérico, não sendo possível surpreender qualquer delimitação objectiva da prestação de serviço acordada. Os títulos das rubricas são indiferentes e serviram apenas para a identificação do respectivo conteúdo editorial”.
Afastou, igualmente, o segmento “antecedência conveniente”, por ponderar que o prazo de dois meses era razoável para a Autora “poder acautelar os seus interesses, dada a duração do contrato correspondente a
dois anos” e porque “a matéria de facto dos autos é insuficiente para se caracterizar uma situação de dependência económica” da mesma em relação à Ré, “porquanto não está demonstrado que a primeira não tivesse outros rendimentos que não fosse o da retribuição paga”.
Na interpretação da alínea c) do art. 1172º, que estabelece que a parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer, “se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente”, entendemos que se verifica o direito a indemnização ao mandatário se se mostrar preenchido qualquer um dos referidos requisitos, não sendo necessário cumulá-los, bastando verificar-se, por conseguinte, que o mandato, sendo oneroso, foi conferido por certo tempo, ou para determinado assunto, ou, finalmente, que foi revogado sem a antecedência conveniente.
Temos como assente que in casu a revogação procedeu do mandante, que o mandato é oneroso e que foi conferido por tempo indeterminado, restando interpretar e decidir se o contrato foi celebrado “para determinado assunto” e se foi revogado “sem a antecedência conveniente”.
Na doutrina, o único apontamento relevante que encontramos a propósito do segmento “mandato conferido para determinado assunto” fomos encontrá-lo em JANUÁRIO GOMES, que escreveu: “o mandato é conferido para determinado assunto quando não se encontra pré-fixada a sua duração, a qual dependerá, indirectamente, do tempo necessário para praticar o acto ou actos concretos, objecto do contrato” (2).
Ora, um contrato de prestação de serviço, pelo qual se contrata alguém para realizar duas rubricas, devidamente intituladas, para determinado jornal, consistindo tais rubricas na elaboração de páginas com texto e imagens sobre beleza, cosmética e consumo, a primeira a publicar com a disponibilidade de espaço na revista e a segunda semanalmente, mediante retribuição pré-fixada e sem limitação temporal, cabe na previsão da alínea c) do art. 1172º do CC, por caber no conceito “determinado assunto”.
Na verdade, o conteúdo do contrato em apreço não é absolutamente genérico, conforme alega o recorrente, mas apresenta balizas bem definidas, pré-determinadas pelos títulos e pelas matérias a tratar nas duas rubricas nele contempladas, embora deixando à contratada liberdade e criatividade para a respectiva elaboração.
Mostra-se assim preenchido o requisito da alínea c) do art. 1172º do CC.
Já quanto ao segmento revogação do contrato “sem antecedência conveniente”, concordamos com o decidido pela Relação.
Com efeito, na lição de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “A antecedência conveniente supõe, como se exprimia o Código de 1867 (art. 1368º), o tempo necessário para prover os seus interesses (do outro contraente)” (3).
Ou, como discorre JANUÁRIO GOMES:
“O cálculo dessa ‘antecedência’ depende de múltiplos factores, a considerar caso a caso, nomeadamente o tempo, já decorrido, de relação contratual e o grau de empenhamento do mandatário na actividade desenvolvida; é assim lógico que a antecedência conveniente seja superior, v. g., nos casos em que o mandatário exerce em exclusivo e por profissão o mandato em o mandante pretende denunciar do que naqueles em que o mandatário não exerce aquele mandato em exclusividade.
Ao denunciar o contrato, o mandante especifica ou delimita o objecto do mandato, dando a conhecer ao mandatário o tempo de subsistência da relação contratual. É justo, porém, que tal lhe seja comunicado em tempo de prover para organizar a sua vida, procurando eventualmente um novo dominus” (4).
In casu, tendo sido celebrado um primeiro contrato de conteúdo similar, com a duração de 12 meses, renovável por períodos iguais e sucessivos, que podia ser denunciado por qualquer das partes, como o foi, com 30 dias de antecedência, para qualquer dos termos inicial ou de renovação, o prazo de 60 dias para a revogação do segundo contrato – o que se encontrava em vigor à data dos factos – que o mandante concedeu à contratada, mesmo tendo esta como único rendimento a retribuição auferida no jornal para o qual prestava serviço, é razoável para esta solucionar os seus problemas de subsistência.
Evidenciamos acima a proximidade entre os contratos de prestação de serviço e de trabalho.
Nesse entendimento, anote-se que, no caso de cessação do contrato de trabalho por caducidade de contrato de trabalho a tempo incerto, quer a previsão do art. 389º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003, quer a previsão art. 345º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 estabelecem que a comunicação do empregador é feita ao trabalhador com a antecedência de 7, 30 ou 60 dias, conforme o contrato tenha durado até 6 meses, de 6 meses a 2 anos ou por período superior, sendo que na situação dos autos o contrato revogado teve uma duração pouco superior a 2 anos.
A similitude de normativos e a clássica proximidade entre estes tipos de contratos, sempre chamada à colação, apontam inequivocamente no sentido de a comunicação ter sido feita pelo Ré à Autora com antecedência que podemos considerar conveniente.
Finalizando, no que se reporta à alínea c) do art. 1172º do CC, não se mostra preenchido o segundo requisito alegado pela recorrente.
De qualquer modo, como supra esclarecemos, basta o preenchimento de um dos requisitos previstos na alínea c) do art. 1172º do Código Civil, que na situação em apreço é a de nos confrontarmos com a revogação unilateral de um contrato de prestação de serviço “para determinado assunto”, para que a parte que o revogar tenha a obrigação de indemnizar a outra parte.
A propósito do art. 1172º ensinam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA:
“A obrigação de indemnização não supõe, em nenhum dos casos referidos neste artigo, a prática de um acto ilícito ou o não cumprimento de uma obrigação contratual, o que estaria em desacordo com o direito à revogação do mandato, conferido a qualquer das partes pelo n.º 1 do artigo 1170º, não obstante a convenção em contrário ou renúncia a esse direito.
Não se tratando, embora, de responsabilidade extracontratual ou contratual, nem estando o dever de indemnizar dependente de culpa por parte daquele que revogou o mandato, não deixam de ser aplicáveis as disposições dos artigos 562º e seguintes, de acentuado interesse, sobretudo no que respeita á fixação da indemnização. É mais um dos múltiplos casos em que com propriedade se pode falar, no nosso sistema jurídico, em responsabilidade fundada na prática de factos lícitos” (5)
Deparamos neste normativo com a consagração da responsabilidade pela violação do princípio da confiança, que surge como um dos princípios fundamentais por que se deve reger o ordenamento jurídico. Aliás, conforme se escreveu no acórdão do STJ de 16 de Setembro de 2008 (6), a ratio da previsão da alínea c) do art. 1172º do CC é a tutela da confiança, tutelando-se o direito do mandatário à retribuição do mandato (no nosso caso, da prestação de serviço), pois que um dos pressupostos da responsabilidade do mandante-revogante é que o mandato seja retribuído.
Nessa medida, ocorre prejuízo para o contratado, que se traduz na perda da retribuição a que tinha direito, devendo a indemnização colocá-lo na situação patrimonial que teria se o contrato de prestação de serviço não tivesse sido revogado.
Ora, como as partes não acordaram qualquer cláusula penal para o caso da revogação do contrato, urge quantificar o montante indemnizatório nos termos que mais se aproximem da realidade pré-figurada.
A autora/recorrente auferiu a retribuição mensal de € 1.237,50, entre Maio e Junho de 2005, de € 1.262,50, de Agosto a Dezembro de 2005, e de € 1.515,00, a partir de Janeiro de 2006 até Junho de 2007, tendo auferido a última retribuição no mês de Julho de2007, no montante de € 1 515,00, relativa a € 1.500,00 de honorários, acrescida de IVA no montante de € 315,00 e com retenção na fonte de € 300,00.
Pede, a título de indemnização pela revogação do contrato de prestação de serviços a quantia de € 16.500,00, correspondente a onze meses de retribuições, que, segundo alega, mas sem razão, não terá sido impugnada pela Ré. Porém, a Ré, logo na contestação, contra-articulou a inexistência da obrigação de indemnizar, em jeito de defesa que reforçou nas suas contra-alegações para o Supremo.
O montante pedido mostra-se exagerado, nomeadamente porque o contrato em crise foi celebrado sem limite temporal, ao contrário do primeiro que foi revogado, que era anual, podendo ser livremente revogado a todo o tempo, desde que a comunicação fosse feita com a antecedência conveniente, como no caso ocorreu.
No que respeita à fixação da indemnização são aplicáveis as disposições dos arts. 562º e seguintes do Código Civil (7).
Nessa conformidade, a indemnização deve ser fixada em dinheiro, mas como não pode ser averiguado o valor exacto dos danos, devemos recorrer à equidade, dentro dos limites da prova que o processo fornece, nos termos do art. 566º do CC.
Para melhor nos alicerçarmos na busca de uma indemnização equitativa, traremos de novo à colação o Código do Trabalho, que prevê situações de algum modo similares.
Ora, o n.º 4 do art. 389º do Código do Trabalho de 2003 estabelece que a cessação do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação calculada nos termos do n.º 2 do art. 388º, ou seja, uma compensação correspondente a três ou dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respectivamente, não exceda ou seja superior a seis meses, o mesmo estabelecendo o n.º 2 do art. 344º do Código do Trabalho vigente.
No nosso caso, o contrato teve uma duração de dois anos e dois meses, pelo que, caso fossem aplicáveis as normas do Código do Trabalho, a indemnização seria correspondente à retribuição base de 52 dias de trabalho, a que acresceria o equivalente em diuturnidades, que mais não são do que uma forma de compensar a fidelização ou antiguidade emergentes da relação laboral.
Teremos ainda que valorizar o facto de o contrato de prestação de serviço ter por objecto o resultado de um trabalho intelectual ou manual ao contrário do contrário do contrato de trabalho que tem apenas por objecto a simples prestação de uma actividade intelectual ou manual, porém sob a autoridade de outra pessoa.
Dentro desses limites, pondo de parte cálculos rigorosos ou quaisquer outras fórmulas matemáticas, o Tribunal, dentro da margem de actuação que o recurso à equidade consente, entende razoável que o montante a fixar, sem que neste apuramento final entre tudo quanto já foi pago à Autora, seja o equivalente à retribuição de três meses que a Autora auferia aquando da revogação do contrato de prestação de serviço, o que corresponde a € 1.500,00 X 3 = € 4.550,00 (quatro mil e quinhentos euros), com juros de mora a partir da citação.
Termos em que se concede parcial provimento à presente revista, condenando-se a Ré BB, Publicações, S.A. a pagar à Autora AA a quantia € 4.550,00 (quatro mil quinhentos e cinquenta euros), com juros de mora devidos a partir da citação.
Custas pelo Recorrido e pela Recorrente na proporção do decaimento.
Lisboa, 7 de Julho de 2010
Barreto Nunes (Relator)
Orlando Afonso
Cunha Barbosa
__________________
(1) Os negritos são da nossa lavra.
(2) Em Tema de Revogação do Mandato Civil, Almedina, 1989, pp. 272-275.
(3) Ob. cit., p. 494. (4) Ob. cit., p. 274.
(5) Código Civil anotado, volume II, Coimbra Editora, 1968, pp. 493-494.
(6) Processo n.º 08A1941.
(7) Cfr., neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., p. 493.